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História Destino Inesperado - Quarta Semana - Uma História de Miséria


Escrita por: MiojoAssado

Notas do Autor


Boa noite.
Muito obrigada pelo apoio de todos!
Boa leitura! 😘💕

Capítulo 16 - Quarta Semana - Uma História de Miséria


  - O que aconteceu com ela? Por que está tão quieta? - indagava o assistente do médico ao encostar na princesa.

 

  - Não sei. Não é nada grave, mas deve estar em choque. - disse o médico.

 

 Na sala do médico real, Yona recebia cuidados básicos parada como uma boneca. A mente vagava por assuntos mais interessantes para ela do que escutar que havia sido apenas um pequeno corte na boca que dava o gostinho metálico do sangue; nada grave, senão o comportamento extraordinariamente ousado do agressor. 

 

  Pensava ela em como foi assustadora aquela experiência, mas, ao mesmo tempo, reflexiva sobre suas próprias ações. Isso porque agora se perguntava se era assim que Hak se sentiu quando ela própria agiu da mesma maneira com ele - agressivamente - e que possivelmente o mesmo nada mais haveria de querer encará-la. Por mais estranho que fosse, a princesa não gostou dos sentimentos que esses pensamentos lhe causavam, por mais que achasse que odiasse seu marido.

 

   - Se me permite perguntar, Vossa Alteza, foi seu marido quem lhe fez isso? - perguntou o médico terminando de tratá-la com algum anestésico natural.

 

   Acordando repentinamente dos devaneios, respondeu meio lerda:

 

  - O quê? Não. Hak... ele... - prosseguiu mais frágil. - ele... ele... nunca faria isso. 

 

   Ao finalizar a frase com certeza, a jovem sentiu culpa porque percebeu que apesar de entender agora que ele jamais a machucaria, o mesmo não se valeria para ela em relação ao marido. Isso já foi demonstrado pela ação impulsiva que ela própria teve ao presenteá-lo com o tapa por causa de um inocente beijo. Esse fato agora lhe incomodava por dentro, corroendo o estômago com péssima sensação de mal estar.

 

  - Foi o meu marido. - admitiu com certo pesar.

 

  - Mas que absurdo! Isso é um crime absurdo e sem precedentes contra a princesa! - exclamou o médico espantado.

 

   Tomando à frente May inclinou-se para a princesa e disse com certa lamentação:

 

  - Eu sinto muito pelo que aconteceu. Mas, por mais ousado que seja o meu pedido, eu rogo que tenha misericórdia dele. Poupe sua vida. Eu imploro.

 

  - Um pedido um tanto quanto absurdo. - disse o médico.

 

  - Eu sei. - admitiu May chateada. - Eu sei, mas... meus filhos precisam de um pai.

 

   - Eu... - começou Yona. - Não poderia exigir uma punição tão severa sobre uma atitude que eu mesma já tive. - concluiu lembrando-se de que ela própria agredira Hak.

 

  - Mesmo que pense assim, seu marido não parece pensar igual. Até onde eu fiquei sabendo, ele parece bem zangado. - disse o assistente.

 

   - O que fizeram com ele? - perguntou ao assistente.

 

  - Por enquanto nada. Só está preso, no momento. Lorde Hak ainda não se decidiu sobre o que fazer. E também soube que hoje ele estaria bem ocupado. 

 

   - Princesa... - suplicou May. 

 

  Fechando os olhos, Yona decidiu com certa serenidade pesada:

 

  - Nada grave será feito ao seu marido, então não precisa se preocupar com a integridade dele. Invés disso, eu estou mais preocupada com a sua. Quando te encontrei, você estava em uma situação desagradável. Ainda assim, se preocupa com o bem estar daquela pessoa? - perguntou surpreendendo a serva.

 

  - Não é que eu queira me preocupar. Eu preciso me preocupar. Eu só tenho a ele para cuidar de mim e dos meus filhos. - concluiu em tom pesaroso.

 

  - Eu não te compreendo. Nem um pouco. - disse Yona abatendo a outra, mas continuou serena. - Mas eu quero entender. Conte-me a sua história.

  

   Essa última frase surpreendeu a todos no recinto. Por um momento, May ficou atônita. Não se sentia à vontade para contar sua vida para uma princesa, ainda mais com testemunhas. No entanto, sentiu que era necessário para conseguir a integridade de seu esposo, mesmo que no fundo desejasse que ele não saísse tão íntegro assim.

 

  Ao perceber o olhar da serva, Yona entendeu o desconforto da mesma e então pigarreou. Com o barulho, tanto o médico e o assistente tiveram o entendimento do desejo da princesa e saíram da sala, dando-lhes privacidade.

 

   - Você tem certeza de que quer ouvir? Não é uma história para princesas e suas vidas em palácios.

 

  - Não se trata mais do que eu quero ouvir e sim do que eu preciso ouvir. - disse convicta.

 

  Após uma análise do olhar curioso de Yona, May resolveu enfim abrir a boca.

 

  - Tudo bem. Então eu vou lhe contar...

 

  Com essas palavras, os olhos de Yona se arregalaram e seu corpo se inclinou para ouvir a mulher.

 

  - Tudo começou na pequena vila em que nasci. Era apenas mais uma dos pobres, para não dizer miseráveis, vilarejos da Tribo do Fogo. 

 

  - Pobre? Não há pobreza em Kouka. - disse Yona incrédula da história que mal começara.

 

  - Há mais miséria do que você pensa existir. Principalmente em Kouka. Pode apostar. - afirmou séria.

 

  - Não. Você está mentindo. - disse Yona balançando a cabeça.

 

  - Primeiro você me pede para contar minha história e agora me chama de mentirosa?

 

 - Porque é mentira. Kouka é um Reino rico, de terras e pessoas ricas. As pessoas são felizes aqui. - disse segura. - Eu não acredito em você.

 

 - O que eu ganharia mentindo para você agora? Kouka é um país pobre de terras e pessoas igualmente pobres e eu fui uma delas. Ainda há inúmeras outras morrendo na miséria. Mas, antes de tudo, você quem me pediu para contar minha história. Vai me ouvir ou não? Ou devo parar por aqui já que não acredita no que eu falo? - indagou com um ar incrivelmente sério e impositor, impressionando a princesa que não costumava ser tratada assim.

 

    Com uma breve pausa reflexiva, Yona retornou a si mais calma:

 

  - Eu... sinto muito. Prossiga. 

 

  - Voltando ao assunto, minha terra natal era pobre. Tudo era seco. Plantação nenhuma crescia, o comércio era inexistente, a população adoecida pela fome e miséria e não havia nenhum auxílio de quem quer que fosse... reis... nobres... até mesmo os deuses nos abandonaram na terra em que nada prosperava. Nem mesmo a vida que é o maior bem de todo o indivíduo conseguia durar naquele lugar. Era terrível. - disse mórbida.

 

  Ao perceber os olhos atentos de Yona, prosseguiu:

 

  - Foi numa vila sem nada que eu nasci. Não havia alimento ou pais que pudessem lutar por ele por mim. Eu estava lá, sozinha no mundo. Era só eu e minha existência insignificante. A fome que eu sentia era terrível. Era cruel. Cada dia mais fraca e sem forças. Você faz qualquer coisa quando está com fome. Você faz qualquer coisa para manter a faísca da sua vida acesa, mesmo que ela não tenha valor para ninguém além de você mesma. - disse sombria. - Na busca pela sobrevivência, peregrinei para um vilarejo vizinho. Não era rico, mas era menos pobre do que minha terra natal. Lá ao menos tinha um pouco de comércio, mesmo que muito fraco. Mas já era alguma coisa. Quando cheguei lá, ainda estava sem família, sem amigos, sem lar. Não sabia como viveria minha vida ou como conseguiria me alimentar. Mesmo onde havia comida, ela estava fora do alcance de pessoas miseráveis como eu. Aí eu peguei me perguntando o que eu faria para ganhar um punhado de grãos, um copo com água ou, sendo mais sonhadora, um teto para viver. Para mim, não havia muitas oportunidades, para não dizer nenhuma. Mas... felizmente... eu até que era bonita. Tinha um bom rosto e até uma boa aparência não fosse o desgaste da fome e da doença. Não é muito honroso dizer isso para uma princesa, mas, primeiro eu havia pensado em vender meu próprio corpo quando não era mais velha do que você. Tudo por um pedaço de pão. Mas pensar em viver numa casa de prostituição pelo resto da minha vida me assustou. Tive medo. Foi então que eu fiz a escolha que mudou minha vida...

 

  Com o silêncio pensativo de Mau, Yona não se aguentou.

 

  - E qual foi? Qual foi a escolha que você fez?

 

   - Eu comecei a roubar. - disse com um sorriso dolorido. - Mas eu era péssima. Alguém sem forças pela fome não iria muito longe e eu não fui mesmo. No primeiro roubo já fui pega pelo comerciante. Eu me lembro o que eu havia pego... era uma maçã. 

 

  Com um tom incrivelmente triste continuou:

 

  - O comerciante ficou irado. Ladrões não são muito bem aceitos nas cidades quando são pegos. Eu também me lembro que nesse dia eu apanhei tanto... tanto... tanto... que eu pensei que iria morrer. Eu desejei morrer. Não era só o comerciante. Foram várias pessoas que bateram numa criança por roubar uma maçã para não morrer de fome. Criança. Era isso que eu era. Boba e ingênua sofrendo as mazelas humanas e a ira dos homens.

 

  May sentiu Yona pegar-lhe a mão e virou para fitá-la, prosseguindo mais firme:

 

  - Foi aí que meu futuro marido apareceu. Iruk. Na época, ele era apenas um soldado comum que estava na cidade à serviço. Ainda me lembro também como ele apareceu para me salvar daquelas pessoas. Apareceu na multidão e os afastou de mim, me defendendo, pedindo ordem e clemência. Essa é a primeira lembrança que eu tenho dele. Parecia um homem bonito, gentil e decente. Foi o que eu achei. Mas como eu disse, eu era uma criança. Muito boba eu era e muito inocente. 

 

  - O que aconteceu com ele? Com você? Com vocês dois? - perguntou Yona curiosa.

 

 - Depois que ele me salvou, ele cuidou de mim e me levou para sua casa. Me tratou bem no início. Me dava pão em troca de serviços de limpeza. Era uma boa troca. Deveria ter parado por aí... Ele era sempre generoso comigo e parecia realmente ser uma boa pessoa, mas, diferentemente de seu marido, Iruk era gentil apenas por ter segundas intenções comigo. Ele foi esperto, na verdade. Eu serviria perfeitamente para os interesses dele. Era jovem, bonita, inocente, boba, miserável. Faria tudo o que ele queria e teria a ingenuidade de confiar nele. E o que ele queria era apenas o que todos os homens querem: mulheres idiotas e submissas. Mulheres que lhes arrumem a casa, ajudem no trabalho, cuidem dos filhos e, principalmente, lhes abram as pernas quando bem entenderem. Usam da força se necessário. Você bem viu. - disse apontando pro próprio rosto machucado.

 

  Respirando fundo, May continuou normalmente:

 

  - Com os cuidados que ele me dava e os serviços que eu fazia, não demorou muito para que ele me propusesse algo mais sério, nem muito para que eu aceitasse. É do casamento que estou falando. Eu não o conhecia há nem duas semanas direito, mas era uma oferta irresistível ter um teto para morar, pão para comer, água para beber e alguém para me proteger. Fiquei feliz, não nego, porque eu pensei que seria a minha chance de felicidade na terra. Eu sonhei em cuidar do meu marido que parecia um bom homem e dos filhos que teríamos. Mas, não canso de repetir, eu era só uma criança. Uma muito boba e muito ingênua. - concluiu com olhar fúnebre. - Eu aceitei o casamento.

 

  Sentindo o coração medroso, Yona levou a mão ao peito com medo do rumo dessa história. Mesmo percebendo isso, May continuou com um olhar sem vida.

 

  - Você bem sabe que a primeira noite em que ficamos juntos é a que mais estamos nervosa de ficarmos com nossos recém-maridos. Foi nesse momento que ele realmente de mostrou quem era de verdade. Eu... estava tão assustada de me entregar, mas ele pouco ligou. Naquela mesma noite ele me estuprou pela primeira vez.

 

  Com o coração atordoada, a princesa engoliu em seco nervosa.

 

  - Em me lembro de cada momento. A dor, o grito, as mãos dele no meu pescoço e a voz me mandando ficar quieta. Ele forçando a entra da em mim enquanto eu chorava...

 

   Ao perceber que Yona já começava suspirar assustada, May apenas observou séria, parando com os detalhes cruéis.

 

   - Se você nunca passou por isso, considere-se sortuda. Até onde eu sei, a maioria das primeiras vezes das mulheres acontece algo do gênero: dor e pranto. Isso independe da classe social da Pessoa. Homens são homens independemente do tempo, do costume e do dinheiro.

 

  "Hak nunca faria isso..." pensou tentando se acalmar. Não que estivesse mentindo para si. Realmente acreditava nisso.

 

   Esse momento reflexivo não muito, pois May continuou:

 

   - Essa foi minha rotina por um bom tempo. Limpar, arrumar, lavar, cuidar, cozinhar, manter toda a casa em ordem, ajudar em serviços para ganhar dinheiro e a noite era obrigada a abrir as pernas, como grande parte das esposas de Kouka. - deu um sorriso falso e sarcástico. - Mas eu sempre pensei que não havia do que reclamar desde que tivesse o que comer e onde dormir. Ele era e ainda é um bom provedor e crescia constantemente no trabalho. Mesmo que eu pensasse em fugir dele, não tive tempo ou escolha para a fuga, pois ainda no primeiro semestre de nosso casamento me vi grávida dele. A vida sozinha já era insuportável de se sobreviver e então eu pensei coisas como "Como vou viver no mundo sozinha com um filho?" "Como vou criá-lo? Alimentá-lo?" "Não posso dar a luz à uma criança para deixá-la passar fome e frio.", mas principalmente nunca passou pela minha cabeça privar a vida de ninguém, mesmo que seja para ter uma vida miserável. Foi aí que percebi que teria que ser forte, que teria que sobreviver com ele. Era pelo meu bem e pelo bem do meu bebê. Na época em que o primeiro nasceu, Iruk começou a trabalhar na casa de um nobre da Tribo do Fogo e serviu bem por muitos anos. Lá nasceram mais dois bebês e eram mais motivos para eu continuar casada. Eles me davam forças para viver. No fim... não era tão ruim porque eu os tinha. Felizmente, os senhores de lá eram até generosos com o Iruk. Segundo eles, ele trabalhava bem e é a causa de termos vindo parar no Palácio Real. Meu marido recebeu uma recomendação para cá por eles para servir no exército real. Uma promoção e tanto, devo admitir. Seria um recomeço para nós, para nossos três filhos. Seria uma vida melhor, longe de vez da pobreza da Tribo do Fogo. Mas... as pessoas não mudam. Mesmo longe, Iruk é quem é. Ele continua mesmo monstro de sempre. Nunca vai muda. - concluiu sombria.

 

  Sem saber o que dizer, Yona apenas balbuciou:

 

  - Eu... sinto muito mesmo.

 

    Com um olhar doce, May interrompeu:

 

  - Mas... mesmo assim... eu não me arrependo. Eu amo os meus filhos. Todos eles. E são a causa de eu ainda estar viva. Todas as surras, os gritos, as brigas, os estupros... eu os recebo... por eles. Para protegê-los. Não se engane. Iruk nunca encostou um dedo neles. Eu nunca permiti. Eu levei todas as surras por eles e levaria novamente. São a razão da minha vida. Por isso, eu lhe imploro que pelo bem deles, poupe a vida de meu marido. Por favor, não o mate.

 

  Aquele pedido foi como uma facada para Yona. Ela sentia repulsa por aquele homem, mas não conseguia negar o desejo de uma mãe desesperada.

 

  - Eu não vou matá-lo. - decidiu Yona. 

 

  - Obrigada, Princesa Yona. - disse May curvando-se com o rosto choroso.

 

  Foi a primeira vez que viu May agir daquelas formas. Mas, em todas elas, a serva foi verdadeira consigo mesma.

 

  Ainda assim, Yona não conseguia processar aquela história. Saber da miséria e da violência era algo novo e perturbador, mas algo que sentia que precisava saber.

 

   Mesmo que estivesse poupado a vida daquele homem, queria fazer algo para proteger aquela mulher. Queria encontrar alguma saída para aquela alma desesperada que se mantinha em pé pela força do amor que tinha pelos filhos que tanto amava. 

 

   - Com licença. Eu preciso voltar ao meu trabalho. - disse May se retirando.

 

  Antes que a serva sumisse pela porta, Yona a chamou.

 

  - May. 

 

  - Sim?

 

  - Eu acredito em você. Eu acredito em sua história. - disse decidida.

 

  Respirando frágil, May sorriu honestamente pela primeira vez:

 

  - Obrigada por me ouvir.

 

   Curvou-se e então se retirou apressada.

 

  "Se o que May disse é verdade e eu acredito... então estou aceitando que Kouka é pobre e as mulheres são tratadas de forma desumanas nesse Reino..." pensou reflexiva. "O que eu posso fazer... para ajudar esse povo...? O meu povo...?" concluiu resoluta a pensar a respeito.

 

   Antes de mais nada, sentiu um pequeno desconforto, pois percebeu que foi capaz de ouvir uma serva que mal conhecia. Tal dádiva não concedeu ao Hak que não apenas era seu marido, mas um amigo de longa data. Desde a infância o conhecia e sequer deu-lhe chances de falar, conversar sobre os últimos acontecimentos que separaram o casal.

 

  Seria gentil ou ambicioso de segundas intenções? Yona não queria tirar conclusões precipitadas nunca mais. Não queria machucar mais como acabou de ser machucada por um estranho.

 

  - Hak... eu quero te ouvir...- sussurrou com dor no peito.

   


Notas Finais


Espero que tenham gostado.
O próximo capítulo será melhor e espero que mais romântico também.
Me aguardem. 😉😘💕


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