A brisa do fim de tarde serviu para refrescar após um dia ensolarado, ideal para um banho de cachoeira e passeio à cavalo. Foi assim que a família passou toda a manhã na fazenda, comemorando o dia de ação de graças. A casa estava mais cheia do que o normal, e as gargalhadas de Beatriz, filha de Eduardo e Laura, juntamente com as de Catarina, preenchiam o lado externo da casa. Para as duas crianças, uma manhã de brincadeiras e divertimento. Para os adultos, descanso. Era tudo o que precisavam depois de uma semana cheia de trabalho e responsabilidades. A reunião dos amigos e familiares na área externa, próxima de onde as crianças brincavam, não serviu apenas para boas gargalhadas e lembranças de um tempo antigo, mas também para agradecer.
Agradecer pelos amigos...
- Fernando, pelo amor de Deus! Deixa de ser bobo! – Omar exclamou, batendo a mão à mesa. – Como você pode achar que aquele seu timinho fraco vai vencer alguma coisa?
- Omar, eu não vou discutir mais sobre isso com você. – Fernando colocou os óculos de sol no rosto. – Eu lido com fatos, apenas.
- Quero que me dê motivos para acreditar. Ele vem perdendo todos os jogos da temporada.
- Eu não acredito que estão brigando por time de futebol. – Eduardo comentou. – Eu preferia quando Fernando não torcia para time nenhum.
- Reclame isso com a Lety, foi ela que me fez despertar um gosto por futebol.
Eduardo balançou a cabeça.
- Quer saber? Você deveria ter mais uma menina, porque eu estou com pena do garoto porque vai ser obrigado a torcer por time ruim. – Omar disse.
- Time ruim é o seu! De qualquer maneira, Catarina também assiste aos jogos comigo. Eu poderia ter outra menina e ela também torceria.
- Coitada!
- É tão bom estar com os amigos... – Eduardo suspirou, encostando-se à cadeira.
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- Você precisa me dar a receita dessa farofa, Lety. – Estefânia disse quando as mulheres estavam todas reunidas na cozinha preparando a ceia para o jantar.
- Mas é claro, Vovó. – Lety sorriu. – Não é um segredo ou algo do tipo. Pelo menos eu acho, não é mamãe?
- Entre família não há segredo. – Julieta sorriu. – Se quiser, eu te explico a receita agora mesmo, Estefânia.
- Ah, eu adoraria! Vamos até a sala, lá eu tenho um caderninho para anotá-la.
- Eu também vou querer! – Terezinha se apressou para acompanhá-las até a sala.
- Você é muito paparicada aqui. – Márcia comentou roubando um tomate da vasilha em que Carolina fazia a salada. – Dona Estefânia deve adorar quando vem aqui.
- Isso é porque você não viu como ela é com Fernando. – Lety riu. – Agora, quer por favor parar de comer os tomates e nos ajudar com a comida?
- Ah! Obrigada! – Carolina exclamou. – Pensei que teria que pedir Laura para picar outro tomate porque esse iria acabar logo.
- Eu não vou picar outro. – Laura riu. – Márcia também tem que fazer alguma coisa.
- Eu estou fazendo! Estou provando a comida!
- Você não tem vergonha na cara, Márcia? – Carolina colocou as mãos à cintura.
- Vocês são muito chatas! Deus me livre casar para ficar assim!
- Mas era o que você devia fazer, se casar. – Carolina a provocou.
- Eu só vou me casar quando o Brad Pitt descer do céu e me pedir em casamento. Nesse dia, meu amor, eu digo “sim” quantas vezes ele quiser.
- Não deseja muito que acontece. – Lety disse e todas riram.
Agradecer à vida...
- Papai! Encontramos um tatuzinho! – Catarina correu até Fernando. – Olha.
A garota abriu uma das mãos, revelando um minúsculo bichinho.
- Que legal! – Fernando exclamou. – Você vai colocá-lo de volta com a família dele?
- É claro que sim!
- Então vá lá.
Catarina voltou para o local onde brincava e Fernando suspirou, sorrindo.
- Catarina adora bichos. – Falou com certo orgulho. – Tenho certeza que vai ser uma veterinária ou uma bióloga.
- Bia já é diferente. Gosta de números. – Eduardo disse. – Vai se dar bem em qualquer área de exatas.
- Elas são crianças ainda, como sabem o que vão querer ser? – Omar questionou. – Eu só fui descobrir qual faculdade fazer quando fiz dezoito anos.
- Isso porque seu pai obrigou você a escolher alguma coisa e você escolheu o mesmo que Fernando só para não se separarem. – Eduardo zombou.
- Além do mais, nossas filhas não serão como você. – Fernando provocou. – Principalmente porque sabem fazer escolhas certas na vida. Não é como certas pessoas...
- O seu time é ruim, Fernando, aceite!
- O seu que é ruim!
- Lá vamos nós de novo... – Eduardo suspirou.
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- Todo esse lugar foi o meu pai quem construiu. Pouco a pouco. – Humberto disse orgulhoso.
- É muito bonito. – Respondeu Erasmo.
Os dois caminhavam em volta da casa.
- Eu queria ter passado mais tempo aqui. Acho que não aproveitei como deveria. Sorte é dessa geração de agora, que tem muito o que aproveitar. Por isso sempre digo à Fernando para trazer Catarina sempre que possível. Ela não vai ter arrependimentos.
- Eu já pensei em ter uma fazenda assim, mas não tenho condições suficientes para isso. E também não sei se eu conseguiria cuidar de um lugar tão bem.
- Ah, isso é verdade. Precisa ter paixão. Papai adorava morar aqui, adorava os seus animais, adorava tudo isso. Queria que Fernando ao menos tivesse essa mesma paixão, para cuidar disso daqui. Mas, ele é como eu.
- Bom... Você terá mais uma chance para isso. Talvez alguém goste tanto quanto seu pai gostou. – Erasmo sorriu e Humberto entendeu exatamente o que ele quis dizer. E então, retribuiu o sorriso.
E agradecer principalmente à família...
Depois que Estefânia anunciou que a ceia estava servida, todos adentraram a casa e ocuparam seus lugares à mesa. Elogios sobre a mesa e sobre a farta refeição eram feitos à todo o momento, por todos, inclusive pelas crianças. A casa jamais ficara tão cheia, e Estefânia suspirou satisfeita, sentindo-se realizada.
- Vamos fazer os agradecimentos antes de nos deliciarmos com essa refeição maravilhosa preparada por todas as mulheres? – Ela perguntou e todos se calaram. – Hoje eu queria que outra pessoa começasse com os agradecimentos. Fernando, pode fazer as honras?
- Eu? – Fernando a olhou surpreso.
- Sim, por favor.
Ele olhou para Letícia e ela sorriu, incentivando-o. Fernando se levantou e deu um longo suspiro, tentando improvisar os agradecimentos. Jamais havia feito isso antes, e era o primeiro ano que sua avó lhe pedia isso, desde quando se tornou rotina passar as datas especiais em sua casa.
- Bom... Eu sou grato por ter uma vida ótima... – Falou um pouco envergonhado. – Por ter ótimos amigos, uma ótima família, uma ótima filha, e uma ótima esposa. – Ele olhou para Lety. – E queria agradecer por estar... Muito, muito feliz. – A vergonha parecia ter passado e Fernando sorriu abobado, enquanto olhava para Lety. – Principalmente agora, que nossa família ficará ainda maior.
Letícia acariciou sua barriga de sete meses e sorriu para ele.
- E sou grato por tudo o que tem acontecido comigo durante esses anos, que jamais imaginei que poderia ser tão feliz. E... É isso. – Ele sorriu sem jeito e todos aplaudiram.
- Foi lindo. – Lety sussurrou quando ele voltou a sentar-se ao seu lado.
Fernando sorriu agradecido e Estefânia tomou a palavra.
- Faço das palavras de Fernando as minhas. – Disse sorridente. – Hoje pela primeira vez em muitos anos essa casa está cheia. Nos últimos anos, tive o prazer de ter minha família de volta, e ainda melhor do que era, depois da chegada de Lety e Catarina. E agora, não poderia estar mais feliz com todos vocês aqui, que também considero parte da família. Só gostaria de acrescentar que sou grata por ter tido a oportunidade de ver o meu único neto se casar, se tornar um homem maduro e por constituir uma família tão linda. E agora, mais feliz ainda com a chegada de um novo bisneto. – Ela sorriu emocionada. – Eu só tenho a agradecer.
Novamente todos aplaudiram, e dessa vez, ergueram suas taças para um brinde.
- Agora, vamos nos deliciar!
- Márcia se esqueceu de agradecer que está mais um ano solteira. – Omar brincou e todos riram.
- Com muito orgulho, meu amor! – Respondeu estufando o peito.
O jantar de ação de graças seguiu animado como foi durante todo o dia. Aquele feriado se tornou o preferido de todos a partir daquele dia. Principalmente para Estefânia, que sentia-se realizada por estar rodeada de pessoas que a faziam bem.
•••
6 ANOS DEPOIS...
Fernando chegou em casa e logo ouviu a voz alterada de Catarina. Preocupou-se, já que não costumava ouvir gritos dentro de casa, mesmo com uma adolescente de quatorze anos morando nela. Antes que ele seguisse a voz alterada, Catarina desceu as escadas batendo os pés.
- Ei! – Fernando falou quando ela ia passar por ele feito um furacão. – O que aconteceu?
- Ele fez de novo, papai! De novo! – Disse prestes a soltar fogos pela boca.
- Calma. – Fernando tocou nos ombros da filha. – Respira.
Catarina respirou fundo e pareceu ter se acalmado.
- Agora me diz quem fez o que.
- Pablo!
- O que ele fez?
- Olha lá fora que o Senhor vai saber.
Dizendo isso, Catarina saiu batendo os pés pela casa. Fernando ainda confuso andou até a janela e viu Spike correr pelos jardins com uma saia. Ele não queria achar graça da situação, mas não conseguiu prender o riso. Normalmente Lety era quem apaziguava as raras situações de desentendimento entre os irmãos, e Fernando achou melhor procurar por ela. Andou pela casa até ouvir a voz dela vinda da sala de jantar.
- Espere só o seu pai chegar, Pablo Vicenzo! Espere só!
- Mas eu não fiz nada! – Choramingou o garotinho, sentado à cadeira enquanto balançava os pés.
- Oi. – Fernando escorou-se à porta. – O que está acontecendo.
- Ah! Viu só? Ele chegou! – Letícia colocou as mãos à cintura. – Já é a segunda vez que o seu filho pega uma roupa da irmã e coloca no Spike.
Mais uma vez Fernando teve vontade de rir, mas dessa vez, pela paz mundial, achou melhor se esforçar para não deixá-lo escapar.
- E desde quando Spike usa roupas de mulher? – Ele olhou para Pablo, que ergueu a cabeça com um meio sorriso. – Pablo...
- Eu vi em um filme.
Letícia suspirou tão alto que chamou a atenção dos dois para ela.
- Você já sabe que vai ficar de castigo, não é?
- Eu sei. – O garotinho suspirou triste. – Mas, posso ficar de castigo com os meus brinquedos?
- Impressionante! – Letícia escorou-se à mesa.
- Não, filho. Não pode ficar de castigo com seus brinquedos. É por isso que se chama castigo. – Fernando respondeu pacientemente.
- Está bem. Então, posso ficar com a televisão?
Fernando pensou por um tempo, e achou que não teria nada de mais em permitir a televisão. Ele não tinha o costume de castigar os filhos, até porque raramente se metiam em encrenca, embora Pablo tivesse um gosto maior por diversões do que Catarina.
- Pode.
- Eba!
Letícia olhou perplexa para ele enquanto Pablo pulou da cadeira e correu, deixando os dois a sós.
- Você é impressionante, Fernando. – Ela cruzou os braços. – Onde já se viu dar castigo e deixar a televisão?
- E o que é que tem?
- Ele tem o videogame na televisão! Obviamente vai jogá-lo e não vai se importar de ter ficado sem os brinquedos.
Fernando achou graça da situação e se aproximou de Letícia.
- Pode me cumprimentar agora?
- Eu fico louca com esses dois de férias dentro de casa. – Letícia brincou com um dos botões da camisa de Fernando. – Bem que você poderia tirar férias também...
Fernando sorriu, segurando em sua cintura.
- Vou ter que trancar o guarda roupa de Catarina ou Spike vai usar todas as suas roupas. Já que o pai daquela criança não dá castigos para ele. – Ela disse divertida e Fernando riu.
- Ele está na fase de aprontar. Lembro que quando tinha seis anos eu fazia muito pior.
- Então vou deixar que cuide de toda a bagunça quando chegar do trabalho.
Ele se aproximou com um sorriso divertido e a beijou.
- Senti saudades. – Sussurrou meio ao beijo.
- Eu sempre sinto. – Ela entrelaçou seus braços em volta do pescoço dele. – Hoje a noite poderíamos aproveitar um pouco... O que acha?
- Acha que conseguimos? – Ele sorriu malicioso, mas antes que Letícia pudesse responder, ouviram um choro agudo ecoar pela sala.
Os dois viraram-se para a babá eletrônica e depois se olharam, como se a pergunta dele já tivesse sido respondida.
- Nós daremos um jeito. – Letícia lhe deu um rápido beijo. – Prometo.
Fernando sorriu e a observou se afastar com a babá eletrônica.
•••
Pablo parou à porta do quarto da irmã e a observou deitada em sua cama enquanto ouvia música. Ela o olhou algumas vezes, mas permaneceu em silencio, esperando que ele dissesse o que estava fazendo ali. Mas, há alguns minutos que ele estava ali, parecendo amedrontado, ela o encarou por cima do livro que estava lendo e suspirou.
- O que você quer?
- Eu posso entrar?
- Agora quer a minha permissão?
- Por favor.
A garota revirou os olhos e sentou-se.
- Entra.
Ele correu em direção à sua cama e pulou, olhando-a.
- Posso dormir com você hoje?
- Por quê?
- Está chovendo. E relampeando.
- Porque não vai dormir com a mamãe?
- Ela acorda toda hora para olhar a Estefânia. Eu não consigo dormir direito.
- Eu ainda estou brava com você.
- Me desculpe.
- Eu não ouvi.
O garotinho suspirou.
- Me desculpe! – Falou mais alto.
- E o que mais?
- Eu prometo que não vou mais mexer nas suas coisas.
- E?
- E prometo que vou colocar apenas roupas do papai no Spike.
Catarina riu e passou a mão na cabeça do irmão, bagunçando o seu cabelo.
- Está desculpado.
- Obrigado! – Animado, ele se deitou ao lado dela, ocupando metade do espaço na cama. – O que está lendo?
- Um livro.
O garoto suspirou revirando os olhos.
- É um livro de romance.
- Credo!
- Ei, eu não critico os seus jogos.
- Desculpe.
Catarina se ajeitou no espaço que sobrou em sua cama e voltou sua atenção para o livro.
- Pode ler em voz alta?
- Eu pensei que não gostasse.
- Eu não gosto, mas eu gosto quando lê para mim.
Catarina sorriu e iniciou a leitura. Embora fosse oito anos mais velha que Pablo, os dois tinham uma relação muito próxima, assim como toda a família. Apesar de algumas vezes a harmonia fugir de controle, no fim um sempre pedia desculpa para o outro e se resolviam. Em poucos minutos que Catarina lia a história em voz alta, Pablo adormeceu ao seu lado.
Do lado de fora, sem que eles pudessem ver, Letícia observava a cena com um sorriso abobado. Fernando se aproximou e ela fez sinal para que ele fizesse silencio.
- O que foi? – Ele sussurrou.
- Pablo pediu para dormir com ela.
- Os relâmpagos?
- Sim.
Fernando riu e olhou por cima da cabeça de Lety. Catarina também havia adormecido com o livro em suas mãos.
- E a Fanny?
- Dormiu. – Fernando respondeu. – Acho que agora podemos aproveitar que a casa está adormecida, não acha?
Letícia sorriu marota e puxou Fernando pela mão, arrastando-o em direção ao seu quarto. Mal fecharam a porta quando ele a prendeu na parede, beijando-a. Letícia rapidamente desabotoou a camisa dele, em tempo de arrancar todos os botões. Fernando jogou sua camisa do outro lado do quarto e voltou a beijá-la, segurando uma de suas pernas prendendo-a em sua cintura.
- Lety... – Ele sussurrou enquanto beijava o pescoço dela.
- Hum?
- Vamos viajar.
- Podemos falar sobre isso depois. – Respondeu ofegante, fechando os olhos ao sentir o contato dele por toda a sua pele.
- Não, vamos falar agora. – Ainda pressionando-a contra a parede, ele tomou um tempo para olhá-la. – Vamos viajar. A família toda.
- E o seu trabalho?
- Eu pedi uns dias de férias.
- Pediu? Pediu para quem?
- Na verdade, eu me dei alguns dias de férias.
Letícia riu.
- Quero aproveitar nossa família. Quero aproveitar nossos filhos. E principalmente, quero aproveitar você.
- E para onde vamos?
- Isso nós podemos resolver amanhã. Só quero saber se você quer.
- É claro que quero.
- Ótimo. Podemos voltar ao que interessa. – Sorriu malicioso.
Ele a pegou no colo e Letícia soltou uma gargalhada.
•••
- Acapulco!
- Paris!
Fernando e Letícia se olharam.
- Paris é chata! – Pablo disse.
- Como sabe se nunca foi? – Catarina perguntou?
- E como sabe se é legal se você também nunca foi?
- Isso não faz sentido.
- Acapulco é muito mais legal!
- Não é não!
- Muito bem! – Fernando interrompeu a briga. – Já que vocês não conseguem entrar em um acordo, Lety e eu vamos escolher.
Os dois suspiraram, cruzando os braços.
- Para onde você gostaria de ir, amor? – Perguntou à Lety.
- Eu acho que... Nova Iorque. – Lety disse enquanto prendia os cabelos da pequena Estefânia com um laço.
- Sim! Nova Iorque! Por favor! – Catarina exclamou. – Podemos fazer compras!
- Ou você quer ir só porque tem garotos bonitos lá? – Pablo a provocou. – Eu ouvi você falando com a Bia sobre isso.
- Pablo!
- Como é que é? – Fernando perguntou abismado. – Não. Corta Nova Iorque. Não vamos para Nova Iorque!
- Acho que Nova Iorque não seria o lugar ideal para a família toda.
- Tem razão. – Fernando concordou. – O intuito dessa viagem é passarmos um tempo em família.
- Eu vou dar a minha opinião... – Fernando levantou a mão. – Poderíamos ir a um hotel fazenda.
- Sim! – Letícia e Pablo concordaram.
- Catarina?
- Eu não sei. Ainda estou analisando as opções.
- Então eu vou analisar as opções para você... No hotel fazenda não tem garotos bonitos.
- Papai!
- Fernando...
- Nós vamos. – Fernando se levantou. – Está decidido.
- Oba! – Pablo comemorou.
Catarina suspirou emburrada.
- Vou arrumar a minha mala! – Pablo pulou do sofá e correu pela casa.
- Mas não vamos amanhã, Pablo! – Letícia disse, mas o garoto não a escutou.
- Que história é essa que anda falando de garotos com a Beatriz? – Fernando cruzou os braços olhando-a.
- Eu não falei isso! Só estávamos... Falando sobre... Algumas coisas.
- Fernando, você está deixando ela envergonhada. – Letícia ralhou, virando-se para Nina. - Meu amor, por que não sobe para separar suas roupas?
Ela se levantou imediatamente e saiu sem precisar falar duas vezes. Letícia olhou para Fernando com seriedade e ele franziu as sobrancelhas.
- O que foi?
- Como o que foi? E esse ataque de ciúmes?
- Eu só falei que ela não tem idade para falar esse tipo de coisa.
- Nem você e nem Pablo tem que ficar prestando atenção nisso, e eu já disse várias vezes. Ela está na idade de pensar em garotos, e nada mais normal do que falar sobre isso com sua melhor amiga.
- Primeiro eu tive que aceitar que ela se tornasse amiga do tal Marcos, e agora tenho que aceitar ela falar de garotos?
- Você não tem que aceitar nada, apenas respeitar. Você sabia muito bem que essa hora ia chegar.
Estefânia caiu para o colo de Fernando e ele a segurou.
- E não adianta ficar com essa cara. – Letícia sorriu. – Você ainda tem que se preocupar com mais uma. – Ela apontou para a bebê.
- Pelo amor de Deus, Lety. Ela não tem nem um ano!
- Mas um dia terá quatorze. Espero que até lá você pare com esse ciúme. – Letícia se aproximou e beijou seu rosto. – Vou subir para ajudá-los.
Ela se afastou e Fernando olhou para Estefânia, que se divertia com o botão de sua camisa.
- Você não vai crescer e deixar o papai de cabelos brancos, não é? – Perguntou à garotinha, que sorriu ao ouvir sua voz. – Se até lá eu ainda tiver algum fio de cabelo escuro...
Estefânia gargalhou, como se entendesse o que Fernando acabara de dizer.
•••
Catarina terminava de arrumar sua mala quando ouviu batidas à porta.
- Pode abrir!
Fernando abriu a porta e a olhou.
- Posso entrar?
- Sim!
Ele adentrou o quarto e se aproximou, sentando-se à cama.
- Já está arrumando sua mala? Só vamos daqui a alguns dias.
- Só algumas coisas que eu não posso esquecer.
Fernando ficou um tempo em silencio enquanto Catarina andava pelo quarto pegando coisas em sua cômoda e colocando-as em uma mala.
- Você não quer ir a essa viagem?
Ela parou, olhando-o.
- Eu não disse isso...
- Você não pareceu feliz.
- Eu fiquei.
- Então se chateou pelo que eu disse?
- Um pouco.
Fernando suspirou.
- Desculpe. Eu não quis envergonhá-la ou ser rude.
- Eu sei.
- Só não... Me acostumei ainda que esteja crescendo tão rápido.
Ela sorriu.
- Eu sei.
- Não é minha intenção parecer um pai insuportável que proíbe a filha de conversar com outros garotos. Eu só não me acostumei com a idéia ainda.
- O que Pablo disse foi um exagero. Não estávamos falando sobre isso. Apenas surgiu o assunto.
- Você não precisa se explicar para mim. Eu tenho que entender que você em algum momento vai ter um na... Um na...
- Um namorado?
Fernando a olhou tenso.
- Sim.
Catarina riu e sentou-se ao lado dele.
- Eu não quero me preocupar com isso agora.
- É sério?
- É claro. Tenho tantas coisas para me preocupar. Papai, eu tenho quatorze anos, isso não quer dizer que sou como todas as outras garotas da minha idade que só pensa em garotos e dar o primeiro beijo.
Fernando a olhou abismado.
- Só que às vezes o Senhor parece um pouco neurótico com isso, e não há necessidade. Não quero saber dessas coisas agora.
Ele sorriu aliviado.
- Que bom.
- É claro que algum dia vai ter que se acostumar com a idéia de que eu terei um namorado, um noivo, um marido. E ainda tem a Fanny, que vai crescer e também vai ter um namorado, um noivo, um...
- Tudo bem! Tudo bem! – Ele a interrompeu. – Não precisamos falar essas coisas agora.
Catarina riu e encostou sua cabeça no ombro de Fernando.
- Bem que a mamãe diz que o Senhor é um cabeça dura.
- Ei!
- Desculpe.
Fernando riu e aninhou a filha em um abraço reconfortante.
- Eu te amo. – Ela disse carinhosa.
- Eu também te amo. – Ele depositou um beijo no topo de sua cabeça.
•••
Letícia guardou a ultima roupa na cômoda de Pablo e suspirou cansada, depois de guardar quase todas as roupas que ele havia tirado para a viagem.
- Eu não sei o que deu em você para pensar que levaria todas as roupas da sua cômoda. – Ela comentou, virando-se para ele, que brincava com Estefânia na cama.
- Eu não sabia qual escolher.
- Você está pior que a sua irmã.
- Olha, mamãe. Olha o que eu ensinei.
Letícia escorou-se à cômoda, olhando para os dois.
- Fanny... – Pablo fez um barulho com a boca, e a bebezinha gargalhou.
Logo depois, ela tentou fazer igual, mas acabou fazendo bolinhas estourarem e logo depois escorrer pelo seu queixo, enquanto dava gargalhadas. Letícia balançou a cabeça e riu.
- Você poderia ensinar algo útil para ela, filho. – Ela pegou a bebê da cama, limpando sua boca. – Agora está na hora dos dois irem dormir.
- Posso jogar só mais um pouco?
- É claro que não.
- Ah, mamãe! Por favor!
- Você não deveria nem estar jogando. O seu pai que não sabe lhe dar castigos.
- Mas só um pouquinho.
- Não, sem desculpas.
Pablo suspirou e deitou-se à cama. Lety terminou de cobri-lo e beijou sua testa.
- Boa noite, meu amor.
- Boa noite.
Fernando parou à porta do quarto.
- Vou fazer a Fanny dormir. – Letícia disse ao passar por ele.
- OK.
Pablo olhou divertido para Fernando.
- Só uma partida. – Fernando riu, adentrando o quarto e sentando-se à cama.
•••
Os dois estavam exaustos. Ter três filhos dentro de casa era mais cansativo do que pensavam que seria. Mas, por mais exaustivo que fosse, eles não trocariam suas vidas por nada. A família era a coisa mais importante para ambos, e no fim do dia era sempre gratificante passar um dia inteiro com eles.
- Nem acredito que vou finalmente deitar. – Letícia disse encostando a cabeça no travesseiro. – Ah... É tão bom!
Fernando riu e sentou-se ao seu lado.
- Acha que Fanny dorme o resto da noite?
- Acho que sim. Pablo brincou com ela a tarde inteira.
Lety segurou sua mão.
- Por falar nisso, como estava o jogo?
Fernando não respondeu.
- Eu não acredito que vocês me subestimam dessa maneira. – Disse calmamente. – Acham que eu não escuto as risadas e o barulho do vídeo game?
- Foi só uma partida.
- Mas ele está de castigo. Você acaba me deixando como a má da história, que diz não quando você sempre diz sim.
- Não é assim, você sabe.
- Quando as coisas saírem do controle, eu vou deixar para você resolver.
Fernando riu e se inclinou, beijando-a.
- Eu te provocaria um pouco, aproveitando que as crianças já estão dormindo. Mas, eu realmente estou cansada hoje. – Ela sorriu.
- Não se preocupe. Teremos muitos dias para aproveitarmos no hotel.
- Tem razão.
Fernando virou-se para o porta-retratos sobre a cômoda, onde havia uma foto recente de toda a família reunida.
- Sabe o que eu penso?
- Hum? – Lety o olhou.
- Vovó ficaria feliz com a família tão grande.
Letícia sorriu e apertou sua mão.
- Mas ela está feliz. Onde quer que ela esteja.
- Uma pena ela não ter chegado a conhecer a Fanny.
- Ao menos ela foi feliz nesses últimos anos. Ela sempre dizia isso. Principalmente tendo você ao lado dela.
- É. – Fernando suspirou sorrindo. – Fico feliz por ter passado mais tempo ao lado dela.
Lety sorriu e virou-se à cama, sonolenta.
- Não vem deitar?
- Em um instante.
Ela questionaria, mas estava tão cansada que assim que fechou os olhos, adormeceu. Fernando ainda segurava sua mão, e sorriu ao vê-la dormir tão rápido. Após beijar sua mão, ele se levantou e seguiu para o outro lado do quarto, abrindo uma das gavetas da cômoda. Tirou de dentro um bolo de papel e o colocou com cuidado sobre o móvel. Ele folheou o bolo até chegar à ultima página, lendo a ultima frase:
“E eles esperavam que fossem felizes pelo resto de suas vidas.”
Fernando pegou uma caneta e tirou a tampa com a boca, riscando a frase, substituindo-a por outra:
“E eles serão felizes. Pelo resto de suas vidas.”
- Meu amor, você não vem deitar? – Lety resmungou, virando-se na cama.
- Eu já estou indo.
Ele colocou a caneta por cima da cômoda e sorriu satisfeito. Fechou o bolo de papéis e passou a mão sobre o bilhete que havia colado sobre ele.
“Para Letícia, o amor da minha vida. Que nossa história fique para sempre eternizada. Feliz quinze anos de casados.”
DEPOIS DE TI
Fernando guardou o bolo de papeis de volta à gaveta e seguiu para a cama, deitando-se ao lado de Lety. Ela virou-se para ele, aninhando em seu braço, e ele sorriu satisfeito. Ao fechar os olhos, não demorou muito para que o sono o pegasse. Sua mente estava tranqüila, e em seus pensamentos, a imagem de sua família, o bem mais precioso que ele poderia ter. Ele era grato pelos três filhos, e por Lety, sua esposa. Sem ela ele nunca teria aprendido sobre o amor. Nunca teria aprendido o que significava amar alguém mais que sua própria vida. Nunca teria aprendido que a vida pode mudar de uma hora para outra, e para melhor. Muito melhor.
A história dos dois seria contada para os filhos, para os netos, e para toda a geração futura. Uma história como essa merece ser contada varias e varias vezes, para que as pessoas jamais deixem cair no esquecimento. Merece ser lida, ouvida e apreciada, para todos àqueles que acham que os opostos não se atraem. Que o amor não existe, e que casamentos são perda de tempo. Se você é uma dessas pessoas, releia a história. Mas releia de coração aberto. O amor pode mudar tudo, inclusive as pessoas. Foi assim com Fernando Mendiola, e pode ser assim com qualquer um.
Acredite no amor.
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