História Dos Corações Jovens - À noite

A pizza havia acabado, logo não tinha nada de janta. Corri ao supermercado Big Mars, próximo da escola e a algumas quadras da minha casa, acreditei que pedir pizza dois dias seguidos não era a melhor das opções. Passei pelas prateleiras, sem ter decidido o que iria levar. Cheguei às geladeiras, “Pizza congelada”, “não devo”, pensei, mas continuei a encará-las, “talvez”, conclui, e quando vi, minhas mãos já perdiam o controle. Antes de alcançar o pecado, recuperei brevemente a consciência, o suficiente para atingir as carnes de hambúrguer ao invés da pizza. Coloquei um pacote na cesta. Precisava de algo que fosse abundante ao prato, como o arroz e o feijão, escolhi o macarrão de molho de tomate. Macarrão com hambúrguer, “perfeito”, pensei, de modo algum saudável, só que não era pizza, é bom que comemoremos as pequenas vitórias. 

Depois de pego o molho, dirigia-me ao caixa até que avistei, dentre as prateleiras à minha frente, uma já conhecida por aqui. Aproximei-me como quem queria nada, sem ser percebida, e fingi-me trombar acidentalmente com ela, derrubando minha cesta. 

-Uh, perdão! Me distraí... - disse me agachando para alcançar a cesta e fiz-me surpresa ao vê-la assim que me levantava - ei, você, Lily, certo?  

-Conheço você? - Me perguntou, um tanto assustada. 

-Não, não pessoalmente, mas... você e o Sean, hein? - E terminei com uma risadinha.  

-O que tem Sean? É amiga dele? 

-Mais ou menos, até diria que sim. E vocês dois, o que são? Ele me parece bem interessado. 

-Ele parece? - Parou, reflexiva. - Sei lá, você acha? 

-Não, não, o que você acha?  

-Eu... – e suspirou, com os olhos baixos e distantes – eu acho que não. 

Será que errei em me intrometer? Não é como se eu quisesse mal, estava tentando dar um empurrãozinho.  

-Mas... Não está afim dele?  

-Por quê? 

-Desisto... Estava tentando ajudá-la. 

-Por quê? 

-Não seria bom relaxar um pouco? - Eu tentava miseramente cavar o peito de Lily até ver uma lasca de seu coração. 

-Relaxar?  

-Porque, uh, sua vida não foi das mais fáceis. - Peguei-me arrependida de falar antes de sequer terminar a frase 

-Como sabe?  

-As pessoas comentam.  

-Entendi... 

Lily se entristeceu. Fiquei triste também. Dizem que costumo sumir com frequência, gostaria de ter sumido ali, mas foi Lily quem se foi. Voltei constrangida. A verdade é que a respeitava muito e sabia que tinha falado demais. Talvez o diálogo tenha lhes parecido rápido, não foi.  

Lily havia se formado ano passado na nossa escola, era uma aluna brilhante, porém pobre. Mesmo com grandes expectativas sobre ela, decidiu que trabalharia em alguma lojinha pela cidade para ajudar sua família. Não se sabe sobre seu pai, vivia com sua pequena irmã e sua mãe, que trabalhava, todavia fora demitida depois de se adoentar e tivera que entrar em um emprego ruim, do contrário se endividaria. não ganhava o suficiente para as três e logo teria que quitar a casa. Portanto Lily desistiu da faculdade. Preferiu cuidar de sua irmã e dar menos preocupações à sua mãe. 

É como se tivesse desistido de si mesma, um sacrifício infeliz por seus familiares. Não vai às festas, não namora, não bebe, não sai, não se diverte, não usa roupas caras, não desobedece, não segue seus sonhos, nadinha. Nobre e injusto. Não sei dizer quantas mentes grandiosas se perderam por motivos parecidos. É uma clássica história de coitadinha. É uma história comum.