— Neemon, não é? Você me parece ser bem interessante.
Adriano estava estabelecendo o primeiro contato com o seu parceiro Digimon. Agora, eles deveriam ter um bom diálogo para poder criar um verdadeiro vínculo.
— Então você é um humano? Já ouvi falar muito de vocês.
— É mesmo? E o que você escutou sobre nós?
— Que vocês são pessoas mesquinhas e egoístas.
— É, bem... Existem pessoas ruins, mas também existem pessoas boas, como eu — Adriano dá um sorriso sem graça.
Nesse momento, Neemon fica encarando Adriano com olhos bastante suspeitos.
— O que é que ele está fazendo? Será que ele não gostou de mim? — Pensou Adriano assustado.
— Tudo bem! Eu acredito em você! — Neemon fala com um sorriso.
— Ah, valeu!
Adriano olha para Neemon com um olhar de ternura. Embora fossem criados com alta tecnologia, os digimons pareciam ser criaturas bem modestas.
— Então, Neemon. Essa é a minha casa. É meu quarto, para ser mais preciso.
— Seu quarto? Está bem sujo.
— É, são detalhes. Mas enfim, vamos viver juntos de agora em diante. Então você precisa saber de tudo por aqui.
— Tipo saber das regras da casa?
— É! Isso mesmo! Você entende rápido.
Adriano decide mostrar seu Digimon para Téo. Então ele destranca a porta do quarto.
— Você vai adorar conhecer o..
— Seu pivete! — Surpreendendo Adriano, Carlos estava do outro lado da porta.
— Carlos?
— Ah, então era ele que você...
Adriano coloca o celular no bolso para esconder Neemon de Carlos.
— Com quem você tá falando aí, moleque?
— Com ninguém. Você deve estar ouvindo coisas.
— Acha que eu tenho cara de idiota?
Adriano recua, mas Carlos segue avançando. O menino já esperava pelo pior.
— É sobre o Téo ter voltado sozinho da escola, não é? Já entendi, eu não faço mais.
— Acha que uma desculpinha vai te livrar de uma surra?
E sem dó, o homem bate no filho adotivo se se segurar.
— Moleque de merda. — Com raiva, o troglodita vai embora fechando a porta do quarto.
— Adriano? Ei!
— Ah, foi mal!
Adriano tira o celular do bolso e Neemon olha para seu rosto todo inchado.
— Nossa, o que aconteceu com você?
— Meu pai adotivo me bateu. Bem, isso até que é rotina aqui em casa.
— Coloca um curativo. Deve ajudar a passar a dor.
— Ah, deixa isso pra lá. Eu tô bem.
— Bem, se você diz...
Adriano estranhou a reação de Neemon. Ele não demonstrou nenhuma pena e aceitou com naturalidade sua resposta sem oferecer uma alternativa melhor.
— Como sou idiota. Nós acabamos de nos conhecer. É óbvio que não acontece assim de repente. — Pensou Adriano consigo mesmo.
— E agora, o que é que a gente faz?
— Vou te apresentar ao meu irmão.
No quarto de Téo, Adriano apresentou Neemon a ele.
— Neemon? — Téo parecia surpreso com a escolha do irmão.
— O que achou dele, Téo? Não é legal?
— É, mas...
— Ih, eu já conheço essa cara. Qual foi o problema?
— Acho que seu irmão não foi com a minha cara, Adriano.
— N-Não foi isso! É só que... Adriano vem cá por um instante. — Téo puxou Adriano para um canto do quarto para que Neemon não os escutasse.
Téo se certificou de que estavam longe o bastante, então falou o que achava para o irmão.
— Neemon é o Digimon conhecido por ser o bug do jogo. Ou seja, ele tem defeito.
— Quê? Isso só pode ser brincadeira. Não dá pra acreditar.
— É verdade. Outros jogadores que o tiveram como parceiro, disseram que ele era um fracasso total.
— Eu acho que é exagero. Pra mim, ele...
Adriano interrompeu sua fala ao se lembrar da indiferença de Neemon depois da surra que Carlos havia lhe dado.
— Se é assim, vou fazer com que a gente se torne parceiro de verdade.
— Boa sorte, mano. Não acho que isso seja fácil.
As horas se passaram. E a noite chegou. Depois de observar Neemon por um tempo, Adriano temia que Téo estivesse com a razão.
— A noite é linda, não é, Adriano? Essa lua e as estrelas...
— Pois é, né...
— O que foi? Você parece não se importar.
— É que ainda estou tentando te entender. Você é muito misterioso.
Silêncio. Ambos não disseram nada por alguns segundos.
— Adriano, você consegue olhar no fundo dos meus olhos?
— Como que eu vou fazer isso? Você fica com olhos fechados o tempo todo.
— Exatamente. Assim como meus olhos ainda não estão abertos, ainda não posso me abrir cem por cento a você.
— Hã?
E pela primeira vez, Adriano percebeu que Neemon se importava com ele.
— Naquela hora, você me disse que ia mostrar as regras desta casa, não foi?
— Sim, eu disse. Mas o que tem isso?
— Bem, eu imagino que seu pai adotivo deve ditar as regras desta casa. Então se ele te bateu, eu acho que ele só estava fazendo com que as regras fossem cumpridas.
— Entendi. Então foi por isso que você não se importou que ele me batesse.
— Ora, não diga isso. É claro que eu me importei. Mas se é ele quem faz as regras e você desobedeceu a alguma, deve aprender com seus erros ao invés de esperar por pena.
— Neemon?
Adriano estava ficando cada vez mais supreso com a complexidade de Neemon. Aquele Digimon o conseguia entender perfeitamente.
— Foi assim que eu vivi a minha vida depois de ser tirado do orfanato. Depois que minha mãe adotiva morreu, eu tenho que fazer e aceitar tudo que o Carlos diz.
— Entendo.
— Você poderia ser mais emotivo de vez em quando, sabia?
— Desculpe, vou me esforçar.
Ambos riram. A noite ainda estava no começo.
— As pessoas falam em aproveitar ao máximo cada segundo da vida, mas... E quando você não tem objetivos? Qual o sentido de viver intensamente?
— Objetivos são tão importantes assim?
— É claro que são, Neemon. Quando você sabe o que quer fazer da vida, você dedica todo o seu tempo e esforço para aquilo.
— Você espera a aprovação de alguém?
— Não... Acho que não.
— Você não precisa ser igual a todo mundo. E daí que você não tem objetivos? Você pode começar a viver por si mesmo.
Neemon ficava mais sério e Adriano acompanhava sua linha de raciocínio.
— Procure fazer coisas que te deem prazer e façam você se divertir. Não tente crescer antes da hora.
— Eu entendo o que quer dizer, mas eu também não tenho isso. Nada me alegra, nem me diverte.
— Você tem o seu irmão, não tem?
— Aonde você quer chegar?
— Se você se dá bem com seu irmão, leva ele pra sair. Andar no parque, ir ao cinema.
— Você me deu uma ótima ideia.
— Eu dei? Agora me sinto especial por isso. — Neemon cora de vergonha.
‘’De onde que ele tem defeito? Ele é o melhor parceiro possível, pensou’’
— Ei, Neemon. Vamos dormir que amanhã temos escola. — Disse Adriano enquanto preparava sua cama.
— Escola? Ah, então existe escola no seu mundo também?
— É claro. E lá existem muitas pessoas para conversar.
— Mas você é um fracassado sem amigos, esqueceu?
— Ei, não precisa pegar tão pesado...
— Desculpa, eu só quis relatar os fatos.
No dia seguinte...
— Então você conseguiu se dar bem com o Neemon? — Téo parecia não acreditar.
— Com certeza. Eu disse pra você que era exagero da sua parte.
— Bem, seu Neemon pode ser legal. Mas ele não chega aos pés do meu Agumon.
— Ah, sim. Bem original. — Disse em tom sarcástico.
— O que você falou aí?
— Ah, nada.
Era mais uma manhã calma e tranquila. Os dois seguiam rumo à escola.
— Sabe, Téo...
— O que foi?
— Você aceita ir no parque comigo hoje de tarde?
— É sério, Adriano? — Téo fala com empolgação.
— Hã? Você ficou tão feliz assim?
— É claro! Eu sempre quis me divertir com você!
Naquela hora, Adriano percebeu que Téo também era solitário. Mesmo que seu irmão fosse uma criança alegre, aquela reação só demonstrava o quanto ele se sentia sozinho por dentro.
— Então tá combinado!
— Que legal! Obrigado, mano! — disse enquanto o abraçava.
— Não tem de quê. Agora vamos.
E após chegarem na escola, Téo foi para a sua sala. Adriano tinha algum tempo antes da aula começar.
— Ei, Neemon. Você se lembra do que disse na noite passada?
— Do quê?
— De que eu não tinha amigos. Acha que eu devia me esforçar para fazer alguns?
— Você quem sabe. Amenos que você seja um emo gótico das trevas, eu não recomendaria.
— Já me decidi. Vou fazer alguns amigos.
Adriano olhou em volta, observando seus colegas. Mas ele não conversava com ninguém mesmo. Então seria difícil.
— Ei, como que eu devo chegar nas pessoas?
— Eu sei lá. Por que não tenta uma abordagem direta?
— Tipo, chegar perguntando: ‘’Ei, você quer ser meu amigo’’?
— É. Pra quê colocar tanta burocracia nessa parte? Vá direto ao ponto.
— Eu não teria tanta certeza, mas eu vou tentar.
Adriano fez essa pergunta para vários da classe, mas todos negaram. E ficaram rindo da cara dele.
— Ei, isso foi uma péssima ideia!
— Eu dei a ideia, mas eu não disse que iria funcionar.
— Era só o que me faltava...
De repente, Vanessa entra na sala. Adriano a vê e decide perguntar a ela.
— Vanessa! — Adriano a chamou de longe.
— Ah, Adriano! E aí, conseguiu instalar?
— Consegui! Obrigado por ontem!
— De nada. Qualquer coisa que precisar, só chamar.
Neemon olha para aquilo e fica impressionado.
— Caramba, uma garota conversou com você!
— O que quer dizer com isso? Ah, deixa pra lá.
Adriano guarda o celular no bolso e vai até ela.
— Vanessa, eu tava aqui pensando.
— Pois não?
— Você aceita ser minha amiga?
Vanessa olha para ele e sorri.
— É claro que eu aceito.
— Ah, obrigado!
— Não precisa agradecer. Não precisa ser tão formal assim.
— Então, no intervalo, a gente pode andar junto?
— Por quê não? Eu ia adorar.
Adriano se enche de alegria e entusiasmo. Sua vida começava a ganhar um novo sentido.
— Tá certo. Então até depo...
— Ai!
Enquanto andava pra trás, Adriano acabou pisando no pé de Rafael que acabava de chegar.
— Mas é tu de novo? — Rafael estava irritado.
— Desculpa, foi sem querer.
— Primeiro, você derruba meu celular e agora pisa no meu pé. Eu acho que tu tá pedindo pra levar!
— Não, foi um acidente. Eu juro!
Falando em celular, Adriano lembrou-se do D-Pet de Rafael.
— A propósito, como está o seu D-Pet. Anda se dando bem com ele?
— O que é que tu falou?
E de repente, o burburinho na sala começou a circular. Coisas como: ‘‘Rafael tem D-Pet?’’ ‘’Ah, que crianção’’ ‘’E ainda se dizia machão’’
— Por que você me persegue tanto, porra?
— É porque eu quero ser seu amigo!
— O quê?
A cena de Adriano e Rafael estava chamando a atenção da sala toda.
— Calma meninos, sem brigas por aqui! Viu Rafael? Adriano só quer te ajudar. — Vanessa tentou controlar a situação.
— É mesmo? Então vou fazer ele ser amigo do meu punho.
Rafael tenta dar um soco na cara de Adriano, mas ele segura.
— Minha nossa!
— Gente!
— O Adriano tá confrontando o Rafael!
A sala inteira dava atenção para os dois. Ninguém conseguia parar de olhar.
— Eu não vou mais aceitar as coisas, calado. — Disse Adriano olhando firmemente para Rafael.
Sentindo-se humilhado, Rafael baixa sua cabeça.
— Sai da minha frente. — falou em tom baixo.
Rafael vai embora do colégio.
— Você fez o que pôde, Adriano. Vai ficar tudo bem. — Vanessa o confortava.
— Será mesmo?
Adriano estava bastante pensativo sobre Rafael. Cada pessoa tem diferentes formas de lidar com os problemas da vida. O jeito de Adriano era aceitar calado e o de Rafael era descontar em algo ou alguém.
— Bom dia, classe. Vamos, sentem-se todos. — Chegava a professora para dar a aula.
Um muro parecia se erguer entre Adriano e Rafael. Mas agora, com uma nova determinação, Adriano pretendia arrebentar essa parede.
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