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História Dreams - Capítulo dois


Escrita por: uecamren

Notas do Autor


Esse capítulo é mais pra "explicar" um pouco as coisas, sei la. Me digam o que acham, ok? Por favor

Capítulo 2 - Capítulo dois


A menina permanecia sentada na cama, abraçando as pernas apertado, a cabeça escorada nos joelhos enquanto encarava a escuridão a sua frente. A única luz no cômodo era a do relógio digital na cabeceira que indicava que eram cinco da manhã. Cinco da manhã, mas ela se recusava a fechar os olhos, sempre alerta a qualquer movimento, qualquer som diferente do normal.
Suas pálpebras pesavam e às vezes ela vacilava, deixando que seus olhos fechassem por alguns poucos segundos, enquanto lutava contra o maldito sono que a perseguia todas as noites. Mesmo estando cansada, ela se convencera de que poderia aguentar, só faltavam algumas horas pra amanhecer, ela podia aguentar um pouco mais. Ela tentava se concentrar em outra coisa, algo que a mantivesse alerta: o ritmo das batidas descompensadas de seu coração, a sua respiração pesada ou o som da chuva fina que batia no telhado, nas folhas das árvores. Ela conseguia ouvir cada som naquela casa. O som tranquilo da respiração de seus pais enquanto eles dormiam, ou um pouco mais agitado de seu irmão que se remexia na cama, inquieto.
Alguns sons a ajudavam a se acalmar, outros tornavam a espera pior, mais aterrorizante.
Ela se encolheu um pouco mais quando ouviu passos no corredor, uma sombra na parte de baixo da porta e então a maçaneta girou devagar. A garota observou quieta a porta abrir sem barulho e a sombra parada na porta a observar.


-Camila? - a voz chamou baixinho.


Com um longo suspiro de alívio, Camila constatou que era apenas sua mãe. Ela vinha lhe visitar todas as noites pra conferir se estava tudo bem, se a filha estava mesmo dormindo. Camila estranhara, ela costumava vir um pouco antes, sempre por volta das três e meia da manhã.


-Eu to aqui, mãe - ela respondeu baixo, o som da sua voz cortando o silêncio.


Luciana ergueu a mão lentamente e tateou as cegas, no escuro, até achar o interruptor e a luz acender. Camila fechou os olhos imediatamente, a claridade repentina ferindo seus olhos, tão acostumados com a escuridão.


-Já está acordada querida? - Luciana fechou lentamente a porta e se aproximou da cama da filha.


Quando a menina abaixou os olhos parecendo envergonhada, ela soube o que estava havendo na verdade, a mesma coisa que se repetia todas as noites e que ela não sabia como resolver.


-Você não dormiu? - ela perguntou fitando pacientemente o rosto da filha.


Com uma análise mais demorada, era possível ver como a aparência dela era terrível. Os cabelos bagunçados, os olhos fundos, estava claramente cansada.


-Não estou com sono - mentiu mesmo sabendo que não enganava mais ninguém.


Fazia tempos que sua desculpa de "não estou com sono" não funcionava mais. Sua mãe sabia bem o motivo que a deixava acordada.


-Camila, você precisa dormir - Luciana disse com a voz firme - faz três dias que não te vejo pregar os olhos. Isso não te faz bem, você precisa dormir.
-Mas eu não quero - rebateu zangada.


Essa discussão era em vão, não levaria a lugar nenhum. Sua mãe diria que ela precisava dormir, ela diria que não queria e não chegariam num acordo.


-Não sabe o quanto odeio te ver assim e não poder fazer nada - ela sussurrou. Agora seus olhos estavam cheios de piedade, era difícil ver a filha naquele estado tão deprimente e não saber como ajudá-la - me sinto tão culpada.
-Não é sua culpa, mãe - afirmou - mas eu não vou dormir.


Não. A culpa não era de Luciana eram dos pesadelos, aqueles malditos pesadelos.
Todas as noites, quando fechava os olhos pra dormir, Camila era assolada por aqueles pesadelos, era sempre a mesma coisa. Imagens horríveis, monstros que a perseguiam e tentavam matá-la de todas os jeitos, formas horrendas e algumas vezes pessoas morrendo. E algumas vezes seus pesadelos se tornavam realidade. Quando ela abria os olhos e pensava que havia terminado, via a noticia no jornal descrevendo seu pesadelo exatamente como ela vira. Certas vezes ela tinha medo de sonhar com sua família, medo de que acontecesse e perdesse a única coisa que ainda a mantinha sã.
Em seus pesadelos ela sofria torturas horríveis, e quando acordava, ainda podia sentir as dores como se tudo aquilo fosse real, como se realmente tivesse acontecido. Sua mãe a levara a psiquiatras e médicos tentando descobrir qual era o problema, mas ninguém conseguia ajudá-la, ninguém conseguia livrá-la dos pesadelos.
Começaram quando ela tinha dez anos. Não eram tão fortes quanto agora, oito anos depois, mas foi o suficiente pra mudar completamente a vida de Camila. Agora, além de viver assustada, ela se recusava a dormir, se recusava a ter de enfrentar tudo aquilo de novo.


-Mila, se continuar sem dormir, vai acabar ficando doente. Você ouviu o que o médico falou - a mãe murmurou preocupada - agora além de não dormir, você também não come direito, só fica se enchendo de café - ela reclamou levantando a xícara que estava na cabeceira - sabe que isso te faz mal.
-Me ajuda a ficar acordada - ela sussurrou. Se sentia mal quando sua mãe falava daquele jeito, quase com raiva.


Luciana largou a xícara de volta no seu lugar e respirou fundo tentando manter a calma. Não queria deixar a filha nervosa, não mais do que ela já permanecia o tempo todo. Lhe partia o coração ver a tristeza dela. Camila já foi uma menina alegre, cheia de vida. Agora vivia escondida no quarto, usava roupas estranhas e não falava com ninguém. Os olhos castanhos brilhantes, antes alegres e contagiantes, agora viviam tristes, assustados. Ou como agora, cheios de lágrimas.


-Não chora, meu amor - pediu acariciando o rosto da filha - tenta dormir ao menos um pouquinho. Ajuda se eu ficar aqui com você? Posso ficar o resto da noite se você quiser.
-Não mãe, ta tudo bem - forçou um sorriso, odiava preocupar a mãe daquele jeito - a senhora precisa dormir, vai trabalhar amanhã. Eu vou ficar bem, pode ir. Prometo que vou tentar dormir um pouco.
-Tudo bem - ela sorriu satisfeita - qualquer coisa é só me chamar e eu venho correndo, ta bem?


Camila assentiu vagamente, ainda mantendo o sorriso forçado no rosto. Era fácil agradar a mãe, ela prometera que iria dormir, mas não ia cumprir a promessa. Assim que ela saísse, permaneceria acordada e mentiria depois que estava tudo bem. Camila sabia que era difícil pra todos ter que lidar com ela. Ela sabia bem que era diferente, que assustava a todos quando acordava no meio da noite gritando, ou então quando acordava machucada mesmo sem ter ido a lugar algum. Gostaria que tivesse um jeito de acabar com tudo isso ou pelo menos de não ter que envolver sua família na sua vida miserável. Às vezes ela desejava poder sofrer sozinha, embora soubesse bem que só estava viva até agora pela força que eles lhe davam.


-Boa noite, filha - Luciana deu um beijo na testa da filha e se levantou, caminhando calmamente até a porta. Pousou a mão no interruptor e se virou para dar uma última olhada na filha.
-Boa noite, mãe - Camila murmurou com a voz fraca, tentando ao máximo possível parecer bem.


Luciana sorriu e então apagou a luz, desejando que a filha ficasse bem. Assim que a luz se foi, Camila voltou a sua posição de antes, abraçando as pernas e se encolhendo o máximo que conseguiu. Ela passava tanto tempo sentada na escuridão que conseguia enxergar perfeitamente, como se a luz estivesse acesa. Dia e noite não faziam diferença pra ela. Estava sempre acordada, sempre com medo.
Camila não conseguiu conter as lágrimas que segurara na frente da mãe, elas desceram com toda a força e em poucos minutos estava chorando feito uma criança, tentando não fazer barulho pra não incomodar ninguém. Era difícil respirar e seu coração doía de tão rápido que batia. Era assim que ela passava todas as noites.

________________________________


Oito horas da manhã. Era a hora que todos levantavam, que a casa começava a funcionar nos domingos. Enquanto todos andavam pela casa se preparando pro café e pras atividades do dia, Camila estava parada em frente ao espelho do banheiro.
Ficar acordada a noite toda sempre lhe deixava com uma aparência horrível, e chorar não havia ajudado em nada. Ela passou uma água no rosto, tentou dar um jeito no cabelo e esconder as imperfeições com maquiagem. Hoje ela sentaria a mesa e fingiria que estava bem. Ela sorriria para que todos ficassem felizes. Enquanto se olhava no espelho, os cabelos negros bagunçados e os olhos castanhos brilhantes, ela se lembrou de uma época quando ainda se considerava bonita antes de seus surtos se tornarem tão graves, quando ela ainda usava mini saia e a maquiagem era apenas pra chamar atenção. Camila costumava chamar a atenção dos garotos, agora apenas espantava as pessoas. Andava sempre de capuz escondendo o rosto, roupas fechadas. Era incrível como uma pessoa podia mudar.


-Filha, hora do café - ouviu sua mãe gritar da cozinha.


Pra sorte de Camila, era domingo, ela não teria de ir à escola. Do jeito como estava cansada, duvidava que pudesse prestar atenção em alguma coisa. Ela poderia apenas ficar em casa e não fazer nada o dia todo. Depois de respirar fundo algumas vezes, pos sua melhor expressão no rosto e foi até a cozinha onde todos já estavam sentados em volta da mesa, comendo. Ela se sentou em seu lugar habitual.


-Bom dia, princesa - seu pai lhe dirigiu um sorriso educado, mas não alcançara os olhos.
-Bom dia, pai - ela forçou um sorriso. Fazia tanto tempo que não sorria por vontade própria que não pareceu nada natural, só piorou as coisas.
-Bom dia, esquisitona - seu irmão mais novo, Bryan, de treze anos murmurou. Ele era o único que não se importava em dizer o que realmente pensava dela, que ela era uma esquisitona.
-Não enche, pirralho - ela resmungou enchendo a tigela de cereais.
-Ta tudo bem, filha? - Luciana perguntou a observando com curiosidade.
-Ta sim - outro sorriso forçado. Ela manteve a atenção no cereal, seu olhar sempre a entregava.
-Conseguiu dormir? - Fernando, o pai dela, perguntou tentando parecer desinteressado. Sem sucesso.
-Dormi um pouco, sim - mentiu, mas sempre fora péssima nisso - não muito.
-Sem pesadelos? - Luciana questionou a fitando com curiosidade.
-Sem pesadelos - afirmou com um sorriso que pareceu mais uma careta.


Era óbvio que era mentira. Camila sempre tinha pesadelos até no mais breve cochilo que dava, sempre vinha uma imagem perturbadora pra lhe atormentar, não importava a hora e Luciana era mais esperta do que Camila pensava. Ela conhecia bem a filha que tinha, bem demais.


-Está mentindo pra mim, Camila - Luciana a repreendeu - já disse pra não fazer isso, eu me preocupo com você.
-Não estou mentindo - ela resmungou. Toda sua fachada calma se desfazendo, percebendo a discussão que viria a seguir, era todo dia a mesma ladainha.
-Está mentindo sim, eu te ouvi chorando ontem a noite - ela disse séria.
-Mentirosa, mentirosa - Bryan provocou rindo - vai ficar de castigo.
-Bryan, fica quieto ou você vai ficar de castigo - Fernando reprovou.
-Tudo bem, eu não dormi - Camila esbravejou zangada - está feliz agora? Passei toda a noite acordada, como sempre.
-Estou cansada, Camila - ela murmurou com um longo suspiro - eu vou dar um jeito nisso, as coisas não podem mais continuar assim. Três dias sem dormir já é demais.
-Não pode me obrigar a dormir - desafiou. O olhar feroz e zangado.
-Talvez a gente possa - dessa vez foi Fernando quem falou.


A principio Camila não entendeu o que eles queriam dizer com isso, mas então campainha da casa tocou. Ela observou quieta enquanto o pai levantava e ia abrir a porta, e então voltava à cozinha com três homens. Os três usavam um jaleco branco e um deles, o mais velho, tinha uma maleta na mão. Ela não gostou do que viu.


-Camila, esse é o Doutor Bishop - Fernando apresentou - doutor, essa é nossa filha Camila, sobre quem lhe falei.
-É um prazer, Camila - o homem sorriu amigavelmente.
-Doutor? - Camila franziu o cenho - como assim? O que ele faz aqui?
-Eles estão aqui pra te ajudar, filha - Luciana respondeu.
-Me ajudar? - Camila levantou da cadeira e se afastou, se escorando no balcão - ninguém pode me ajudar.
-O doutor Bishop é especialista em distúrbios do sono - Fernando informou - ele pode descobrir o que tem de errado com você, pode te curar.
-Não tem nada errado comigo - ela resmungou irritada e assustada - não preciso de médicos.
-Querida - o doutor Bishop abriu um sorriso acolhedor - eu só quero te ajudar. É muito simples, vamos ajudar você. Com um pequeno sedativo, podemos estudar as suas atividades cerebrais e descobrir o que causa esses pesadelos.
-Querem me fazer dormir? - ela perguntou arregalando os olhos.
-Você precisa disso querida, ficar sem dormir pode lhe causar graves danos - informou - e faz parte do meu trabalho, do procedimento.
-Não. Eu não vou dormir - ela disse entredentes - não pode me obrigar.
-Camila... - sua mãe tentou lhe falar.
-NÃO. NÃO PODEM ME OBRIGAR A DORMIR - ela gritou perdendo completamente o controle, só a ideia lhe tirava toda a sanidade - NÃO CHEGUEM PERTO DE MIM - ela agarrou um copo e tacou em direção ao médico.
-Segurem ela - o doutor Bishop ordenou.
-Não machuquem ela - Luciana pediu deixando uma lágrima cair ao ver o desespero da filha.


Camila tentou fugir, sair correndo, mas antes que alcançasse a porta, os dois homens que vieram com o médico a agarraram pelos braços. Ela se debateu contra eles desesperada, as lágrimas descendo sem parar enquanto observava o médico abrir sua maleta e tirar de dentro dela uma seringa.


-NÃO, POR FAVOR - ela implorou - NÃO ME MANDEM DE VOLTA PRA LÁ. POR FAVOR, EU NÃO POSSO DORMIR. NÃO!
-Isso é pro seu bem, filha - Fernando tentou acalmá-la - só queremos te ajudar.


Ela tentou argumentar, mas não pode fazer nada, eles eram fortes demais pra que ela pudesse se defender. O doutor Bishop se aproximou com sua seringa e a injetou sem dó nem piedade em seu braço.
Camila arregalou os olhos ainda gritando histericamente. Pode ver o rosto do seu irmão, sempre alegre, completamente imóvel, olhando pra ela assustado; e também sua mãe chorando silenciosamente no canto da cozinha, completamente horrorizada.


-Não posso dormir - Camila sussurrou, já perdendo as forças - por favor, não posso voltar pra lá.


Mas era tarde demais, ela pode sentir a inconsciência lhe alcançando. Ainda tentou protestar, mas quanto mais se mexia, mais rápido a escuridão lhe abatia. Tudo em volta começou a girar, ela já não conseguia distinguir os sons a sua volta. Todo seu corpo ficou dormente e com seu último fio de consciência ela entendeu: eles a estavam entregando aos monstros e então acabou. A escuridão de que ela tanto fugia lhe envolveu de braços abertos e com um grande sorriso. Ia começar tudo de novo.


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