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História Era uma vez no Oeste! - Chamas


Escrita por: Miima

Notas do Autor


Primeiramente, desculpem-me pelo atraso!
O bloqueio anda me perseguindo...
Agradecimento especial para a @ScarletTrap que me deu ideias para o capítulo e que me ouviu surtar quando eu não sabia mais o que escrever, obrigada querida <3
Eu espero muito que vocês gostem, me empenhei para escrevê-lo e tentar passar as emoções desse povo aí!
Obrigada a todos os comentários que sempre me incentivam a continuar, vocês são demais <3

Capítulo 18 - Chamas


Fanfic / Fanfiction Era uma vez no Oeste! - Chamas

Capítulo 18:

 

Chamas

 

Eu continuava completamente aturdido alternando o olhar do Aoi para o Miyavi. Aquela cena me dava calafrios. Sentia-me completamente impotente e nem ao menos conseguia me expressar com palavras. Meu rosto e meu estômago ainda me faziam arquejar de dor, mas não era a prioridade do momento.

Pelo caminho com o qual as coisas andavam era bem provável que nenhum de nós saísse vivo daquela porcaria toda. Aqueles homens não parariam até que o pior acontecesse.

Eu só não esperava que outra pessoa também desse as caras por ali. Não era nenhum pouco improvável, mas sinceramente eu não esperava que ele fosse se intrometer naquela falta de juízo sem fim.

Estava com os trajes rasgados e sujos. Claro, aquele caminho cheio de poeira e terra havia contribuído para aquele estado imundo.

Os olhos de Miyavi se abriram minimamente e contemplaram a visão de um Kai descabelado e de sorriso amargo. Os olhos úmidos deixavam claro que havia chorado há pouco. Percebi o quanto ele estava abalado com a presença do outro moreno. Ele havia dito que Kai sempre seria o seu grande amor. Mais do que uma vingança de família, aquilo era também uma história trágica de romance. Se eles se amavam, porque simplesmente não esquecer tudo e ficarem juntos para sempre? Ah, claro Takashima, você se esqueceu de que um deles é um bandido filho da puta!

Sabia bem as causas que o levavam a querer se vingar. Era como a Daisy havia dito: Kai também tinha motivos de sobra para matar aquele miserável. Até mesmo eu já desenvolvia ganas de querer acabar com a raça daquele infeliz.

- Perdeu o juízo, Kai? - Aoi praticamente gritou e sua voz parecia alcançar cada pedacinho daquele celeiro de merda, literalmente de merda. - O que acha que está fazendo?

- Eu já disse. - Franziu o cenho e crispou os lábios. Parecia estar sob o efeito do álcool o que só piorava a situação. Eu bem sabia que os bêbados desenvolviam o cúmulo da teimosia. Não que eu fosse um bêbado...  - Sou eu quem vai matar esse desgraçado! – Voltou a afirmar.

Ele parecia estar mesmo certo de que acabaria com a vida do Miyavi. Só esperava que ele não fizesse a loucura de atirar no caipira para fazê-lo desistir.

- Você está bêbado! - Aoi bradou cheio de raiva e acabou por constatar o óbvio. - Mal se aguenta em pé! – Oh, sim, ele estava trançando as pernas.

- Talvez eu deva me sentar e assistir enquanto vocês discutem para decidir quem será o meu algoz. – Miyavi ironizou e voltou a brincar com o isqueiro aceso.

Aquela imagem passava lentamente por meus olhos. O medo de que ele jogasse o objeto de prata em meio a toda aquela palha e álcool, tornava-se maior a cada segundo.

- Continue debochando, desgraçado! – Kai praticamente soluçou. Ele nem ao menos conseguia falar sem tropeçar nas palavras. Alguém leva esse homem embora daqui?

Eu queria poder me levantar e correr para longe daquela estupidez toda, mas simplesmente me encontrava em um estado deveras deplorável no momento. Depois de ser amarrado e de levar uns sopapos não seria nada fácil sair correndo. Não seria nada fácil fazer absolutamente nada a não ser torcer para que tudo acabasse bem na medida do possível.

Será que aquele bêbado do Kai não poderia fazer o favor de desamarrar as minhas mãos? As pessoas tinham a tendência de complicar tudo em volta.

- Kai! – Aoi bradou, assustando até mesmo a mim que estava um pouco mais longe. – Suma daqui! – Era claramente uma ordem e se o infeliz não estivesse chapado teria entendido e sumido mesmo para bem longe.

- Esse vadio veio dar trabalho... – Miyavi resmungou, fazendo careta em descaso. Eu bem sabia que ele só dizia aquelas coisas na tentativa falha de esconder o quanto a presença do moreninho o tirava dos eixos. Céus, a pessoa que vier arrancar o vadio, digo o Kai daqui, faça o favor de levar também aquele isqueiro maldito! Que agonia!

- Vadio? – Ele repetiu o xingamento -ou talvez fosse apenas um apelido- mas nem de longe ele parecia contente com ele.

O barulho estrondoso de um tiro me fez encolher, fechar os olhos e rezar para não borrar as calças. Mas que merda! Eu poderia chorar feito uma menininha caso aquele maluco resolvesse atirar de novo. Nunca senti tanto medo em toda a minha vida.

Abri os olhos, temendo encontrar um buraco de bala no meu amado caipira e respirando fundo ao constatar que ele havia atirado na parede, bem próximo da cabeça daquele desgraçado. Aquele celeiro velho não aguentaria mais tiros iguais aquele. Talvez eu não morresse com um tiro e nem queimado, soterrado parecia ser o mais provável no momento.

Meu coração martelava de forma dolorosa em meu peito e minha aflição aumentava a cada segundo.

- Controle o seu amiguinho... – Miyavi murmurou com o tom ácido e eu já estava prevendo a hora em que o caipira voaria de murros para cima dele. – Ele vai acabar nos matando!

Para aquele demente parecia certo ficar zombando de tudo. Ele era claramente desequilibrado. Se saísse vivo ele não iria para a cadeia e sim para o manicômio mais próximo.

- Pode me explicar o que raios está fazendo aqui? – Aoi ignorou a provocação estúpida do irmão e, sem tirar a arma das fuças do desgraçado, voltou-se para o homem sujo e descabelado.

- Sabe muito bem que possuo motivos suficientes para querer acabar com a raça desse infeliz! – Kai falou entre dentes. A amargura que ele sentia era quase tangível. – Mesmo que... Eu ainda o ame...

Preciso dizer que estava sofrendo junto com ele. Ele era um homem destruído e a culpa era toda daquele filho da mãe. Não imaginava a dor que ele sentia ao estar finalmente cara a cara com o homem que nunca havia deixado de amar. Não conseguia imaginar como seria estar prestes a matar a pessoa amada, mas mesmo assim, sentia uma estranha apatia por ele.

Miyavi pareceu titubear por um momento. A boca se abria com constância, mas nenhum som podia ser ouvido. Acredito que nem mesmo ele sabia como se expressar depois de ouvir aquilo.

Aoi estava em meio ao fogo cruzado. Ele mais parecia um estranho tentando aplacar o duelo final daqueles dois homens. De um lado o irmão e do outro o amigo.

- Não importa o quanto você deseja matar esse maldito! – Aoi rompeu o silêncio. – Apenas faça o que eu mandei!

Kai balançou a cabeça freneticamente de um lado para o outro. Percebi que havia lágrimas que brotavam dos olhos pequenos e escorriam face abaixo.

- Não vou sair daqui enquanto eu não matar este homem! – A voz embargada pelo choro me deu ímpetos de correr até lá e abraçá-lo. Pobre homem fragilizado. – Eu... Eu não tenho nada a perder, Aoi. – Falou em tom baixo, tudo mais parecia um sussurro, como se estivesse contando um segredo. – Eu não ligo se eu morrer ou se acabar indo parar no xadrez. – Continuou falando ou fungando, não sabia dizer. – Você tem o seu docinho, não estrague tudo por causa desse imbecil sem coração...

Era eu ali naquela frase. Talvez ele conseguisse enfiar algum juízo na cabeça daquela mula do caipira. Aoi olhou para mim por breves instantes. Daria um rim para saber no que ele estava pensando.

Ele pareceu ponderar por um momento. Será que ia mesmo desistir? Meu coração solavancou no peito quando ele começou a abaixar a arma, lentamente.

- Isso...

O estampido de um tiro voltou a zumbir em meus ouvidos. Aoi havia acertado o braço de Miyavi que cambaleou de encontro a um bloco de feno. O vermelho manchava o casaco branco.

Aquele homem era tão desequilibrado que nem ao menos pareceu surpreso com o que havia acabado de acontecer, pelo contrário, eu poderia jurar que aqueles olhos debochavam da situação.

Kai, por outro lado, pareceu querer correr em auxílio daquele cretino, mas se manteve onde estava com a mão empunhando a arma. Ele sim estava chocado com os olhos mais abertos do que o normal.

- Vá embora, Aoi! – Ele gritou de repente, apontando a arma para o caipira.

- Kai, pare com isso! – Gritei a todo o pulmão. – Não faça essa loucura! – Finalmente a minha voz resolveu colaborar...

As mãos pequenas tremiam em nervosismo, mas ele continuava com a ideia estúpida de acertar o meu caipira.

- Vai atirar em mim? – Aoi perguntou, franzindo o cenho. – É isso mesmo?

- Pegue o seu garoto e saia daqui! – O tom autoritário saia com mais força.

- Faça o que quiser, Kai, mas eu vou matar esse traste! – Aoi voltou-se para o Miyavi, ignorando qualquer pedido do moreno que se consumia em nervosismo.

Eu precisaria de um milagre ali para me safar da situação que se tornava cada vez pior. Não que eu acreditasse em milagres, mas quando avistei aquela mulher se abaixar e vir em minha direção, eu passei a acreditar.

Ela usava um vestido verde com um decote a mostra. No momento pensei que se assemelhava muito a um abacate, mas era um abacate que salvaria a minha vida.

Ela me ajudou a me sentar e começou a desamarrar a corda que prendia dolorosamente o meu pulso.

- Desculpe por chegar tarde... – Falou em tom baixo, olhando com aflição para os homens que se atracavam na outra extremidade do celeiro. – Aoi não queria que ninguém se intrometesse.

- Está salvando a vida de todos nós, não tenho nada para desculpar, só agradecer. – Sorri com sinceridade. – E seu primo é um maluco!

Observei com um nó na garganta o momento em que Aoi apontou a arma para o irmão que se encontrava escorado contra a parede, segurando o ferimento no braço. Eu não podia deixar aquilo acontecer diante dos meus olhos e não fazer nada para tentar impedir. Levantei-me o mais rápido que pude e corri para cima dele. Era tudo ou nada.

- Não, Yuu! – Gritei, me intrometendo na frente da arma. – Não mata ele, não! – Meu coração batia de forma descompassada, deixando-me ainda mais tenso.

- Saia da frente, docinho! – Bradou com o tom irritadiço e uma carranca que há tempos eu não via. – Kouyou, pelo amor de Deus, saia da frente!

- Não vou sair! – Falei com toda a minha coragem ou o que havia sobrado dela. - Por favor, você sabe que vai se arrepender depois. – Falei choroso. – Pensa em nós dois! - O meu desespero só aumentava, pois ele não dava indícios de que desistiria. - Você não pensa em formar uma família comigo? – Ok, eu estava apelando. Vi o olhar negro se encontrar com o meu e eu tinha a certeza de que ele estava pensando em uma piada a respeito daquilo. – Yuu... – Chamei de forma arrastada, não me importando em parecer uma vadia gemendo o nome do amante. – Por favor...

- Isso, mesmo Yuu! – A voz feminina cortou o ar. Todos os olhares foram para cima dela que vinha correndo em nossa direção. Daisy se enfiou atrás de mim, segurando-me pelos ombros. Só podia constatar que ninguém ali era normal. – Sei que incentivei essa loucura, mas Kouyou tem razão! – Ao menos ela vinha para me apoiar.

Aoi a encarava com o cenho franzido e a boca levemente aberta. Obviamente não acreditava que aquela mulher havia chegado até ali. Milagres, meu caro, milagres.

- Vadias falam demais! – Senti as mãos se apertarem em meus ombros e logo um gritinho agudo me fez olhar para trás.

- Daisy! – Aoi gritou desesperado, pois a prima se encontrava nos braços daquele desgraçado.

Os cabelos de Daisy foram violentamente puxados e ele bateu com a coronha do revólver na cabeça dela. Ela caiu feito fruta podre no chão. Eu me perguntava se somente aquilo não era suficiente para matá-la. Miyavi chutou o corpo inerte da mulher para o lado, transformando-a em uma espécie de cortina esverdeada e maltrapilha.

- Ela só está desacordada, maninho... – Ditou com um sorrisinho de lado. – O que acha de um duelo? – Perguntou com o cenho franzido. - Para acabar logo com essa palhaçada.

- Não caia na dele, Aoi! – Falei em tom firme, atraindo a atenção dos dois homens. – Duelos não vão resolver absolutamente nada. Só servem para mostrar quem é o mais selvagem! – E eu incrivelmente parecia um homem corajoso. Só esperava que essa coragem durasse mais do que alguns segundos.

Miyavi me encarou com o olhar cínico cheio de deboche, batendo palmas.

- E o que dizer da bela cena que esse moleque protagonizou? O amor é belo, mas meu maninho e eu temos coisas para resolver. – O desgraçado apontou a arma para minha cabeça e eu havia percebido a estupidez que tinha feito por ficar me intrometendo na conversa sem fundamento daqueles dois. Ele tinha apenas um ferimento em um dos braços, não era como se estivesse aleijado.

- Não se atreva, seu desgraçado! – Aoi grunhiu.              

Miyavi fingiu não estar sendo alvo de um ódio sem limites e abaixou a arma, levando a mão ao queixo em um gesto pensativo.

- Sabe, quando eu matei os nossos pais – Ele começou, sorrindo diabolicamente. – eles disseram que jamais esperavam aquilo de mim! Perguntaram o porquê de eu estar fazendo aquela loucura e sabe de uma coisa? – Franziu o cenho. – Eu não encontrei uma explicação aceitável para aquela vontade insana de descontar a minha raiva contra meu próprio sangue...

Deus, como aquele homem era louco! Matar os pais apenas por matar. Ainda sim eu consegui sentir pena dele, mas não me perguntem como.

Aoi pareceu querer dizer tantas coisas, mas optou pelo silêncio. Não havia algo que valesse a pena ser dito naquele momento.

Observei Kai erguer a pistola na direção de Miyavi e quando achei que veria os miolos do desgraçado voando pelos ares, ele desviou do alvo principal.

Foi tudo muito rápido. A bala que saiu do cão da arma de Kai acertou em cheio uma lamparina que se encontrava sobre um bloco de feno. Quem em sã consciência deixa uma lamparina acesa em cima de um monte de palha? Convenhamos que é estupidez demais...

O desgraçado se aproveitou do meu estado catatônico e me empurrou com brusquidão. Acabei tropeçando em um banco velho e batendo as costas contra um pilar de madeira. Caí de traseiro no chão. Algo devia ter saído do lugar, pois a dor que senti foi terrível.

O que houve a seguir fez meus batimentos cardíacos tornarem-se cada vez mais lentos. Mais um tiro e dessa vez Aoi cambaleou para trás, escorando-se na parede. O ombro sujo pelo sangue que escorria da ferida.

Sentia meu mundo desabar.

As armas dispararam ao mesmo momento e ambos os irmãos caíram.

Quis gritar, mas não consegui. Íamos morrer naquele inferno. O único que ainda estava de pé era o Kai. Estava lá, parado como se a alma tivesse abandonado o corpo.

Foi como se a minha vida inteira passasse diante dos meus olhos. As chamas flamejavam em laranja-vivo e devastavam tudo o que encontravam pela frente.

- Kai! – Gritei, mas ele não me deu ouvidos. – Droga... Kai!

Ele correu em direção ao Miyavi e caiu de joelhos ao lado dele, puxando-o para que deitasse a cabeça em seu colo. Queria ter podido fazer o mesmo com o meu Aoi.

O cheiro de fumaça fazia meus pulmões arderem. Minha visão ficou turva e por um momento tudo pareceu rodar. Minhas costas doíam pelo impacto da queda e tudo estava muito quente para pensar em uma maneira de escapar.

Era assim que eu ia acabar? Eu ia mesmo virar churrasco depois de tudo aquilo que havia vivido? E o pior de tudo é que ainda não havia conseguido me declarar para o meu caipira. Sim, no momento era uma das minhas prioridades.

Ouvi o barulho característico de mais um tiro e foi como se meu coração houvesse parado de bater. Um resmungo de dor e logo, o silêncio.

- Aoi? – Perguntei para o nada. – Aoi, onde você está? – Comecei a me arrastar pelo chão, usando meus cotovelos como apoio.  

Parei ao ouvir um ruído e só tive tempo de me virar para enxergar a metade do pilar que pendia para cima de mim. Minha perna foi atingida em cheio pelo pedaço de madeira velho e eu me contorci em agonia.

- Merda! – Resmunguei, sentindo-me cada vez mais quente e chamuscado.

Meus olhos se embaçavam devido às lágrimas densas que brotavam feito uma cachoeira. Minha perna doía como o inferno. Se eu não tentasse puxá-la dali, acabaria morrendo carbonizado. Coloquei minhas mãos em volta de minha coxa e usando a perna livre, apoiei o pé na madeira para afastá-la e poder puxar minha perna com toda a força. Não contive um guincho de dor. Minha calça rasgada mostrava o ferimento aberto em minha perna.

- Que dor... – Resmunguei, arrastando-me para um lugar onde o fogo ainda não tivesse dominado, se é que tal lugar fosse durar por mais do que alguns minutos. – Aoi! – Gritei o mais alto que pude.

Consegui me levantar mesmo que com muita dificuldade. Minha perna latejava, mas não me dei por vencido, caminhei com cuidado para não tropeçar na madeira que se encontrava em boa parte do chão do celeiro. Aquela porcaria não ia desabar enquanto eu não tirasse todos dali. Minhas roupas começavam a colar de suor e meus cabelos grudavam em meu rosto de forma incômoda.

- Aoi! – Voltei a gritar, mas novamente não obtive resposta. – A-Aoi... Por favor... – Senti meu peito doer pelo silêncio. – Por favor... – Meu pé esbarrou em alguma coisa e eu quase voltei ao chão. – Aoi? – A fumaça não me permitia discernir as coisas a minha volta. Agachei-me e toquei o corpo caído no chão constatando que era a Daisy quem se encontrava ali. – Daisy? – A puxei para o meu colo, espalmando minha mão no rosto fino na tentativa de acordá-la. – Acorda, mulher! – Ela nem ao menos resmungou. – Atentei-me aos batimentos cardíacos no pulso magro e pude respirar constatando que ela estava mesmo desmaiada.

Decidi que deveria tentar arrastá-la para fora daquele inferno. Voltei a me levantar e foi nessa hora que ouvi alguém gritar.

- Se tiver alguém aí, responda!

Era uma voz desconhecida, alguém finalmente tinha vindo para ajudar. Só esperava que não fosse tarde demais.

- Aqui! – Gritei. A fumaça começava a me sufocar e tossir parecia muito atrativo naquele momento. – Estamos aqui!

Uma sombra se formou em meio a fumaça densa e eu senti meu coração falhar uma batida. Estávamos finalmente a salvo. A figura foi tomando forma e duplicando. Eram dois homens com chapéus e coletes. Consegui identificar a estrela de xerife em um deles, o outro deveria ser um patrulheiro.

- Ajude o rapaz. – O que era o xerife ordenou e o outro logo se pôs a me puxar pela mão passando o meu braço pelo ombro ossudo, começando a me carregar para fora daquele calor infernal.

- Tem... Tem mais gente aqui... – Meu estado não me permitia formar frases longas sem que o ar me faltasse. – Tem...

- Calma, vamos sair daqui. – A voz arrastada chegando com dificuldade aos meus ouvidos. 

Alcançamos a saída com certa dificuldade, pois o lugar estava desabando. Observei o xerife carregar a Daisy nos braços e parar ao nosso lado, olhando as chamas que tomavam parcialmente conta do celeiro.

- Não vão fazer nada? – Perguntei tentando manter o equilíbrio enquanto me afastava daquele homem. – Eu disse que ainda tem gente lá!

- Garoto, não há como ainda ter pessoas vivas lá dentro! – O xerife exclamou. Ele ainda segurava a Daisy que devido à luz da lua pude ver o sangue já seco que marcava um lado do rosto.

- Eu estou dizendo-

- Vamos para a diligência. – O xerife voltou a falar, me interrompendo. – Vocês precisam de cuidados médicos.

- Não! – Gritei, recusando-me a ser carregado para outro lugar. Meu Aoi ainda estava lá dentro. – Eu não irei embora sem o meu caipira!

Uma dor filha da mãe me atingiu no momento em que me pus a correr de volta para o celeiro. Era o melhor que eu podia fazer naquele estado. Ouvi que o homem magro corria atrás de mim e quis apertar o passo, mas acabei sendo impedido e puxado com violência pelo braço direito.

- Garoto, não pode entrar lá! – Ele me chacoalhou de forma incômoda. – É suicídio!

- Você não entende! – Me soltei do aperto de dedos longos e cambaleei para trás, ficando ainda mais patético. Eu mal me aguentava em pé e ainda queria salvar a noite. – Eu... Eu amo aquele homem e ele... Ele também me ama! – Não sabia exatamente o que começar a dizer, mas senti necessidade de expressar o quanto a pessoa que estava lá dentro era importante para mim. – Tem que tirá-lo de lá...

- Garoto...

Esperei pelas palavras que não vieram e olhei para frente, para o celeiro. E eu avistei o amor da minha vida surgir em meio a toda aquela destruição.

Foi como se meu coração tivesse voltado a bater. As lágrimas embaçavam minha visão e o sorriso bobo que surgia sempre que ele estava por perto se formou em meus lábios trêmulos.

- Meu Deus... – Ouvi o patrulheiro resmungar. Ele estava tão surpreso que não conseguia fechar a boca.

Aoi avançava com o irmão nos braços e Kai vinha logo atrás, caminhando de forma arrastada e com o olhar perdido. Eles passaram por nós e eu me sobressaltei quando ele caiu de joelhos, segurando com força um Miyavi ensanguentado e de rosto pálido.

- Não... Não consegui deixá-lo em meio a todo aquele fogo... – Murmurou quando eu me aproximei, ajoelhando-me também ao lado dele.

O xerife e o outro homem nos olhavam de cima com os rostos plácidos e aquele ar de complacência de quem sente muito por não poder fazer nada.

Os cabelos de Miyavi estavam empapados na face e a pele clara estava um pouco chamuscada. A expressão parecia tão serena. Acho que finalmente havia descansado.

- Eu... Achei que me sentiria bem depois de... Depois... – Ele parecia tão perdido. Eu só queria abraçá-lo e dizer que ficaria tudo bem, mas aquele gesto não tinha muita serventia no momento.

- Yuu... – Sussurrei sem saber exatamente o que dizer. Toda aquela cena e aquele sangue me deixavam completamente tonto. E havia também a dor na perna. – Ele... – Não tive coragem de completar a frase. Podia perceber pelo choro de Kai que aquele homem não estava mais vivo. – Eu sinto muito... – Engoli o choro e suguei o ar com força. Tudo o que não precisávamos era de mais alguém se debulhado em lágrimas.

- Desculpe, mas temos de sair daqui. – O xerife irrompeu o silêncio e eu tive de concordar com ele. Nós precisávamos mesmo sair dali.

- Eu quero enterrar o meu irmão! – Aoi falou de repente, assustando-me com aquilo. – Não vou deixá-lo para os abutres... Vocês tem... Pás?

Os homens se entreolharam de forma estranha, mas o patrulheiro foi em direção da diligência que se encontrava à uma distância segura.

Não fiquei por perto enquanto eles cavavam um buraco que serviria de cova. Sentia-me estranhamente mal com tudo aquilo. Minha cabeça latejava de maneira que não me permitia ficar muito tempo de pé.

Aoi estava despedaçado. Ele acreditava mesmo que se sentiria melhor depois que matasse o irmão, mas não era assim que as coisas funcionavam. Por mais que ele odiasse o Miyavi, eles tinham o mesmo sangue e acredito que alguma vez houvessem se gostado de verdade.

Observei com pesar ele pegar novamente o corpo inerte do irmão e beijá-lo na testa antes de colocá-lo no buraco de fundura média que havia acabado de cavar. Meus olhos voltaram a se encher do líquido transparente e salgado e eu não pude impedir que rolassem por meu rosto. Kai estava lá também com o olhar pesado, ajoelhado diante da cova. Jogaram a terra por cima do cadáver e alguns minutos depois a cova estava completamente coberta.

- Eu sinto muito meu rapaz. – O xerife espalmou a mão no ombro de Aoi e tentou passar algum conforto. – Vamos indo.

Aproximei-me de Aoi antes que ele resolvesse caminhar. Abracei as costas largas com força e escorei minha cabeça em seu ombro. Não era o melhor momento para uma declaração, mas eu não poderia mais guardar aquilo para mim. Eu estava determinado a verbalizar todo aquele sentimento que ocupava o meu coração.

- Achei que tivesse perdido você! – Falei choroso, sentindo ele se contrair sob meus braços. – Eu... Eu preciso... Não é o momento mais propício, mas...

Ele se separou dos meus braços e se afastou minimamente. Quis entender a atitude estranha, mas no momento eu só conseguia pensar em dizer o que estava guardado em meu peito. Observei com aflição o ombro ferido e a camisa suja de sangue.

 - Eu te amo! – Soltei em um rompante com a respiração falha e o coração praticamente a saltar para fora do peito. – Sei que não é o momento, mas eu te amo, Yuu!

Senti alguns pingos de chuva molharem minha pele e alguns lampejos clarearam o céu.

Aoi nem ao menos me olhou. Não sorriu e nem pareceu surpreso com aquela repentina declaração. Eu esperava o ouvir dizer que também me amava.

- Não vai dizer nada? – Perguntei com um sorriso fraco. – Eu acabei de dizer que te amo...

- Eu não posso... – Murmurou, fazendo-me encará-lo com estranheza. Os olhos negros não tinham mais nenhum brilho. – Me desculpe.

- Pelo quê está se desculpando? – Quis saber. Toquei o rosto sujo e suado, fazendo um breve carinho.

- Por ter feito você passar por tantas coisas... – Sorriu amargamente e afastou a minha mão. – Por tudo!

- Não diga bobagens! – Retorqui agoniado. O rumo da conversa não me agradava. – Se não tivesse acontecido não estaríamos juntos. – Voltei a tocá-lo. – Vamos embora. – Segurei a mão fria para que começássemos a andar, mas ele me impediu. – O que houve?

- Eu não vou...

Sabe aquele momento no qual você sente que tudo o que você fez da sua vida de nada valeu a pena? Foi assim que eu me senti quando aquelas palavras sussurradas me alcançaram. Ele só podia estar mentindo...

- O que está dizendo? – Busquei os olhos negros, mas ele os desviou, olhando as chamas que terminavam com o trabalho de consumir o que um dia havia sido um celeiro. – Não é hora para brincadeiras. – Adverti ainda em tom bem humorado, voltando a tentar puxá-lo para que me acompanhasse, sem obter melhores resultados.  – Yuu...?

- Não vai dar certo. – Mais uma frase que fez o meu mundo ruir. – Nós não daríamos certo...

Senti que o ar começava a dificultar a quantidade que meus pulmões podiam puxar. Tudo se tornava mais difícil.

- Não daríamos certo? – Perguntei em um tom mais alterado, querendo confirmar aquele absurdo. – Depois de tudo o que passamos juntos?

- Foi um erro. – Simples e direto.

- O que foi um erro? – Não consegui evitar a falha em minha voz. – Me diz!

- Tudo! – Ele me olhou com o cenho franzido, crispando os lábios. - Eu jamais deveria ter sequestrado você e muito menos ter tentado alguma coisa a mais...

A primeira lágrima correu sem controle, contornando minha bochecha e despencando por meu queixo. Por que eu simplesmente não conseguia entender aquelas coisas que ele insistia em me dizer.

- Está me dizendo essas coisas porque ainda está magoado comigo, não é? – Perguntei agoniado. – Por causa das coisas que eu disse sobre a sua família e sobre-

- Não tem nada a ver com isso! – Me cortou de forma brusca.

- Então... ?

- Me desculpe. – E mais uma vez aquele pedido estúpido de desculpas.

- Que droga Yuu! – Passei as costas da mão por meus olhos na tentativa de afastar as lágrimas. – Pare com isso!

- Me desculpe. – Quantas vezes mais ele ia insistir naquilo?

- Não! – Praticamente gritei. – Eu não desculpo! – Avancei para cima dele e arranquei o lenço que ele usava no pescoço. – Você está sendo um cretino! – Amassei o tecido fino entre meus dedos. – Eu sei que você me ama então pode parar com esse joguinho estúpido! – Comecei a estapeá-lo com toda a minha raiva. Aquilo não podia ser sério.

Ele segurou meus pulsos e me obrigou a encará-lo. O rosto impassível.

- Não existem joguinhos aqui! – Largou meus pulsos com brusquidão, dando-me as costas. – Já disse que foi um erro!

Eu queria morrer. Eu finalmente havia me declarado e ele me dizia aquelas coisas tão cruéis. Tinha algo ali em meu peito que doía mais do que qualquer ferimento superficial. Será que era pedir demais que depois de tudo aquilo nós finalmente pudéssemos ficar juntos?

Eu estava sendo o rejeitado ali. E a rejeição doía demais...

- Você tem o seu mundo e é completamente diferente do meu. – Continuou com as palavras amargas que me consumiam mais do que as chamas que queimavam há alguns metros de nós. – Eu acreditei que aquilo que eu sentia por você era amor... Mas foi uma crença estúpida!

E não precisou de muito mais para que ele me destruísse por completo. Foi como se cada pedacinho meu se tornasse frágil a ponto de ruir. Que dor estranha era aquela que eu estava sentindo? Não se comparava a nenhuma outra.

- Você praticamente me obrigou a amá-lo... – Comecei, tentando recolher os caquinhos nos quais eu havia me tornado. – Para chegarmos até aqui e você me dizer que o amor que dizia sentir foi apenas uma crença estúpida? – Olhei para as costas largas a minha frente, porque mesmo depois das palavras que me machucaram eu sentia vontade de abraçá-lo. – Para o inferno com esse amor!

Talvez fosse tudo muito estúpido mesmo. E eu tivesse sido apenas um cara mimado com quem ele se divertiu na cama. Ele sabia bem como acabar comigo.

- Está mesmo me deixando? – Ousei perguntar. Precisava ter certeza do que ele queria.

- Estou. – Sem ao menos pestanejar. Ele estava decidido quanto a me abandonar. - Quer que eu te ajude a subir na diligência? – A pergunta tão despreocupada só contribuiu para que minha dor aumentasse.

Eu poderia ficar ali e esperar que a chuva viesse ao meu encontro. Eu poderia ficar ali e esperar ele dizer que tudo ia ficar bem e que era apenas uma mentira estúpida.

...

Ou eu poderia ficar ali e implorar por um pouquinho de amor.

Caminhei até a diligência com o que havia sobrado de mim. Talvez houvesse um coração batendo em algum lugar, mas eu não podia ouvi-lo no momento.

Tive ímpetos de voltar e esbofetear aquele homem ruim. Tive ímpetos de voltar e dizer que o meu amor também era apenas uma crença. Ninguém estava livre de cometer um erro.

Subi no veículo ainda segurando o lenço vermelho. Uma lembrança que eu guardaria para me lembrar daquele dia infeliz. O cocheiro fechou a porta e logo já estávamos em movimento. Talvez eu tivesse visto de relance uma lágrima brilhando no rosto petrificado de expressão austera. Mas só talvez e aquilo já não me importava.

Senti Kai segurar a minha mão com força. Era claramente a forma que ele havia achado para tentar me consolar. Agora eu entendia o que ele estava sentindo. Apreciei o contato caloroso da mão pequena e me segurei para não voltar a chorar. Aquele homem não merecia mais nenhuma lágrima.

E eu avistei o amor da minha sair dela da mesma forma que havia entrado.

 

 


Notas Finais


Avisem se encontrarem qualquer erro...
E não me matem, sabemos que no final tudo se resolve XD
Espero que tenham gostado <3


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