Mikey caminhava pelos corredores do presídio com a expressão mais serena que alguém como ele poderia ostentar. Ser escoltado por três guardas armados até os dentes já era rotina, mas dessa vez, algo nele parecia diferente. Talvez fosse o banho decente que finalmente conseguiu tomar, ou talvez fosse o fato de que Ran não estava ali, tagarelando e irritando-o como uma mosca persistente.
Não, Ran tinha uma missão importante: vigiar Angel e os policiais corruptos que fariam a mágica da fuga acontecer no dia seguinte. Não podia haver margem para erros. Não quando a liberdade estava tão perto que ele quase conseguia senti-la. Além disso, ele precisava de um momento de tranquilidade — ou pelo menos, o mais próximo disso que se pode conseguir em uma prisão cheia de assassinos e ladrões.
Pensar no Haitani lhe trouxe uma surpresa, ele não sentia mais a mesma raiva que o consumia antes. Nos primeiros dias, encarcerados na delegacia, discutir com Ran era o evento principal de sua rotina, como um programa de auditório com insultos ao vivo. Mas agora... Agora ele sentia algo estranhamente parecido com paz. Ele pensou nas desculpas trocadas na noite anterior, um momento tão surreal que, honestamente, poderia ter sido um sonho. A ideia de que eles poderiam, talvez, quem sabe, voltar a confiar um no outro parecia possível.
O que deveria ser ridículo!
Mas claro, essa paz durou o que? Uns dois minutos? Porque logo o rosto de Sanzu apareceu em sua mente. Não o Sanzu caótico, o agente do caos que Manjiro conhecia tão bem. Não, esse era o Sanzu de antes, quando sua lealdade e confiança em Mikey eram inabaláveis. O rosto dele em sua cabeça parecia estar manchado pela decepção, e isso fazia o peito de Mikey apertar de um jeito que nenhuma briga ou ferida física poderia explicar. Ele suspirou, os olhos fixos no chão, enquanto tentava afastar o peso dessa culpa.
Tão perdido em seus pensamentos, Mikey mal notou que os guardas não estavam o levando ao pátio para a recreação, como de costume. Quando ele finalmente se deu conta, ergueu os olhos para perceber que o caminho parecia um pouco errado. Ele parou abruptamente, fazendo os guardas trocarem olhares irritados.
— Ei, para onde estamos indo? — Ele perguntou, sua voz carregando aquele tom levemente desafiador, mas ainda controlado.
Os guardas, em um grande exemplo de profissionalismo, ignoraram completamente a pergunta. Eles continuaram andando, e um deles até empurrou o Sano pelas costas com um gesto rude.
As sobrancelhas de Mikey se franziram em irritação, se os desgraçados não estivessem com tantas armas ao alcance ele teria os derrubado com chutes.
Seu desconforto crescia. Aqueles caras estavam sendo mais hostis do que o normal. Não que Mikey estivesse acostumado a sorrisos ou gestos de gentileza, mas ser tratado como um saco de batatas prestes a ser jogado no lixo era definitivamente novo.
Quando chegaram a uma porta de metal no fim do corredor, Manjiro parou novamente. Um dos guardas abriu a porta com um estalo seco e, sem qualquer aviso, empurrou Mikey com força para dentro. O gesto foi tão brusco que ele tropeçou para frente, quase perdendo o equilíbrio. O Sano se virou imediatamente, os olhos arregalados em choque.
— Que porra é essa?! — Ele exclamou, tentando não soar como alguém que estava genuinamente começando a se preocupar.
A porta se fechou com um estrondo antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, deixando-o sozinho. Mikey piscou algumas vezes enquanto seus olhos ajustavam-se ao ambiente. Ele encarou os arredores e soltou um suspiro irritado ao perceber onde estava. Era a lavanderia.
O ambiente era espaçoso, com chão de concreto e uma fileira de máquinas industriais alinhadas como soldados em formação. O ar era quente e abafado, com aquele leve aroma de roupa molhada que só melhorava graças às clarabóias no teto, que despejavam um pouco da luz do sol.
No canto, uma das máquinas estava ligada, emitindo um zumbido contínuo. Através da portinhola transparente, Mikey conseguia ver lençóis girando em um ritmo quase hipnotizante. Era o tipo de visão que, em outra circunstância, talvez fosse relaxante. Mas não hoje. Não com aquele estranho silêncio se espalhando pelo resto da sala como uma onda.
Manjiro deu alguns passos cautelosos, seus olhos escuros analisando cada canto com desconfiança. Ele sabia que aquilo cheirava a armadilha.
E então ele ouviu.
Passos. Ecos ritmados e ameaçadores, vindos do corredor oposto. Ele parou imediatamente, os músculos se retesando enquanto se virava na direção do som.
Do outro lado da lavanderia, quatro figuras surgiram, movendo-se com a confiança de quem já havia praticado aquele tipo de cena antes. Cada um deles segurava uma faca improvisada — metal polido o suficiente para refletir a luz que vinha das clarabóias. O líder do grupo, um homem com cicatrizes suficientes no rosto para fazer um tatuador chorar, tinha um sorriso tão cruel quanto sua lâmina.
Mikey não recuou, embora o ambiente apertasse ao seu redor. Ele estava tenso, mas não exatamente surpreso. Afinal, a cadeia não era o tipo de lugar onde se ganhava inimigos sutis.
— Vocês estão cometendo um erro — ele disse, sua voz calma, mas carregada de uma ameaça implícita. Não que ele realmente esperasse que aqueles caras fossem mudar de ideia só porque ele tinha uma excelente habilidade de argumentação.
O líder deu um passo à frente, sua expressão ainda mais maliciosa ao dizer:
— Você não vai sair vivo daqui, Sano.
Mikey suspirou, deixando os ombros relaxarem um pouco, embora seus olhos ainda estivessem atentos aos movimentos do grupo.
- Espero que a recompensa valha a pena - Manjiro desdenhou, - não que vocês conseguirão aproveitá-la.
O sujeito deu um passo à frente, tentando parecer ameaçador. E, para variar, dessa vez conseguiu. A forma como ele segurava a faca, firme e equilibrada, mostrava que não era um amador. Os outros três pareciam igualmente competentes, cercando Mikey em formação, como lobos encurralando sua presa. Ele franziu a testa e não se moveu.
Por dentro, no entanto, Manjiro estava um pouco intrigado. Afinal, ele sabia que poderiam tentar matá-lo dentro da cadeia a mando de alguém de fora, só não sabia porque Kakucho ou Hanma haviam demorado para fazer esse movimento.
Quando os quatro avançaram, não foi de forma desajeitada ou precipitada como os outros idiotas que Mikey já enfrentara na prisão. Não, esses caras eram organizados. O primeiro veio direto para ele com a faca apontada para seu peito, enquanto o segundo tentava um movimento em arco para acertá-lo nas costelas.
O Sano mal teve tempo de reagir. Ele deu um passo para trás, desviando da estocada inicial, e conseguiu bloquear o golpe lateral com o antebraço. O impacto do metal contra seu braço deixou uma dor latejante, mas ele não teve tempo para se preocupar com isso. O terceiro homem já estava em cima dele, tentando agarrá-lo pelo pescoço.
Com um giro rápido, Mikey escapou do aperto, mas perdeu o equilíbrio por um segundo. O que foi o suficiente para o quarto agressor acertá-lo com um chute na lateral do corpo. A dor explodiu como fogo em suas costelas, mas Mikey não caiu. Ele apenas deu dois passos para trás, ofegando.
Eles vieram novamente, atacando em pares. Mikey bloqueou uma facada com o antebraço — mais uma vez sentindo o impacto doloroso — e usou o momento para agarrar o pulso do agressor. Com um movimento rápido, ele girou o braço do homem para trás, torcendo-o até que a faca caiu no chão. O sujeito guinchou quando Manjiro quebrou seu braço em dois. Mas antes que pudesse fazer mais alguma coisa, o segundo atacante o empurrou com força, quebrando sua postura.
Mikey cambaleou para trás, direto contra uma pilha de roupas sujas, ele recuperou o equilíbrio rapidamente. Quando o terceiro homem tentou atingi-lo, Mikey se abaixou e lançou um chute baixo, atingindo o joelho do agressor com força suficiente para estilhaçar seus ossos.
O líder do grupo não perdeu tempo. Ele aproveitou a abertura e atacou com um golpe direto, rápido e preciso. Mikey desviou por pouco, sentindo a lâmina passar a centímetros de sua pele. Com um movimento rápido, ele agarrou uma das roupas que estavam jogadas no chão e a lançou contra o rosto desfigurado dele. Foi uma distração mínima, mas suficiente. Ele usou o momento para desferir um chute giratório que atingiu o homem na lateral da cabeça. O assassino cambaleou, mas não caiu.
Esse é durão, Mikey admitiu para si mesmo.
O que teve o joelho destruído agonizava no chão, incapaz de levantar. Porém, outros dois estavam de volta, agora furiosos. Um deles conseguiu agarrar Mikey pelas costas, imobilizando seus braços enquanto o outro avançava com a faca. Manjiro lutou contra o aperto, torcendo o corpo de forma desesperada. No último segundo, ele impulsionou as pernas e jogou todo o seu peso para trás, esmagando o agressor contra uma máquina de lavar. O impacto fez o homem afrouxar o aperto, e Mikey usou o momento para se soltar.
Sem pensar duas vezes, ele agarrou a faca que havia caído anteriormente e girou, desferindo um golpe rápido na lateral do rosto do agressor mais próximo, cegando seus olhos com um corte reto e brutal. O homem gritou de dor, recuando. Agora só faltavam dois.
O líder, recuperado do golpe anterior, atacou novamente, dessa vez com um chute lateral. Mikey bloqueou o ataque, mas sentiu o impacto vibrar por todo o corpo. Antes que ele pudesse recuar, Manjiro avançou, girando a faca em suas mãos e desferindo um golpe contra a coxa do homem. Ele caiu de joelhos, segurando a perna com força.
O único que sobrou estava hesitando, segurando o braço quebrado. Mikey estava machucado, ofegante, com o braço esquerdo latejando e sangue escorrendo de um pequeno corte na lateral do rosto. Mas seus olhos negros brilharam com ferocidade. Ele deu um passo à frente, e o sujeito recuou instintivamente, até que reuniu coragem e avançou pela última vez. Mikey usou a vantagem do ambiente. Ele desviou para o lado, puxando uma das mangueiras de água presa à parede e a usou como um chicote. O homem caiu com o impacto, batendo a cabeça no chão.
Quando tudo o que se ouvia na sala eram murmúrios indignados e gemidos de dor, Mikey se endireitou, respirando com dificuldade. Ele olhou para os quatro homens no chão, sofrendo e sangrando, e balançou a cabeça.
O Sano resmungou baixinho enquanto caminhava até a porta, com a mão no estômago e uma faca improvisada escondida na cintura. Ele bateu na porta com força, chamando pelos guardas. Nada. Nenhuma resposta.
Mikey bufou, revirando os olhos.
Sem escolha, ele se virou para checar os quatro atacantes no chão, ou melhor, os três atacantes. Um deles tinha desaparecido. Mikey parou no lugar, imediatamente alerta.
Manjiro começou a procurar pelo homem entre as sombras e os corredores, os músculos contraídos, os olhos escaneando cada canto. Estava tão focado que quase não ouviu o som de passos apressados do lado de fora. A porta foi arrombada com um estrondo, e Ran entrou feito um furacão, chamando por Mikey com uma preocupação incomum.
— Mikey! O que...?!
— Aqui! — Mikey respondeu, virando-se para encará-lo. Só que, em vez de Ran, ele deu de cara com o sujeito cheio de cicatrizes, que agora parecia mais um espectro vingativo do que um ser humano. Antes que Mikey pudesse reagir, o homem desferiu um soco direto na garganta dele.
A dor foi instantânea, como se tivesse levado uma marretada. Mikey tropeçou para trás, tentando respirar, mas o ar simplesmente se recusava a entrar. Ele caiu de joelhos, mãos no pescoço, olhos arregalados.
Ran viu a cena e reagiu sem hesitar. Ele pegou um lençol da pilha de roupas sujas com uma agilidade digna de elogios e, em poucos segundos, já estava envolvendo o pescoço do homem. O Haitani puxou com força, usando o tecido como um laço, apertando até que o agressor começou a perder a cor e caiu desmaiado no chão, a perna ainda sangrando por causa de um dos golpes de Mikey.
Com ele fora de cena, Ran largou o lençol e correu até Mikey, que ainda estava ajoelhado, sufocando e com os olhos vermelhos como os de um demônio. Ran segurou os ombros dele com firmeza, tentando acalmá-lo.
— Ei, ei, olha pra mim! Respira, porra! Ou melhor, tenta — ele disse, quase rindo, mas com uma ponta de preocupação.
Ran inclinou Mikey ligeiramente para frente, deu algumas pancadinhas nas costas e, com a outra mão, apertou suavemente os lados do pescoço dele para ajudar a relaxar os músculos da traqueia. Manjiro tossiu violentamente, como se estivesse expulsando um pulmão.
— Isso, boa, põe tudo pra fora! — Ran incentivou, porque humor negro é o que um bom amigo deve ter em momentos críticos.
Finalmente, Mikey puxou o ar com força, os olhos ainda lacrimejando, mas claramente funcionando de novo. Ele arfou como se estivesse saindo de um pesadelo e olhou para o Haitani com uma mistura de gratidão e exasperação.
— Você sempre salva o dia assim, ou hoje é um caso especial? — Murmurou, a voz rouca e entrecortada.
Ran deu de ombros, olhando para o sujeito ensanguentado no chão.
— Não é todo dia que meu líder de gangue quase morre sufocado, né? Agora levanta, princesa, antes que os guardas finalmente decidam fazer o trabalho deles.
- Como sabia que eu estava aqui?
- Um dos clientes do Angel disse que não te viu no pátio, que os guardas tinham te trazido para a lavanderia. - Explicou, ajudando Mikey a se erguer.
- Ele poderia estar mentindo.
- É, mas que bom que eu decidi arriscar.
Ran deu um último olhar para o caos absoluto da lavanderia. Lençóis ensanguentados, corpos gemendo no chão e uma máquina de lavar funcionando como se nada estivesse acontecendo. Ele balançou a cabeça, quase admirado.
— Cara, você tem um talento único pra transformar qualquer lugar num cenário de crime, Mikey.
Manjiro, ainda com a garganta dolorida, respondeu enquanto esfregava o pescoço:
— O que posso dizer? É nato.
Ran lançou-lhe um olhar divertido e apontou para a porta.
— Anda logo, antes que algum guarda decida aparecer. Deixa esses caras aqui. Eles provavelmente vão acordar com mais dor de cabeça do que nós.
Mikey deu uma olhada nos assassinos contratados no chão. Um estava desmaiado, outro segurava o braço numa posição impossível, um estava cego e o último mancaria para sempre, todos gemiam baixo como gatos pisados. Ele arqueou uma sobrancelha.
- Eles não eram amadores, sabiam o que estavam fazendo.
Os dois começaram a sair pela porta, o Haitani abrindo o caminho com cuidado. Ele lançou um olhar para Mikey por cima do ombro, a voz carregada de ironia:
- Como se Kakucho fosse contratar qualquer um pra matar você.
Mikey bufou, bravo e impaciente.
E com isso, os dois sumiram pelo corredor, deixando para trás uma cena que certamente renderia ótimos cochichos na prisão e uma investigação, mas até tudo ser apurado eles já estariam distantes dali.
~X~
Dentro do carro parado, a tensão era quase palpável. O pôr do sol dava as caras em meio a avenida deserta, fazendo a lataria dos veículos estacionados perto das árvores reluzir. Rindou se virou para Senju, franzindo a testa com o tom de desconfiança que parecia já ter virado padrão ultimamente.
— Não confio no Sanzu. Ele está com muito ódio do Ran por causa da nossa traição.
Senju riu, uma gargalhada curta e cruel.
— Nossa, que novidade! Você acabou de perceber? Parabéns. Sério, a verdadeira pergunta aqui é: como você ainda está respirando?
Rindou bufou, recostando-se no banco e cruzando os braços como uma criança contrariada. Ele odiava estar ali. Não tinha sido feito para ser "equipe reserva", mas a redução nos números da Bonten tornava todo mundo um recurso valioso. E agora, eles estavam relegados a vigiar a rota de fuga, na fronteira da cidade, enquanto a ação real acontecia longe dali.
Eles haviam chegado em Nagoya no dia anterior, mas mal tinham conseguido conversar com Sanzu. Pois o Haruchiyo precisou checar os filhos do diretor do presídio em seu cativeiro, para apresentar uma prova de vida deles para Utakya.
O humor de Sanzu estava péssimo há dias, resultado de sua discussão com Mikey, e o pobre Hirose temia que seu chefe decidisse enviar pedaços dos garotos para o pai só por despeito. O que seria um grande problema, visto que eles precisavam manter Utakya calmo e são o suficiente para ajudá-los.
Então Rindou presenciou algumas vezes o assistente do vice-presidente ressaltar o quanto os adolescentes precisavam ser entregues inteiros. E Sanzu debochava, eriçado como uma cacatua com raiva, dizendo que se quisesse os cortaria em cubinhos e bateria no liquidificador. Não fosse Kokonui trazendo razão para o grupo, Sanzu já teria dado um jeito de arrancar algumas orelhas.
No banco da frente, Koko estava casualmente falando com o subordinado ao volante, quando o telefone descartável começou a vibrar. Ele o atendeu com a eficiência de quem tratava vidas como números numa planilha.
— Entendido, Hirose. Estamos prontos.
Ele desligou e voltou-se para o grupo.
— Eles começaram.
O silêncio no carro ficou tão denso quanto o ar abafado do fim de tarde. Todos sabiam o que aquilo significava. Era o prelúdio de uma sequência de caos. Um espetáculo de quase-mortes que, com Sanzu no controle, poderia facilmente virar um massacre.
Senju olhou para Rindou de soslaio, sem perder a oportunidade.
— Preparado para quase morrer hoje? Ou prefere deixar o Sanzu fazer isso por você?
Rindou só respondeu com outro bufo irritado, fixando o olhar no horizonte. Ele preferia não verbalizar o que estava claro para todos: aquilo só estava começando, e o inferno, sem dúvida, viria em seguida.
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