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História Em Dose Tripla - Um é pouco, dois é bom, três é demais


Escrita por: LuaPrateada

Notas do Autor


Fic atualizada em 7/4/2020.

Capítulo 18 - Um é pouco, dois é bom, três é demais


No banheiro do camarim de Hyoga, tratei de me recompor. Lavei meu rosto, tentando ainda voltar a mim, porque parecia que estava em órbita; não conseguia organizar meus pensamentos. Mesmo assim, tentei fazer com que externamente eu parecesse impecável, já que por dentro a situação era bem outra... Então arrumei as roupas para que voltassem a parecer muito bem assentadas sobre meu corpo; refiz meu penteado, ajeitei os óculos...

Olhei meu reflexo no espelho e estava de acordo. Era Rikki. Parecia calmo, sereno, tranquilo.

Mas, por dentro, eu era tempestade naquele momento.

Volto para o quarto. Hyoga estava novamente com o caderno de anotações nas mãos, tomando outra garrafa d’água.

Assim que me aproximo dois passos na sua direção, ele levanta os olhos para mim.

Eu sabia que ele queria me dizer algo.

Eu queria que ele me dissesse algo.

Eu também queria dizer alguma coisa.

Mas... nada.

Não sei quanto tempo permanecemos apenas assim, nos olhando tão fixamente. Esse momento só foi interrompido por batidas vigorosas na porta do camarim do loiro:

- Hyoga! Hyoga!!!

Era Afrodite.

Hyoga foi imediatamente até a porta, abrindo-a apenas um pouco, para que o figurinista não me visse ali dentro:

- O que foi Afrodite? Por que esse desespero todo?

- Hyoga, Shun está no hospital!

- O quê?! – Hyoga modificou inteiramente sua expressão corporal. Se antes ele agia cauteloso, agora todo ele denotava a preocupação que tomou conta de si – O que aconteceu com ele??

- Calma, calma! Com ele, nada! É a mãe dele! Parece que ela sofreu algum mal súbito, algo assim! Só entendi que foi grave. Mas não sei direito! Aioros me ligou avisando. Aioria quis ir imediatamente para lá. Camus e Milo já foram para lá também, mas pediram que eu encontrasse você para avisar onde era o hospital.

- Claro. Claro. Shun precisa de mim. Eu... – então Hyoga olhou para mim, como se de repente se recordasse de que eu estava ali – Eu... já vou. Vou pegar umas coisas e estou indo.

- Certo. Hospital Saint Heart. Se você jogar no GPS, encontra rápido.

- Obrigado, Afrodite. – agradeceu Hyoga.

- Imagine. Vá lá ver o seu amigo. Ele certamente está precisando de você. E eu vou chamar o Mu. Certamente a imprensa vai querer um posicionamento do nosso relações-públicas. Afinal, vocês já não são mais ilustres anônimos. São verdadeiras celebridades. – Afrodite disse e se afastou, parecendo muito preocupado com as tarefas de que fora incumbido.

Hyoga fechou a porta e passeou os olhos pelo camarim com pressa. Logo encontrou o que buscava: as chaves de seu carro sobre uma mesinha.

- Eu levo você. – falo prontamente.

- Não precisa, Rikki. – Hyoga responde, com a voz tensa.

- É claro que precisa. Você não parece em condições de dirigir.

Se ele estava ou não, não tenho como saber. Mas o loiro terminou aceitando logo minha oferta.

Eu saí primeiro do quarto, discretamente. Ninguém parece perceber. Havia muito movimento, mas distante de onde estávamos. Me distanciei rápido do camarim e rumei com pressa para o estacionamento.

Lá chegando, esperei por Hyoga. Não sabia qual era o carro dele.

O loiro surgiu poucos minutos depois. Era um carro compacto, branco.

Entramos sem trocar palavra e saímos logo de lá.

Hyoga colocou o destino no GPS e vimos que demoraríamos uns 15 minutos até chegar lá.

Nos primeiros minutos, não trocamos uma palavra.

E esse silêncio estava me incomodando demais.

Resolvi quebrar o gelo:

- Acredita no que Afrodite falou?

- Como? – Hyoga perguntou, com os olhos presos à pista, parecendo perdido em seus pensamentos.

- Que somos celebridades. Acha que isso seja possível?

- Pode ser...

- A série estreou há poucos dias. – eu prossigo com minha linha de pensamento.

- Mas a série é exibida diariamente. Saga e Kanon sabem que isso ajuda a deixar a série sempre em evidência, sendo sempre discutida nas redes sociais. – Hyoga me responde, mas não parecendo dar muita importância a essa conversa.

- Também é por culpa dessa exibição diária que a produção dessa série quase mata a gente com horários quase desumanos de gravação... – resmungo.

- Desumanos? – Hyoga finalmente olha para mim – Rikki, temos um horário tão tranquilo para gravação. Como são três focos dramáticos, dá para termos intervalos bem razoáveis entre as gravações.

Eu me calei no mesmo momento. Era só me descuidar um pouco, que quase me entregava de novo. Era óbvio que para eles era mais tranquilo. Só eu é que literalmente estava trabalhando por três pessoas.

Mas ninguém sabia disso e tinha de continuar assim.

Finalmente chegamos ao hospital. Assim que estaciono o carro, antes de Hyoga sair apressado, eu seguro em sua mão:

- Hyoga. – falo com firmeza, obrigando-o a olhar para mim – Eu só queria dizer que... – respiro fundo – Nada mudou. O que eu disse lá no camarim é verdade. Eu consigo separar perfeitamente as coisas.

- Separar o quê? – Hyoga me perguntou, com um tom que não consegui compreender muito bem.

- Separar sentimentos... de sexo. – eu finalizo com alguma pressa e olho para o lado.

- Ah, sim. Claro. Eu também consigo. – o loiro sorri brevemente e desvia os olhos para o outro lado – Não é como se eu nunca tivesse transado com alguém só pelo... sexo, mesmo.

A situação era tão constrangedora quanto foi no camarim. Mesmo assim, eu não queria me afastar de Hyoga ainda. Por mais desconfortável que fosse aquela situação, eu queria continuar ao lado dele:

- Vou com você. Também quero ver como Shun está. – não menti. Também estava preocupado com o rapazinho.

- Ele vai gostar de ver você. – Hyoga disse e sorriu para mim.

Caminhamos depressa até o grande prédio cinza. Logo nos informamos onde poderíamos encontrar Shun. Tomamos um elevador e, muito rápido, chegávamos a uma pequena e reservada sala de espera.

Lá estavam Shun, sua irmã Esmeralda, Aioros, Aioria, Milo e Camus.

Assim que nos viu, Shun correu para o loiro:

- Hyoga! Meu amigo! Que bom que você veio! – ele disse, abraçando o loiro efusivamente.

- Claro que eu viria. Como você está, Shun?

- Um pouco melhor... parece que não é tão grave quanto imaginamos... Mas... Hyoga... eu entrei em pânico quando vi... minha mãe... naquele estado.... – os olhos verdes de Shun derramavam mais lágrimas.

- Deve... ter sido horrível. – Hyoga falou, com a voz um pouco falha. Notei então como Camus e Milo trocaram um olhar preocupado entre eles.

- Olá, Rikki. Obrigado por ter vindo também. – foi Aioros quem disse, se aproximando de mim – Sabemos que Shun tem muita consideração por você. Não sabíamos se viria se o chamássemos, mas... Enfim. Que bom que veio.

- Por que eu não viria?

- Porque você não é do tipo mais afável, assim como seus irmãos. – foi Aioria que me respondeu – Convenhamos que vocês três são bem egoístas no que diz respeito ao bem-estar dos outros.

- Aioria, agora não. – foi Aioros quem falou, em um tom conciliador.

- Não estou fazendo nada de mais, irmão. Apenas expondo algumas verdades.

Eu ia dizer algo em minha defesa, mas então Shun finalmente se desfez do abraço que dava em Hyoga e veio até mim:

- Rikki. Que bom que veio. – os olhos dele brilhavam para mim.

E como eu ainda olhava para Aioria, sem entender, pude perceber algo.

Aioria me fuzilou com os olhos, mas muito rapidamente. Depois virou o rosto e se afastou, no que foi prontamente seguido pelo irmão, que parecia querer acalmá-lo.

- Foi o Hyoga quem te avisou sobre o que aconteceu...? – Shun começou a falar, tentando ganhar minha atenção, que estava fixa nos diretores até então.

- Não, eu estava com ele quando Afrodite falou que... – me interrompi no mesmo instante. Mas já havia falado mais do que devia. Hyoga olhava muito sério para mim. E Shun demonstrou algum desconforto com minhas palavras – Eu... estava procurando por você. Como não tinha achado você, fui perguntar para o Hyoga. – tentei emendar.

Não fui muito bem sucedido, pois Shun não pareceu acreditar nas minhas palavras. De todo modo, o garoto apenas sorriu brandamente e então chamou a irmã:

- Não te apresentei ainda. Essa aqui é minha irmã, a Esmeralda...

- Sim, nós já tínhamos nos visto. Mas não havíamos sido apresentados apropriadamente. Muito prazer. – sorri educadamente.

- Prazer. – a jovem respondeu, também parecendo muito abatida – É uma pena que só nos encontremos em momentos ruins.

Nesse momento, uma outra garota, de cabelos loiros e lisos, muito compridos, entrou no local, trazendo alguns copos com café.

- Como foi difícil encontrar café por aqui... – ela disse, dirigindo-se a Shun – Aqui, meu bem. Tome um pouco. Vai ajudar você a se sentir melhor.

- Obrigado, June. – Shun respondeu – Hyoga está aqui também. – o rapazinho apontou para o amigo com os grandes olhos verdes.

- Hyoga! Que bom te ver! – June foi até ele e o abraçou com força.

- E... Aquele... é o Rikki. – Shun falou, em tom mais baixo, apontando agora com os olhos para mim.

A tal June olhou para mim, de cima a baixo, com aspecto algo hostil:

- Rikki, não é? – ela disse, com alguma frieza – Já ouvi falar bastante de você. – eu podia jurar que havia um certo tom de desprezo nessas palavras, mas não sei se mais alguém percebeu.

June não esperou uma palavra minha em retorno. Apenas me deu as costas e foi puxar Shun para se sentarem juntos nas poltronas que ficavam ali perto.

Shun se deixou arrastar, com a aparência cansada, mas um pouco risonho com a presença da amiga, que parecia fazer o possível para diverti-lo, de algum modo.

- Não se preocupe. – Esmeralda falou, a meu lado – Esses dois são amigos desde crianças. Sempre andaram grudados para todos os lados. June tem muitos ciúmes do meu irmão. Ela gosta que ele dê atenção só para ela. – a irmã de Shun me falou, com um sorriso gentil.

- Isso parece mais que mera amizade, para mim. – respondi, olhando para a forma como June tentava chamar a atenção de Shun para si, de todas as formas que podia.

- Da parte de June, pode até ser. Mas, quanto ao meu irmão... – a garota suspirou – Ele não corresponde aos sentimentos dela.

- Não? Que pena. Formariam um bonito casal. – respondo e começo a buscar Hyoga com os olhos.

- O problema é que ela não é o tipo do meu irmão.

- Ah... não? – perguntei, sem me atentar muito para o que dizia. Acabei voltando meu olhar para Esmeralda e, ao encontrar os olhos dela sobre mim, notei que ela me olhava com alguma intensidade. A moça, tímida com esse súbito encontro de olhares, baixou o rosto, um pouco envergonhada.

Eu ia dizer algo, mas ouvi a voz de Camus. E notei que ele, Milo e Hyoga haviam se afastado para perto de uma janela:

- Você está bem mesmo? – dizia Camus.

- Estou, tio. Já disse. – Hyoga falou, com algum enfado.

- Hyoga, seu tio está preocupado com você. Você não estava bem esses dias e... sabemos que... essas lembranças... A mãe de Shun, nesse estado... isso pode ter te feito recordar...

- Recordar de quê, Milo? Da minha mãe? Podem falar abertamente. Por que você fala desse assunto sempre como se fosse um segredo, tio? – Hyoga começou a levantar o tom de voz para Camus – Eu não tenho problemas em falar da minha mãe. Por mim, eu falaria sempre dela! É você quem gosta de fugir desse assunto!

- Hyoga! Não fale desse jeito com seu tio! – interveio Milo.

- Falo, sim! Porque estou cansado do modo como lidam com isso! Cansado de me tratarem como se eu fosse feito de cristal e pudesse quebrar!

- Hyoga... Isso é por causa do que ocorreu hoje à tarde...? – Milo falou, com um olhar significativo para Hyoga.

- O que ocorreu hoje à tarde? – Camus perguntou, muito sério.

- Não interessa, tio. Não interessa mais. O Milo conseguiu o que queria. Ele foi muito bem sucedido no que fez. – Hyoga lançava um olhar carregado de revolta para Milo.

E isso mexeu profundamente comigo.

Eu não imaginava que Hyoga pudesse ficar tão... indignado por se ver afastado de mim.

- Hyoga, eu fiz o que fiz pelo seu bem. – Milo se limitou a responder.

- Para o meu bem? – Hyoga riu, sarcástico – Eu pedi para você fazer algo, Milo? Eu pedi? Não! E sabe o que você fez? Pode ter acabado com a minha chance de ser muito feliz!

Aquilo mexeu ainda mais comigo. Eu senti vontade de ir até lá. Mas sabia que não deveria e me contive.

- Feliz? Hyoga, por favor. Ele não é bom o bastante para você. – Milo disse, com tom de reproche.

- Bom; graças a você, Milo... Acho que eu nem vou ter a chance de descobrir, não é?!

- Esperem um pouco. De quem estão falando? Do... Ikki? – quis saber Camus.

- Não. – disse Milo, secamente – Estamos falando do Ikky. (nota: a pronúncia de IKKI e IKKY é ligeiramente diferente. IKKY se pronuncia /Ikkí/, com acento tônico na última sílaba.)

- Do Ikky??? – Camus ficou estupefato – Hyoga, onde você está com a cabeça??

A essa altura, os outros presentes na sala já escutavam a conversa deles. Mas essa conversa foi interrompida com a chegada de um médico que trazia notícias.

Felizmente, a situação realmente não era tão grave quanto pareceu em um primeiro momento.

- Mas sua mãe terá de ficar de repouso, em observação. O hospital permite dois acompanhantes. – disse o médico.

- Claro. Eu e minha irmã ficaremos. – Shun respondeu logo, com a aparência mais aliviada.

Esmeralda se retirou junto do médico, conversando com ele sobre qualquer assunto. E procurou evitar meu olhar ao máximo.

- Shun, você quer que eu fique também? – Hyoga, que se afastou de Camus e Milo, veio perguntar ao amigo, com a voz ainda um pouco trêmula, devido ao nervosismo que passara.

- Não, Hyoga. Você ainda precisa descansar, não está plenamente recuperado... E de que adiantaria você ficar? Só podem ficar duas pessoas no quarto. Se você ficar, vai ter que ficar aqui na sala de espera. Não há necessidade...

- Mesmo assim, eu vou ficar. – Aioria falou, para algum espanto de Shun – Vocês podem precisar de algo. É bom ter com quem contar.

- Para isso, ele tem a mim. – June falou, encarando Aioria – Eu já vou ficar de todo modo.

- Gente... não precisa... – Shun falou, um pouco sem-graça.

- Shun, nem adianta discutir. Eu vou ficar. – June foi bem assertiva.

- Eu também vou. – Aioria falou, categórico. Aioros pareceu não gostar muito da ideia e cochichou algo nos ouvidos do irmão, mas que nada pareceu adiantar.

Fiquei na dúvida se deveria também me oferecer para ficar, mas assim que olhei na direção de Shun, notei como Aioria e June me lançaram olhares que diziam mais que muitas palavras.

Sorri de leve:

- Shun, eu preciso ir. Eu... tenho alguns assuntos importantes para conversar com meus irmãos em casa. Mas, se precisar de qualquer coisa... Não hesite em me chamar, está bem?

- Está bem. Obrigado, Rikki.

Nesse momento, Esmeralda regressava e chamou Shun para seguir com ela para o quarto. A garota continuava evitando de me olhar de todo modo. Shun a acompanhou e, assim que eles saíram do nosso campo de visão, Aioria e Aioros pareceram discutir, o mais discreto possível sobre algo. June fez uma ligação em seu celular e se afastou um pouco.

Do outro lado, vi que Hyoga terminava de conversar com Camus e Milo. Agora eles falavam bem mais baixo, tanto que não pude escutar o que diziam. Mas era perceptível que não terminavam bem o assunto sobre que falavam.

Hyoga começou a se afastar com pressa. Eu fiquei sem saber como reagir, mas quando o loiro passou por mim, falou em alto e bom som:

- Vamos, Rikki? – e seguiu reto, andando sem parar.

Vi como Milo e Camus olhavam feio para mim.

Dei de ombros. Não me importei com isso e segui atrás do loiro.

Fomos em silêncio até o estacionamento.

Quando chegamos ao carro, Hyoga permaneceu em silêncio. Entramos, comecei a dirigir e ele não disse uma palavra.

- Não sei se percebeu... – comecei a falar, quebrando mais uma vez o silêncio entre nós – Mas Shun não precisa de mim.

- Como é? – Hyoga despertou de seus pensamentos e me olhou confuso.

- Seu amigo. Ele tem, pelo menos, dois interessados nele.

- Ah. – Hyoga abriu um pequeno sorriso – Está falando da June?

- Então você também já percebeu?

- Acho que todo mundo que os conhece já percebeu. Talvez até o próprio Shun. Mas ele não corresponde aos sentimentos dela.

- Como sabe?

- Ele sempre me fala que enxerga June como uma irmã caçula...

- Bom... Tudo bem... Mas, ainda assim... Há outro...

- O Aioria?

- Também notou?

- Na verdade... notei hoje. Shun tem me dito que Aioria é sempre muito solícito com tudo que diz respeito a ele. Isso eu tinha percebido. Aioria trata Shun de uma forma diferente quando estamos no set... Mas eu achava que isso era por conta do Shun ser... como é. Ele sempre atrai uma atenção especial, por parecer mais frágil... Porém, hoje... eu vi que vai além disso... Ao menos, é o que parece.

- Escute o que estou lhe dizendo. – atestei, seguro do que dizia – O Aioria está apaixonado pelo Shun.

- Como pode ter tanta certeza?

- Eu vi o jeito que ele olha para o Shun... Mas, principalmente... Eu vi o jeito que Aioria olhou para mim.

- E como foi isso? – Hyoga perguntava, parecendo mais curioso.

- Com raiva. Com ciúmes. Com um olhar que dizia para eu me afastar dele.

- É mesmo? – Hyoga sorriu divertido.

- Sim. Sou muito bom em analisar os olhares das outras pessoas. Talvez por eu mesmo me expressar muito desse modo, costumo desvendar os outros assim também.

- É, você tem um olhar bem... poderoso.

Hyoga falou e se calou logo em seguida, como se lembrasse de algo. E virou o rosto para a janela, para observar a paisagem que passava rapidamente por nós.

- Sabe quem também prestou atenção ao seu olhar? – subitamente o loiro voltou a falar, ainda olhando pela janela.

- Quem?

- A Esmeralda.

Engoli em seco. Eu tinha percebido.

- Está vendo só, Rikki? Não é só você que consegue perceber essas nuances nos olhares dos outros.

Fiquei em silêncio.

Pensativo.

- Ela faz o seu tipo?

- O quê...? – perguntei, meio perdido. Estava perdido em muitos devaneios agora.

- A Esmeralda. – Hyoga foi bem incisivo – Ela faz o seu tipo? – ele perguntou, voltando a olhar para mim.

Olhei de relance para ele.

- Talvez.

- Talvez? Que tipo de resposta é essa? – Hyoga soltou, parecendo contrariado.

- É que eu não tenho um tipo assim, formado, especificamente. Sei lá. Sempre que me senti atraído por uma garota, nunca parei para pensar muito. Era coisa de pele, desejo físico, rápido de saciar. Assim como vem, vai embora logo. Então nunca pensei se tinha um “tipo específico” de que gostava.

- Hum. – Hyoga voltou a olhar para a janela.

- Você estava certo, sabe. – voltei a falar. Não queria interromper minha conversa com ele.

- Sobre...? – ele continuava olhando pela janela.

- Sobre ser mais forte. É possível ser mais forte sim. Eu achava que não. Que o prazer era sempre o mesmo. Mas... pode ser maior, sim.

Consegui atrair a atenção dele de novo para mim.

- Então... você gostou? – ele perguntou, enquanto prendia alguns fios dourados atrás da orelha. Sorrindo um sorriso maravilhoso.

Era a primeira vez que tocávamos no assunto desde que tudo tinha acontecido.

- Gostei. – sorri com algum charme – Digamos que... Você sabe muito bem o que faz. – falei em leve tom de brincadeira.

- É, eu... – abriu um sorriso ainda maior e mais encantador para mim - Nunca recebi nenhuma reclamação. – o loiro respondeu, no mesmo tom brincalhão.

Parei o carro em um semáforo. A luz vermelha iluminava o rosto dele, deixando-o mais corado.

Nossos olhares se encontraram intensamente.

Era magnético.

Era mais forte que eu.

Minha boca queria encontrar a boca dele.

Eu estava disposto a me entregar a esse desejo...

E Hyoga... parecia sentir o mesmo...

Mas...

- Não. – o loiro disse, repentinamente – Não, Rikki. Não posso. Não é justo...

- Com quem? Com o Shun...? – perguntei, demonstrando grande frustração nas minhas palavras.

- Não. Com você mesmo. Eu... eu não posso negar que me sinto, sim, fortemente atraído por você. Mas... eu acho que é porque estou confundindo as coisas, Rikki. É como você mesmo disse... Eu me envolvi com seus irmãos... E acho que estou transferindo tudo o que sinto por eles para você... E... não é justo...

Hyoga falava, mas sem tirar os olhos de mim. E aqueles olhos diziam mais que aquelas palavras.

Ele negava com palavras, mas seus olhos revelavam outros sentimentos para mim.

Súbito, o semáforo muda de cor. O verde brilha diante dos meus olhos e coloco o carro novamente em movimento.

- Quero dizer... – Hyoga prosseguiu, agora olhando para a pista à nossa frente – Eu também me sinto atraído por você, mas acho que é além do físico... Você é... seu papo, sua conversa... Não que você não seja bonito, óbvio que também é, mas... Puxa, se seus irmãos conversassem como você... Eu me sinto muito mais à vontade falando com você, não sei por quê...

Eu ri, incrédulo do que ouvia.

- É sério. Você tem algo que... Não sei dizer. Na verdade, cada um de vocês têm... O Ikky é uma atração sexual tão forte que... acho que nunca trocamos muitas palavras... – ele ri, um pouco embaraçado – Todos vocês são muito atraentes, mas o Ikky, eu não sei explicar... E... – um breve suspiro – E o Ikki... ele é o mais misterioso de vocês... Com aquelas músicas que dizem tanto, ao mesmo tempo que escondem tanto... Ele me intriga... Eu queria desvendá-lo...

Eu agora estava sério. Ponderando tudo o que ouvia.

- É isso. O Ikki é aquela figura meio idealizada para mim. Misterioso, enigmático... distante, inacessível para mim... Enquanto Ikky desperta um tesão louco em mim... E você...

- Eu não despertei nada? – falei, mas em tom de brincadeira. Aquilo era surreal demais.

- Claro que despertou! Rikki, o que aconteceu lá no camarim... Nem sei explicar... eu fiquei louco de desejo por você... Mas foi diferente... eu não sei como, mas foi... Talvez... porque...

- Por quê...?

- Porque com você... eu me sinto à vontade... de uma forma diferente. Com você, sinto uma conexão que... Não sei, você também não sente? Parece tão fácil conversar com você! Eu adoro seu papo, e acho que adoro principalmente porque é visível que você não joga conversa fora com qualquer um. Quando você fala comigo, me sinto especial... E sinto que é tão fácil simplesmente estar com você...

Sorrio mais amplamente.

- Mas... não é justo, Rikki. Não é justo. Eu não posso ficar com você sem entender o que sinto exatamente pelos seus irmãos. Não quero que esses sentimentos se confundam. Não seria justo. Nem com você, nem comigo...

Eu tinha decidido.

- Hyoga...

Eu não precisava guardar esse segredo de Hyoga. Pela primeira vez, eu sentia que poderia confiar em mais alguém. Sempre fui tão autossuficiente. Jamais revelaria um segredo de tanta importância para ninguém. Sempre fui eu comigo mesmo e mais ninguém.

Só que eu simplesmente não queria mais ser assim.

Milo disse que eu machucaria Hyoga.

E realmente eu nunca soube estar com mais alguém, além de mim mesmo.

E também não saberia responder se eu certamente seria o cara certo para ele

Mas o caso não era mais sobre ter certezas. Até porque se eu aprendi algo nessa vida, é que nossas maiores certezas podem se mostrar muito incertas em outros momentos.

Não; a situação não era sobre ter a certeza de que eu era a pessoa certa para ele.

A questão é que eu queria muito ser esse cara certo.

Eu queria demais. Eu queria estar com ele e não me importava com o que tivesse de fazer para isso dar certo.

E foi movido por essa sensação que eu tinha decidido.

Eu iria contar a verdade.

Eu iria.

Chegamos ao estacionamento do estúdio.

Parei o carro perto da entrada:

Fazia uma noite enluarada. Clara, fresca, com uma brisa gostosa.

Suspiro profundamente, como se buscasse forças para começar a falar:

- Hyoga, eu quero te falar uma coisa...

E, de repente...

- Rikki! – olho sobressaltado para frente. E vejo Saga e Kanon se aproximando – Estávamos atrás de você até agora! Onde esteve?

Percebo um tom de nervosismo nos dois. E logo entendo por quê. Hyoga estava a meu lado.

- Fomos ao hospital ver como estava Shun. – Hyoga respondeu por mim.

- Ah, claro, ficamos sabendo do que houve. Está tudo bem com ele?

- Sim, o susto foi maior que o necessário. Ainda bem. – Hyoga finalizou, também sentindo o clima pesar.

- Rikki. – os gêmeos me encaravam com uma expressão tensa em suas feições – Precisamos conversar.

- Tudo bem. Esperem por mim lá dentro. Eu vou depois que conversar com Hyoga.

- Rikki. Você não entendeu? O que temos para falar é muito sério.

- O que eu tenho para falar com o Hyoga também.

- Rikki. – Kanon elevou o tom de voz, perdendo a paciência – Pandora exige sua presença em uma pequena reunião que ela está dando. Você entende isso? É Pandora, a maior influência sobre Saori Kido no momento. Se ela está satisfeita, nossa série está bem. Do contrário... Será que entende??

- E ela nos convidou para uma de suas famosas reuniões. Apenas um grupo seleto é convidado para essas reuniões, Rikki. Precisamos ir. E tem de ser logo. Já estamos atrasados e não podemos perder essa oportunidade. – pontuou Saga.

Compreendi que aquilo era realmente importante. Eu não podia perder de vista meu objetivo inicial. Ajudar minha vila.

- Está bem. Já que é tão importante assim...

Olho para Hyoga, que sorri:

- É melhor você ir mesmo. Por mais que eu esteja zangado com meu tio, ainda quero que essa série dê certo para ele.

- Vamos conversar depois, está bem? É uma promessa. – falo, fitando os olhos claros.

- Combinado. – Hyoga sorri e sai do carro.

Eu também desço e sou praticamente empurrado pelos gêmeos para minha casa, deixando Hyoga para trás.

****************************************************

- Não vamos nem falar sobre o absurdo que você estava prestes a fazer. – diz Kanon, abrindo a porta da minha casa, para agilizar tudo.

- E nem adianta falar qualquer coisa. Eu me decidi. Vou conversar com Hyoga. Vou falar a verdade para ele.

- Ikki, já dissemos que é uma péssima ideia... E que se você quebrar o contrato que fizemos...

- Olha, vocês precisam de mim tanto quanto eu de vocês. E Hyoga também precisa disso. Por favor, um pouco de consideração por ele! Acham mesmo que ele não é capaz de manter esse segredo? Não ouviram o que ele disse? Ele também quer que essa série dê certo!

- Está bem, mas... agora não dá para discutirmos isso. Você precisa se vestir como Ikki agora.

- Pensei que ela queria ver o Rikki.

- Só dissemos isso porque precisávamos tirar você de lá o quanto antes. Mas Pandora deixou claro: ela convidou o Ikki. – falou Kanon, enquanto separava algumas roupas para mim.

- Tome uma ducha rápida. Você deve ter causado uma boa impressão nela e precisamos dar continuidade a isso.  – Saga disse, me encaminhando ao banheiro.

Achei um pouco de graça nisso. Pelo menos, poderia ir sendo eu mesmo...

Assim, sem me deter em mais nada, tratei de me arrumar às pressas.

Pandora estava à minha espera.

 

Continua...

 



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