“Eu quero me curar, eu quero sentir o que achei que nunca fosse real. Eu quero acabar com a dor que guardei por tanto tempo, apagar a dor até que ela desapareça. Eu quero me curar, eu quero sentir como se eu estivesse próximo de encontrar algo real. Eu quero encontrar algo que sempre quis, algum lugar ao qual eu pertença.”
— Somewhere I Belong - Linkin Park
As manhãs de sábado em Hogwarts eram mais monótonas depois de uma festa; os alunos não precisavam acordar cedo e não corriam para compromissos. Grande parte deles ainda estavam em seus quartos ou estavam atrás de qualquer poção forte para ressaca. Os mais fracos eram levados para a enfermaria, os outros jogavam-se no sofá da sala comunal e lançavam feitiços silenciadores nos primeiranistas que estavam agitados, como sempre.
Ouviam-se burburinhos que aconteceria mais uma reunião daquelas no Três Vassouras e que as bebidas já estavam sendo separadas, uma vez que Sirona não vendia nada realmente forte para alunos menores de idade. Porém, nem todos estavam com toda aquela animação para mais um dia festeiro.
Alguns quartos ainda estavam para lá de silenciosos. Os mesmos vitrais abaulados do teto que deixaram com que a lua iluminasse levemente o quarto durante a noite, deixaram com que o sol o banhasse em uma miríade de cores ao amanhecer. Scarlett despertou vagarosamente. Seus ouvidos começaram a captar os barulhos do lado de fora, os passos dos alunos, o som de tecido se movendo, o crepitar do aquecedor e um bum ritmado. Respirou profundamente e abriu seus olhos, deparando-se com a parede com bandeiras e pôsteres de times de quadribol que não eram de seu quarto, nem mesmo do lado de Imelda.
Seus olhos se arregalaram de uma vez e seu coração subiu para a garganta.
Ela estava deitada no peito de Sebastian Sallow. Sua perna sobre o corpo dele, o braço dele a cercando e os dois dormindo. Juntos. Eles dormiram juntos. E aquele bum ritmado era nada mais, nada menos do que o coração dele batendo, calmo e constante debaixo dela. Scarlett o empurrou da cama de uma só vez, com muito mais força do que achou que teria. O barulho do corpo de Sebastian no chão foi oco e a cabeça dela doeu em uma forte pontada pelo movimento que fizera. Ela se sentou rápido demais e isso fez sua cabeça girar.
— Ai, merda! Que diabos foi isso?! — Ele grunhiu em dor, rolou no chão e esfregou o braço. Apoiou-se na madeira da cama para sentar-se, seu cotovelo tinha uma dor aguda que irradiava e seu braço bom estava dormente demais, formigando do ombro até a ponta dos dedos. — Porra! Qual o seu problema? Não precisa me jogar no chão!
Sebastian se encolheu para esfregar o braço machucado com mais força como se isso fosse afastar a dor.
— O meu problema? Qual é o SEU problema?! — Scarlett quase gritou e se arrependeu instantaneamente de fazê-lo. Sentia seu coração bater tão forte que doía, mas não tanto quanto doía sua cabeça. Ela agarrou os cabelos bagunçados e se encolheu, sentada. — Por que minha cabeça tá doendo tanto?
— A pergunta correta seria: qual o problema de vocês? — Ominis disse, do outro lado do quarto.
Os dois erguerem o olhar em um susto, encontrando o amigo já desperto e muito bem-vestido, recostado na parede ao lado de Apollo, sua coruja, enquanto alisava a plumagem cinza como seus olhos.
— Eu sabia que tinha mais alguém aqui, mas não esperava que fosse você, Scarlett. — Ominis não estava raivoso, mas, definitivamente, não estava contente. — O que você tá fazendo aqui?
— O-ominis... E-eu... eu... eu não sei o que houve... Nós... — Os olhos suplicantes encontraram o de Sebastian para que ele explicasse.
— Ela encheu a cara ontem e não quis andar até o próprio quarto. — Sebastian respondeu, parecia entediado, cansado e sua voz estava arrastada.
— E você trouxe ela para a sua cama. — Ominis afirmou, cruzando os braços rente ao peito estufado.
Sebastian levantou do chão e jogou-se novamente na cama, sentando-se reclinado na cabeceira. Scarlett o fuzilou por isso e levantou-se de uma vez, afoita. De repente, suas pernas gelaram e foi como se todo o seu sangue estivesse no pé e não onde deveria estar. A cabeça latejou e ela caiu sentada na cama com a visão escurecida por alguns segundos.
— Queria que eu a deixasse no sofá? Bêbada do jeito que ela tava? — Sebastian estava inalterável, como se Ominis fosse incapaz de estressá-lo minimamente naquela manhã. Ele moveu-se e aproximou-se novamente de Sky; colocou ambas as mãos no rosto dela e analisou sua face que suava frio. — Você precisa se alimentar. — disse baixinho.
Seu dedão acariciou as bochechas de Sky antes dele por suas mechas rebeldes atrás das orelhas.
Ela estava se sentindo fraca demais para contrariar ou tentar se afastar. Deixou o corpo amolecer com aquele toque e fechou os olhos quando a quentura das mãos dele tocaram sua tez gélida.
— Vocês se...? — Ominis engoliu seco, não poderia cogitar completar a frase.
— “Se” o quê? — Sebastian perguntou, sua atenção ainda estava toda em Scarlett. Sua boa esbranquiçada e a cabeça sendo praticamente segurada por sua mão.
— Beijaram. — Ominis quase vomitou aquela palavra, era nojento demais imaginar uma coisa daquelas, mas conhecia muito bem Sebastian.
— Não! — Scarlett disparou e empurrou Sebastian, mas acabou gemendo de dor, obrigando-se a falar mais baixo. — Não aconteceu...
Ela parou de falar. Um amargor subiu a boca e seu estômago se revirou. Em um pulo, ela jogou-se no chão e agarrou o lixo ao lado da escrivaninha de Sebastian, vomitando o grande nada que tinha em sua barriga. Era apenas para humilhá-la e fazê-la sentir-se pior.
Ominis correu para ajudá-la, segurando em seu cabelo enquanto Sebastian contorceu-se em nojo e virou a cara.
— Por isso que eu não bebo igual vocês. — murmurou.
— E não deveria ter deixado ela beber também. Scarlett nunca pôs uma gota de álcool na boca e parece que bebeu tudo que pôde e o que não pôde! — Ominis disparou, agora estava raivoso.
— Não sabia que eu era responsável pela lady Faço-Tudo-O-Que-Eu-Quero! Como se fosse possível controlá-la. — Ele revirou os olhos e foi até a escrivaninha, caçando algo na segunda gaveta, que tilintava com os vidros se batendo, até tirar uma poção amarela como hemeróbios e colocá-la ao lado de Scarlett.
— Dá para vocês calarem a boca? — gemeu, recostando-se na parede fria.
Ela estava com a pele esverdeada e a boca ainda mais branca, destacando seus cabelos pretos em uma aparência de quase morte. Ominis a deu um lenço para que ela limpasse a boca e a poção que Sebastian colocou ali. Sebastian ajeitou sua roupa rapidamente e saiu do quarto, deixando apenas os dois no chão.
Ela bebeu a poção sem sequer perguntar para que servia, o gosto não era tão ruim quanto o de sua boca amarga. Recuperou o fôlego, ficou de pé com a ajuda de Ominis e foi até a bacia de mármore branco posta ao lado dos biombos, jogando grande quantidade de água em sua face. Ela sentia-se destruída como nunca, sem forças alguma para fazer qualquer coisa. Arrastou-se pelo chão e caiu novamente na cama de Sebastian, agarrando-se ao travesseiro como se a cama fosse sua.
— Scarlett Leann Callaghan. — Ominis a repreendeu com o mesmo tom firme que tinha quando estava com raiva ou quando ela aprontava. Sua voz era branda, raramente se alterava, e era exatamente isso que assustava Sky.
— Me deixa quieta para morrer em paz, por favor. — murmurou, manhosa.
— O que deu em vocês dois? Vocês nem se suportavam outro dia e agora até juntos estão dormindo?
— Nada! Está tudo normal. — Ela não olhou o amigo, estava com os olhos fechados e o peito borbulhando sensações estranhas, inclusive uma latente vontade de chorar. — Fomos para a festa ontem. Na verdade, nos encontramos no caminho, só isso. Bebi com Imelda, joguei uns jogos estúpidos e só isso que me lembro. Talvez eu tenha passado mal, e ele não pode entrar no dormitório feminino, então...
Ominis bufou do outro lado. Ela ouviu seus passos e sentiu a cama afundar; logo os dedos dele estavam penteando seus cabelos e acariciando o topo de sua cabeça. Ela suspirou trêmula. Sua mãe fazia muito isso quando ela era pequena e isso só a fez querer chorar mais.
— Você precisa ter um pouco mais de limite, não precisa fazer tudo de uma vez. Ainda tem muito tempo para aproveitar.
Limite. Tá aí uma coisa que ela precisava mesmo. Agora, na luz do dia, a noite passada parecia um erro, um grande, enorme, colossal erro. Beijar Sebastian era estranho, esquisito, no mínimo. Não deveria ter feito, ou deixado ele fazer, ou ter estado tão perto dele, ou estar sentindo tudo aquilo se misturando, e revirando como um furacão em seu peito. Ela nunca tinha cogitado estar nessa situação. Também não tinha pensado em vir para Hogwarts para se apaixonar. Não que ela estivesse apaixonada. Isso nunca. Não por ele.
— É... eu sei. — Sentou-se e fungou. Ainda estava com aquele gosto ruim de vômito alcoólico na boca. — Acha que ele vai contar para alguém? Sobre eu ter passado a noite aqui? Se Sirius ou os Malfoy ouvirem, meu pai vai ficar sabendo...
— Ele nunca faria isso, muito menos agora que vocês parecem... próximos. — Ominis ainda tentava entender aquela situação, estava muito bagunçada para o seu gosto.
— Não estamos próximos. — O corrigiu prontamente. — E não podemos ser amigos. Nunca daria certo, você deveria saber.
— Eu não entendo vocês. Toda essa semana estavam grudados, se provocavam, mas estavam rindo. E agora você diz isso? Ele fez alguma coisa?
— Não... essa semana foi... ótima, eu me diverti como sempre sonhei, mas... Não dá.
— Por que, Sky? — Ominis estava realmente mexido com aquilo. Ele pensou que teria os melhores amigos juntos, ainda que aquela não fosse a melhor das situações. Estava contente que Sebastian cuidou dela.
Ela se calou por um momento. Não tinha como explicar a razão daquilo sem expor o motivo que a levou àquela terrível constatação. Tinha a impressão que Ominis não gostaria de saber do que aconteceu na Galeria Subterrânea.
— Somos de naturezas diferentes, Omi.
— Vocês são lados diferentes da mesma moeda, Sky. — zombou — Irritantemente parecidos.
— Não é sobre isso que estou falando. Ele é só um... Sallow. — Sua boca tornou-se amarga ao dizer aquilo. Nunca se imaginou falando coisas como aquela sobre alguém, mas precisava dar um jeito de afastar-se de Sebastian.
Ominis engoliu seco, pigarreou e ajeitou a gravata ascot grená no pescoço.
— Não precisa adotar os mesmos discursos de nossos pais, sabe disso, não sabe? Só mais um ano e estaremos vivendo a nossa vida.
Ela sabia. Ou pelo menos sabia na teoria. A pratica era mais difícil e Ominis sabia disso, apenas estava fora de casa tempo demais para se desintoxicar.
— Deserdados? — Jogou nele o futuro de filhos como eles, que tentam se desvencilhar da família ou de seu costumes. Isla Black era o exemplo mais próximo disso. Tia de Scarlett que se casou com um nascido trouxa e foi simplesmente apagada da família e seu nome banido dos jantares.
Sebastian voltou ao quarto com um chá na destra e dois bolinhos de abóbora da canhota, entregando para a garota com certa estupidez. Ela teve a impressão que se ele pudesse, tinha jogado a comida nela. Ajeitou os dois bolinhos na mão pequena e a xícara na outra palma antes de encarar Sebastian. Sua expressão estava fechada, o maxilar travado e os olhos frios e inflexíveis.
Ela fendeu as sobrancelhas, sua boca abriu algumas vezes em busca de palavras, mas logo fechou-se. O que deu nele? Por que a olhava daquela forma? Sustentou o olhar por mais um pequeno tempo, buscando qualquer coisa, qualquer relance, sombra, algo que a trouxesse o mínimo conforto como ele fizera na noite passada. Entretanto, não havia nada ali, estavam impenetráveis como dois muros de pedra. Seu coração se apertou e diminuiu.
— Eu vou comer no meu quarto. — Levantou-se com mais calma, tinha a voz serena, envergonhada e seus ombros estavam encolhidos. — Desculpa o incômodo e obrigada.
Claro que evitou olhar para Sebastian, sentia-se gelada, congelada. Seu coração batia duplamente, dolorido contra a costela, e a vontade de chorar cresceu efusivamente. Saiu do quarto com cautela, apenas de meia por ter esquecido as botas, mas com pressa demais para voltar naquele momento.
Nicholas Malfoy saia do quarto seguinte, dando tempo apenas dela se esconder no vão onde ficava a porta ao vê-lo seguir para o hall principal. Não daria para seguir por aquele lado, então foi para o mais longo do corredor curvilíneo, que ficava mais próximo da entrada do dormitório feminino, porém com maior risco de ser vista por qualquer outro garoto. Ela correu o máximo que pode segurando aquela xícara de chá, e com o chão de metal incomodando os pés descalços. Subiu as escadas com pressa, virou a esquerda e pulou os degraus do dormitório feminino, acabando por esbarrar em Violet, derrubando seu chá nela.
A xícara se quebrou no chão e Violet gritou como se tivesse visto um bicho-papão. Ou tivesse sido mutilada. Sua blusa branca manchada pelo amarelado da camomila. Scarlett soltou os bolinhos e tentou ajudar a histérica, recebendo alguns tapas na mão para que ela se afastasse.
— Desculpa, desculpa! Não foi por querer!
Imelda, Agnes Fawley — uma setimanista — e outras duas sonserinas mais novas se aproximaram pelo barulho. Violet empurrou Scarlett com força, notando o suéter com o nome Sallow bordado bem pequeno abaixo do brasão da Sonserina. Ela fuzilou a garota como se pudesse reduzir sua existência a nada.
— Professor Ronen vai ficar sabendo disso! Você não vai sair ilesa dessa vez, aborto!
Todo o arrependimento pelo acidente escorreu da expressão de Scarlett em uma fração de segundo. Ela travou o maxilar e fechou as mãos em punho. A ira cintilou de seus olhos e Imelda tratou de segurá-la quando viu a mão de Sky erguer-se.
Imelda esbarrou com brutalidade em Violet, que gemia descontente, sendo ajudada por Agnes. Scarlett foi puxada por sua amiga até o quarto, a porta fechada rapidamente antes de soltá-la. Ao contrário do que esperou, um rompante de raiva, gritos e xingamentos, Scarlett chorava, quase em um miado.
Imelda perdeu as palavras ao ver a amiga sentar-se no chão, ao pé da cama, abraçando os joelhos e escondendo o rosto. Aos poucos, o choro foi ficando intenso e mais audível ao ponto de Imelda lançar um feitiço de silêncio na porta para que ninguém mais ouvisse. Quis abraçá-la, mas estava desconcertada demais, não sabia como agir, então sentou-se ao lado de Scarlett e deixou com que ela chorasse o quanto que achasse necessário.
As amizades de Imelda eram mais brutas, jogadoras do time e, no máximo, Samantha Dale. Scarlett fugia do comum na vida dela, era estranho como a garota parecia estar quase sempre a beira de um colapso, seja um rompante de raiva ou uma crise de choro. Já não era a primeira vez que a via desabar, mas era a primeira vez que a via desabar daquela forma, sabendo que Imelda estava ali ou estava acordada. Ela ainda estava aprendendo a lidar com aquilo tão de perto, sempre se perguntando que problemas grandes teria uma Callaghan, a realeza galesa, de família renomada e tudo o que ela quisesse aos pés.
Claro que isso era a visão externa e alheia de tudo.
Tocou as costas de Sky, desajeitada, dando tapinhas leves e, quando o choro pareceu cessar, a entregou um lenço para secar o nariz e as lágrimas, comprimindo os lábios em um sorriso amigável. Sky agradeceu em um sibilar e pediu para ser deixada sozinha. Mesmo preocupada, acatou o pedido e fechou a porta atrás de si silenciosamente.
Scarlett ficou mais um tempo no chão, em uma inércia que ela já conhecia muito bem. Sequer piscava, fitava o teto com a cabeça apoiada no colchão, sentindo seu coração se apertar mais e mais. Era medo. Medo de errar e ser repreendida. Medo de sair das rédeas muito bem reguladas de sua família e as consequências serem demais para ela aguentar. Medo de se tornar uma decepção ainda maior.
Sabia o que era segurar todas as expectativas de sua família nas costas e isso resultar em dor. Também sabia o que era ser tão desprezada a ponto de não ser digna de expectativa alguma. Tinha se acostumado a viver assim, sem que esperassem algo dela, agora estava com tudo de novo nas costas.
Levantou-se, fraca e sem energia, indo atrás de um dos bolinhos que surgia por ali volta e meia, comendo um e escorrendo os olhos por seu reflexo no espelho oval a sua direita.
Seu rosto estava vermelho e inchado, os cílios ainda molhados grudavam um nos outros e as bochechas reluziam úmidas pelas lágrimas. Ela ainda vestia aquele suéter. Dedilhou o nome de Sebastian, bordado em verde musgo e o tirou. O perfume dele estava misturado ao destilado do whisky, mas ainda lá, pungente, como estava o pescoço dele na noite anterior. Ela aspirou o tecido de lã antes de colocá-lo na cadeira ao lado. Passou os dedos nos cabelos logos e emaranhados e respirou fundo.
Quando fechava os olhos, sentia as mãos de Sebastian em sua nuca, descendo curiosas, explorando pontos que ele nunca conheceria. Os lábios dele escorrendo com luxúria pelos seus, tocando seu queixo, sua orelha e seu pescoço. Ela arfou ao tocar no lugar sensível logo perto de sua clavícula.
Logo ali, onde o toque estava dolorido, tinha uma forte marca roxeada que a deixou em completa aflição. Aproximou-se do espelho em desespero, percebendo a marca dos dentes de Sebastian. Se seu pai visse aquilo... Não. Ninguém poderia ver aquela marca. Era depravação demais. Tentou usar o Episkey, mas não resolveu, não era um corte ou uma fratura. Esfregou o metal frio de sua escova de cabelo e nada. Voltou a chorar, revirando sua bolsa até encontrar o livro de Feitiços. Folheou todas as páginas daquele maldito livro, mas não encontrou nada que poderia ajudá-la. Desistiu e procurou no de poções. Deveria ter algo para aquilo.
Deveria, entretanto, não teria. Feitiços de cura era uma matéria tratada no quarto ano, tinha poucas coisas que poderia encontrar ali. E não teria ali poções para hematomas. Um soluço pulou de seu peito dolorido e ela se encolheu no chão quando calafrios correram por suas costas. Suas mãos suadas esfregaram-se em suas coxas e o medo tomou cada pedacinho de seu ser.
Arthur não veria. Ele não saberia. Ela estava longe de casa. Então por que doía?
Doía literalmente, abrasando sua pele marcada, como se estivesse com feridas abertas. Ela soluçou mais uma vez. Podia ouvir o som do chicote estralando em sua pele. Ela não poderia mais se colocar nessa situação, os riscos eram altos demais. Se Sirius ficasse sabendo algo além de rumores, Arthur seria capaz de aparecer em Hogwarts no mesmo dia que chegasse em seu ouvido.
Scarlett sentia-se rasgada. O peito dilacerado e queimando. Respirou fundo uma, duas, três, seis vezes. Precisava controlar-se. Já era quase hora do almoço e iria encontrar Fig logo após. Forçou-se a levantar e tomou um banho rápido. Em sua bunda também tinha uma leve marca dos dedos dele, entre suas cicatrizes que ela evitava olhar. Ela dedilhou o local, imaginou como seria senti-lo cru em sua pele lisa e macia e isso só serviu para que tudo doesse mais. Ela nunca seria Violet, com a pele perfeita, lisa e aveludada, como já tinha visto no banheiro feminino. Pegou-se desejando ser daquele jeito mais de uma vez. Nunca seria como Violet, que poderia estar com Sebastian se quisesse.
Vestiu-se com uma blusa azul-marinho de gola bem alta e mangas longas, uma calça preta, botas e guardou em sua bolsa luvas e um casaco de couro preto. Olhou-se no espelho uma última vez para certificar se estava coberta o suficiente. Seu nariz e seus olhos ainda estavam rubros, mas, ao menos, a marca de seu pescoço estava escondida. Passou os olhos no suéter de Sebastian e seu coração se apertou como se tivesse levado uma singular picada.
Seguiu com um grupo de alunos pelos corredores e pontes até o Grande Salão, não escolheu lugares, apenas focou em ficar longe de seu primo e os amigos. Não era como se ela precisasse procurar muito por um lugar, grande parte dos alunos não estava em Hogwarts naquele horário. Serviu-se de peixe e caldo de batata. O suco de abóbora estava doce demais e foi deixado de lado.
Não sabia onde estava Ominis ou Imelda, mas se arrependeu de procurar quando encontrou Sebastian na mesa da Lufa-Lufa com Adelaide, os dois riam e ela tocou o braço dele com intimidade demais. Seu estômago ardeu. Desviou o olhar e focou na comida, a mexendo para lá e para cá. Mesmo com fome, não conseguia comer. Apenas se deixou levar pelo tilintar dos talheres nos pratos e a cacofonia de vozes ao seu redor.
— Você deve começar a procurar um bom casamento para Scarlett. — Willian Callaghan dizia para o seu filho.
Todos estavam sentados ali. Arthur numa ponta, Willian na outra. Arabella sentava-se à direita do marido e Scarlett ao lado de sua mãe. Geralmente, os únicos barulhos que ouviam nesses momentos eram dos talheres de prata na porcelana fina dos pratos.
— Scarlett completou seus sete anos e precisa já ter seu pretendente muito bem escolhido se quiser honrar a família. Não me envergonhe, Arthur.
— Sogro, ela é uma criança ainda... — Arabella tentava ser sensata. — Sequer foi para a escola, ela merece a chance de conhecer um bom e respeitoso bruxo sozinha quando estiver mais velha.
Scarlett olhou para a mãe com encanto, mas Arthur logo lhe lançou um duro olhar que dizia claramente para que ela focasse em seu almoço e não esboçasse o menor barulho.
— Você é casada com um Callaghan porque seu pai se preocupou em casá-la quando ainda tinha três anos. — Willian respondeu, grosseiro como sempre.
— Já estou falando com os Gaunt. Eles têm um filho com a mesma idade de Scarlett. — Arthur não olhava para o pai, mantinha um tom neutro ao falar, sem vida, sem expressão.
Casar com Ominis? Ela fez uma careta de nojo. Nem se estivesse amarrada gostaria de se casar com Ominis, eles eram amigos demais para isso.
— O garoto cego? Me surpreende ele continuar vivo. — Willian proferiu, desdenhoso, antes de levar um pedaço do peixe assado a boca em uma garfada grosseira. — Eu sabia que não poderia deixar essa responsabilidade com você. Por isso não te passei minhas terras e o meu título. Pelo visto só conquistará isso com a minha morte.
Arthur pigarreou e bebericou o vinho tinto.
— Os Malfoy tiveram gêmeos, um ano mais velhos, estão interessados em casar Septimos com Scarlett. — Arthur continuava na árdua corrida, tendo muito mais trabalho para permanecer impassível do que para correr em si.
— Hum. — O senhor arqueou sobrancelhas grossas e brancas, cortando mais um pedaço do peixe. — Fale com Fineus sobre Sirius também, os Black são um excelente partido e eu não aceitarei nenhuma Callaghan casada com um mestiço ou traidor de sangue.
— Mas, vovô, Sirius é meu primo! E o Septimos é... nojento. — Scarlett não segurou a língua, tinha aversão em sua voz e uma careta nada educada pintando a face infantil. Preferia casar com Ominis, se Sirius ou o Malfoy fossem a outra opção.
Willian não olhou para a neta, apenas direcionou todo o seu julgamento ao filho.
— Mulheres filhas únicas sempre se portam como se tivessem local de fala. Por isso não te casei com a filha dos Burke.
— Ela não é filha única. — Arthur fora quase ríspido, mas ainda se continha.
— Foi, por doze anos. — Willian nem sempre era desagradável, principalmente para a sua neta. Porém, naquele dia, até Sky estava incomodada com a postura do avô. — Siga o exemplo e façam um herdeiro de verdade. Um homem que irá manter o nome dos Callaghan.
— Eu sou mais inteligente que os Malfoy e o Sirius juntos. Nunca me casaria com nenhum deles, quero alguém inteligente, como eu. — Scarlett empertigou-se na cadeira, afrontando o avô.
— Scarlett! — A voz de Arthur se fundiu com a voz de Imelda e os barulhos do Grande Salão voltaram a fazer sentido. — Scarlett! Professor Fig disse que está te esperando na sala dele.
Ela piscou algumas vezes e assentiu ao levantar-se e deixar o resto da comida ali. Imelda olhou para o prato ainda na metade, depois para Sky, meneando em negação, desaprovando a ação, mas não dizendo nada.
Scarlett sumiu nas chamas verdes de Flu com a cabeça aturdida. Ela não poderia deixar isso acontecer. Não poderia arruinar sua família e deixar que seu avô morresse de desgosto, ou que seu pai voltasse a sentir nojo dela justo agora que ela uma bruxa. Querendo ou não, teria que aceitar quem seus pais escolhessem, ou não pagariam seu dote e ninguém em sã consciência se casaria com um Callaghan sem pedir um dote.
Era um beco sem saída e ela não deveria enrolar mais cordas em seu pescoço. Nunca mais deveria beijar Sebastian. Nunca mais deveria ficar sozinha com ele ou achar que poderiam ser amigos.
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— Pensei que veria o senhor Sallow na Câmara do Mapa. — Fig exprimiu, curioso com os motivos de Scarlett ter prontamente afirmado ao professor Rackham que estaria sozinha.
Eles caminhavam pelas Altas Terras. Era final de tarde, algumas horas longe do por do sol. Eleazar caminhava calmamente com as mãos atrás do corpo e os olhos atentos ao redor. Scarlett já não estava tão atenta assim, mas esforçava-se.
Ela encontrou Fig após o almoço para contar tudo o que descobriu sobre Jackdaw, a caverna, o ataque dos duendes, a ajuda de Sebastian, o livro e a Câmara do Mapa. Eles foram até a tal câmara enquanto ela detalhava a aventura que passou na ausência de seu mentor. Ele achou curioso como Sebastian foi inserido nisso tudo subitamente e como ela evitou suas perguntas de onde estaria ele, ainda mais após a carta que recebeu falando que contaria sobre a magia ancestral. Ela estava se contradizendo várias vezes.
Quando chegaram a Câmara do Mapa e foram apresentados o grande mapa das Altas Terras da Escócia e as missões dos Guardiões, Rackham fizera questão de perguntar sobre Sebastian e se ele acompanharia Scarlett na jornada, mas ela negou. O professor mostrou-se decepcionado com a decisão, mas não discorreu sobre. Ela e Fig apenas seguiram para a primeira localização sem Sky dizer mais nada.
— Não acho que seja a melhor opção envolvê-lo nisso, professor. É perigoso demais e, além do mais, Sebastian tem a própria vida e esses testes são para quem possui a habilidade que eu possuo e não para ele, iria apenas colocá-lo em perigo.
— Creio que o professor Rackham o queria aqui, talvez você possa ter uma companhia.
— Eu tenho o senhor. — Forçou um sorriso e voltou a olhar a paisagem montanhosa. Estava bem apenas com Eleazar.
— Outra companhia, uma que possa te acompanhar, como Sebastian fizera nas duas últimas vezes. — ponderava e sondava sua aluna. Scarlett negou veementemente, balançando a cabeça. — Minha jovem, afastar os amigos nunca é uma boa opção. O caminho que estamos seguindo é difícil demais para você se isolar.
— Não somos amigos. — disparou — Somos... colegas de casa. E os Guardiões deixaram claro para Isidora que não poderia contar para ninguém sobre a magia ancestral, por que comigo seria diferente?
— Porque você já contou a Sebastian, porque ele já a acompanhou.
Scarlett não teve como rebater e ficou em silêncio, cercados pelo som dos passos no terreno arenoso, os pássaros cantando e o vento soprando na copa das árvores. Scarlett ainda sentia aquele borbulhar de sentimentos dentro de si, como sentiu na Galeria Subterrânea, ou quando acordou com Sebastian e quando ele a olhou friamente depois.
Ele causava demais nela, às vezes esquecia como respirar.
— A gente se beijou. — Ela confessou, baixo e envergonhada. Tinha os ombros contraídos e mexia na mão de modo nervoso. Não queria ter contado, mas precisava colocar aquilo para fora, talvez repensar tudo por outra ótica. Buscava, talvez, uma repreensão que a desse certeza que estava fazendo algo errado. — Só que, hoje, ele ficou estranho e, não sei... Eu não queria ter entrado nessa situação. Eu não posso cometer esse tipo de erro.
Fig riu. Na verdade, ele gargalhou.
— Ah, minha querida, não há motivos de fugir das dádivas de ser jovem! Você está na idade de descobrir novas sensações, de se apaixonar e de errar também.
Se apaixonar? Ela o olhou espantada demais com aquela hipótese. Se apaixonar por Sebastian Sallow estava fora de cogitação.
— Mas eu não quero! Não quero novas sensações, nem quero pensar nele! Ele me irrita, é um grosso, inconstante, arrogante, presunçoso! Está sempre querendo ser o melhor de todos em tudo, fica me provocando e me... me... Argh!
— Scarlett, se acalme! — Fig aumentou o tom de voz e tocou seu ombro para que o olhasse. Ainda falava calmo e carinhoso, como sempre. Os pequenos olhos enrugados a olhando com amabilidade.
Ela respirou fundo. Estava exagerando ou só estava assustada? Os dois voltaram a andar.
— Eu não gosto dele. — murmurou.
— Não gosta ou não quer gostar? — Ele tinha um sorriso ladeado em sua face envelhecida. Ela engoliu seco. — Não se cobre tanto, criança. Ter sua idade já é demais. Não assuma as responsabilidades de sua família, as expectativas deles sobre quem você é ou deve ser. Já conversamos sobre isso. Se permita sentir e ter dezesseis anos.
— Eu iria casar, professor. Não é como se eu fosse, de fato, uma criança. Ano que vem atingirei a maioridade e serei empurrada para qualquer bruxo sangue-puro que meu pai achar aprazível para o nome da família. — Scarlett fora dura consigo, a voz se agravou e tornou-se obscura. — Não tenho direitos sobre meus gostos ou vontades sendo uma Callaghan.
— Sebastian é um Sallow. Uma família bruxa de acadêmicos respeitados em toda a Europa, isso vale de alguma coisa. Eles podem não estar no status da Grandiosa Família Callaghan ou ser da Mui Antiga e Nobre Casa dos Black, mas são uma família de bruxos estabelecida na Escócia há gerações.
Scarlett olhou para o professor, os pequenos olhos azuis reluzindo o sol amarelado do fim de tarde e a expressão leve de quem apenas compartilhava uma informação qualquer. Não sabia quem eles eram, sequer tinha ouvido falar deles antes de conhecer Sebastian e aquela informação poderia mesmo valer de alguma coisa. E se... Não. Não. Não.
Desviou o olhar para frente, já poderia ver o pico da torre.
— Não adianta. Nunca poderíamos ter algo, meu pai nunca permitiria, com meu avô vivo, muito menos. Eles cogitaram me casar com Sirius, e manteriam essa ideia se não fosse pela Lestrange. O buraco ali é mais embaixo. — Ela bufou, recebendo um olhar curioso de Eleazar. — Não que eu queira algo com o Sallow! — O tom agudo de quem se defendia soou. — Só não dá sequer para cogitar.
— E está tudo bem se assim você quiser. Vocês não precisam ter algo. Um beijo não a obriga a casar com ele, pelo menos não para nós, bruxos. Já fomos condenados demais pelas mesmas leis trouxas que te obrigariam a casar por um beijo.
Não era esse o motivo que a deixava inacessível para Sebastian. Ser pega beijando Sebastian resultaria em algo que ela gostaria de fugir e não em casamento. Arrepiou-se ao imaginar seu pai a castigando por ter se envolvido com um garoto sem a sua autorização expressa.
Contudo, ela não entendeu o que exatamente Fig quis dizer e não houve espaço de tempo para aquela conversa se prolongar, pois logo a frente já poderiam ver a Torre de San Bakar, cercada por muros de madeira e barricadas. Tinha vozes também e alguns duendes transitando.
♪
A situação se tornou real demais de repente. Ela esperava estatuas, sussurros de magia ancestral, precipícios e desafios, não aquilo. Fig usou o feitiço de desilusão e ela o acompanhou. Ele era muito mais habilidoso do que ela, quase não era visto, só se Sky fixasse bem os olhos nele, o que não era fácil quando tinha que prestar atenção em seus inimigos tão próximos.
(Quando começou) já não tinha nada a dizer
E me perdi no vazio dentro de mim
(Eu estava confusa) e deixei tudo de lado para descobrir
Que eu não sou a única pessoa com essas coisas na cabeça
— Não acho prudente que ataquemos, tentaremos entrar escondidos, tudo bem? — sussurrou e ela assentiu baixinho.
Eles se esgueiraram pela estreita entrada, e Scarlett petrificou um duende que estava ali como Fig havia sugerido. Foram muito cuidadosos em esconder o pequeno e pesado corpo antes de seguirem.
O espaço era amplo, como um quintal, tinham muitos duendes, difícil de contarem da posição que estavam. Ela ouviu seu professor andar, mas não conseguiu ver para onde, e perdeu sua atenção no caminho quando um outro duende passou caminhando preguiçosamente com um machado no ombro. Ele seguiu para a outra saída e Scarlett percebeu que a porta da torre estava fechada.
Não parecia ter outra entrada. Olhou em volta e tonou coragem de caminhar até onde tinha algumas cabanas, e a maioria dos duendes se concentravam. Tentaria descobrir uma forma de entrar e, sem dúvidas, ali estaria a resposta.
(Dentro de mim) todo o vazio que as palavras revelam
É a única coisa real que me sobrou para sentir
(Nada a perder) simplesmente imobilizada, oca e sozinha
E a culpa é minha, e a culpa é minha
Suas mãos suavam frio e a varinha não estava tão firme quanto deveria. Seu coração estava tão disparado que ocupava sua audição e ela se perguntava se era normal sentir medo. Vai ver que era por isso que não tinha ido para a Grifinória, não se sentia capaz de entrar ali e detonar com todos os duendes como Natty com certeza faria. Lembrou-se de seu pai os chamando de burros corajosos e tentou ter aquilo em mente. Um leão entra rugindo e destrói tudo, uma serpente rasteja até conseguir o que quer.
Passou por mais uma dupla de duendes, escondendo-se atrás dos caixotes de madeira, empilhados em uma torre maior que ela. O sol estava se pondo, provavelmente já eram próximo das sete horas da noite e ela nem deveria estar fora do castelo. Confiava que Fig a livraria de uma detenção se precisasse, não deixando de procurá-lo mais uma vez. Para onde será que ele havia ido?
Eu quero me curar, eu quero sentir
O que eu achei que nunca fosse real
Eu quero acabar com a dor que guardei por tanto tempo
(Apagar a dor até que ela desapareça)
Passou por trás da cabana menor e parou na lateral da maior, abaixando atrás de um enorme baú. Três duendes entraram ali. Ela aproximou-se da lona verde, apertando a varinha em suas mãos suadas.
— Carta de Ranrok. — Um deles disse e o som dele batendo na mesa foi alto. Parecia descontente. — Ele quer aquela fedelha bruxa a todo custo. Disse que sem o que ela sabe, não conseguiremos prosseguir.
— Rookwood já não está atrás dela? — Outro perguntava, preguiçoso.
Eu quero me curar, eu quero sentir
Como se eu estivesse próxima de encontrar algo real
Eu quero encontrar algo que sempre quis
Algum lugar ao qual eu pertença
— Você é imbecil? Já viu algum bruxo fazer algo que preste? Victor é um imprestável. A única coisa que descobriu é que ela e filha de um grandão do Ministério. — O som de metal sendo esfregado lhe deu gastura e ela se encolheu pelo incômodo.
— Mais um motivo para capturamos a criança e enviarmos os pedaços dela como recado. — Um terceiro disse, esse estava mais próximo de onde Scarlett se escondia, separados pela lona verde da tenda. Podia sentir a energia da magia das armaduras que eles usavam de tão próxima.
Ouvir aquelas palavras ameaçadoras era pior do que encontrar um bicho-papão. Seu coração errou as batidas, tropeçou e capotou em seu peito. Ela engoliu seco. A gargalha soou alta e ela se encolheu mais.
— Não dá para ela se esconder por muito tempo. Temos muito aliados ao redor de Hogwarts. Uma hora ela vai aparecer e será nossa hora de dar as cartas. Se conseguimos ela, Ranrok nos dará passe livre.
E já não tenho nada a dizer
Eu não consigo acreditar que não caí de cara (
Eu estava confusa) procurando em todo lugar, só para encontrar
Que não é como eu me imaginava na minha cabeça
As coisas estavam mesmo pior do que ela pensava. Rookwood a queria por conta de Ranrok e Ranrok a queria pelo que tinham pego no cofre. No fim, tudo o que precisariam era da memória da penseira e daquele estranho relicário, e Scarlett seria brutalmente morta, tinha certeza disso.
Tinha que sair dali, correr e voltar quando estivesse mais preparada. Passou a mão nos cabelos e secou o suor das mãos, afastando-se de costas, não queria desviar o olhar da tenda e acabar com um machado nas costas. Um passo de cada vez. A respiração pesando e ela fazendo o possível e o impossível para manter-se calma. Teria apenas que achar Fig e iria embora.
(Então, o que sou?) o que eu tenho além de negatividade?
Porque não consigo justificar o jeito que todos estão olhando para mim
(Nada a perder) nada ganhei, vazia e sozinha
E a culpa é minha, e a culpa é minha
Um passo em falso e ela derrubou um monte de armas dos duendes. Clavas, lanças e machados, retinindo em uma cacofonia ensurdecedora que chamou a atenção de todo o acampamento para ela. Eles gritaram e o feitiço de desilusão dela falhou, relevando sua posição. Será que ela conseguiria desaparatar? Tinha visto apenas a teoria, mas custaria tentar?
Ela continuou recuando, tropeçou em um tronco, mas manteve-se de pé, vasculhando ao seu redor atrás de Fig até que estivesse no centro de um enorme círculo de duendes e não tivesse mais para onde correr. A torre estava atrás de si, a saída longe demais e inacessível. Seu coração iria sair pela boca a qualquer momento.
A varinha em riste, mas a mão trêmula. Posição de ataque, mas as pernas bambas. Não era a primeira vez que os enfrentava, mas era a primeira vez que estava sozinha e a sensação de impotência lhe atingiu com força.
— Pegamos esse aqui! — Uma dupla vinha com o professor feito refém entre suas lâminas. Ele pousou os preocupados olhos em Scarlett e fez um sinal para que ela respirasse, transparecendo que ficaria tudo bem. Só poderia ser uma mentira, quem acharia isso naquela situação?
— A criança vem conosco. Ele, vocês podem matar. — O que parecia o líder, disse, aproximando-se de Scarlett.
— NÃO! — Ela gritou. — P-por favor... E-eu ajudo vocês. Faço qualquer coisa, só não machuquem ele...
Eu quero me curar, eu quero sentir
O que eu achei que nunca fosse real
Eu quero acabar com a dor que guardei por tanto tempo
(Apagar a dor até que ela desapareça)
Scarlett nunca foi ninguém muito sacrificial, tinha medo demais da morte para isso. entregar-se por alguém não era uma ideia que passava com sequência em sua cabeça. Contudo, a ideia de ver Fig ser morto, até mesmo ferido, despertava nela um lado, que estava adormecido há muito tempo. Algo que ela sentiu apenas com a sua mãe. Ele estava exercendo a figura paterna que não tinha há anos, sentia-se quista e não estava sozinha pela primeira vez em muito tempo. Não poderia perder isso e perder novamente por sua causa.
— Não estamos barganhando. — O sorriso macabro da criatura arrepiou todos os pelos dela.
Scarlett olhou para seu professor, completamente apavorada. Não queria ver Fig morrer, tanto quanto não queria morrer. Deveria ter algo que ela poderia fazer. Tentou mentalizar tudo o que fez com Sebastian na caverna. Ali tinha mais do dobro, mas ela tinha Fig.
Eu quero me curar, eu quero sentir
Como se eu estivesse próxima de encontrar algo real
Eu quero encontrar algo que sempre quis
Algum lugar ao qual eu pertença
Não iria morrer ali. Não iria.
Contraiu o maxilar com força, apertando o cabo adornado de sua varinha até que perdesse a cor em seus dedos. Eleazar estava sem a varinha na mão, mas pode vê-la reluzir em sua manga em um relance quando ele assinalou positivamente para ela de modo muito discreto.
— Confringo! — Moveu seu pulso numa velocidade atroz e derrubou o duende que tinha uma lança no pescoço de Fig.
Eleazar sacou a varinha e protegeu-se com um Estupefaça que saiu em círculo em volta de seu corpo e afastou os outros. Scarlett conjurou um Protego que a defendeu de um golpe de uma clava que estremeceu toda a redoma.
— Depulso! — Jogou seu algoz para cima de outro.
Eu nunca vou me encontrar
Até eu procurar o meu lugar
E eu nunca vou sentir
Até que as minhas feridas sejam cicatrizadas
Ela não ouvia os feitiços que Fig usava, ele não os verbalizava, apenas lançava um atrás do outro. Nenhum mortal como o Diffindo de Sebastian ou tão feroz quanto a magia ancestral que brotava em seu interior. Fig os petrificava, os prendia, os estuporava e os incapacitava de lutar, nada além. Ele era parecia cortês demais para ser diferente. Porém, Scarlett não era. Poderia não saber muitas formas de feitiços mortais, mas sabia usar as coisas ao redor para ferir tanto quanto.
Ela nunca se sentiu cruel, ou se imaginou matando. Até o momento que percebeu que seria ela ou eles. O mesmo aconteceu na caverna com Sebastian. Eles não a dariam chance de sobreviver, estava claro, então por que ela o faria?
Eu nunca vou viver até eu libertar o que há em mim
Eu me libertarei
Hoje eu me encontrarei
Lançou um Expelliarmus em um deles e, com a espada que rodopiou no ar, ela enterrou na cabeça dele com uma ferocidade mordaz. Também jogou dois deles do penhasco sem hesitar. Os gritos de desespero não a comoviam. O sangue espirrando em sua roupa ao jogar pedras enormes em cima deles também não mexia com a sua sanidade.
A cada pincelada vermelha no ocre da terra, mais Fig atentava-se a sua aluna, não com admiração. Admiração não seria a palavra correta.
Scarlett era feroz demais. Violenta demais. Tinha uma impetuosidade que afastava o senso correto de justiça e, quanto mais avançavam para cima dela, mais atrocidades ela fazia para se defender.
Eu quero me curar, eu quero sentir
O que eu achei que nunca fosse real
Eu quero acabar com a dor que guardei por tanto tempo
(Apagar a dor até que ela desapareça)
Os olhos dela estavam com aquele brilho azul de novo. Era a primeira vez que Fig a via assim, via como a energia ancestral se manifestava nela, mas, principalmente, como ela tinha a expressão fria, diferindo completamente da garota assustada quando foi encurralada. Tudo o que ela precisou foi que dessem o primeiro passo para ela ter a certeza que conseguiria exterminar todos.
— Por favor... — O último duende vivo, cercado pelo mar de sangue dos de sua raça, suplicou, arrastando-se pelo chão, sua voz em um fio de desespero. — Eu direi o que você quiser... Qualquer coisa sobre Ranrok...
Ele era o líder que estava concordando em esquartejar Scarlett. Ela riu, seus olhos fixos no duende, frieza queimando em sua alma.
— Não estamos barganhando. — repetiu as palavras dele quando ela estava em seu lugar, suplicando pela vida de seu mentor.
— Scarlett... — Fig a chamou, tentando trazer a consciência dela de volta, mas não adiantou.
Eu quero me curar, eu quero sentir
Como se eu estivesse próximo de encontrar algo real
Eu quero encontrar algo que sempre quis
Algum lugar ao qual eu pertença
Scarlett sequer o olhou. O raio azulado que cortou da varinha de carvalho-vermelho correu até o duende em um piscar. Atingiu em cheio seu peito e o preencheu com toda aquela magia antiga, craquelando sua pele até que o explodisse em uma supernova purpura, restando apenas a fuligem roxeada que sumia quando tocava o chão.
Ela abaixou a varinha lentamente. O brilho foi esvaindo, sumindo de sua varinha e adentrando o interior de seu ser até que sobrassem os gélidos olhos verdes-esmeralda, iluminados pelo fogo que crepitava ao redor deles no anoitecer.
Agora teriam acesso livre a torre e voltariam vivos para Hogwarts. Apenas isso importava.
Fig suspirou audivelmente, tocando o ombro de sua aluna.
— Há outros caminhos que poderemos seguir, criança. Matar não é um deles...
— Não há outros caminhos, professor, não com eles. — Ela se virou para o senhor e respirou fundo. — Eles iriam matá-lo. Iriam me matar sem hesitar um segundo assim que Ranrok conseguisse o que quer e depois acabariam com os bruxos da forma que conseguissem. Seria eles ou nós hoje. E não serei eu, enquanto puder evitar.
Eu quero me curar
Eu quero sentir como se eu estivesse em algum lugar ao qual eu pertença
Algum lugar ao qual eu pertença
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