Capítulo 1 – Salto-Alto
- FALTAM CINCO MINUTOS! VAI, PORRA!
O grito de Henrique Fogaça assustou, como sempre, sua colega ao lado, fazendo-a tremer e xingá-lo em espanhol.
- Puta que pariu, Henrique – disse com sotaque carregado – Avisa, cacete.
- Só tem graça assim.
Com um riso solto, percebeu que Paola não estava mesmo irritada com ele, mas sorria com o canto da boca. Desde a 4ª temporada do MasterChef que a chef argentina evitava ao máximo demonstrar qualquer nível de intimidade com seu colega de trabalho, desde que rumores muito mal interpretados haviam quase afundado seu relacionamento.
Por isso, sempre que precisava falar algo com Henrique ou trocarem olhares e comentários mais tenros esperava que a câmera deixassem de filmá-los. Quando isso aconteceu, deixou-se liberar o cansaço que estava sentindo.
- Mierda.
- Que foi?
- Essa porcaria de sapato está me matando, ainda tem mais de uma hora. Não tô aguentando mais.
- Também usa um salto enorme, porra. Vai, se apoia em mim.
Preocupada que as câmeras pudessem flagrar um simples ato de apoio como aquele – que serviria para tantos comentários no Youtube – ela preferiu dispensar a ajuda, ainda que quisesse muito descansar. Jacquin, ao seu lado, percebeu seu desconforto.
- Pôla, vai sentar. Eu e Henrique vamos passar nas bancas, você passa depois.
- Ah, obrigada, Jacquin.
Até nisso Paola e Henrique haviam modificado. Deixaram de gravar cenas juntos na maior parte das vezes, principalmente para evitar qualquer tipo de falatório. Tanto ele quanto ela tinham respeito pelas pessoas com quem se relacionavam e não era nada agradável sustentar um romance com outros quando existia tanta especulação errada sobre eles.
Assim, Henrique e Jacquin faziam a dupla que inspecionava os cozinheiros. Paola o fazia sozinha, ou quando havia um chefe convidado.
Nas cadeiras reservadas na parte de trás das câmeras da cozinha, ela finalmente pode elevar suas pernas e beber alguma água. Ana Paula, que também passava pelo mesmo martírio, juntou-se a ela enquanto a prova de eliminação acontecia.
- Tá com uma carinha triste hoje, Paola, o que foi?
- Mil cosas. A Francesca está gripada e a deixei com febre com a babá. O Arturito está com a agenda lotada por 4 meses e o La Guapa está sendo expandido para outras franquias. Alexis não vê a filha há mais de dois meses e Jason está viajando de novo – ela suspirou fundo – E ainda esse ritmo de gravações, com esses saltos desconfortáveis, carajo!
Ana Paula a olhou com carinho.
- Vida de uma mulher bem sucedida, cariño. Uma mulher de negócios, empresária de sucesso – quando Paola sorriu com timidez, Ana retribuiu – Disso tudo me parece que Jason é o problema principal.
- Não posso reclamar. Eu mesma sou muy ocupada, encontes no posso exigir isso dele, mas é difícil lidar com tudo sozinha. Sabe?
- Imagino.
- PAOLA, VOCÊ ENTRA AGORA – gritou o diretor do outro lado do estúdio. Ela apenas acenou com um legal, voltando às gravações.
Enquanto a cozinha era limpa e organizada pela produção para a gravação dos julgamentos dos chefes, todos tiveram um descanso de 1h até finalizar as gravações do novo episódio. Paola, como sempre, aproveitou para tirar aqueles saltos, colocar meias e se aconchegar no sofá do seu camarim com uma boa xícara de café, enquanto buscava novas informações sobre a febre de Francesca. No telefone, não percebeu quando bateram na sua porta.
- Paola!
- Oi, Fogaça – disse retirando os óculos – Já vamos gravar?
- Ainda não. Tem aquele seu pão aí? Tô com fome, vou fazer um sanduba para mim e o Jacquin, quer?
- Sanduba... – ela riu do jeito do amigo - ...tem sim, em cima da mesa. Pode levar tudo.
- Que cara é essa? Tá ficando velha mesmo, hein? Não aguenta nem mais 7h de gravação?
Ela o olhou com diversão.
- Se eu estou ficando vieja tu también, sua barba tá toda branca.
Ele riu com graça, mas percebendo que Paola escondia preocupações, olhou por todos os lados e resolveu fechar a porta. Eles haviam tido uma conversa séria depois que uma das fãs do programa os constrangeu publicamente com uma pergunta tão íntima. Nunca tiveram nada, nem mesmo na época do Júlia, mas isso não quer dizer que os rumores não incomodassem. Desde esse dia Paola pediu para que nunca ficassem sozinhos no camarim e evitassem gravar muitas cenas juntos. Por isso que, quando ele fechou a porta, o olhar de pânico dela foi imediato.
- Não grila, argentina. Tem ninguém nos corredores.
- Você sabe que no és por sua causa...
- Eu sei, eu sei. Agora abre espaço para eu sentar aí.
Paola sempre nutriu muito carinho por ele, muito mesmo. Mas os rumores e o assédio do público a forçava a se distanciar. Entretanto, ali, escondidos dos olhos julgadores, permitiu a aproximação.
- Tá doendo o pé ainda?
- Um poco, mas vai ficar bom. Quando chegar em casa vou colocar na água quente.
- Você deveria exigir da produção para usar o que te faz confortável. Se eu e Jacquin podemos, porque você não? Tu não é feminista, porra?
Mesmo com seu jeito bruto, ela sabia que Henrique era um poço de amor e carinho. Suas palavras ásperas contrastavam com a leveza do seu jeito. Buscou seus pés escondidos sob a manta, colocou-os em seu colo e massageou a planta sob os dedos. Sem dizer nada, ela agradeceu fechando os olhos e se deliciando com aquilo.
- O gringo viajou de novo, né?
- Você fala “gringo” como se eu não fosse uma – riu – Esqueceu?
- Você é mais brasileira que eu, Carosella.
Isso a emocionou, fazendo sorrir com timidez. Sentiu que as risadas deram espaço para uma sensação triste e vazia.
- Estou muy cansada, Henrique.
- Tá pesado. Imagino.
- Amo a minha filha, mas me sinto quase como uma mãe solo. E com tudo...
Assim que falou aquelas palavras, ela se sentiu arrependida. Henrique Fogaça tinha três filhos, principalmente Olívia, que requeria atenção absoluta. Do que ela estava reclamando? Da sua filha perfeita e saudável?
- Desculpa. É que você lida tão bem com tudo que eu as vezes me esqueço...
- Quem disse que eu lido com tudo bem? Tem dias que eu mal me aguento. Eu tenho que lutar para não chorar na frente dela.
Ela o achava um cara excepcional. Agradeceu a sinceridade apertando sua mão. Não menos que dois segundos depois uma das técnicas de apoio do programa bateu na porta, fazendo os dois se separarem radicalmente.
Mesmo que não houvesse absolutamente nada entre eles, o respeito que tinham com seus relacionamentos atuais e passados, a forma como o ciúme infundado destruiu tudo pelo caminho, fazia-os controlarem a vontade de serem mais livres um com o outros.
E tudo o que eles não precisavam, eram um “novo” 2017 que quase acabou com sua amizade.
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