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História Desgarrados - Lobo Corvo - Mau-Presságio


Escrita por: rubiconvenus

Capítulo 2 - Mau-Presságio


Capítulo 01: Mau-Presságio

 

Ajeitei os óculos de armação negra e quadrada no rosto antes de girar a chave e fechar a porta. A chuva estava derramando em pingos grossos do céu, juntando-se em poças largas pelo jardim que contornava o pequeno chalé triangular no qual eu morava. Ele tinha dois andares, mas o de cima era apenas um quarto de teto baixo no qual eu vivia batendo a cabeça com uma janela frontal protegida por grades e o de baixo, a sala, o banheiro e a cozinha.

Não era grande, mas pelo menos ficava entre as outras casas do vilarejo de Prado Delta e eu não me sentia tão sozinho, embora meus vizinhos me odiassem, precisamente falando.

Inspirei fundo o ar fresco das montanhas e guardei as chaves na bolsa carteiro onde eu tinha posto meu caderno, estojo, agenda e os livros da escola. Fechei o zíper da jaqueta preta, coloquei o capuz sobre meus cabelos e saí na chuva. A primeira coisa que aconteceu foi afundar os pés na poça, molhando meu Converse All-Star preto. A maioria das pessoas odeia molhar os pés, as meias, mas eu não tinha tanto problema com isso. Eu tinha problemas maiores, na verdade, como andar dois quilômetros até o colégio.

Era o primeiro dia de aula do último ano daquele inferno escolar. Meu corpo ainda sofria com os impactos físicos daquela madrugada em que um lobisomem atacou a minha família: eu tinha muitas dores nas costas e era um pouco manco. Um pássaro que tinha perdido metade de uma asa e não podia voar. Acho que isso me define muito bem.

Atravessei o jardim, abri o pequeno portão de madeira rústica e cheia de limo verde. A estrada era de pedregulhos, em dias secos - que eram raros - os veículos não derrapavam, mas em dias molhados, só servia para juntar lama e água, ou nos fazer escorregar. Caminhei pela ponta mais alta da rua, seguindo na direção da escola, ouvindo os carros passando, alguns, buzinando, outros com algumas pessoas gritando coisas para mim.

Acho que andei por uns cinco minutos, mas minha jaqueta ficou toda encharcada, pelo menos era impermeável e eu estava seco dentro dela. Quer dizer, menos as meias e os sapatos, já que os afundei na primeira poça na frente de casa.

Parei na travessia da rua. Não tinha semáforo, em Prado Delta essas coisas não existem, embora tenhamos sinal de wi-fi e televisão a cabo, um café onde a maioria dos jovens se encontra na sexta-feira a noite quando não fazem piqueniques noturnos no rio. Há um mercado grande o suficiente para abastecer a cidade de… Bem, agora que o filho dos Srs. Benneth nasceu, acho que posso considerar mil e duzentas pessoas? Por aí.

Fiquei esperando um carro dar passagem enquanto a chuva banhava a lente dos meus óculos. Suspirei, tirei os óculos e peguei o meu cachecol listrado de preto e cinza, tentando secá-los para enxergar melhor.

-- Que merda! - Escutei, enquanto a sombra de um guarda-chuva me cobriu. Coloquei os óculos no rosto novamente e ergui um pouco a cabeça, afastando a ponta do capuz para checar quem era, embora aquele timbre grave eu conhecesse muito bem. Encarei Abel, filho e herdeiro do Coven do Sul, uma das três pessoas da cidade que conversava comigo e era meu amigo. -- Não tem uma boa alma para dar passagem! Até parece que não estão vendo a gente por aqui.

-- Por que não pegou carona com o seu pai? - Perguntei, olhando para Abel, um rapaz de grandes músculos, cabelos loiros e olhos azuis que literalmente pode ter toda garota que quiser.

-- E perder essa caminhada com você? - Ele piscou um dos olhos sorrindo, mostrando aqueles dentes perfeitos e brancos, totalmente simétricos. Abel estava segurando um guarda-chuva e sua mochila estava presa em apenas um de seus ombros, ele estava com uma jaqueta vermelha e preta, de esporte, com o zíper pendurado no pescoço. -- Onde ficaria a diversão?

-- Então veio rir de mim?

-- Eu não dou risada de você. - Abel estreitou os olhos. A pista liberou e fizemos a travessia, alcançando a calçada que dava acesso ao ponto de ônibus e onde a condução escular apanhava os alunos que moravam no centro. Estava cheio deles debaixo da estrutura de madeira, a maioria com seus guarda-chuvas e outros menos de capa plástica. -- Pensou naquilo que te falei?

-- No quê? Entrar no time de basquete? - Acertei os óculos no rosto. -- Claro, um manco jogando basquete, soa perfeito, Abel! - Acrescentei com uma erguida de sobrancelha, para ele perceber o quão ridícula aquela ideia era.

-- Nem dá para perceber que você manca. Além disso, você é alto o suficiente para jogar basquete. - Abel continuou o seu delírio.

Não pude deixar de conferi-lo e comparar sua altura e ombros largos a mim. Eu sou magro, alto, mas não tão alto e definitivamente não tenho nem um terço da potência muscular que Abel tem. Ele é filho dos Corvos do Vento do Sul, guardiões do elemento fogo e portanto, sua força física é muito maior que a de qualquer corvo da sociedade.

Vivemos em uma cidade em que basicamente só vivem corvos, mas atravessando Rio do Silêncio moram os lobos da Matilha Cinza. Só para informação, o lobo que me atacou era um lobo errante, ou Desgarrado, como chamamos. Os lobos da matilha aliada não nos atacam e para ser bem sincero, ultimamente eles tem feito a proteção de nossa cidade. Parece que eles saem por aí urinando pelas ruas e isso afasta lobos Desgarrados… Depois do que aconteceu com a minha família os Covens se uniram e debateram esse assunto, achando por bem se aliar a uma matilha do que ter que viver mais ataques.

Então é o seguinte, eles nos concedem proteção, nós garantimos que eles não entrem em extinção ofertando comida. É bom, de certa forma, não tem havido mais ataques e Prado Delta ficou bem mais tranquila de antigamente, mas é igual a você levar um passarinho para morar com um gato, o passarinho vai sempre morrer de medo do gato e o gato vai se divertir com isso… Bem, podemos considerar que os lobos são os gatos e nós, obviamente, os pássaros.

Nós somos Corvos. É o nome que recebemos, uma espécie que tem duas formas: a de pássaro e a de humano, metamorfos. Somos divididos em quatro Covens, cada um regido por um vento - Norte, Sul, Leste e Oeste; os guardiões dos elementos da natureza. Somos basicamente feiticeiros. Nossa sociedade é regida através das Torres, os líderes dos Covens. Meus pais eram os líderes e sua morte enfraqueceu todo o Coven do Norte, o equilíbrio só será restaurado quando eu me tornar uma Torre, porém, ainda não aconteceu e tenho minhas dúvidas se isso irá acontecer. Bem, é que há essa particularidade sobre mim.

-- Você só está dizendo isso porque acha que ninguém vai ter coragem de chegar perto de mim e tomar a bola da minha mão. - Estendo a palma da mão, indicando.

É que se eu tocar em alguém, algo ruim vai acontecer com essa pessoa. Pode ser uma dor de cabeça, pode ser um grave acidente trágico, ou pode simplesmente deixá-la doente. É por isso que eles me chamam de Mau-Presságio. Eu sou um corvo que trás a morte.

Tecnicamente os poderes do Vento do Norte, Ophion, são poderes de cura, inspiração, fertilidade… Mas a minha alma é tocada por um lobo errante, eu fui marcado. Os ressentimentos que eu tenho pela morte dos meus pais faz o meu sangue ser como ácido, eu sou podre por dentro, tenho raiva e isso faz com que meus poderes do Vento do Norte sejam assim, todos ruins.

E sim, antes que você pergunte, eu já tentei me livrar do ressentimento, fazer horas de terapia, desabafar com as Torres, purificar minha alma com algum Ritual no Rio do Silêncio e nada, absolutamente nada, adiantou.

Como a Sociedade teme o que signifique um Mau-Presságio assumir a Torre de Ophion, eu estou fora da lista e provavelmente os sacerdotes anunciem uma seleção entre os Corvos regidos pelos poderes do Vento do Norte. Um deles será o escolhido para se tornar a Torre e restaurar o equilíbrio da sociedade, enquanto isso, eu apenas me afundarei mais um pouco na lama.

Viu? Eu não consigo não ressentir.

-- Mas é claro. - Abel ergue as sobrancelhas, sorrindo como quem se orgulha disso. -- E vamos vencer o campeonato por isso!

-- Toda a vez que o time joga é contra os Lobos Cinzas e eles não tem exatamente medo de mim, Abel. - Balanço a cabeça, lembrando-o do quanto os lobos são serem muito mais fortes e poderosos do que nós, especialmente mais poderosos do que um corvo marcado por um lobo errante.

-- É, verdade, da última vez que você viu um lobo mijou nas calças.

-- Ei, eu tinha sete anos! - Digo. Abel faz cara de que a idade não é desculpa. -- E estava ferido…

-- E aquele lobo matou os seus pais. - Braços delicados envolvem o meu pescoço e o de Abel. Velvet dá um beijo na bochecha de cada um. Ela é uma bela morena de cabelos longos e ondulados, pele chocolate e olhos castanhos escuros. Um corvo regido pelo Vento Oeste, ou mais precisamente, o elemento da água. -- Não seja cruel com Sevan, Abel.

-- Não estou sendo. - Abel pisca os olhos como se não entendesse o aviso.

-- Sabe que ele se incomoda com esse assunto e não insista. - Ela ergue um dedo esguio na altura do nariz de Abel, dando bronca. -- Não ligue para ele, Searan, sabe que lhe falta o cérebro.

-- Claro que não me falta cérebro! - Abel protesta, aborrecido.

-- Onde está Chloe? - Pergunto tentando desviar o assunto, antes que esses dois comecem a brigar. Normalmente entre eles é assim, começa uma discussão bestinha e vira um furacão soltando raios e eletrocutando todo mundo que estiver em volta.

-- Está chovendo e ela não gosta de se molhar. - Velvet se afasta de nós, caminhando para longe do ponto.

-- Onde você vai? - Abel chama.

-- Algo me diz que o ônibus vai demorar, então eu vou a pé. - Ela acena fechando a capa de chuva transparente em cima das roupas claras que está usando por cima de suas roupas arrojadas em tons de roxo.

Troco um rápido olhar com Abel e coloco o capuz de volta na cabeça. Abel abre novamente o guarda-chuva e seguimos Velvet. Ela é filha da Torre do Vento Oeste, Zephyrus e uma das características do elemento da água é a capacidade de fazer previsões e profecias. Se ela está dizendo que o ônibus vai demorar, quem sou eu para duvidar?

Por uns momentos vamos apenas caminhando em silêncio, seguindo Velvet que vai na frente saltitando e dançando, feliz pela chuva estar caindo do céu. Acredito que como uma guardiã do elemento da água ela fique muito feliz em piscina e debaixo da água, mesmo.

Não demora muito e o ônibus escolar nos ultrapassa, os alunos lá dentro apontam para a gente, dão risada, batucam na lataria vermelha do ônibus, provocando, debochando. Eu arfo, aborrecido e Velvet solta um “ops”.

-- É a última vez que eu acredito em você. - Aperto os passos, tentando andar o mais depressa que consigo para compensar o atraso.

-- Fique sabendo que quando você não acreditar, é quando eu terei razão. - Ela ergue as sobrancelhas desenhadas em seu rosto fino e oval. Velvet é muito bonita, mas se o que ela tivesse de beleza fosse de assertividade, eu estaria mais feliz.

-- Então… - Abel chama, apressando-se para ficar do meu lado. -- Você vai tentar a seleção para o time?

-- Aff. - Reviro os olhos e procuro fugir dele.

Ainda escuto atrás de mim:

-- O que deu nele?

-- Eu disse para você não insistir, não disse? - Velvet assobia debochada.

-- Droga, você sempre tem razão! - Abel bate a mão na testa.

-- Sevan, não vá assim na frente sozinho!

-- Ai, me deixa! - Resmungo e continuo.

Enquanto estou andando mais para a frente, uma motocicleta com duas pessoas de capacete e roupas negras, passa bem próximo, atravessando a poça de lama e atira a lama em mim.

-- Ei! - Eu paro, virando.

É rápido, mas os dois motoqueiros olham para mim. Os dois tem os olhos bem azuis, mas o da frente é um garoto e o de trás, uma menina. Eles não param e nem pedem desculpas, apenas continuam seu caminho, seguindo o ônibus da escola.

Atrás de mim, escuto Velvet e Abel dão risada, eu olho para eles e Velvet cantarola:

-- Eu aviseeee-eeeei.

Nossa, como eu detesto quando ela está certa!

 

(Continua)

 


Notas Finais


Pobre Sevan! Vamos esperar que sua vida melhore, não é mesmo? Obrigada por lerem!


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