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História Entre Sem Bater - Capítulo 04 - Mesmo quando haja conspiração?


Escrita por: andreiakennen

Capítulo 4 - Capítulo 04 - Mesmo quando haja conspiração?


Entre Sem Bater

Por Andréia Kennen

Capítulo 04

Mesmo quando haja conspiração?

  

A claridade do dia transpassava o vidro da janela e da porta de entrada do meu quarto-sala iluminando todo o ambiente e atrapalhando que eu prosseguisse naquele sono gostoso. Despertei devagar, me espreguiçando e esfregando as pernas entre os lençóis na cama como se fosse um gato manhoso. Somente quando recordei a noite anterior que acordei de uma vez, arregalando os olhos à medida que flashes das lembranças atravessavam minha mente.

Saí da cama em um pulo. Só então me dei conta que estava sozinho.

Pela claridade que vinha do lado de fora, era certo que eu havia dormido pra caramba. Olhei o relógio em cima da cômoda e constatei que eram 10h45. Não era tão tarde tendo em vista que eu tinha me deitado quase às quatro da manhã. Na maioria dos sábados eu dormia até meio dia ou uma da tarde. 

Mas aquilo que mais me incomodou foi não ter encontrado o Thiago. Procurei no banheiro, na área de serviço e nada. A mochila não estava ao pé da cama e ao perceber que sua moto também não estava estacionada na varanda deduzi aquilo que já era óbvio: o Thiago havia ido embora sem dizer nada.

Nem sequer um bilhete de despedia?

Na madrugada ele simplesmente apagou no meu colo. Com muita dificuldade consegui convencê-lo de ir para cama e pela meia hora seguinte fiquei admirando o rosto dele enquanto dormia, pensando em um monte de besteiras sentimentais do tipo: “como eu gostaria de vê-lo acordar todos os dias”; “tomar café da manhã acompanhado”, essas coisas.

Suspirei fundo.

Há quanto tempo eu não tinha companhia para o café?

Talvez eu nunca tenha tido uma de verdade. Meus pais sempre foram muito ocupados e tudo que me lembro é deles se revezarem para me acordar cedo, mandar me arrumar, levantar rápido, entregar dinheiro para comprar algo para comer na escola e me deixar na porta do colégio.    

Eu não deveria estar chateado por não ter rolado algo mais com o Thiago. Ele estava exausto, era perceptível em suas olheiras, em seu semblante. Eu também estava e, talvez, se tivesse acontecido, não teria sido bom da forma como deveria, não teria sido especial.

Estávamos começando algo. Era normal irmos devagar. Pelo menos, é no que eu pretendia acreditar: que estávamos tendo algo. Mesmo que o Thiago não tivesse formalizado nada, mesmo que ele tivesse apenas deixado a entender.

Sentei na beirada da cama e alisei o lençol na parte onde ele havia dormido. Eu precisava parar com aqueles picos de depressão. Precisava ser como ele e exalar confiança!

Talvez, se eu acreditasse mais em mim mesmo, as coisas seriam diferentes.

Ouvi o alarme do meu celular tocando, estendi o braço para alcançá-lo na cômoda e depois de desligá-lo percebi que havia inúmeras chamadas perdidas, além da caixa de entrada estar abarrotada de mensagens. Nenhuma era do Thiago, não havíamos tido tempo de trocar nossos números. Então deduzi que só podia ser de uma única pessoa e eu estava completamente certo: todas as mensagens e ligações perdidas eram da Laura.

Ela era fraca para bebida, que deve ter se somado ao remorso, e feito ela me ligar quinhentas vezes na madrugada.

Encontrei até uma mensagem do namorado dela: “Não esquenta com as mensagens anteriores da Laura, ela está bêbada (o namorado)”. Dei risada. Senti meu ânimo revigorado.

Precisava pensar positivo. O Thiago deveria ter ido trabalhar. Certamente ele acordou atrasado, por isso não deu tempo de deixar um recado ou o seu número. Provavelmente ele também ficou com pena de me acordar. Precisava ser paciente. Talvez no fim do dia ele aparecesse. Era nisso que eu queria, precisava e iria acreditar. 

...

Depois de limpar a casa e fazer um lanche com o que tinha no frigobar, resolvi ficar algum tempo no Facebook. Minha primeira visita foi a página dos Inominados MS. Depois de notar que também havia inúmeras mensagens da Laura no meu Face. Ela havia me tagueado em várias fotos que ela tirou no Cabana e compartilhou no perfil com frases: “Faltou você, Baby”.

Cocei a cabeça em um sinal de preocupação, o namorado dela ia começar a desconfiar. Achei melhor não curtir nenhuma daquelas fotos e fui direto para página dos Inominados e notei que o número de confirmados para a primeira passeata não havia aumentado muita coisa. Também notei que algumas pessoas estavam discutindo sobre o tal carro de som que os amigos do Thiago haviam mencionado na noite anterior.

Dei uma olhada nos comentários e foi inevitável não sorrir ao ver que entre as pessoas que discutiam estavam quase todos os amigos do Thiago que conheci na noite passada. Foi apenas curtir o tópico e a Francisca me linkou na discussão perguntando: “Será que esse Caio Henrique é o mesmo do Thiago Cézar?”.

Eu respondi: “Sou eu sim, Fran”.

Pronto, foi o suficiente para que nos minutos seguintes todos eles me adicionassem; até mesmo o Vinícius da Luciana e a Jéssica, namorada da Fran.

A Jéssica era uma moreninha de cabelos crespos e parecia uma simpatia de pessoa. Fiquei conversando com eles durante um bom tempo no chat do Face. Até adicionei o Thiago tanta era a insistência deles.

Foi então que a Jéssica pediu para que eu me juntasse ao grupo deles no Whatsapp, dizendo que lá estava rolando as discussões sobre o dia da primeira passeata. Mas foi eu ser adicionado que logo veio aquela mensagem:

Guilherme Alcântara (Gui): Você adicionou ele mesmo hein, Jess? Corajosa tu, guria! E aí, novinho? Belê?

Jessica Trombonne: ^^ Ele é fofo, Gui. Larga de ser mala, véi.

Luciana Alcântara: Tô saindo. Não consigo ser hipócrita como vocês. Bjs.

Guilherme Alcântara (Gui): Fica aí, maninha. O garoto nem nos cumprimentou ainda.

Luciana Alcântara saiu do grupo.

Guilherme Alcântara (Gui): Puta merda, ela me ignorou total.

Francisca Xaves: Jess, você não fez isso, cara!

Jessica Trombonne: O que tem, Fran? Larga de neura. Relax, amor. <3

Vinny Gomes: Cara, o Thi vai ficar fulo depois.

Guilherme Alcântara (Gui): Foda-se ele e você, Vinícius.

Amanda Borges: Gente, vocês perderam totalmente o assunto.

Vinny Gomes: Você quem gosta que vai tomar lá, Guilherme!

Guilherme Alcântara (Gui): Melhor assunto que essas merdas de passeata é o ‘atual’ do nosso líder gostosão, você não concorda, Amandinha? Vinny, chupa meu pau, vai?

Amanda Borges: Fale por você, Gui. Sou muito mais o meu Cláudio.

Vinny Gomes: Tenho namorada, ô seu loiro, vadio! E não é porque ela é gêmea com você que vou mudar de lado não, falou?

Francisca Xaves: Jess, olha o que você fez!

Jessica Trombonne: Pessoal. Se comportem, porra! (u.u)

Guilherme Alcântara (Gui): Será que o novo gatinho é tímido assim? Olha que desse jeito você amarra ele, hein, novinho? Não vai falar nada não?

Eu não estava acreditando naquilo. Eu, Caio Henrique, estava no mesmo bate-papo que o Guilherme? O loiro deslumbrante que era possivelmente o ex-namorado do Thiago?

As tecnologias eram mesmo algo incrível.

Bastou aquele rápido bate-papo para descobrir que o Guilherme e a Luciana eram irmãos gêmeos. Não sei dizer ainda o que houve entre o Thiago e o irmão dela, mas seja lá o que foi, esse algo era o motivo por ela continuar sustentando sua antipatia por mim. E pelo tom “irônico” que o Guilherme também estava usando, era óbvio que ele não queria ser meu amigo.

Diferente da Fran, por exemplo, que já havia me chamado em um bate-papo particular e pedido para que eu saísse daquele chat que a coisa só ficaria pior. Eu estava mesmo querendo sair, mas não queria sair sem dizer algo. Sem afrontar o Guilherme. Não queria ser visto como o medroso perante ele. Afinal, eu não tinha do que ter medo, eu não havia feito nada de errado.

Respondi para Fran que iria sair e voltei no papo do grupo. O Vinny e o Guilherme continuavam discutindo e a Amanda tentava apaziguar a situação. Digitei rápido a mensagem, li e reli algumas vezes, ponderando se enviava ou não. Suspirei fundo e tomei a decisão.

No instante seguinte a minha mensagem destacou-se entre as demais.

Caio Henrique: Não sei o que tá pegando entre vocês. Nem o porquê de estarem tomando conclusões precipitadas. Muitos menos o motivo da hostilidade do Guilherme e da Luciana, mas sou apenas um colega de sala do Thiago para quem ele ofereceu carona e uma cerveja no bar na noite de ontem. Mas não quero ser motivo de desavenças entre amigos. Estou saindo. Valeu.

Caio Henrique saiu do grupo.

Meu coração estava disparado e meus dedos trêmulos.

Pipocou mensagens individuais no Whatts em seguida: da Fran, da Jess, do Vinny, até da Amanda que me enviou a melhor mensagem: “Mandou bem, gatinho. O Gui se acha demais. Ele deve estar se mordendo de raiva nesse exato momento. A-do-ro! Kkkkkkk”.

Eu dei uma risada aliviada, tentando imaginar a cara vermelha daquele loiro enquanto xingava até minha quinta geração. 

Depois que tudo se acalmou eu continuei conversando com a Fran, que me pediu mil desculpas pelo que a Jéssica tinha feito. Eu tentei convencê-la de que a Jess não havia feito por mal e que ela parecia uma boa garota. Mas a Fran me alegou que conhecia muito bem a namorada que tinha e que por isso tinha fortes razões para acreditar que a Jéssica havia me convidado para o grupo só para ver mesmo o circo pegar fogo.

Fazer o quê? Se ela dizia. Concordei. Mas continuei afirmando que não tinha sido problema algum e não tinha visto má intenção na atitude dela. A Fran só respondeu que eu era “meigo” demais. Bem. Ignorei essa parte.

Depois disso, a Fran quis saber melhor sobre aquela minha mensagem. Eu respondi que era exatamente o que significava: que o Thiago e eu não tínhamos oficializado nada ainda e que todos eles haviam chegado a uma conclusão precipitada.

Não sei bem explicar, mas a Fran é do tipo de pessoa que a gente sente confiança imediata, então me abri com ela sem receios e só quando terminei eu descobri que estava precisando desabafar, já que a Laurinha havia sido roubada de mim.

Foi então que a Fran respondeu que simplesmente se “apaixonou” (foi exatamente o termo usado por ela) pela minha história. De acordo com ela, o que estava acontecendo entre o Thiago e eu era algo de muito mais valor do que havia acontecido entre o Thiago e o Gui.

Mas foi a Fran tocar naquele assunto e afirmar que houve um relacionamento entre eles que lembrei que ainda não sabia nada sobre aquela história. Porém, bastou eu pedir que ela me contasse e a campainha tocou.

— Merda! — praguejei realmente irritado.

Fiquei parado por alguns segundos pensando no que fazer, até o som insistente da campainha tirar completamente minha concentração. Tentei gritar que estava indo e só então percebi que minha garganta estava seca, pigarreei e consegui avisar.  

— Estou indo!

O som da campainha parou e rapidamente digitei uma mensagem para Fran avisando que depois conversávamos porque tinha acabado de chegar visitas.

Fiquei de pé, passei pelo espelho e tentei desamarrotar no corpo mesmo a camisa que se encheu de vincos por eu ter deitado, passei a mão nos cabelos e dei uma alinhada. É, estava apresentável. Meu coração havia se animado por pensar que a visita fosse o Thiago.

Detive-me diante da porta e suspirei fundo, não podia demonstrar euforia, tinha que parecer natural. Soltei os ombros, relaxei, então abri a porta. Mas foi olhar as coxas roliças depiladas bem amostra no mine-short jeans que meu ânimo se desfez. A Laura estava de chinelos, uma camisa regata branca, com estampa de um arco-íris no centro, e por baixo dela um top vermelho, chapéu de palha para amparar o solzão que ainda fazia naquele meio de inverno, óculos escuros e nas mãos uma garrafa térmica e cuia de Tereré (1)[1].

— Oi, Baby. E aí? A fim de um Téres’?

Sorri surpreso, retirei a chave da porta e fui abrir o portão para ela. A Laurinha me recepcionou com dois beijos, um em cada lado do rosto, e começou pedindo um milhão de desculpas pela noite anterior.

— Baby, stop, ok? — eu pedi, sentindo uma leve dor de cabeça. — Não tem do que se desculpar. Eu é que não quis ir, você lembra? Agora vamos encerrar esse assunto. Vou pegar um carpete pra gente sentar aqui na varanda.

— Mas você não sabe o quanto me senti mal, honey...

— Eu sei, sim — falei de dentro de casa. — Você me mandou um milhão de mensagens! Lembra, sua bêbada chata?

Ela gargalhou e eu voltei para varanda, depois de forrar o chão com o carpete de lã do corredor, nos sentamos nele e ela passou a servir o Tereré. Mas foi a Laura colocar a garrafa no chão, do lado dela, na primeira servida, que ela notou as marcas de pneus de moto no piso branco da varanda.

— O que é isso? Você veio de moto-taxi ontem?

Ainda bem que ela mesma deu a resposta, ou eu não saberia o que inventar.

— Pois é, né. Não ‘tava a fim de pegar ônibus lotado.

— E por que ele entrou aqui na sua varanda? Era gatinho?

— Não, sua boba — exclamei, revirando os olhos, depois de devolver a cuia para ela. — Ele só quis usar o banheiro — inventei a primeira desculpa que veio na mente e ela pareceu ter aceitado numa boa, pois em seguida serviu a bebida para ela e depois de tomar em um único gole, passou a falar sem parar da noite horrível que teve.  

Não me sentia bem em mentir para Laura, mas como eu não tinha certeza do que estava rolando entre o Thiago e eu achei prudente manter a visita dele em segredo. Afinal, conhecendo a Laurinha como conhecia, ela faria um escândalo se soubesse que ele dormiu comigo e seria difícil de convencê-la de que ainda não havia rolado nada.

— Achei que você tivesse adorado a Cabana — comentei assim que ela pausou, passando a cuia para mim.

— O lugar é muito bacana. Mas, pensa comigo, eles servem umas bebidas muito exóticas, Caio. Quando dei por mim havia bebido tudo que não devia. E você sabe como sou quando fico bêbada, né? Briguei com o Maurício porque aceitei o convite de um cara para dançar quando estava voltando do banheiro. E virou aquele pampeiro, quase terminamos. Ele só me perdoou porque eu estava bêbada.

— E a Dafne?

— Aquela maldita é forte pra burro! Ela nem ficou tonta com as bebidas, acredita? O namorado e ela só ficaram assistindo e rindo dos meus bafões. As minhas custas, né? Estou tão envergonhada. Não deixei de pensar que era castigo por tê-lo deixado de fora.

— Como assim, Laurinha? Não me diga que você está achando que joguei praga em você?

Ela deu uma risada alta novamente. 

— Não. Até porque você não é “o bicha má” (2)[2] da novela, né? — Ela me serviu mais uma cuia do Tereré e mudou de assunto. — Você vai para academia hoje?

— Com certeza. Tô virando um bucho, Laurinha. Preciso dar um jeito nesse maldito pneu e esses dois estepes na minha barriga.

Ela riu alto mais uma vez.

— Seu exagerado! Quem ouve, pensa que é tudo isso. Vamos sair hoje depois que você voltar da malhação?

— Ir aonde? Eu estou duro.

— Eu ainda tenho limite no meu cartão. Quero me redimir com você por ontem. Que tal o Bar Prima lá no início da Brilhante?

— O Prima? Aquele lugar parece tão fuleiro, Laurinha...

Era uma desculpa deslavada, eu havia passado em frente do Prima e ele não parecia nada ruim. Além disso, eu tinha ido a um lugar aparentemente dez vezes pior que esse bar: o Copo Sujo. O problema não era o lugar, era que eu não queria sair e correr o risco de me desencontrar com o Thiago.

— Você é quem pensa, Baby — ela contrapôs rapidamente. — Eu fui lá várias vezes com o Maurício e é um lugar bacana. E melhor ainda, sempre tem rapazes do seu tipo.

— Do meu tipo? Ou do tipo que só querem comer e jogar fora? — continuei contra-argumentando.  

— Certo! Se é o lugar que está te incomodando, então vamos na Cachaçaria!

— Mas lá é o olho da cara!

— Para de arrumar desculpas, Caio Henrique! Eu vou pagar, não vou? E nós dois não bebemos tanto assim, não será prejuízo algum.  

Eu parei, encarando o olhar vivido da Laura.

— E o Maurício?

— Ele está de plantão hoje. E você sabe que ele não sente ciúmes de você.

— Sei. O problema não sou eu, né, Laurinha? Mas não posso falar pelos outros que vão querer te cantar.

— Que nada, se me virem acompanhada de um gato como você, vão saber que estou bem na fita. — Ela piscou um dos olhos e jogou um dos seus braços por cima do meu ombro. — E aí? Para de se fazer de difícil, Caio! A gente não vai ficar lá a noite inteira, só beber um pouco, jogar conversa fora, comer petiscos, ver gente bonita. Juro que antes do badalar da meia-noite, te deixo em casa, Cinderelo.

Foi a minha vez de sorrir. Eu ainda não queria aceitar por receio de o Thiago aparecer e ficar chateado por não me encontrar em casa.

Apanhei o celular e notei que ele ainda não havia aceitado meu pedido de amizade no Face; havia ido embora sem se despedir, sem deixar recado e não havia rolado nada entre a gente na madrugada passada. Talvez eu estivesse esperando demais.  

— Já entendi... — a Laura falou de repente, espichando os olhos para o celular em minhas mãos. — Você marcou outro encontro virtual, não foi?

— Não, Laurinha, é que... — Eu abaixei a cabeça. — Nem chegamos a marcar nada ainda.

— Eu sabia! — ela retirou o braço de cima dos meus ombros. — Faz o seguinte, deixa uma mensagem no Face avisando que você estará no Cachaçaria. Se ele tiver a fim, ele aparece lá. E se ele aparecer, vou fazer esse encontro dar certo. Escreve.

Não deixava de ser uma estratégia. Acabei aceitando. Não conseguia fugir da determinação e da animação da Laura. Continuamos conversando até o findar da tarde. Ela me flagrou acessando o Whatss algumas vezes depois das suas voltas do banheiro e curiosa quis saber com quem eu tanto conversava. Respondi para ela que era um grupo no qual eu havia entrado da página da Inominados MS. Aproveitei para saber se ela havia confirmado a presença na passeata de quinta e ela quase me estrangulou, perguntando se eu estava maluco e se eu tinha esquecido que a próxima semana era a semana de provas.

Pois é. Eu estava mesmo maluco, porque tinha esquecido completamente e até tinha confirmado minha presença. Será que o Thiago tinha se esquecido desse detalhe também? Ou ele iria depois da prova?

— Se tiver alguma passeata no sábado, estarei lá com certeza — a Laura afirmou, esperando eu colocar minha roupa de academia para me dar uma carona.

No status do Facebook coloquei a mensagem com a hashtague “#partiuacademia, depois de um Terés delicioso com a Laura Moreira” e saí de casa, torcendo para que o Thiago não aparecesse ali naquele ínterim.

...

Ou eu estava com problemas respiratórios ou eu tinha me esforçado mais do que meu habitual na malhação, pois depois de uma hora e meia nos aparelhos e meia hora de esteira, eu me sentia um morto-vivo.

— Vamos, Caio! Vamos! — O personal Luís batia palmas às minhas costas. — Força, garotão. Mais vinte minutos, vamos. Você precisa firmar mais esses glúteos.

Eu revirei os olhos e olhei de soslaio para o Luís que havia parado ao meu lado, era a primeira vez que ele fazia comentários sobre a minha bunda.

— Tá tão ruim assim?

Depois de ele arregalar os olhos com a minha pergunta, ele deu um passo pra trás e analisou a situação, enquanto meu rosto ganhava uma cor tomate, percebi pelos espelhos que revestiam as paredes do lugar, além de ter notado alguns pares de olhares tão curiosos quanto ao do professor no meu traseiro.  

— Você me dá licença?

Eu fiz que sim com a cabeça, não sabia o que eu havia permitido, mas não acreditei quando o Luís fez aquilo: apertou a minha nádega direita, como se desse um beliscão.

— É. Não está ruim, mas pode ficar melhor — ele constatou, reprogramando a esteira. — Bora, garotão. Mais quinze minutos. Você aguenta.

Depois disso, ele voltou a bater palmas, andando entre os outros alunos, dando instruções aleatórias, como se o que ele tivesse feito fosse super natural.

Quinze minutos cravados. Nem a mais e nem a menos. E dei por encerrada minhas atividades do dia na academia. Já era quase oito horas e a Laura ia passar pra me pegar as nove.

A academia ficava há cinco quadras de casa, por isso fui andando mesmo, mais um pouco de exercício. Mas não havia caminhado nem uma quadra quando um buzinar me chamou atenção para o Corsa Classic prata que diminuía a velocidade e parava no acostamento. Eu andei até o veículo, achei que fosse alguém querendo informação, mas assim que o vidro baixou e eu vi de quem se tratava, me arrependi por ter parado.

— Quer uma carona? — perguntou o senhor, se encurvando no banco de passageiro.  

Se não me engano ele era mestiço de paraguaio, e tinha um nome estranho, Duílio. Não sei direito e não me importava. A única coisa que sabia é que ele era bem estranho, um senhor com cara de pervertido, talvez, chegando aos cinquenta anos, e que mais puxava conversa dentro da academia do que fazia exercícios.

Algo me dizia que aquela abordagem se dava devido ao apertão do professor Luís na minha bunda. Certamente o gesto do professor despertou o interesse daqueles que até então não tinha certeza se eu era ou não homossexual.

Mas eu nunca entendi porque todo velho pervertido acha que basta saber que outro cara é gay para ter o direito de abordá-lo com segundas intenções.

— Não precisa se incomodar. Estou perto de casa.

— Você mora sozinho?

— Não, senhor. Moro com uma amiga.

Incluí o “senhor” na oração pra ver se ele se tocava do meu tom de “não estou interessado em você, tio”. Mas não teve jeito, ele não captou a mensagem.

— A loirinha gostosinha que te trouxe de carro, né?

— É — fui seco. “Loirinha gostosinha”? Que cara repugnante! — Então, se me der licença. Até mais!

— Tem compromisso essa noite? — ele insistiu.

— Tenho — sai da janela dele e continuei caminhando, ele funcionou o carro, e foi me seguindo.

— Será que pode me dar seu telefone? — perguntou, dirigindo com uma mão e ainda debruçado sobre o banco do passageiro.

Eu queria que tivesse um carro estacionado naquele percurso.

— Por favor?

Eu nunca soube me sair bem de assédios e quando dei por mim estava dizendo meu número, ao invés de outro número qualquer. De qualquer forma, ele parou de me seguir e eu consegui continuar o meu caminho sozinho, mas ainda no percurso recebi uma mensagem dele.

“Meu número, querido. Para você deixar salvo em sua agenda e me ligar quando sentir vontade. Duí.”.

Tive que dar uma alta gargalhada. Querido? Duí? Aquilo foi o ápice da breguice. Mas foi bom ele ter mandado a mensagem porque pude salvar o número dele como “nunca atender”.

Cheguei em casa e antes de tomar banho perdi uns vinte minutos no Face. Vários colegas haviam curtido meu status sobre a saída para academia. A Fran foi ainda mais fofa e deixou um simpático: “Ficando mais gato do que já é. É isso aí.”. E a Laura, que é nada invasiva, respondeu ela como se já fossem amigas: “Gato ele já é, Francisca. Agora ele está ficando é gostoso mesmo”. A Fran só havia curtido a resposta dela.

Mas aquilo que eu mais queria saber continuava pendente: o Thiago ainda não havia aceitado meu pedido de amizade. Por isso, não senti nenhum remorso em tomar um banho bem demorado e me produzir para sair com a Laura. Causei até estranhamento nela quando ela veio me pegar as nove em ponto.

— Uau! Essa produção toda é só pra sair comigo?

— Vai que eu encontre o gato da minha vida lá, Baby.

E olha que nem estava me achando tão produzido assim: calça preta resinada, uma blusa gola V na cor caqui e por cima um blazer cinza bem escuro. A Laura estava com um short verde de tecido mole, uma regatinha branca básica por baixo, um colar enorme no pescoço, meia calça cinza, um blazer verde escuro e botas pretas de cano curto a e salto finíssimo.

— Você também está um arraso — observei.

A Laura gargalhou e entramos no carro. No status do Facebook coloquei: “Rumo a Água Doce Cachaçaria com Laura Moreira”.

...

É tão diferente estar em um ambiente requintado. Conseguimos um lugar na varanda e para iniciarmos bem a noite pedimos os coquetéis especiais para o inverno, sugestão do garçom. Eu fiquei com o Califórnia, batida com leite e uísque e outros ingredientes especiais, enquanto a Laura se arriscou em um de chocolate: Chocolamour. Drinques simplesmente maravilhosos. Mas por dentro eu estava chorando, já que as horas de academias iriam por água a baixo no primeiro gole daquela delícia.

Nos divertimos muito, rimos, brincamos e estava esquecendo do Thiago e de tudo que havia acontecido na madrugada anterior quando vi os olhos da Laura se arregalarem para algo, ou melhor, alguém, que vinha vindo nas minhas costas.

— Não olha, porque ele está vindo nessa direção — ela cochichou, tirando o canudo da boca, e me alertando, ao notar minha curiosidade. — É lindo de viver. Parece um príncipe nórdico. Está vindo pra cá. Acho que está procurando uma mesa, repara na hora que ele passar pela gente.

Mas meu coração gelou quando senti aquele perfume adocicado invadir minhas narinas e uma mão firme apertar meu ombro.

— Vejam só quem eu reencontrei. E aí, novinho?

Eu arregalei os olhos e ao erguer a cabeça, notei de quem se tratava.

— Gui- Gui? Digo, Guilherme?

— Para com isso, para os íntimos é “Gui”. — Ele piscou um dos olhos e bateu a mão nas minhas costas e foi para o lado da Laura, que parecia duplamente abobada. — E aí, gata? Guilherme, prazer.

— O prazer é meu, Guilherme. Laura. — Os dois se cumprimentaram com beijos no rosto.   

— Pode me chamar só de Gui.

— Pode me chamar de “Laurinha”.

Eles riram.

— Posso me sentar com vocês? Não achei lugar vazio.

Eu ia dizer que ‘não’, mas a Laura me cortou e foi autorizando sem pensar. Rapidamente o Guilherme se acomodou ao meu lado depois de pedir a cadeira desocupada de uma mesa vizinha. Colocou a carteira, a chave do carro e o celular sobre a mesa, e sem olhar o cardápio, pediu para o garçom uma batida de Kiwi com saquê.

Como se fossemos conhecidos de época, ou realmente íntimos, como ele alegara para Laura, jogou o braço por cima dos meus ombros e como se percebesse a inquisição no me meu olhar, ele me deu uma explicação.

— Te achei graças ao seu status no Facebook.

“Merda de vacilo!”

— Mas...

Eu ia responder que não o havia adicionado, quando ele mesmo se antecipou na resposta.

— Eu olhei pelo Facebook do Vinny. Ele acessa dos computadores lá de casa e acaba deixando a senha salva. Aliás, quando vai aceitar meu convite? Me adiciona também, Laura.

— Posso mesmo? De verdade?

— Sim, claro.

— Agora mesmo, então. Como está seu nome lá?

A Laura continuava agindo bobamente. Como se ele fosse um tipo de celebridade, como se fosse uma honra ter um cara como aquele como amigo.

— Guilherme Alcântara — ele falou, tirando o braço em volta do meu ombro para poder pegar o celular. — Já te aceito.

Eu não me movi. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Eu não entendia o que o Guilherme queria. Seria uma coincidência ele estar ali? Será que ele havia marcado com alguém? Será que ele realmente havia me perseguido? Ou será que ele estava esperando encontrar o Thiago comigo?

O garçom deixou a bebida dele na mesa, enquanto a Laura e ele se adicionavam no Facebook. Eu precisava arrumar um jeito de avisar a Laura, mas não fazia ideia de como.

— Vocês estão tomando sorvete no frio? — ele brincou, ao elevar a bebida dele na boca.

Laura riu com a tirada irônica a qual ela certamente recebeu como uma brincadeira inocente.  

— É uma delícia, Gui. Quer experimentar? — a inocente da Laura continuava se iludindo com ele.

— Não, Laurinha. Isso aí é perigoso, deve dar diabetes no primeiro gole.

Novamente a Laura riu, então ele olhou para mim.

— Tão sério.

— É, Caio. Você não é assim. Até parece que está com vergonha? Fique a vontade. Sabe que comigo não tem crise, né?

— Ela é legal, né, novinho?

— Como vocês se conheceram?  — a Laura quis saber.

Ele estava para responder, quando eu interrompi.  

— Laura?

— Temos amigos em comum — ele me olhou e piscou um dos seus lindos olhos azuis, depois tocou na minha perna por debaixo na mesa. Eu fiquei ainda mais tenso.

— Vamos tirar uma foto? — a Laura sugeriu, chamando o garçom que passava pelas mesas. — Moço, por favor. Bate a foto pra gente.  

— Laura, não.

Ela me ignorou e foi se posicionando do meu lado.

— Opa! Bate do meu celular também — o Gui empurrou o dele para o Garçom, e aproveitou para empurrar o meu também. — No dele também.

O garçom bateu as fotos, que iriam para o Facebook mais tarde.

A Laura e o Guilherme se deram muito bem, continuaram bebendo, conversando sobre moda, televisão, até petiscos eles pediram. Eu não conseguia beber e nem comer mais nada. Estava tenso. Tudo que o Guilherme fazia dava a entender para Laura que ele era o cara que eu estava esperando. E que eu estava quieto por timidez.

Horas mais tarde, quando a Laura estava meio alta, ela fez aquele pedido idiota, para tirar uma foto nossa. Desta vez, só de nós dois.  

— Não — eu respondi categórico.  

— Desculpe, Caio. Mas ele é muito lindo. Se deixar um gato desses escapar, vou furar seus dois olhos.

O Guilherme riu, achando divertido.

— Laurinha, querida, você é uma comédia.

— Sou nada, estou falando muito sério, Gui. Vamos, Caio. Deixa eu tirar uma foto dos dois juntos?

— Não, Laura. Você está bêbada. Para.

— Tô nada. Xiu, Caio.

— Isso, novinho. Fica xiu. Tire quantas quiser, meu bem. Mas tire do meu também — ele jogou os braços por cima do meu ombro e pediu para mim. — Sorria.

Lógico que eu não consegui sorrir.

E foi quando a Laura pediu mais uma que o Guilherme fez aquilo, pegou meu queixo, puxou meu rosto e me deu um selinho. Foi tudo muito rápido. A foto foi batida e eu o empurrei em seguida.

— Merda, Gui! Que merda você está fazendo?

Ele riu e saiu da cadeira, pegando o celular da mão da Laura.

— Tô indo ao banheiro. Já volto!

— Laura, apaga essa foto agora.  

— Como? Eu tirei só no celular dele.

Eu elevei as duas mãos à cabeça. Ele iria postar aquela foto no Face e provavelmente o Thiago tinha ele adicionado e veria a foto.

— Por quê?

Eu não respondi.

— Caio, olha pra mim — a Laura exigiu. — Para de fazer cú doce, cara! Um gato como esse você não acha em qualquer esquina, meu bem. Ele tá a fim, tá na cara. Mas se continuar se fazendo de difícil, ele vai vazar! Não estou te entendendo. Você queria tanto um namorado e quando ele cai do céu direto no seu colo você o trata de forma tão fria?

— Não adianta tentar te explicar, Laura. Você está bêbada, não vai entender.

— E- e- eu...  Preciso ir ao banheiro — ela falou e saiu rapidamente, apertando as pernas uma na outra.

O Guilherme voltou e colocou o comprovante do pagamento da comanda na nossa mesa.

— Fechei. Se vocês forem continuar por aí, vão precisar pegar outra comanda — ele avisou, o semblante sério. Diferente do todo sorridente de quando a Laura estava presente.  

— Não precisava — rebati depressa. — A Laura e eu podemos pagar a nossa parte.

— Eu não vou lá pedir o dinheiro de volto. Vai ser incômodo demais. Aliás, estou indo nessa. Esse lugar é uma droga. E, outra coisa... — ele apoiou as mãos espalmadas na mesa e se aproximou do meu rosto. — Você me deixou muito excitado e com muita vontade de jogar ao deixar aquela mensagem cheia de moral antes de sair do bate-papo hoje à tarde. Veja essa noite como uma revanche. A gente se vê por aí... novinho — ele passou a língua no meu rosto e eu o empurrei novamente, limpando aonde ele havia lambido. — Ou não.

No caminho ele encontrou a Laura e se despediu dela com beijos no rosto e com aquele teatro no qual ele forçava uma simpatia que não existia.

Mas eu estava preocupado com aquela foto. Entrei no Facebook e aceitei a solicitação dele de amizade, só para ver o que ele havia postado. Nossa foto estava lá na linha do tempo e na legenda: “Quando não tem gato, a gente casa com rato. Desembolsando uma grana pra ter um desses ‘boys-magia’ nessa noite fria”. Embaixo os comentários se dividiam: “Você não tem vergonha de pagar um garoto de programa, Gui?”. “Cara, ele é gatinho, me manda o número depois”. “Que horror, Guilheme Alcântara! Você é bonito, não precisa se rebaixar a tanto. Ainda posta no Face!”.   

Quando ergui os olhos para Laura, que havia parado ao meu lado, não foi preciso dizer nada, as lágrimas que inundavam meu rosto e a minha mão cobrindo a boca haviam dito o suficiente para ela entender perfeitamente que o Guilherme havia sido um canalha.

Ela praticamente arrancou o celular da minha mão e quando viu a postagem, seus olhos também se avermelharam.  

— Vamos embora daqui, Caio. Agora.

Continua...

Notas:

[1] Tereré é uma bebida feita com a infusão da erva-mate, de origem guaraní. É consumida com água gelada, limão, hortelã, entre outros condimentos. A grafia vem do guaraní, “tereré” e “Terés” é a gíria usada carinhosamente para se referir ao tereré.  Essa é uma bebida típica da região do Mato Grosso do Sul, principalmente na Capital, Campo Grande.  

[2] Referência ao personagem de sucesso “Félix Khoury”, vivido por Mateus Solano, na telenovela exibida pela Rede Globo “Amor à Vida” entre maio de 2013 e janeiro de 2014, do autor Walcyr Carrasco. “Felix Bicha Má” se tornou o nome de uma página no Facebook aberta para homenagear o personagem e a qual reproduzia memes com as falas do personagem, que era na verdade o vilão da história, mas acabou se tornando muito amado por suas tiradas sarcásticas e inteligentes. Vale também ressaltar que “Amor à Vida” causou grande polêmica e se tornou um marco por ter exibido o primeiro beijo gay em uma telenovela de horário nobre. Além de ter o primeiro shipp gay de sucesso das telenovelas brasileira, o “Felico”, nome do shipp dado pelos fãs do casal Felix e Nico.  



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