História Don't Be Afraid - A família de Yoongi

A relação da minha família é meio complicada. Nós nos reunimos todo ano, nos mantemos atualizados e mandamos presentes. Parece ser uma família com uma relação normal, não é mesmo? Por isso que eu falei que era “meio” complicada. Esse “meio”, é claro, sou eu.

Todos os meus parentes sabem o porquê de eu ser assim e alguns me olham como se eu fosse um coitadinho que precisa da pena de todo mundo, enquanto outros me olham com desprezo e desgosto. O fato de eles saberem meu passado me deixa nervoso, pois, veja bem, eu não consigo falar sobre isso nem com o Jin que é a pessoa que eu mais confio no mundo, imagina com um bando de gente que eu considero estranhos.

O único laço familiar bom que eu tenho é com minha prima Jung Yerin, que faz parte da família de minha mãe que também era Jung antes de casar-se com meu pai. Minha infância inteira foi praticamente ao lado dela, sempre me apoiou em tudo e nunca me tratou diferente, não tem como não a amar.

Nesse início de ano, a família ia se reunir aqui em casa apenas, literalmente apenas, porque descobriram que estou namorando. Obrigado, mãe. Pois é, os Jungs e os Mins sairão lá da puta que pariu só para conhecer meu namorado que há menos de uma semana estava querendo arrancar meus órgãos fora por eu ter sentido ciúmes.

Falei com Jin dizendo que ele deveria vir para minha casa conhecer minha família e deixei bem claro que eles são estranhos, ele apenas deu de ombros e disse “eu gosto de gente estranha, ou então não seríamos nem amigos”. Fingi não levar esse comentário para o lado pessoal.

Meus parentes mal haviam chegado e já faziam baderna, principalmente as crianças. Me tranquei no quarto e fiquei lá até Yerin chegar, o que não demorou muito. Ela se juntou a mim em meu quarto e começou a “compartilhar informações importantes sobre vidas alheias”, mais conhecido como fofocar.

- Aí ele roubou a namorada do Jae só porque tinha um carro bonito. – Yerin disse irritada enquanto lixava as unhas freneticamente, quase lixando os dedos.

- Eu não faço ideia de quem você está falando. – Eu disse enquanto respondia algumas mensagens de Jin e Jungkook.

- Do Jaebum. Você não se lembra dele?

- Não.

- Aish, você é muito esquecido. – Eu a ignorei. -  Com quem você está falando? Aparentemente, é mais importante do que eu.

- Primeiro: não é da sua conta. Segundo: é mesmo.

- Me dá isso. – Ela roubou o celular de minha mão. – “Jeon Jungkook”. Ele é bonito, crush novo?

- Crush é a sua bunda. Me devolve. – Tentei pegar de volta, mas ela desviou.

- Você recebeu uma mensagem nova de “Jinnie ‘coraçãozinho’”. Desta vez é o crush. – Ela me olhou com aquela cara e eu corei. – Ele disse “tenho certeza de que vou me divertir, afinal, estarei com você”.

- ME DEVOLVE! – Peguei o celular de volta, respondi a mensagem de Jin e bloqueei o celular. Yerin não parava de rir da minha cara.

- E aí, desde quando gosta dele? – Ela perguntou quando parou de rir.

- Não tenho certeza, quando me dei conta, estávamos namorando.

- Oh, vocês namoram. – Ela disse alto, mas foi mais para si mesma.

- Você não sabia? – Yerin balançou a cabeça negativamente. – Minha mãe não falou para você e seus pais?

- Eu não sei de nada sobre meus pais, prefiro não me intrometer. Continue.

- Bem, acho que eu gosto dele já faz muito tempo, só não havia percebido até ele me pedir em namoro. – Eu disse pensativo.

- Que bonitinho, Min Yoongi apaixonado. Como ele é?

- Fantástico. Cuida de mim, faz carinho comigo e sempre está dizendo o quanto me ama. Eu adoro ficar com ele.

- Que lindo! Espero que vocês fiquem juntos para sempre. Tem fotos dele?

- Tenho. – Procurei uma foto minha junto com ele e a mostrei. – Ele vem aqui hoje.

Yerin abriu a boca em formato de “O” muito surpresa, tanto com a imagem quanto com a notícia de que ele vem aqui hoje. Até parece que ela vai conhecer o Brad Pitt ou algo assim, ela vai é conhecer alguém melhor ainda, deveria ter uma reação mais histérica.

Depois do almoço, meu pai me obrigou a ficar na sala junto com o pessoal para que eu pudesse socializar com eles. Foi uma tentativa meio inútil, pois apenas duas pessoas falaram comigo para perguntar as horas.

Alguns minutos depois, ouço a voz de minha mãe vindo da porta de entrada:

- Yoongi, o Jin chegou.

Sabe aquele momento em que todo mundo cala a boca exatamente quando você não quer e fica um clima constrangedor com todos olhando para você? Aconteceu exatamente isso.

Levantei nervoso com todos me acompanhando com os olhos e fui em direção a porta. Jin estava me esperando na entrada com seu sorriso lindo de sempre.

- Suga! – Ele praticamente pulou em cima de mim para me abraçar.

- Oi, Jinnie. – Falei sufocado. Respirei fundo assim que ele me soltou. – Um dia você me mata asfixiado.

- Eu não teria coragem de asfixiar meu Yoongi-chi. – Jin apertou minhas bochechas.

- Yah! Para com isso!

- Vamos entrar, amor? – O maior soltou minhas bochechas.

Peguei em sua mão e o levei para dentro, porém logo lembrei da minha família maluca e puxei Jin para cozinha. Obviamente, ele não entendeu nada, mas também não protestou.

- Yoongi, não vai apresentá-lo para nós? – Meu tio, irmão mais velho de meu pai, disse lá da sala, me fazendo parar.

Hesitei um pouco, mas puxei Jin para a sala com um pouco de brutalidade, o que me fez sentir arrependido mais tarde, porém, no momento, eu estava com raiva e não pensei em minhas ações.

- Querida família, este é Kim Seokjin, meu tão aclamado namorado. Tem dezenove anos, gosta de cozinhar e eu o amo para um cacete. – Olhei para meu tio intrometido. – Feliz agora ou quer uma biografia?

Todos ficaram em silêncio. Sinceramente, não me importava nem um pouco em ser grosso com meus parentes, com exceção de Yerin, eu odiava todos ele. Ter falado tudo isso deve ter sido a coisa mais corajosa que eu já fiz em público desde que eu me entendo por gente.

- Hum... Prazer... – Jin soltou minha mão e fez uma reverência, provavelmente para quebrar o clima pesado. – Yoongi não me disse muita coisa sobre vocês, mas o pouco que disse foi boa coisa.

Mentira.

- Ele disse que sou empresária? – A irmã rica e esnobe de meu pai perguntou.

Seokjin assentiu com a cabeça, outra mentira. Eu sabia que ele estava mentindo tanto para causar uma boa impressão quanto para não deixar as coisas mais piores do que já estão. Como meu namorado é lindo e inteligente, isso deu certo, pois todos começaram a gabar de seus feitos incríveis para Jin.

Acabamos sentados no sofá com um monte de gente falando ao mesmo tempo e Seokjin apenas sorrindo, pois não sabia com quem falar primeiro. Por causa de toda aquela bagunça, eu saí do meio e sentei no outro sofá. Como o bom Min Yoongi que sou, apenas fechei a cara, cruzei os braços e ignorei todo mundo. Fiquei até o jantar assim, sem receber um pingo de atenção do meu suposto namorado, mesmo não sendo culpa dele, eu fiquei irritado. Ah, quem eu quero enganar? Seokjin pode atirar em minha perna e me deixar paraplégico que eu vou continuar amando essa desgraça linda.

O início do jantar fora razoavelmente agradável, Seokjin insistira em dar comida na minha boca, por querer sua atenção, eu deixei. Ele parecia estar se divertindo, mesmo ao lado de toda aquela gente exibida e desconhecida. Jin feliz me deixa feliz. Por algum motivo, ele sempre consegue passar seus sentimentos para mim e eu sinto o mesmo que ele. É assim desde que eu o conheço, não entendo o porquê de isso acontecer.

Todos estavam conversando animados e felizes, como um jantar em família deveria ser, exceto uma pessoa.

- Vocês dois não acham que estão sendo melosos demais? – Meu tio intrometido (o chamo assim porque nunca gostei o suficiente dele para lembrar de seu nome) disse para mim e Jin, fazendo algumas pessoas na mesa se calarem. Seokjin estava só me dando comida, oras. Às vezes, ele até esquecia de me alimentar e comia a minha comida, não tem nada de meloso nisso.

- O que tem de errando no que eles estão fazendo? – Yerin se pronunciou.

- Não vê toda a indecência nessa simples ação? É óbvio que já transaram.

Jin engasgou com o pedaço de comida que havia em sua boca, nessa hora, todos pararam de falar para prestar atenção na conversa. Tanto eu quanto Jin estávamos vermelhos.

- Isso não tem nada haver com o que você acabou de dizer! – Yerin disse quase gritando. – Eles apenas estão agindo como um casal normal!

- Um casal que transa. Nenhum dos dois disse nada, significa que estou certo.

- O quê? Não. Nós... Ele... Eu... Hã... PAI! – Eu tentei nos defender, mas por falta de palavras para descrever minha indignação, eu tive de recorrer ao irmão da peste.

- Hum, Dongsun. – Olha, ele tem nome. – É melhor se não discutirmos sobre isso na mesa de jantar.

- Esse é o momento perfeito para discutirmos isso, para que ambos tenham vergonha na cara! – O tio bateu com a mão na mesa. – Veja bem, irmão, se você não mudar a cabeça de seu filho, logo ele estará fugindo com o namorado!

- Eu sei perfeitamente que Yoongi é prudente o suficiente para não fazer algo do tipo e que Seokjin é responsável para cuidar muito bem de meu filho. – Minha mãe disse alto, se intrometendo na briga.

- Minha mãe disse a mesma coisa sobre seu marido e aconteceu exatamente ao contrário, ou então não estaríamos aqui.

- Por favor, sabemos que não está nem um pouco preocupado com Yoongi. – Minha mãe disse irritada. - Não queria comentar sobre isso na frente de todos, mas você realmente não consegue conter sua homofobia, não é mesmo?

E, de repente, todo mundo começou a brigar, seja defendendo meu tio ou ficando do lado do meu pai. Eu e Seokjin éramos os únicos calados.

Toda aquela gritaria, com todo mundo brigando por minha causa e eu sendo a pessoa a ser julgada, estava me deixando nervoso. Passei a mão na testa e percebi que eu suava muito. Minha visão ficou turva, a respiração descompassada e parecia que tudo estava ficando mudo, olhei para minhas mãos e elas tremiam. Eu sabia o que estava acontecendo comigo, sabia como resolver, mas sempre que esses “episódios” aconteciam comigo, eu paralisava, entrava em desespero por não conseguir me mexer e, nos piores casos, desmaiava.

- Yoongi! Yoongi! – Ouvi a voz de Jin me chamando. Mesmo com ele ao meu lado, sua voz parecia distante, e eu sentia que não fora a primeira vez que ele me chamara.

Senti suas mãos me segurarem no braço e ele me tirou da mesa. Em seguida, me pegou no colo e me levou para fora, longe de toda a confusão.

No jardim, Seokjin me colocou no chão, eu caí de joelhos e eu vomitei. Joguei para fora todo o meu almoço e jantar, o pior foi que em nenhuma das refeições eu comi muito, então foi difícil vomitar o que não tinha.

Após jogar tudo para fora, tentei recuperar o fôlego enquanto sentia meus sentidos voltarem ao normal. Jin ajoelhou-se ao meu lado e passou a mão em minhas costas, tentando me acalmar.

- Já está melhor? – Perguntou. Assenti com a cabeça, pois ainda estava ofegante demais para falar alguma coisa. – Se eu soubesse que isso iria acontecer, não teria vindo. Me desculpe.

- Não foi sua culpa. – Tentei falar, mas saiu algo como “Nu foa scup”, porém Jin me entendeu.

- Yoongi oppa! – Yerin apareceu atrás de nós preocupada. – Ele está bem?

- Está sim, mas essa foi por pouco. – Seokjin sorriu. Incrível como ele consegue permanecer calmo em qualquer tipo de situação, se trocássemos de lugar, eu estaria correndo na rua gritando desesperado por ajuda.

- Desculpe pelo tio, oppa. Prometo que a partir de hoje eu irei te proteger daquele ser terrível. – Ela disse determinada. Sorri com tamanha inocência.

- Me ajuda a levá-lo para o quarto dele? – Seokjin perguntou.

- Claro que sim.

Assim, Yerin e Jin me carregaram com os braços em minha cintura e os meus braços em seus ombros, como se fossem muletas humanas. Parecia meio desnecessário, mas eu realmente estava sem forças para sequer me levantar.

Queria não ter que ver meus parentes de novo, mas estavam todos na sala e para chegar ao meu quarto eu era obrigado a passar por eles. Assim que entramos, minha mãe já veio correndo em minha direção.

- Yoongi! – Ela colocou as mãos em meu rosto. – Eu sinto muito mesmo, meu filho. Não deveria ter deixado você e seu tio no mesmo lugar, ainda mais te forçado a jantar com ele.

Eu não disse nada, principalmente porque não conseguia. Queria dizer para ela que tudo ficaria bem, mas seria mentira. Ela soltou meu rosto e deixou Yerin e Seokjin me levarem para o quarto. Evitei olhar para a sala, apesar de que eu sabia que todos estavam me olhando.

Ao me deixarem no quarto, Yerin sai para nos dar privacidade. Eu estava sentado na cama, bem mais calmo e com a respiração regulada. Seokjin sentou do meu lado e começou a fazer carinho no meu rosto.

- Consegue falar?

- Sim. – Minha voz estava baixa e rouca, mas eu já conseguia conversar normalmente.

- Eu fiquei preocupado com você, tinha que ver o quão vermelho estava. – Ele fez uma carinha triste.

- Você me salvou, mais um pouco e eu poderia estar com um tubo de respirar no hospital.

- Isso se chama ventilador mecânico.

- Tubo de respirar.

- Tá bom. - Jin riu.

Passamos bastante tempo jogando conversa fora e agindo fofo um com o outro, coisas normais de casais, até que fica tarde e Jin precisa ir embora.

- Não pode dormir aqui? – Perguntei triste.

- Depois de tudo isso, acho que dormir aqui seria uma péssima ideia. – Jin estava dobrando umas roupas minhas. Toda vez que ele vem arruma as roupas que deixo espalhadas pela casa.

- Por que arruma tudo se eu vou jogá-las em qualquer canto de novo? – Pergunto.

- Por que você limpa a bunda se vai cagar de novo? – Fiquei sem resposta para isso. – Minha mãe me perguntava isso quando eu não queria arrumar a cama.

- Não quero ter que ficar sozinho com eles. – Eu disse referindo-me à minha família.

- Yerin estará aqui com você. Além do mais, eu volto amanhã de tarde só para te fazer companhia.

- Promete?

- Prometo. – Seokjin aproximou-se de mim e me deu um selinho. – Eu nunca deixaria meu pequeno Yoongi-chi com aquele monstro.

Sorri feliz, nem fiquei bravo por ele ter usado aquele apelido irritante ou ter me chamado de baixinho.

Em poucos minutos, Jin foi embora e Yerin apareceu no meu quarto com um colchão para dormir comigo. Ela disse que nós iríamos ficar acordados até tarde falando sobre garotos e comendo chocolate, mas isso não aconteceu. Foi só ela deitar no colchão que já dormiu em um sono profundo.

Eu, que sou uma pessoa mais ou menos higiênica, fui tomar banho. Peguei minha toalha, meu pijama e fui para o banheiro que fica no corredor após o quarto dos meus pais. Todos estavam dormindo ou no quarto de hóspedes ou na sala, então eu não enfrentaria nenhum problema com meus parentes.

Saí rápido do banho e me vesti, não estava com pressa, mas também queria dormir logo. É inverno e não temos aquecedor em casa, então tive que passar correndo pelo corredor de pijama.

- Eu não acredito que Dongsun agiu daquela maneira com Yoongi! – Parei no meio do corredor ao ouvir minha mãe dizer meu nome no quarto dela. – Não deveríamos ter chamado eles para nossa casa, eu deveria saber que algo assim aconteceria com nosso filho.

- Querida, se acalme. Em menos de uma semana eles estão indo embora. – Meu pai disse calmo. Me aproximei da porta e encostei minha cabeça na porta para ouvir melhor, valeria a pena ficar no frio para ouvir essa conversa.

- Achei que ficaria tudo bem com Yoongi, esse ano ele evoluiu tanto em relação à sua fobia, graças à Seokjin. Estou tão orgulhosa dele. – Sorri ao saber que minha mãe se orgulhava de mim, vou me lembrar de passar o dia com ela amanhã. – Ah, não deveríamos ter chamado Dongsun. – Ela se lamentou novamente.

- Mas Dongsun não teve culpa totalmente disso, Yoongi também contribuiu um pouco para que isso ocorresse.

Meu sorriso se desmanchou.

- O que você quer dizer com isso?

- Bem, se Yoongi não fosse tão mariquinha, isso não teria acontecido.

- Acha nosso filho covarde?

- Não é exatamente isso. Quero dizer, medo de pessoas? Sério isso? Como que alguém pode ter um tipo de medo desses? Sem contar no fato de ele ser gay, isso já é pedir para sofrer bullying. Não sei como você pode ter orgulho de uma pessoa assim, não sei nem como Seokjin consegue gostar de alguém como Yoongi, se é que gosta. Aposto que está com ele apenas por pena.

A esse ponto eu não aguentava mais escutar aquilo, corri para meu quarto e desabei a chorar na minha cama. Abafei meu choro no colchão para não acordar Yerin. Não acreditava nisso, meu próprio pai falando coisas terríveis sobre mim. Tantos anos ele havia ficado calado, sem nunca falar sobre minha fobia e sexualidade, mas nunca imaginei que era por desaprovação.

Suas palavras ficaram marcadas em minha cabeça, repetindo cada vez mais alto, me deixando paranoico e abatido. E se ele estivesse certo? E se estou sendo idiota em ter medo de pessoas? E se minha mãe mentiu e não sente orgulho de mim? E se Seokjin não gosta de mim? E se ele está comigo por sentir pena?

Nessa noite, pela primeira vez em muito tempo, eu dormi com medo de acordar no dia seguinte e viver mais um dia de temor e insegurança que eu chamo de vida.