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História Dona dos meus pesadelos - Sonhos fora de controle


Escrita por: loonamoon

Notas do Autor


A Lua está morta, ela não é mais habitável para os humanos que precisaram ser retirados às pressas de lá. Isso deu margem para as criaturas sobrenaturais que sempre viveram na Lua voltarem a pisar na poeira lunar e deixarem as suas marcas. Isso tudo teria um fim bem legal, se a Lua realmente não tivesse morrido. Agora, as criaturas sobrenaturais estão em busca de um novo lar, alguns estão mais tranquilos que os outros, mas todos os protagonistas estão vivenciando os seus últimos dias em casa.

notas do(a) autor(a): Vocês não imaginam o prazer que é estar de volta! (Voz da Mc Bella).
Com uma das maiores histórias que já escrevi, venho anunciar minha volta definitiva ao @Loonamoon. Tive muitas reações e novas experiências escrevendo esse enredo, e foi uma coisa tão gostosa de desenvolver que até me descontrolei um pouco na quantidade de palavras. Espero que gostem de ler tanto quanto eu gostei de escrever! E, ah, mais uma coisa; se quiserem ter uma melhor experiência para a leitura, Dona dos meus pesadelos foi toda escrita ao som das seguintes músicas: Disturbia (Rihanna), Secret (The Pierces), Bring me to life (Evanescence), Everything I wanted e idontwannabeyouanymore (ambas da Billie Eilish).
Dado o que eu queria dizer, boa leitura a todos ♡

agradecimentos (por loonamoon): muito obrigada @foremma pelo belissimo trabalho com a betagem da fanfic e @busanjimin pela capa mais que perfeita!

Capítulo 1 - Sonhos fora de controle


Ha Sooyoung estava na praia. Mas, se bem lembrava, poderia jurar que algumas horas atrás estava em sua cama.

Era o começo de uma manhã ensolarada, onde o sol brincava de aparecer no horizonte refletindo sua luz na água salgada. O clima era morno, com poucos feixes de luz esquentando a pele da jovem e quase não haviam nuvens no céu, nem mesmo tinham pescadores que costumavam vir nesse horário para pegar alguns peixes para o almoço — aliás não havia literalmente ninguém, ela parecia estar sozinha. A areia estava estranhamente limpa e o azul do mar era vivido o suficiente para fazer a moça se questionar se aquilo era uma miragem ou não.

Pois, de fato: não lembrava de como chegou até ali, por mais paradisíaco que o local pudesse parecer. Seria normal ela lembrar, não?

Arriscou dar alguns passos, sentindo a areia macia em contato com seus pés. Uma brisa suave afastou a franja do seu rosto em um único sopro gelado, e quando desceu seu olhar, percebeu que trajava um vestido branco sem mangas. A barra da roupa estava suja de areia e água, e ele não parecia nem um pouco apropriado para usar quando se vai à uma praia. Aliás, não estava com outra roupa há algum tempo? Não conhecia aquele vestido, nem tinha nada similar dentro do seu armário. Por que estava usando uma roupa que não era sua? Também não parecia ser de alguém que ela conhecia, ao menos não que a Ha pudesse lembrar de ter visto uma amiga usando.

Cruzou os braços, olhando nervosamente para todos os lados. O que diabos estava fazendo naquela praia, e como poderia voltar para casa? De quem era aquele vestido? Aliás, estava sequer na cidade onde morava? Porque, definitivamente, não conhecia aquela praia. E se conhecia, não se lembrava.

Antes que continuasse a questionar internamente as milhões de dúvidas que lhe assolavam naquele momento, percebeu que tinha algo mais grave para se preocupar. O mar parecia recuar, como se estivesse cada vez mais distante. As ondas iam para trás, deixando sobre a areia algumas conchas e alguns peixes sufocando e se debatendo. Sooyoung deu um passo para trás, de repente assustada.

Algo passou voando ao lado de sua cabeça, grasnando alto e a fazendo gritar de susto e saltar erroneamente, tal embalo que levou a moça a cair na areia. Eram aves. Aves completamente inquietas que sobrevoavam para longe da água, dando rasantes umas por cima das outras, completamente desorientadas conforme eram tomadas pelo desespero. Nem mesmo os peixes que estavam agonizando fora da água chamaram a atenção dos pássaros, visando que eles serviam como seu alimento. Era aterrorizante.

E então o chão tremeu. E tremeu forte, em um barulho alto e mudo que machucou os tímpanos da Ha. Tão pesado que era como se estivesse martelando dentro de sua cabeça, como se o som viesse de dentro de si. Mas sabia que não, porque seu corpo todo tremulava com o embalo da areia.

Ela cobriu os ouvidos com as palmas sujas de areia, completamente ofegante. Olhando para baixo, conseguia ver os fragmentos de areia e algumas pedrinhas sendo sacudidas no mesmo lugar devido aos tremores causados pelas placas tectônicas. Era um terremoto, tão forte que deixou suas pernas trêmulas. Estava incapaz de se erguer dali, naquele momento.

E então ela começou a respirar de forma mais rápida. Pelo pavor que corria dentro do seu corpo e pela sua confusão de não saber o que estava acontecendo. Era desesperador.

Assustador.

Apavorante.

Aterrorizante.

Segurou um grito seco na garganta. Sentia que se soltasse a voz, não iria mais suportar.

Quando achou que sua cabeça poderia explodir, ou até que começasse a sangrar pelos ouvidos, o barulho foi parando aos poucos até cessar completamente. Os tremores também sumiram, e agora tudo que Sooyoung era capaz de escutar não passava de um som agudo e agonizante. Como se alguém tivesse explodido uma bomba alta o suficiente para neutralizar a audição de todos ao redor.

Tirou as mãos dos ouvidos e olhou para suas palmas sujas. Nenhum sinal de sangue. Isso era bom, embora seus membros estivessem todos com as terminações nervosas a mil.

Permitiu-se ofegar fortemente, como se quisesse liberar o medo que estava sentindo através das lufadas de ar. Fechou os olhos marejados por um momento, procurando se acalmar.

Mas quando os abriu, por um momento desejou não ter aberto.

Uma onda. Uma grande onda, de mais de três metros de altura, aproximava-se dela furiosamente. A todo vapor, pronta para destruir o que estivesse no seu caminho.

Sooyoung arregalou os olhos, e dessa vez foi impossível não gritar a plenos pulmões. Não havia palavras ou termos que fossem suficientes para descrever o pavor que percorreu sua espinha naquele momento.

Ignorou completamente os espasmos que ainda tinha pelo corpo todo, se levantando rapidamente da areia e passando a correr pela praia sem fim, longe da onda. Temendo pela própria vida.

Corria mais rápido do que duas pernas permitiam, com aqueles grandes passos que dão a impressão que vão lhe derrubar a qualquer momento. Quando você corre sabendo que vai cair em algum instante.

E isso não era nada reconfortante.

Conseguia ouvir o som da água atrás de si. A onda era enorme e barulhenta. Os ruídos quebrados do que ela estava destruindo acompanhavam seus passos, e não demoraria muito para que a jovem que corria desesperadamente pela areia fosse a próxima. Quanto mais acelerava, mais perto a catástrofe parecia chegar.

Droga, mil vezes droga!

A água finalmente lhe alcançou. Varrendo tudo em seu caminho, a grande onda do tsunami engoliu Sooyoung com tanta pressão que ela pode jurar que ouviu seus ossos quebrando. Foi arrastada das maneiras mais turbulentas possíveis, e quando tentou gritar, a única coisa que conseguiu fazer foi engolir água salgada pelo nariz e boca. Aquela mesma água que parecia bonita demais quando visualizou anteriormente. Seus olhos ardiam, seus pulmões doíam, sua pele estava machucada e já era impossível para ela obter oxigênio.

E então, viu-se presa nos escombros da onda assassina à mercê de se afogar.

Sooyoung despertou num impulso violento. Os olhos já se abriram arregalados, escancarou a boca para talvez tentar berrar um pouco mais, mas o que fez foi sugar uma boa quantidade de ar que encheu seus pulmões de imediato — definitivamente havia parado de respirar enquanto dormia, porque estava realmente com muita falta de ar. Ergueu o corpo num rompante, ficando sentada sobre sua cama.

Sua cama…

Deus, estava em sua cama!

Ofegava violentamente pela boca, puxando os cobertores e lençóis para ter certeza de que estavam realmente ali. Em seguida deslizou os dedos pela sua própria pele com mais força do que o necessário, garantindo de que não estava faltando nenhum membro. Notou que estava ensopada de tanto suor, transpirando tanto que o pijama fino que estava usando grudava em sua derme. Era um pouco nojento. Mas, ao mesmo tempo, um alívio em saber que era apenas suor e não... água do mar.

Colocou a mão sobre o próprio peito, fechando os olhos e respirando fundo. Seu coração batia. Podia senti-lo. Estava viva, mesmo.

Foi só um sonho. Um indesejado e violento sonho.

Assim como todos os outros que estava tendo.

Virou a cabeça devagar para encarar o relógio. Eram 5h45 da manhã, e ela tinha que ir trabalhar às 7 horas. Qualquer um no seu lugar tiraria mais algumas horinhas de sono, pois ainda estava cedo. No entanto, depois do sonho pavoroso que teve, a última coisa que Sooyoung queria fazer era dormir. Que se dane se por algum acaso ela ficasse com sono no meio do expediente, poderia entupir os poros de cafeína no horário de almoço. E que se dane se acabasse quase desmaiando de cansaço no caminho de volta para casa, ainda podia beber mais café. Só não queria voltar a dormir.

Afastou as cobertas e colocou os pés sobre as pantufas de bichinho, demorando alguns segundos para se levantar. Ainda estava um pouco trêmula, no fim das contas. Quando conseguiu fazê-lo, espreguiçou-se longamente e levantou as persianas da janela. Ainda estava meio escuro, mas não parecia que o sol ia dar as caras hoje. As nuvens estavam em maior número.

Isso era bom. A Ha realmente não estava muito interessada em ver o sol.

Caminhou devagar pelo curto corredor do seu apartamento, fazendo uma careta mínima ao reparar na bagunça que eram aqueles documentos, revistas e jornais em cima da sua escrivaninha. A televisão também estava ligada, exibindo aqueles pixels coloridos quando a conexão está falha. Correu para desligá-la, ou metade do seu salário ia só na conta de luz.

Se arrastou até a cozinha, bocejando e esfregando um dos olhos com o punho. Foi diretamente na direção de sua máquina de café, fazendo os procedimentos como esquentar água e colocar o pó no filtro, antes de finalmente ligá-la e aguardar que sua bebida estivesse pronta, enquanto devorava alguns velhos biscoitos amanteigados que estavam no fundo de um dos armários da despensa.

Mais uma vez, aquele sonho bizarro que teve voltou a sua mente. Involuntariamente, se arrepiou ao ponto de encolher os ombros.

Dormir havia se tornado uma tortura nos últimos meses, e essa palavra ainda era pouco para descrever o que realmente estava acontecendo dentro da sua cabeça. Veja bem, era uma mulher bem resolvida de vinte e quatro anos, formada em jornalismo pela faculdade mais prestigiada da cidade, currículo impecável, tinha ótimo emprego em uma empresa de uma revista famosa e sua remuneração era incontestavelmente boa também, apesar de sua patroa não ser das mãos gentis. Além de ter uma vida amorosa que caminhava em harmonia com a vida profissional.

Mas, de uns meses pra cá, sua vida perfeita estava sendo arruinada por pesadelos na hora do sono. Ou, por algo parecido com isso.

Na primeira vez que isso aconteceu, Sooyoung sonhou que estava chorando em um local escuro, úmido e sem sentido. Ela não chorava com frequência, era realmente difícil vê-la derramar algumas lágrimas, mas no seu pesadelo, debulhava-se completamente em um choro copioso, gritava a plenos pulmões e sentia muita dor. Mas, não foi uma dor física. Era como se sua alma doesse, seu emocional, seu psicológico, seu interior. Algo dentro dela pesava muito, e não sabia o porquê. E isso tornou o sonho ainda mais confuso, visto que ela estava sentindo aquela dor por algum motivo, e mesmo não sabendo qual, não conseguia evitá-la.

Naquela noite, acordou num rompante que quase havia despencado de cima da cama. E quando passou as mãos sobre o rosto, logo abaixo dos olhos sentiu seus dedos úmidos, descendo para as bochechas com a mesma sensação. Nunca acreditou que fosse possível chorar enquanto dormia, até porque a Ha não tinha precedentes de sonambulismo ou de falar enquanto estava num sono profundo. Mas isso aconteceu, misteriosamente. E a fez questionar a si mesma internamente se aquele inchaço no seu rosto era por causa do choro ou do sono que estava sentindo, quando foi se olhar no espelho.

Mas Sooyoung ignorou aquilo, pois pensou que fosse apenas uma anomalia de uma noite mal dormida. Tinha ido para a cama muito tarde no dia anterior porque estava terminando a última matéria do jornal que seria colocado à venda em algumas semanas. E, era comum que as pessoas tivessem pesadelos de vez em quando, não?

De fato. Mas, era anormal ter pesadelos ou sonhos esquisitos todos os dias, ou quase todos.

Depois do seu primeiro pesadelo, a semana inteira seguiu com a Ha tendo sonhos bizarros que a faziam questionar a si mesma se realmente estava com sono ao ponto de querer dormir e ter o risco de vivenciar aquilo novamente. Sonhou que estava perdida em um labirinto com as paredes sujas e cobertas de musgo, sendo perseguida por alguma coisa que ela preferiu não se virar para identificar o que era, mas parecia lento e pesado pelos passos atrás de si que sacudiram até o chão que ela corria. Depois, sonhou que fora arremessada para o espaço sem nenhum tipo de proteção e permaneceu na agonia de flutuar sobre a vastidão, sem voz e sufocando lentamente pela falta de oxigênio. Isso se não tivesse simplesmente explodido antes.

Um ponto muito curioso era que em quase todos os sonhos Sooyoung era morta por alguma coisa, alguém ou algum desastre natural. Eram raras as vezes que conseguia sobreviver nessas ilusões.

Havia de fato ficado um pouco paranóica com isso, e estaria mentindo se dissesse que não tinha recorrido a pesquisas desenfreadas por sites de explicações conspiracionais que compunham suas teorias baseadas em fatos sem pé nem cabeça. Entretanto, havia uma mínima possibilidade da jornalista estar cogitando algumas poucas frases daquelas anedotas de contos de fadas serem de alguma ajuda, porque uma palavra ou outra ainda poderia fazer algum sentido para os sonhos que estava tendo. No entanto, desistiu de continuar com suas pesquisas pessoais quando as explicações pareciam uma mais bizarra do que a outra — em que mundo sonhar que está caindo de um grande despenhadeiro em direção ao chão, poderia significar alguma fartura? Porque, era o que o site afirmava com cem por cento de certeza — ou as sugestões para "purificar a alma" e evitar os sonhos ruins serem ainda mais questionáveis. Pareciam aquelas simpatias ruins de revistas baratas, que garantem que você vai perder peso em uma semana só com um copo de suco detox e uma cenoura murcha.

Fala sério, o site disse para Sooyoung tomar banho de sal grosso e ficar dentro de um círculo de alho durante dez minutos. Ela queria parar de ter sonhos ruins, e não um ritual de como espantar um vampiro.

Decidiu por si própria que nada era de confiança, e não valia a pena acreditar naquelas coisas. Como alguém poderia saber o que um sonho significava? Isso era comprovado pela ciência, astrologia ou algo do tipo? Faziam algum tipo de exame ou raio-x no seu cérebro para identificar? Ou simplesmente deduziam significados a partir de coisas que a Ha não acreditava nem um pouco, como relações espirituais ou alinhamento de chakras? Sinceramente, essas questões sem respostas a faziam se sentir a protagonista de um filme de terror ruim. Por isso, simplesmente deixou de lado. Devia ser algum tipo de delírio de sua parte, andava muito atarefada nos últimos meses com o emprego, isso gerava estresse que consequentemente poderia gerar pesadelos. Um momento, tinha que parar.

E, bem, ela ainda aguardava ansiosamente por esse momento.

[...]

Após tomar seu café da manhã, arrumar-se e colocar um pouco de maquiagem no rosto — não costumava fazer uso constante de cosméticos, mas ultimamente as olheiras abaixo dos seus olhos e seu rosto que deixava o cansaço transparente exigiam alguma coisa para disfarçar —, Sooyoung transpassou o cinto de segurança pelo corpo assim que bateu a porta do seu carro. Deixou um longo suspiro escapar enquanto girava a chave e colocava o pé no acelerador, traçando o caminho que fazia todos os dias pela estrada.

Em questão de alguns minutos com o veículo rondando pelas rodovias, a jornalista já se via adentrando o estacionamento do seu jornal com o seu Celta branco já meio decadente; toda vez que passava com seu carro pelos portões e pelos seguranças, agradecia mentalmente por ser uma funcionária do local e não precisar pagar pela estadia de estacionamento. Se fosse o caso, seria obrigada a estacionar seu velho carro na rua porque certamente não pagaria aquele valor todos os dias.

Saiu do carro, trancando o veículo com a chave dando um aceno de cabeça breve para o segurança que ficava na entrada da recepção, enquanto colocava um óculos escuro no rosto mesmo sem um único raio de sol — vai saber se o acessório poderia ajudar a esconder melhor seu cansaço. Caminhou pelos corredores do sindicato, com o salto médio colidindo contra o piso límpido, denunciando sua chegada antes mesmo que pudesse adentrar alguma sala.

— Bom dia, Soo! — Jungeun recebeu-a com um sorriso animado nos lábios pintados por um batom vermelho, assim que Sooyoung pisou no setor em que trabalhava.

— Bom dia, Jungeun. — Talvez sua saudação tenha saído mais sôfrega do que deveria, mas sua colega pareceu não notar.

A Ha acomodou-se no espaço da sua pequena cabine, deixando a bolsa na mesinha enquanto sentava na cadeira de rodinhas em frente ao computador.

— Vai escrever a matéria de óculos escuros na cara? — Jungeun pontuou, após adentrar o pequeno cubículo de Sooyoung para apanhar alguns entulhos de papéis na impressora. — Não que eu me importe realmente, acho esses seus óculos super estilosos. Mas, não sei se a Hyunjin compartilha da mesma opinião.

E então ela reparou que ainda não havia retirado os óculos, e que não podia usá-los lá dentro. Estalou a língua no céu da boca, retirando-os rapidamente.

— Esqueci desse detalhe — suspirou, revirando os olhos ao lembrar da chefe que dizia para serem profissionais e evitarem acessórios dentro do ambiente de trabalho — Que mal lhe pergunte, o que faz aqui?

Jungeun deu uma risada curta.

— Bom, eu trabalho aqui.

— Isso eu sei, cabeça de vento. — Sooyoung acompanhou a risada, negando com a cabeça enquanto fazia seu login no computador. — Quis dizer aqui, dentro da minha cabine.

— Minha impressora quebrou hoje cedo. — Comprimiu os lábios. — E as matérias não podem esperar até que a estagiária ache algum técnico que conserte aquela porcaria. Então eu usei a sua. Eu posso, não posso?

— Está me perguntando isso depois de já ter usado.

Kim Jungeun era sua colega de trabalho, que trabalhava no mesmo setor que ela e algumas cabines atrás da sua. A loirinha de lábios avermelhados era uma pessoa fácil de conviver, sempre animando os dias de Sooyoung com suas novidades pessoais e piadas sem graça nenhuma, mas que faziam a morena esquecer por algum momento de que tinha problemas para lidar. Podia considerar a Kim como sua amiga e alguém em quem pudesse despejar seus segredos e frustrações, pois sabia que ela iria lhe ouvir pacientemente e dar um conselho tão inteligente que nem parecia ser mais nova do que Sooyoung. Era como se ela tivesse vivido mais experiências.

E, por esse motivo, ela era a única pessoa que sabia dos pesadelos da Ha. Óbvio que ela não contava todos os detalhes, como dizer que estava sonhando com coisas estranhas todos os dias, mas Jungeun sabia que se tratava de algo frequente.

— Você está usando maquiagem hoje... — a loirinha argumentou baixinho, batendo a pilha de papéis na mesa para alinhá-los.

— Ficou assim tão aparente? — Sooyoung resmungou, olhando o próprio reflexo pelo monitor. Poxa, tinha certeza de que sua maquiagem hoje tinha ficado o mais natural possível.

— Para mim sim, já que estou mais acostumada a te ver sem maquiagem. Até porque, quando você decide usar corretivo, realmente não brinca em serviço. — A Kim deixou escapar uma risada, sabendo que a Ha pesava no cosmético. — Hum… É tipo quando um alcoólatra bebe muito, e coloca uma bala de hortelã na boca para disfarçar.

— O que isso quer dizer? — A morena enrugou o cenho.

Jungeun a olhou de forma sugestiva.

— Quer dizer que quando algumas pessoas entopem os poros de maquiagem, é porque elas querem esconder alguma coisa na própria aparência. Sabe, é quase a mesma analogia.

Sooyoung parou por um momento. Por algum motivo, alguma coisa se revirava dentro do seu estômago por saber que Jungeun notou com facilidade que os usos de maquiagem da Ha, eram oriundos de noites mal dormidas. Mas a culpa era parcialmente sua, por ter contado a ela. E era no mínimo questionável a mais velha aparecer um dia de maquiagem e no outro de cara limpa.

— Com o que você sonhou essa noite? — A Kim decidiu arriscar a pergunta.

Sooyoung apoiou o queixo na mão, parecendo pensativa.

— Que eu estava em uma praia... — iniciou, simplista, enquanto encarava a tela do computador aberta na página inicial. — E então houve um terremoto seguido de um baita tsunami. Eu acho que morri no final.

— Cruzes, Sooyoung! — Jungeun fez um sinal da cruz. — Como consegue falar que morreu assim, tão naturalmente? Que coisa mórbida.

Os ombros da morena se elevaram minimamente, para então despencarem.

— Eu acho que só me acostumei, mesmo. — Umedeceu os lábios. — Morrer nos meus sonhos se tornou algo natural para mim.

— Que Deus te ajude, aberração. Vai purificar essa alma, fazer um trabalho voluntário, sei lá. Algo do bem.

A Ha riu sem humor, negando com a cabeça enquanto abria uma das pastas de arquivo virtuais com os cliques do mouse. Duvidava seriamente que "fazer algo do bem" iria interferir nos seus pesadelos e simplesmente pará-los. Não estava em um conto infantil ou na abertura do He-Man para dizer que o bem vence o mal.

— Uma praia… — Jungeun iniciou mais uma vez após alguns segundos, balançando os papéis nas mãos, pensativa. — Como era essa praia?

Sooyoung parou, suspirando fundo conforme escorava as costas na cadeira e cruzava os braços.

— Era bonita. Muito bonita. — Balançou as pernas. — A areia e a água estavam limpinhas, e não tinha ninguém lá a não ser eu mesma. Não sei nem se era aqui, porque não conheço nenhuma praia com aquela magnitude toda. — Girou as rodinhas da cadeira para encarar a colega. — Por que a pergunta?

Ela demorou alguns segundos para lhe responder.

— Porque quando você disse praia e acabou de confirmar que era bonita, eu lembrei da sua viagem.

Sooyoung arregalou minimamente os olhos.

— Viagem?

— É. — Jungeun maneou a cabeça positivamente. — Você não esteve viajando há quase um ano para fazer uma matéria sobre como as praias faziam sucessos entre os banhistas naquela cratera distante? Será que não tem alguma coisa a ver? Ou fui eu que viajei muito agora no raciocínio?

Silêncio.

Os olhos de Sooyoung permaneceram vidrados nos de Jungeun, até irem desviando lentamente para os papéis que a colega tinha na mão. De fato, fazia algum sentido. Há algum tempo, sua chefe havia enviado Sooyoung para uma viagem no intuito de fazer uma matéria sobre as praias tão populares entre os banhistas. A superiora julgou que duas semanas era tempo suficiente para a estadia da Ha em um hotel próximo à uma das praias, onde ela poderia entrevistar turistas e tirar fotos para o jornal. Poderia ser considerado uma semana de férias, se a morena não tivesse que escrever os textos para publicar.

Havia sido um tempo muito bom que passou por lá; ainda não tinha pesadelos para assombrar seu sono, o sol estava sempre presente, as praias que visitou eram paradisíacas e ela teve muita inspiração para escrever com uma paisagem daquelas bem a sua frente. Isso, claro, sem contar as cortesias e mimos do hotel, tudo pago pelo sindicato de jornalismo. Tinha tudo para ser a viagem perfeita que geraria a matéria perfeita, mas infelizmente um ocorrido incalculado transformou completamente os últimos de Sooyoung em um verdadeiro filme clichê adolescente ruim que até então ela não sabia explicar. Era muito pior do que os pesadelos que perseguiam seu sono.

A Ha automaticamente encolheu os ombros, sentindo um calafrio forte percorrer seus nervos. Não gostava de lembrar daquilo.

— Eu… — tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu pensar em nada, portanto sua alternativa foi tentar desviar do assunto. — Jungeun, você sabe que eu não gosto de falar sobre essa viagem…

A loirinha pareceu se recordar do que Sooyoung lhe contou assim que voltou, e automaticamente se arrependeu de ter trazido o assunto à tona. Sua expressão se fechou para uma preocupação explícita, e começou a soltar uma sequência de pedidos de desculpas.

— Desculpe, desculpe! Ai, Soo… — ela resmungou sôfrega. — Sério, me perdoa. Eu havia esquecido completamente. Sou muito idiota!

— Ei, calma. Tudo bem... — Sooyoung negou lentamente com a cabeça, um sorriso torto nos lábios. — Sua analogia até que faz sentido, eu concordo. Só… Não vamos mais falar sobre isso, sim? Anda, temos trabalho pra fazer ou então a Hyunjin vai comer nosso fígado à moda parmegiana.

Jungeun concordou, se desculpando mais algumas vezes antes de beijar a bochecha de Sooyoung — fez questão de dar um beijo forte para que seu batom ficasse marcado na pele da mais velha — e seguir para a sua cabine com os papéis impressos.

E enquanto isso, a Ha tentou passar o dia fingindo que não havia percebido a semelhança da praia de sua viagem onde aconteceu uma das experiências mais loucas que já teve, e a praia em que se afogou no seu pesadelo.

[...]

Mais tarde, quando o expediente havia terminado e seus poros transbordavam cafeína além da maquiagem, Sooyoung caminhava rapidamente até o estacionamento ao lado de Jungeun — que ainda estava meio envergonhada pelo assunto de horas atrás.

— Quer carona? — a morena questionou assim que chegaram ao lado de fora, balançando a chave do carro na mão.

— Hoje não. — Negou com a cabeça e passou as mãos pelo cabelo. — A Jiwoo vai vir me buscar.

— Jiwoo, hein? — a Ha falou maliciosa, escutando um chiado constrangido da colega que empurrou de leve o seu ombro. — Mas e aí, essa parada de vocês é séria?

— Eu acho que é… — Dessa vez Jungeun falou tão baixo que se Sooyoung não estivesse tão próxima, não teria a escutado. — Eu acho que estou gostando muito dela, sabe?

— Achei que não gostasse de ninguém, senhorita golpe.

— Cala a boca, vai.

Outro empurrão, dessa vez menos gentil do que o anterior, o que contribuiu ainda mais para as risadas da mais velha.

— Está bem, está bem. Mas eu acho melhor você ir logo, tem alguém bem ansiosa esperando por você lá.

Sooyoung apontou na direção de um carro vermelho chamativo, que tinha visto muito nos últimos dias ali naquele estacionamento. Ao lado do veículo estava uma garota baixinha com olhos grandes e brilhantes, uma franjinha adoravelmente simétrica que cobria toda a sua testa e sapatos de boneca nos pés.

— Meu Deus, ela já está aqui!

Jungeun aparentou estar apavorada de repente, girando os calcanhares para a vidraça do sindicado, se encarando e penteando os fios loiros com os dedos, além de retocar apressadamente o batom vermelho.

— Como eu estou? — Ela virou-se para Sooyoung, com os olhos tão arregalados que a fez rir.

— Está ótima. Agora vai lá!

— Mentirosa!

A Ha revirou os olhos.

— É, Jungeun. Confesso, eu disse que você está ótima porque te acho feia pra caramba. Vai logo!

Uma última sequência de risadas ecoou entre as duas, antes de Jungeun fazer uma caminhada elegante pique passarela — na verdade ela parecia que havia fraturado os quadris andando daquele jeito, mas Sooyoung deixou quieto —, e entrar no carro vermelho de Jiwoo. A mais velha deu um sorriso lento, mordiscando o lábio inferior e negando rapidamente com a cabeça. Desde quando a Kim havia se tornado tão boiola? Só estava somatizando motivos para a mais velha infernizá-la com aquele papo de paixão é para os fracos.

Rumou em direção ao próprio carro, erguendo a mão que segurava a chave do veículo e destravando as portas a uma distância curta. No entanto, antes que pudesse abrir, notou um pedaço de papel preso entre o vidro do carro e o parabrisa. Estava bem enrolado ali, definitivamente colocado por alguém e parecia um bilhete. Mas, bem, ninguém podia entrar no estacionamento do sindicado se não fossem funcionários ou alguma outra pessoa autorizada. Como aquilo havia ido parar ali?

Curiosa, Sooyoung pegou o papel e o desdobrou rapidamente. Não levou menos de cinco segundos para notar que se tratava de um folheto, que divulgava algum tipo de serviço.

“Você está tendo sonhos esquisitos? Pesadelos?

Pois bem, saiba que isso pode acabar se você solicitar os nossos serviços!

Sonhos ruins, nunca mais! Ligue para o número abaixo se quiser marcar um horário com os nossos hipnólogos perfeitamente capacitados!”

Ok, aquela coincidência era assustadoramente bizarra.

As mãos de Sooyoung ficaram trêmulas de uma hora para a outra, sacudindo minimamente o folheto. Ela olhou para os lados, como se quisesse comprovar a si mesma de que não tinha ninguém ali exceto pelo segurança dentro de sua cabine minúscula, lendo uma revista em quadrinhos para matar o tempo.

Engoliu em seco, escaneando o carro. Não parecia ter nada de errado com ele. Nenhum arranhão ou marcas de dedos.

Seu peito se apertou de nervosismo, com uma pressão incômoda e pesada.

Aquilo era o destino lhe pregando uma peça. É, só podia ser. Ele era traiçoeiro. Ou poderia ser uma simples coincidência, por mais específico que aquilo pudesse parecer.

Por que tinha aquele folheto ali, justamente no seu carro? A única pessoa que sabia era Jungeun, mas ela esteve sempre perto de si durante todo o expediente. Não saiu em nenhum momento, até porque não era permitido a saída dos funcionários antes do fim do expediente.

Pressionou a língua contra a parte interna da bochecha, negando freneticamente com a cabeça enquanto amassava o folheto e o jogava na lixeira mais próxima. Claramente em negação.

Mas, por desencargo de consciência, decidiu arriscar dar uma palavrinha com o segurança.

— Ei, senhor! — Elevou a voz ao se aproximar um pouco mais, querendo chamar a atenção do homem. — Boa tarde.

Ele ergueu os olhos da revista em quadrinhos.

— Boa tarde. — A voz dele estava grave e um tanto esbaforida. Devia estar louco para trocar de turno. — No que posso ajudá-la?

Sooyoung engoliu em seco.

— Sabe se alguém entrou aqui essa tarde? — Cruzou os braços, balançando levemente o corpo. — O senhor autorizou a entrada de alguém?

O homem olhou em volta, escorando-se ainda mais na cadeira dura.

— Não, senhorita Ha. — Negou com a cabeça, olhando para o crachá preso no casaco da moça. — Ninguém entrou aqui sem que eu tenha visto. Os portões passaram fechados durante o dia todo, e apenas eu posso abri-los.

A morena umedeceu os lábios.

— E nenhum estranho apareceu aqui pedindo para entrar? Algum intruso… Nada?

O segurança rapidamente negou.

— Absolutamente ninguém. Estou lhe assegurando.

Sooyoung abaixou o olhar, encarando os próprios saltos. Aquele nervosismo lhe assolou novamente.

— Certo, muito obrigada.

E então ela curvou-se e saiu andando até o próprio carro, com um medo descomunal expresso a cada passo.

[...]

No caminho de volta até seu apartamento, Sooyoung quase bateu o carro umas três vezes nos grandes postes, como se não conseguisse vê-los bem em sua frente — independente do tamanho deles, ou das luzes que já estavam ligadas naquela hora. Estava distraída, e isso era extremamente perigoso; ainda mais no trânsito, levando em consideração de que a Ha não era uma pessoa avoada e constantemente repreendia Jungeun por ser uma.

Ao que finalmente estacionou, deixou escapar uma lufada de alívio tão intensa que até um cara que estava passando pela calçada olhou para ela. Havia conseguido fazer o trajeto sem bater — embora quase tenha feito isso mais de uma vez — ou matar um pedestre que atravessava a rua. Reforçou o aperto em volta do volante, puxando a marcha e dando uma ré leve para não derrubar a moto estacionada atrás.

Desligou o carro, retirou o cinto e saiu do veículo com as pernas um pouco trêmulas. Trancou as portas com a chave e ativou o alarme, e seu olhar desviou por acaso para o poste ali ao lado. Quando reconheceu alguma coisa nele, sentiu como se fosse desmaiar.

Ali no poste, em frente a sua casa, estava colado aquele mesmo panfleto de alguns minutos atrás. Aquele que ela amassou e jogou no lixo com todo o desespero possível.

Estava bem ali, mais uma vez. Colocado ali não fazia muito tempo, pelo visto. Não estava desgastado e pelas bordas do papel havia alguns resquícios de cola. Diante dela, como se quisesse lembrá-la de que ele existia.

Sooyoung não conseguiu olhar para o panfleto por muito tempo, pois a coincidência era assustadora demais. Até para ela. Balançou a cabeça rapidamente, quase de forma maluca; seus cabelos dançaram em volta do seu rosto e sentiu-se tonta, mas poderia ser necessário para "acordá-la".

E então a Ha seguiu até a portaria do seu prédio. O porteiro a reconheceu e liberou sua entrada para dentro. Cumprimentou o senhor, contendo a vontade de perguntar se ele por acaso não teria visto alguém pregando um cartaz pequeno naquele poste. Mas, temia ser muito invasiva e vai ver que nem foi no expediente daquele homem. Ele poderia não saber de nada.

E honestamente? Ela gostava de pensar que era melhor ele não saber mesmo. Pois Sooyoung não saberia o que fazer caso descobrisse alguma coisa sobre aqueles panfletos.

Cada segundo dentro daquele elevador havia sido tortuoso, com uma temperatura quente demais e a jornalista sentindo como se estivesse sendo observada, embora definitivamente não houvesse ninguém ali dentro além dela. Foi mais fácil botar a culpa na câmera instalada no canto, acima do painel de andares. O porteiro vigiava o elevador por ela. É, devia ser isso.

Saiu dali e caminhou alguns poucos passos até sua porta, destrancando-a rapidamente com auxílio das chaves e retirando os saltos doídos ao entrar. Jogou a bolsa em cima do sofá e espreguiçou-se longamente para trás. No entanto, não podia deixar de pensar que talvez não estivesse segura. Ali, dentro da própria casa. E isso era assustador.

Ignorou, ou ao menos tentou ignorar todas as sensações que lhe corroía. Tentou ocupar seu tempo tomando um longo banho ao ponto de deixar seu corpo enrugado, se alimentar propriamente com restos de uma janta do dia anterior, tentar manter as matérias todas organizadas e de quebra procurar um técnico especializado em impressoras para facilitar o trabalho do estagiário e a vida de Jungeun também.

De fato, por alguns momentos ela esqueceu. Adiantar alguns textos e discutir por telefone com um técnico que não tinha serviços disponíveis pelo resto da semana havia lhe ajudado. O trabalho sempre lhe deixou muito focada no que deveria fazer, como se esquecesse do mundo a sua volta quando estava sendo profissional — ou nem tanto assim.

Mas as horas foram passando. E Sooyoung tinha que dormir.

Ela encarou o relógio que já marcava mais de meia-noite, amaldiçoando o objeto em sua parede com todos os palavrões que sabia. Olhou para a sua janela, caminhando poucos passos até ela e visualizando a escuridão do lado de fora.

Teve que se conter para não abrir o vidro e gritar de raiva. Teria que se contentar em amaldiçoar a noite também.

Não queria dormir, não mesmo. Mas ao mesmo tempo já podia sentir o sono chegando, tanto por ter acordado muito cedo quanto pelo misto de sensações pavorosas que enfrentou naquele dia. Suas pálpebras já pesavam um pouco.

Ficou em frente à janela durante longos segundos, ponderando se deveria ou não ir para a cama. Depois dos sonhos que teve nas últimas semanas, embora o sono se fizesse presente, Sooyoung não tinha mais vontade de dormir. Mas, ao mesmo tempo, ter as horas de sono reguladas minimamente seria o ideal para não afetar ainda mais a sua saúde.

Por fim, decidiu que só dormiria se realmente estivesse com muito sono. Naquele estágio que você não sabe mais se está acordado ou não. Não importava mais se acordaria na manhã seguinte feito um zumbi retirado diretamente do seriado The Walking Dead; quanto menos horas de sono, consequentemente menos horas de pesadelos. E menos tempo de saúde boa também, mas ela não quis focar nisso. Era o de menos.

Sentou-se sobre a cadeira e apoiou os cotovelos na escrivaninha, puxando algumas canetas e decidindo trabalhar mais um pouco para adiantar algumas coisas. Pegou um papel com linhas e começou a rabiscar alguns projetos de texto para as futuras matérias que viria a escrever, para já ter uma base de tudo.

Mas, gradativamente, o sono ia a consumindo. Mais e mais.

Conseguiu escrever algumas coisas desconexas durante menos de quarenta minutos, mas antes de sequer pensar em se levantar dali e ir para o quarto e se apercebesse do quão sonolenta estava, a Ha acabou adormecendo em cima dos papéis, com a cabeça apoiada nos braços que descansavam na escrivaninha.

Abriu os olhos, e no entanto não enxergou nada. Por um momento pensou que nem poderia estar sonhando, mas era como se estivesse completamente consciente de que estava dentro de uma ilusão naquele momento. E não demorou a perceber que estava, de fato. Entretanto, era o mais puro e genuíno vazio ali em sua frente.

Era tudo preto, inteiramente escuro. Sooyoung sentia que se desse um único passo, poderia despencar de algum lugar. Sabia que estava sonhando, isso era fato e ela já esperava por aquilo. Só não se lembrava em qual momento poderia ter adormecido, ou em que tipo de mundo paralelo havia ido parar dessa vez. Era estranhamente curioso ela sonhar com todo aquele… Nada.

Isso nunca tinha acontecido. Geralmente sua mente maluca ou qualquer que fosse o nervo do seu cérebro que controlava seus pesadelos, sempre tinha um cenário pronto para ela. Algum lugar. Algum horário. Algum clima.

Mas não. Dessa vez não passava de um preto tão intenso que ela não conseguia ver os membros do próprio corpo. Não via nada em sua frente.

Certo, era bizarro, mas isso era melhor do que o tsunami. Com certeza.

Sooyoung então decidiu dar um passo à frente, para testar o chão abaixo dela. Se caísse, provavelmente morreria naquele sonho e não seria nada que não estivesse acostumada.

Ergueu o pé, e então o aterrissou novamente sobre o chão mais à frente. Avançou o passo. Nada de quedas.

Bom.

Avançou novamente, em um segundo passo. O chão ainda continuava ali.

Ótimo.

Mas no terceiro passo, Sooyoung colidiu contra alguma coisa. Uma parede bem a sua frente, que foi impossível dela enxergar. Quase perdeu o equilíbrio, mas conseguiu se manter em pé.

— Ouch… — chiou, massageando a testa com a ponta dos dedos. Ainda bem que não iria ficar inchado de verdade, visando que era apenas um sonho. Porque não haveria maquiagem que pudesse esconder o hematoma feio que se formaria na sua pele.

A Ha ergueu os braços para frente, estendeu as mãos e tocou na parede a poucos centímetros do seu corpo. Mas, pensando bem, depois de senti-la no tato, não parecia uma parede. Ela recuou os membros.

Tinha uma textura esquisita, embora incrivelmente macia. Era quase como se estivesse tocando em algo peculiar. Não tinha ideia do que poderia ser.

E se aquele sonho por um momento estava sendo menos pior do que o tsunami, Sooyoung teve que engolir as palavras que nem mesmo falou. Pois aquela caixa preta estava se provando ser um dos piores pesadelos que já teve.

Quando ela se afastou, algo se abriu na parede. Algo mucoso, com nervos, linha d'água, íris, pupila e cílios.

Um olho. Um grande olho.

A jornalista vacilou e andou para trás inconscientemente.

O olho tinha a íris castanha escura, e a pupila dilatada. A mulher sentiu todo o seu corpo tensionar e agonizar quando o viu começar a se mexer, como se olhasse para os lados, procurando por algo ou alguém. Ia da direita para esquerda, da esquerda para direita. De cima para baixo, de baixo para cima.

E então fixou em Sooyoung. E se arregalou. Ela conseguiu ver claramente a contração do movimento.

A morena não conseguiu verbalizar nada. Seu corpo todo tenso e a respiração ofegante já diziam muitas coisas. Mas o pior de tudo, era que a Ha sentia que reconhecia aquele olho. Não lhe era estranho. Já tinha o visto antes. Já tinha encarado aquele par de olhos em algum momento, mas não conseguia recordar qual. Aquela cor era familiar.

No entanto, o pavor era tanto que ela não tinha tempo para assimilar nada sobre aquela cena. E tudo piorou quando a sala sacudiu em um grito estrondoso, que vinha do fundo da alma.

Mas, não era a voz dela gritando ali. Definitivamente não era.

Uma mulher gritou. Uma mulher que não era ela.

Sooyoung acordou assustada. Ergueu a cabeça tão violentamente que ficou tonta. Aquele grito ainda chacoalhava seu cérebro e reverberava dentro de sua cabeça.

Suor escorria de sua franja e pingava sobre os papéis em que dormiu em cima — os quais ela reparou estarem úmidos. Sua visão estava embaçada e doída pela luminária que tinha deixado ligada ali em cima, com a lâmpada na maior potência. Luz a ajudava a se concentrar. Mas por um momento desejou que estivesse escuro novamente, pois sua cabeça doía.

Suspirou pesado e encarou a janela. Ainda estava escuro lá fora. Eram quatro da manhã.

Mas tudo que se passava na cabeça de Sooyoung naquele momento, era saber quem foi a mulher que gritou no seu pesadelo. Isso também nunca tinha acontecido. Não costumava ter companhias nos seus sonhos, ainda mais companhias que falassem alguma coisa. Quem dirá gritar a plenos pulmões daquele jeito.

Não havia sido ela. E por mais alterada que a voz pudesse estar, sentia que conhecia ela também. Todos os principais elementos do seu sonho não lhe eram estranhos.

E isso era o mais assustador.

[...]

Na Internet, dentro de algum site aleatório, o conceito que definia a palavra "loucura" é, segundo a psicologia, uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados anormais pela sociedade ou a realização de coisas sem sentido. É resultado de algum transtorno mental.

Isso era como Sooyoung vinha se definindo ultimamente. A própria personificação da loucura. Em carne e osso. E isso a deixava profundamente consternada.

Aquele grito, aquele olho, aquela sensação de que conhecia-os de algum lugar lhe apertava o peito. Naquela noite, novamente não conseguiu dormir. Seu cérebro liberava adrenalina por todos os seus nervos e o sono se esvaiu em pouco tempo depois que despertou. Grandes olheiras arroxeadas e profundas surgiram debaixo de seus olhos cansados, e seu corpo não escondia a exaustão ao caminhar e até dirigir.

Ela não parecia bem. Qualquer um poderia notar isso.

Seu trabalho não rendia mais como antes por causa de sua indisposição, fazendo a insuportável da sua chefe Kim Hyunjin pegar no seu pé como nunca. E a Ha quase nunca levava esporro no trabalho, dava para contar em menos de uma mão quantas vezes aquela mulher teve que repreendê-la por alguma coisa. Mas agora, isso vinha acontecendo com tanta frequência que Sooyoung se questionava internamente várias vezes como ainda não havia perdido o emprego. Os superiores do sindicato deviam gostar muito dela como funcionária. E o RH também.

Jungeun foi a pessoa que mais reparou no comportamento avoado e no rosto cansado da amiga, mas ela não havia lhe contado mais nada e se recusava a falar. Fazia a Kim acreditar que estava tudo bem, quando na verdade tudo caminhava de mal para pior.

Mesmo se recusando a dormir, era impossível que ela impedisse a si mesma de cochilar às vezes. Sem o próprio consentimento, Sooyoung às vezes adormecia no sofá, na escrivaninha, em cima dos papéis e até já caiu desmaiada no tapete da sala. O sono era e sempre seria mais forte do que seu corpo frágil e sem descansar propriamente. Não se lembrava da última vez que deitou sua cama. Ela não parecia tão convidativa agora.

E, esporadicamente, Sooyoung também visitava a biblioteca pública da cidade — se não encontrou nada navegando pelos sites conspiratórios da Internet, nos livros deveria haver alguma resposta. Depois que saía do trabalho com os ouvidos doloridos pelos berros de Hyunjin sobre como ela estava distraída e confundindo "mas" com "mais" nas matérias, visitava a biblioteca indo a pé mesmo. Não era perto, mas também não era longe. Nada que não pudesse ir caminhando.

E, honestamente? Os livros a faziam temer mais ainda tudo o que estava acontecendo.

Todas as capas e títulos que ela julgou serem coerentes com os sonhos que estava tendo, diziam coisas tão horríveis que nem conseguia ler até o fim da página. Alguns diziam que ela poderia estar sendo assombrada por forças malignas, outros diziam que um espírito obsessor estava preso ao corpo dela, e uma outra parcela falava sobre demônios do sono.

Estar tendo pesadelos já era ruim, mas um demônio ser o causador deles soava ainda pior.

Isso sem contar os panfletos. Os malditos daqueles panfletos.

Por onde quer que fosse, eles estavam lá. Pareciam empenhados em persegui-la.

Alguns deles apareceram nos postes em frente ao sindicato que trabalhava. Outrora, após alguns dias frequentando a biblioteca, eles surgiram por lá também; nas paredes da construção, especificamente. Qualquer que fosse o local que Sooyoung mais visitasse ou passasse a visitar com mais frequência, eles retornavam para assombrá-la. Parecia pessoal. Sua cabeça desordenada estava convencida de que eles eram diretamente para ela.

Não tinha como ser para outra pessoa. Deveria ser para ela.

Em todas as pequenas sonecas que vinha tirando sem intenção, aqueles sonhos tinham continuidade. No entanto, a voz que ecoava em sua cabeça quando estava presa em um sono profundo, não era dela. Estavam longe de ser. Era suave, embora os timbres por vezes soassem desesperados. Parecia que precisava desesperadamente chamar a atenção de alguém.

Isto é, a sua. Se estava nos seus sonhos, deveria ser a sua atenção. Isso foi uma conclusão que chegou sozinha, assim que reparou na existência de alguém a mais nas suas ilusões. Só não sabia o que esse… Ser, queria.

Mas queria descobrir, e enfim poder se livrar de algo que estava acabando com sua vida. Desmoronando-a pouco a pouco.

— Vou direto para casa. Minhas costas estão me matando. — Alongou o corpo, ouvindo o estalar das suas costas enquanto tateava os bolsos do casaco à procura da chave do carro.

Jungeun, que estava ao seu lado, apenas encarou a cena.

— Nada de café hoje, viu? Porque daqui a pouco eu tenho certeza de que não haverá mais sangue no seu corpo, e sim, café.

Sooyoung bufou, estalando a língua.

— Claro, mamãe. Boa noite. — Acenou de costas para a amiga, mas seu pulso foi segurado antes que pudesse seguir o caminho.

A Ha encarou a Kim com uma expressão que deixava explícita sua confusão, aguardando que ela se explicasse.

— Soo, você está bem mesmo? — Umedeceu os lábios e afrouxou o aperto no pulso da amiga. — Tenho a impressão de que você não está me contando as coisas. Sabe que sou sua amiga e só quero o seu bem, não sabe? Não precisa manter segredos entre nós duas.

Sooyoung a encarou por longos e demorados segundos. Jungeun ficou nervosa.

— Eu sei. Claro que eu sei. — Maneou a cabeça. — É só que… Não quero te envolver nos meus problemas.

A mais nova arqueou as sobrancelhas.

— Por que? Acha que eu não vou conseguir te ajudar?

A morena negou lentamente com a cabeça, deixando escapar uma lufada de ar.

— Acho que não vai acreditar em mim.

O olhar que Jungeun lhe lançou dizia muita coisa. Nunca nem havia se mostrado cética a respeito dos assuntos da amiga. Mas, mesmo assim, ela dizia que talvez não acreditasse no que tinha a dizer. Não sabia como podia interpretar esse posicionamento.

E, No entanto, apenas teve que respeitar a decisão de Sooyoung. Talvez na hora certa, no momento certo, elas conversassem sobre aquilo adequadamente. Quando a Ha se sentisse confiante e corajosa para colocar tudo para fora.

[...]

Sooyoung adentrou pela porta se sentindo esquisita. Como se não pertencesse mais àquela casa.

Enrugou as feições, estranhando aquelas sensações esquisitas. Mas deviam ser derivadas de todas as loucuras que estava passando dia após dia, e das suas quase nulas horas de sono. A indisposição e o cansaço estavam prejudicando seu corpo o quanto podiam naquelas últimas semanas. Nunca havia se sentido tão mal, enjoada e com o corpo pesando toneladas. Então toda e qualquer sensação era comum ela botar a culpa na rotina bagunçada.

Realizou tudo que costumava fazer depois que chegava de mais um dia de um expediente cansativo; tomou banho, jantou e foi direto trabalhar em textos. Seu trabalho não estava bom, então o quanto conseguia, Sooyoung fazia suas matérias — ou um esboço delas — em casa e da melhor forma que conseguia escrevê-las. Manter-se concentrada se tornou algo raro, visto que o sono lhe tirava completamente o foco de tudo. Às vezes se pagava dormindo acordada, olhando para a parede como uma songa monga e a mente completamente em branco, esquecendo-se do mundo afora e até de coisas mais importantes. E isso era terrível para alguém que sempre fora tão concentrada e esforçada como ela.

Mas naquele dia, por algum motivo, o sono a atingiu muito mais forte. Parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. Cada membro do seu corpo parecia pesar quilos e mais quilos, como se ela tivesse chegado no seu limite. Seus olhos doíam e suas pálpebras se fechavam involuntariamente.

Sooyoung apagou, e não parecia que acordaria tão cedo.

Quando abriu os olhos e se deu conta do que estava acontecendo, a única coisa que ela conseguiu fazer foi gritar e retomar o controle do volante e frear o veículo às pressas.

Estava dentro de um carro, mas não era o seu. A cor dos bancos era diferente, e até o conforto deles parecia distinto. O volante parecia esquisito ao toque dos seus dedos e o teto era mais baixo, raspando nos seus fios de cabelo. Não era o seu carro de fato, mas o freio desse parecia bom; visando a força que a mulher depositou ao pisar nele, foi surpreendente que ele não quebrasse. Seu corpo deu um solavanco para frente e só não voou contra o vidro porque estava com o cinto de segurança transpassado pelo corpo. Agradeceu mentalmente por isso, embora não lembrasse de tê-lo colocado.

Reforçou o aperto em torno do volante, fechou os olhos e recostou a cabeça no banco. Mais um sonho, então…

Abriu os olhos para averiguar a sua situação e analisar o que tinha à sua volta. Ok, já sabia que aquele não era o seu carro, mas não devia ser tão difícil dirigir um veículo diferente. Olhando para frente, pôde identificar uma estrada completamente deserta e tomada por uma camada de névoa assustadora.

Não havia mais nenhum carro por ali, mas sua visão da rodovia ainda era muito limitada; a névoa estava muito forte. No vislumbre, conseguiu identificar aos lados da estrada árvores altas que se mesclavam nas nuvens baixas e na umidade do local. Parecia um lugar propício para acontecer alguma coisa errada.

Não havia mais nada ali, além daquela visão macabra e da sensação de que um serial killer apareceria ali do lado e quebraria o vidro do carro para dar um fim à sua vida. Sooyoung praguejou baixinho, tentando convencer a si mesma de que não havia nada de errado naquele lugar e que se dirigisse o carro pela estrada, não ia encontrar nada de assustador durante o percurso desconhecido.

Com os dedos trêmulos, alcançou a chave de ignição e girou-a no suporte. Havia ficado alguns segundos ponderando se deveria dirigir ou simplesmente ficar ali parada. Mas bem, se alguma coisa aparecesse, ela precisava fugir. E um carro era muito mais veloz do que um humano.

Começou a dirigir devagar pela estrada, tanto pela névoa que atrapalhava tudo quanto para se acostumar com o carro. Dirigia o mesmo veículo há tanto tempo que era esquisito pisar em um acelerador diferente ou colocar as mãos em um volante diferente.

Estava dirigindo completamente às cegas. Não conseguia ver absolutamente nada em sua frente que não fosse a maldita névoa e isso estava começando a lhe deixar com agonia, perguntando-se internamente para onde aquele caminho a levaria. No entanto, aos poucos começou a ter sua resposta, conforme chegava ao fim do trajeto.

Aos poucos, o final da estrada ficava próximo. E ali, Sooyoung identificou uma floresta que era a continuação das árvores que emolduravam a estrada. Não havia mais para onde seguir com o carro, e nem como passar com ele entre as árvores. Se quisesse averiguar a floresta, teria que sair de dentro.

E sair dali parecia uma péssima ideia, daquelas que a loira burra protagonista de filme de terror toma em todos os roteiros.

Ainda bem que Sooyoung não era loira. Só burra.

Já era um risco a menos.

A jornalista saiu do carro, seguindo a lógica do loiro e da burrice esperando que nada a afetasse — não existiam mais decisões sérias para ela levar em conta, o jeito que encontrou para lidar com seus pesadelos era levar tudo na idiotice e deixar seu destino nas mãos de qualquer Santo que sua mãe costumava orar. Conseguia sentir seu corpo se arrepiar pela temperatura fria, e o vapor da névoa adentrar suas narinas. Sentia como se suas estranhas estivessem sendo congeladas.

Cruzou os braços abaixo do busto, fitando as grandes árvores em sua frente. A entrada não parecia atrativa, muito pelo contrário; o que ela mais gostaria de fazer era correr para o mais longe possível. No entanto, ao mesmo tempo que carregava aquela aura misteriosa e assustadora, a Ha sentia que suas respostas iriam ser encontradas no coração daquela floresta. Como se fosse o fim.

Adentrou na mata, com a curiosidade e o medo estando no mesmo nível do seu tremular. Não se ouvia um único ruído que não fosse seus pés a esmagar a vegetação e quebrar alguns galhos que caíram das árvores. Apesar do frio, não havia vento, mas ainda assim se arrepiou. Sabia que era um sonho, mas parecia estar sentindo esses calafrios com mais nitidez.

A escuridão e umidade da floresta abraçaram Sooyoung, que se via cada vez mais entrosada no meio da mata e com a sensação de que não poderia mais sair. Os braços estavam firmes ao redor do próprio corpo, e as unhas fazendo marcas em sua pele.

De repente, parou.

Seus passos cessaram completamente. Seu corpo travou, e seu sangue congelou.

Bem a sua frente, havia alguém. Uma mulher vestida de branco com o mesmo traje daquele pesadelo do tsunami, de costas para ela. E sua única visão eram os longos fios loiros que caíam pelos seus ombros.

Sooyoung conhecia aqueles fios, saberia distinguir aquele platinado dentre um trilhão de cabeleiras loiras juntas. E quando aos poucos a mulher se virou em sua direção, ela teve certeza de que não estava tendo uma alucinação dentro de outra alucinação.

Aquele maxilar, aquela pele, aqueles lábios e principalmente aqueles olhos. Sooyoung reconhecia bem todos os detalhes de Jung Jinsoul.

Seus olhos se arregalaram ao se dar conta de que ela era mesmo. Era de fato Jinsoul ali, na sua frente, dentro do seu sonho.

Na sua viagem algum tempo atrás, para escrever aquela matéria sobre o sucesso das praias, Sooyoung conheceu alguém. Uma bela mulher, de um sorriso encantador e carisma de ouro. Essa mulher se chamava Jinsoul, Jung Jinsoul. E a jornalista nunca tinha se visto tão enamorada pelo charme de alguém antes de ela aparecer em sua vida, com seus olhos brilhantes e sua fascinação pelo mar e pela vida que o habitava.

No entanto, o contato das duas veio tão rápido quanto se foi. Alguns dias após Sooyoung terminar de escrever a matéria e estar só na expectativa de curtir aquele paraíso enquanto lhe restava um pouco de tempo, ela chamou Jinsoul para dar um passeio. A loira aceitou toda otimista, dizendo que as duas estavam com os pensamentos conectados, porque ela própria estava com o celular na mão prestes a ligar para a Ha, antes desta ser mais rápida e discar o número primeiro.

Elas combinaram de se encontrar na orla da praia, para talvez se banhar um pouco na água salgada. Sooyoung acabou se atrasando uns dez minutos, mas não achou que fosse um problema. E, bem, Jinsoul nunca apareceu.

A Ha esperou e esperou, por horas. Rondou a praia em círculos à procura da outra, pois quem sabe ela tivesse ido para o lado errado — embora isso fosse quase impossível de acontecer, pois as duas foram objetivas sobre o local que iam se encontrar. Quando cansou de ficar lá, com o sol se pondo, até perguntou para alguns banhistas e até para os salva-vidas se eles não teriam visto uma loirinha por ali. Tentou descrever da melhor forma as características dela.

Mas, ninguém havia visto.

E Jinsoul também não havia deixado rastros, porque todas as ligações iam direto para a caixa postal. Ela havia simplesmente sumido do mapa depois de burlar o encontro com Sooyoung.

Pareceu que, de fato, a Jung nunca havia existido depois daquele dia. Não havia nada que comprovasse que ela estava de fato na cidade ou até viva. E depois de contar à Jungeun sobre o repentino sumiço de Jinsoul, as duas concordaram em não tocar mais no assunto.

E agora, cá estava ela em sua frente, com aqueles mesmos cabelos e aqueles mesmos olhos que ficaram na mente da Ha por muito tempo.

Aqueles mesmos olhos que Sooyoung temeu em um de seus sonhos.

— Sooyoung?

A mesma voz, não parecia nem um pouco diferente. Nem um timbre desigual.

— Sooyoung? Você está me ouvindo? — a Jung já estava chamando a outra por alguns segundos, mas ela estava apenas encarando e revivendo aquelas memórias.

Sooyoung piscou uma, duas, três vezes.

— Você… — Apontou o dedo trêmulo na direção dela.

Jinsoul arqueou as sobrancelhas claras, soltando uma risada.

— Sim, eu — confirmou, balançando a cabeça devagar e com um sorriso nervoso. — Sinto muito por tudo isso. Acho que as coisas não precisavam ter sido maneira.

A Ha franziu o cenho, confusa.

— As… Coisas?

— É, as coisas — ela novamente concordou, notando que a morena ainda não havia se dado conta do óbvio — Os pesadelos, os panfletos… Isso tudo. Sinto muito, mesmo.

Sooyoung piscava devagar, descrente do que estava vendo e ouvindo.

— Do que está falando? Você está insinuando que… Você estava causando isso tudo em mim? — Dessa vez ela apontou o dedo de forma acusatória e firme.

Jinsoul suspirou.

— Eu não tinha outra maneira de conseguir a sua atenção. Já disse que sinto muito, se eu pudesse…

— Era você, esse tempo todo! Meu Deus, como não percebi isso antes?! — Sooyoung interrompeu a moça, com as mãos puxando os próprios cabelos e as pernas inquietas caminhando de um lado para o outro. — A voz, aquele olho… Era você! Sempre foi você!

A loira ficou quieta. Tinha que dar tempo para a jornalista digerir as informações. Sabia que eram coisas chocantes demais. Ela estava no próprio direito de delirar ou surtar. Quase havia a deixado louca com suas tentativas de chamar sua atenção.

Mais uma vez a morena parou, com a mão no couro cabeludo e olhando para a outra com os olhos esbugalhados.

— Por que? Ou melhor: como você fez isso? — Sua atenção estava fixa nos mínimos detalhes das reações da loira. — Você simplesmente… Sumiu! Como? Como você está aqui dentro da minha cabeça? O que diabos é você?!

Jinsoul desviou o olhar, se aproximando com dois passos de Sooyoung. Esta recuou ao notar a aproximação.

— Eu queria poder responder todas as suas perguntas e te explicar tudo adequadamente, mas infelizmente não temos muito tempo.

Sooyoung balançou a cabeça.

— O que você quer dizer? Eu tenho todo o tempo do mundo, estou sonhando!

— Mas uma hora você vai acordar, e não vai demorar.

A Jung se aproximou a passos rápidos no intuito de não dar tempo para Sooyoung reagir e correr. Segurou-a pelos ombros firmemente, conseguindo sentir a respiração quente e desregulada da morena chicoteando seu rosto.

— Ouça o que eu digo, Sooyoung. — Sua voz era firme e severa, nada como ela costumava ser.

— Não quero ouvir nada de você. Não confio em você! — A Ha balançou violentamente os ombros, tentando se desvencilhar das mãos alheias.

— Então não confie em mim, não tem problema. Apenas me escute!

— Se foi realmente você que causou isso tudo, me fazendo questionar a minha própria sanidade e me tirando de paranóica, como você espera que eu ouça uma palavra do que você diz?! Você não tem esse direito!

Jinsoul ficou quieta durante alguns segundos, e então suspirou.

— Tudo o que fiz foi para tentar proteger você, Sooyoung. Não me entenda errado. Nunca quis que você duvidasse da sua sanidade ou outra coisa.

— Então devia ter pensado melhor ao invés de mandar panfletos me perseguirem ou de me assombrar com pesadelos! — Sooyoung exasperou-se, se sacudindo violentamente. — Existiam outras formas de você falar comigo, sua…

— Não, não existiam! Eu não estava autorizada a te ver fora do mundo paralelo!

Dessa vez Jinsoul também se exasperou, sacudindo os ombros de Sooyoung. Ela precisava ouvi-la. Precisava o quanto antes. Havia sido tão difícil trazê-la até aqui!

— Sooyoung, a Lua. A Lua está morta!

E então, a Ha parou de se debater. Mas as mãos de Jinsoul continuavam firmes em seus ombros por puro reflexo.

As duas mulheres se entreolharam, com os olhos arregalados e um silêncio bizarro envolvendo-as; os únicos barulhos presentes eram os ruídos da natureza em volta. Ainda estavam no meio da floresta.

A morena engoliu em seco um gosto amargo que se alastrou pela sua língua. Seu coração também pareceu esmurrar seu peito com ainda mais força.

— A Lua está… O quê? — balbuciou, e sua voz não passava de um fio.

Jinsoul fechou os olhos por um momento, mas em seguida os abriu.

— Morta — confirma, mordendo o canto dos lábios. — Era isso que eu queria avisar a você. Vocês humanos estão vivenciando seus últimos dias em casa. Esse solo já não é mais habitável.

Sooyoung ao menos piscava, em completo silêncio. A loira tomou a deixa para continuar a falar enquanto ainda podia conversar com ela.

— Algumas das criaturas que sempre viveram na Lua estão retornando, porque os humanos precisam ser ejetados às pressas. O fim está cada vez mais próximo, e eu precisava avisar isso a você. — Umedeceu os lábios, sentindo-os ressecados. — Mas eu não estava autorizada a ver você fora desse mundo paralelo que estamos, por isso tive que partir. Mas minha intenção jamais foi deixá-la. Não havia outra alternativa que não fosse tentar me comunicar através de sonhos e pesadelos, pois era a única coisa com a qual que eu podia mexer.

Suas mãos aos poucos afrouxaram o aperto nos ombros da morena, escorrendo pelos braços.

— Mas estava tão difícil… Eu quase não consegui alertá-la. Enviei aqueles panfletos na esperança de você ligar para um hipnólogo e ele tentar te esclarecer o motivo dos pesadelos, mas isso nunca aconteceu. Por muito pouco eu não consigo te explicar todo o caos que está ocorrendo. Mesmo que brevemente.

Jinsoul virou a cabeça aos poucos, na direção leste da floresta. Sooyoung também virou a cabeça, com mil coisas a dizer e questionar presas na sua garganta. Aos poucos, no meio da névoa e da camada das árvores, a luz solar se fazia presente; começando a iluminar a vegetação e tudo que estivesse ao seu alcance. A Jung suspirou.

— Não temos mais tempo. Você vai acordar em breve.

Tornou a olhar para os olhos marejados de Sooyoung, que não tinha reação. Mas aos poucos, algumas lágrimas grossas começaram a escorrer pelo seu rosto.

— Sooyoung… — Jinsoul segurou ambas as bochechas da outra com as mãos, encarando seus olhos com piedade. — Eu sinto muito por tudo o que fiz, mas ao menos consegui avisá-la. Por favor, tome cuidado. Não pode mais viver aqui.

E então a Jung aproximou os lábios de sua testa, depositando um beijo forte em sua pele. E então olhou para a Ha. Os olhos marejados, as bochechas coradas e um sorriso no rosto. Um sorriso triste.

— Bom dia…

Ha Sooyoung despertou com os feixes de luz solar em seus olhos. A brisa da manhã balançava as cortinas da janela da sala, que havia ficado aberta na noite anterior. Seu corpo todo doía e pesava muito. Sua boca estava seca e de sua pele escorria litros de suor.

Olhou para o relógio. Eram dez da manhã. Ela havia perdido o horário e não foi trabalhar. Se Hyunjin não havia encontrado um motivo plausível para lhe demitir, agora tinha achado.

E no entanto, isso era o que menos incomodava ela.

Porque Ha Sooyoung acordou sabendo que a Lua estava morta.


Notas Finais


E aqui vos encontro mais uma vez. Espero que tenham gostado de tudo e que aguardem por mais histórias minhas. Deem muito amor ao @Loonamoon, sempre! Foi um projeto que me acolheu demais e teve toda a paciência necessária quando tive meus momentos ruins. Equipe do loonamoon, vocês entregam tudo sempre!
E, meus agradecimentos ao beta e ao capista pelo trabalho excepcional. Vocês são demais, muitíssimo obrigada!
Me despeço por aqui. Tenham uma boa semana e se cuidem, viu? Até breve ♡


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