História End of Summer - Little Sun

– Eu deveria te expulsar – Resmunguei, ouvindo o garoto atrevido deitado na cama rir.

– Você não teria coragem docinho – Ele conseguia parecer mais idiota ainda quando estava distraído tentando inutilmente equilibrar a borracha no nariz.

– Que porra você está fazendo? – Revirei os olhos, procurando meu caderno na mochila.

– Treinando meu equilíbrio! – Levantou o tronco da cama, me encarando como se aquilo fosse óbvio.

– Acho que não é assim que se treina – Peguei o material, espalhei ele pelo chão do quarto e voltei a olha-lo – Vamos ou não começar a estudar isso?

– Você parece até um senhor de quarenta anos, qual é – Bufou contrariado, inflando as bochechas, um biquinho enfeitando os lábios, estava inegavelmente adorável – Não podemos só conversar, comer biscoitos e jogar baralho ou algo assim?

– Você é o velhote aqui, quem ainda joga baralho?

– Uno é um tipo de baralho – Mostrou a língua infantil, eu iria o contrariar se o rangido da porta não tivesse chamado a atenção de nós dois.

– Eu sou a velhote aqui, parem de brigar crianças – Ruby entrou no quarto, segurava um prato cheio de bolo de chocolate.

– Oh não! – Exclamou Kirishima, seu sorriso gentil aparecendo imediatamente – Você ainda está na flor da juventude Nana.

– Obrigada Solzinho – Gargalhou antes de colocar o prato  na cabeceira, estralou as costas e continuou a falar – Mas eu sei que não, a idade chega para todos.

– Solzinho? Nana? Já estão cheios de apelidinhos?

– Ele praticamente já virou meu segundo neto, Eiji é um amor – Respondeu sorridente puxando o maior para um abraço desajeitado pela grande diferença de tamanho.

– Argh vocês só podem estar brincando.

– Ele está com ciúmes – Ouvi Kirishima sussurrar antes dos dois gargalharem, meu rosto começando a queimar, seja por raiva ou vergonha.

– Agora temos que descobrir se está de mim ou de você – A velha sorriu cumplice, soltando outro riso junto com o sussurro nada secreto.

– Vão pra merda vocês dois!

* * *

Ficamos um tempo apenas conversando, Kirishima e eu, comendo pedaços de bolo que a pequena senhora trouxe, apreciando a calda expeça que escorria da massa macia e fofa. Era engraçado ver ele tentando comer sem se sujar todo, as vezes ele realmente se parece com uma criança, e raramente, se torna um idoso de sessenta anos.

Consegui desviar de todos os pedidos dele para jogar uno, por incrível que pareça, eu quase esqueci que não poderia jogar pela minha condição. No fim apenas selecionamos algum filme para assistirmos, colocamos no meu notebook e tive que aguentar ele comentar sobre cada detalhe do filme.

De certa forma era relaxante ouvir sua voz animada falando sobre como o personagem principal era másculo, ou sobre como a animação era bem feita. Não pude aproveitar verdadeiramente do filme, a falta de pigmentos tirando um pouco a magia, mas Eijirou detalhava tanto que eu poderia o assistir de olhos fechados.

No fim das contas eu fiquei assistindo o garoto, sua pequena cicatriz delicada na pálpebra, seus lábios, seu maxilar marcado até mesmo seu pomo de adão. Também tinha o fato de que qualquer roupa nele parecia ficar justa, marcada aos músculos, nem mesmo aquele seu penteado ridículo envolto por uma bandana desenhada parecia diminuir seu encanto, na verdade apenas aumentava o charme.

Eu gosto de analisar as coisas, principalmente as bonitas, mas tinha algo a mais, me instigando no garoto. Ele parecia não notar meu interesse, ou talvez apenas não ligasse, eu poderia ficar o dia inteiro o admirando, cada mínimo detalhe e gesto, seja os descontraídos ou não.

– Docinho – Cantarolou irritantemente no meu ouvido, chegando perto o suficiente ao ponto de eu sentir sua respiração – Você tá me ouvindo?

– É claro que eu estou escutando seu merda.

– Sobre o que eu estava falando? – Pediu esperançoso de identificar minha mentira.

– Merda, é só isso que você fala – Desconversei e o ouvi bufar.

– Eu estava falando sobre a viajem – Sinceramente ele deveria pensar sobre coisas mais interessantes – Como será que é lá? Será que tem piscina? Ou aqueles esportes radicais!

– Se você ficar criando um monte de expectativa pra esse chalé – O afastei, limpando a baba que ele praticamente cuspiu animado – Só vai quebrar a cara.

– Mas eu não consigo evitar! – Revirou os olhos como se fosse óbvio, bufando e cruzando os braços fortes, um biquinho surgindo nos lábios para fazer drama.

– É só focar em alguma outra coisa.

– Que nem você tava focado em mim? – Sua fala fez meu rosto queimar, o maldito gargalhando pela simples provocação, ou o jeito que eu reagi a ela.

– C-Cala boca! – Resmunguei contrariado, procurando alguma coisa para ocultar a minha vergonha – Seu cabelo ridículo chegou no cérebro!

– Então você não tava me secando? – Balançou na cama parecendo desinteressado, como se aquilo fosse uma pergunta sobre história e não uma provocação.

– Claro que não! – Não sei o porquê, mas ele voltou a rir e aquilo me irritava – Para de rir caralho!

– Que pena então – Simplesmente voltou a mexer no celular, como se o assunto nunca tivesse começado – Eu te encaro as vezes.

Meu coração acelerou e eu quis quebrar a cara de Eijirou por estar brincando sobre algo assim, de certa forma, eu queria que fosse verdade. Não é como se eu fosse corresponder algum interesse romântico ou algo do tipo, mas não seria ruim amaciar meu ego um pouco.

 Me auto reprendi, egoísmo, fui egoísta, me pergunto a quanto tempo estou sendo assim. O mesmo questionamento me prende, como mudar, não é algo tão fácil, muito menos rápido e sinceramente ainda me pergunto se vale a pena.

– Vai a merda.

Fechei os olhos, me acomodando na cama enquanto ouvia sua casquinada sôfrega, como se aquela situação fosse uma das mais hilárias. Eu gostava de muitas coisas nele, como o som da sua voz, seja brava, magoada ou risonha, do jeito como sempre parecia animado com tudo, o apelido de solzinho realmente combina com ele. Havia muitas outras coisas que notei, e apreciei secretamente, desde seu cabelo ridículo até suas crocs horrorosas, que ficam boas nele de alguma maneira.

– O que vamos fazer agora? – Senti o colchão afundar, indicando que ele tinha se deitado do meu lado.

– Estudar, que tal cabelo de merda?

– Está escurecendo – Me ignorou completamente, nem sei porque ainda me surpreendo.

– Então você já vai embora criatura?

– Eu poderia dormir aqui! Meus pais não vão se importar – Levantou animado, quase caindo da cama e praticamente correndo para fora do quarto – Nanaaaaa!

– Eu mereço – Resmunguei para mim mesmo, mas a ideia não parecia tão ruim, ainda assim, causava uma certa ansiedade.

No fim do dia estávamos um do lado do outro em um colchão no chão da sala, comendo salgadinhos que compramos no mercadinho da esquina. O ouvindo falar das mais diversas bobagens e dando uma ou outra olhadela para o seu tanquinho, nada demais.

O ventilador ajudava, mas acho que o vento que entrava pela varanda era quem realmente evitava de a gente ficar que nem dois porcos cozidos. Era agradável, como se fosse rotineiro, natural, agradável, ficar perto de Eijirou Kirishima era muito fácil, sem precisar fingir reações ou se preocupar com detalhes.

Eu mal podia acreditar que a velha realmente concordou com isso, embora eu ainda não sei porque me espanto, aquele garoto consegue encantar qualquer um, isso me assusta um pouco. Pensei que seria ruim sua companhia, ou ele só seja diferente dos outros, não consigo decifrar.

Seu cabelo tem cheiro de morango, parece ser bem cuidado, mesmo ele sendo folgado com a maioria das coisas, as negligenciando. Sempre com aquela mania irritante de sorrir a cada mínimo acontecimento, usando a positividade a seu favor em todos os problemas, nunca se deixando abalar.

Mesmo assim estou feliz que ele esteja aqui essa noite, só eu e ele, com programas ruins de perseguição policial e uma comodidade singular.