“Vindo do frio, enterrado sob o calor, deito você sobre o chão. Me corte como uma rosa. Me transforme como uma fera. Eu estava apenas me apaixonando”
— Only - RY X
— Eles podem matar a gente nesses desafios! É isso o que eles querem??
Sebastian estava raivoso agora que a adrenalina tinha caído e seu corpo todo doía. Ainda assim, ele carregava Scarlett no colo por conta da perna que parecia continuar quebrada mesmo depois de ele ter usado o Episkey. Aparentava ser uma fratura muito séria para um feitiço de cura simples. Sebastian estava com uma série de ataduras pelos braços e pernas. Sky tinha usado o Férula para ajudá-lo com os ferimentos que sangravam e sujavam as ataduras de vermelho.
Os dois estavam definitivamente destruídos.
— Parece uma lógica simples. Se você morre aqui, não é um bruxo hábil e o segredo da magia ancestral morre com você. — Scarlett brincou, mas Sebastian estava muito enervado para cair em suas gracinhas.
Ele apenas a colocou no chão quando pararam diante da penseira. Scarlett usou a magia ancestral para liberar a memória que caiu da enorme estátua curvada como uma lágrima incandescente. Sebastian coçou o nariz pelo cheiro da magia que era forte ali, mantendo-se um passo atrás de Sky. Ele observou as oscilações da magia, a mudança da água e a postura ansiosa daquela à sua frente.
Um artefato brilhou acima da penseira. Scarlett esticou os dedos e o pegou sem analisar o que era, apenas o guardando no bolso, como fizera com o primeiro. Não sabia para que servia, mas o professor Rackham tinha sido claro quanto a importância deles ao final das provas.
Ela olhou para Sebastian, o convite silencioso para que eles fizessem aquilo juntos. Ele rodeou e parou de frente para ela.
Um, dois, três.
Os dois enfiaram suas cabeças na água gelada.
Estar submerso sempre trazia sensações diferentes em Scarlett. As memórias eram vivas e ela sentia o frio do vento e o calor da fogueira, sentia o cheiro das árvores e da madeira da casa de Isidora. Também sentia tensão, incômodo proveniente dela mesma. Aquela história parecia estar tomando um curso obscuro. A cada pequena partezinha apresentada, mais estranho tudo parecia, mais confuso, mais complexo. Isidora era alguém importante o suficiente para estar em todas as memórias, por quê? E por que parecia que todos aqueles desafios eram por causa dela?
Quando Isidora retirou de seu pai aquele negócio revolto com a ponta de sua varinha e colocou em um pequeno pote, a pele de Scarlett se arrepiou por completo. Sair daquela memória foi como voltar à superfície, faltava ar e sua mente estava ainda mais bagunçada. Pela reação dos Guardiões, aquilo não era uma coisa boa e, de repente, Sebastian ter visto aquilo também não era uma coisa boa.
— Você viu isso? — perguntou ele. Seus olhos brilhavam em uma esperança preocupante. — Você viu isso, Scarlett?!
Ele estava atordoado, seus olhos buscavam um lugar para focar enquanto sua mente trabalhava em uma velocidade enorme. A respiração pesada e o forte pressentimento de que tinha uma saída para Anne, afinal. Aquilo era uma maldição também? Como ela retirou? Scarlett conseguiria? Ele conseguiria? Valeria a pena tentar. Sorriu abertamente. Parecia a resposta de todas as suas preces. Ele abraçou Scarlett em um alívio tão grande que a sufocou, rodando-a no ar.
— Sebastian…
— Vamos voltar! — Ele a interrompeu, segurando sua mão e virando-se de um lado para o outro, até encontrar a passagem igual àquela que os levou até ali. — Preciso saber o que eles vão falar. Talvez isso mude tudo! Tudo!
— SEBASTIAN! — Ela gritou para que ele parasse. Sua perna doía e ele pareceu esquecer disso.
— Desculpa! Desculpa! — Ainda sorrindo, ele respirou fundo e buscou controlar-se.
— Vamos com calma, tudo bem? Nada do que vimos tem a ver com a situação de Anne.
— Eu sei… mas… Por Merlin, Sky! Parece uma chance real de ajudá-la!
— E se não for? Não quero que você se agarre ao incerto.
— Esse não é o plano A. Eu só preciso saber o que foi aquilo que ela fez e se você… ou eu, conseguimos fazer o mesmo com Anne. Se não der, vou atrás de outra coisa, como já estou fazendo. Tudo bem?
Scarlett assentiu, mesmo com uma insegurança apontando no peito. Sebastian suspirou e a pegou no colo, grunhindo de dor, mas sorriu para ela, beijando sua bochecha com sangue seco como se não fosse nada. Ela sentia o coração disparado dele bater forte contra sua costela. No fundo, queria que aquilo fosse uma resposta ao que Sebastian procurava, mas queria ter todas as certezas antes e esperava que ele compreendesse isso.
— Vocês voltaram! — Rackham sorriu do seu quadro quando os dois passaram pela janela-portal e voltaram para a Câmara do Mapa.
— E inteiros. Que bom vê-los! — Rookwood uniu as mãos diante da grande barriga.
— Pela surpresa, a tentativa de homicídio foi real.
Sebastian murmurou e Sky balançou a cabeça com um riso nervoso lhe escapando. Voltou ao chão com o mesmo cuidado anterior, e ele permaneceu ao lado dela, com o braço disponível para ela apoiar.
— O professor Rookwood me contou o que aconteceu no Castelo. — disse Rackham.
— Diante de uma situação complicada como essa em que estamos, temos a sorte de ter alguém competente esteja seguindo esse caminho. — Rookwood se direcionou para Scarlett, logo após, para Sebastian. — E você, meu caro, também tem essa competência. Com vocês dois manipulando a magia ancestral, deteremos Ranrok muito mais cedo do que o esperado.
— Eu? Eu não manipulo a magia ancestral. — Sebastian franziu o cenho.
— Mas você…
— Ele não ouve os sussurros ou a magia ancestral, professor. — explicou Sky.
— Mas ele passou pelo portal, e chegou até aqui. Mesmo que você o levasse para dentro da câmara, o que por si só já é improvável se ele não tivesse tal ligação, não daria para os dois chegarem aqui se ele também não fosse como você. Os testes certificam isso. — O professor insistia.
— Os testes têm uma falha. — Sebastian rifou — Digo, a Scarlett que abre os portais, eu apenas passo por eles. E eu sou um excelente duelista, lutar com estátuas não é o pior dos desafios.
— Mas e se… — Scarlett o olhou, mas não completou seu questionamento. — A magia das reservas é um tipo de magia ancestral, não é? Percebi isso quando eu e o professor Fig fomos atacados pelo dragão, e quando vi Ranrok com aquela armadura. O brilho dela não pôde ser visto pelo professor Fig.
— De fato. — Fig pontuou. — A primeira vez que vi o brilho foi na reserva do castelo, creio que pela quantidade exorbitante.
— Sebastian sempre conseguiu ver. Nos duendes, em pequenas quantidades. Ele parece possuir uma ligação com a magia das reservas.
— Como? — Rookwood indagou, perplexo. Sua voz não estava como a de um entusiasta e Scarlett se arrependeu na hora de ter começado aquilo.
— Ele… bom… é… — Coçando a nuca, olhou para Sebastian.
— Eu absorvi parte dela. — Ele explicou, recebendo o olhar de espanto dos três professores. — Sem querer! Quando estava no castelo. — disse a Fig — E… Eu consigo sentir a magia da Scarlett, somente a dela. Não ouço rastros, ou a vejo, mas quando a Scarlett usa, eu consigo sentir, ver e… controlar.
Ele sentia-se diante de um tribunal confessando um crime. Os olhares agudos direcionados a ele. O julgamento escorrendo de suas faces. Não queria ter contado aquilo sem saber, de fato, qual era sua situação. Queria apenas entender a memória da penseira para saber como ajudar Anne e ir embora dali direto para a enfermaria.
Os professores ficaram em silêncio por um grande tempo. Se encaravam e pareciam discutir entre olhares preocupados com algo que só eles entendiam. Rackham fora aquele a quebrar o silêncio e perguntar se os dois tinham visto a memória da penseira, ignorando tudo o que foi declarado ali para apresentar a ex-diretora de Hogwarts, Niamh Fitzgerald, a terceira Guardiã da magia ancestral.
O próximo teste seria dela e requereria tempo para ser preparado. O que claramente significava mais tempo longe de terminar aquilo e mais tempo para Ranrok avançar em suas buscas. Com as explicações finalizadas, os dois foram praticamente enxotados da Câmara do Mapa.
— Espera! — Sebastian não deixou que continuassem a expulsá-los. — O que era aquela coisa luminosa que Isidora puxou do peito do pai? Só preciso saber disso.
Rookwood suspirou, olhando para Rackham, que assentiu.
— Era… dor. — Charles respondeu. — Vocês vão entender melhor sobre as ações dela, quando terminarem as provas. É de crucial importância que façam isso juntos daqui para frente.
— Dor…? Como? Como ela fez isso? — Sebastian disparou.
— Sebastian… não. — Scarlett apertou seu braço com um pouco de força.
— Você precisará mostrá-lo as memórias anteriores. Ainda as têm? — Rackham perguntou a Scarlett.
— Sim, senhor.
— Você entenderá melhor, senhor Sallow. Por agora, é só isso.
As portas se abriram. A contragosto, Sebastian bufou, pegou Scarlett em seus braços e os dois voltaram para os corredores úmidos de Hogwarts. Subir todas aquelas escadas na condição de Sebastian foi um flagelo; mesmo que ele fizesse sem reclamar verbalmente, grunhia de dor volta e meia. Sky tentou descer para andar por si só, mas ele insistiu que a levaria diretamente para a enfermaria. Scarlett, então, ficou quieta, fitando Sebastian a cada passo que dava. Sua mente estava longe, sabia disso.
As chamas verdes engoliram os dois estudantes no segundo que Sebastian a tocou e eles surgiram na Enfermaria. Era noite, a luz da lua rompia as altas janelas de vidros transparentes e a cara da enfermeira Blainey não era das melhores quando viu o estado dos dois.
Jogar a culpa dos ferimentos em um ataque de bruxos das trevas não foi a escolha mais sábia que tiveram. Blainey fizera questão de registrar aquela situação formalmente e chamou a Professora Weasley para que ela estivesse a par de tudo.
O resultado foi óbvio. Estavam proibidos de sair de Hogwarts durante os dias de aula e só teriam autorização de ir a Hogsmeade nos horários permitidos. Essas regras se estenderiam para todos os estudantes até que todo o perímetro ao redor da escola fosse minuciosamente investigado pelos aurores, o que Sky e Sebastian sabiam que não iria acontecer.
Com os ferimentos curados, os dois foram escoltados para a sala comunal pelo senhor Moon, sem direito a contestações ou falatórios.
— Se descobrirem que foi por nossa culpa…
Sebastian calou prontamente a boca de Scarlett, a tapando com a mão suja. Ela o empurrou, a face contorcida em nojo.
— Ninguém nos viu. Use o feitiço de desilusão até os quartos, tome um banho e finja que não sabe de nada.
— Tudo bem. — bufou — Nos vemos amanhã?
— Eu vou estudar algumas coisas pela manhã bem cedo, mas me manda uma coruja quando quiser.
— Eu não tenho coruja para te mandar nada. Posso ir até você, só me falar onde vai estar. — Ela deu de ombros.
— Como você não tem coruja?
— Só não tenho… Eu usava a da minha mãe, mas meu pai não deixou que eu a trouxesse.
Sebastian passou a língua nos dentes, pensativo, semicerrando os olhos por um breve segundo.
— Espere a minha coruja então, hum?
Scarlett assentiu e Sebastian selou seus lábios rapidamente. Era sempre um sacrifício não prolongar aqueles beijos. Mesmo suados e sujos, ainda queriam ficar perto um do outro. Sebastian lufou, sussurrando um “boa noite” entre o sorriso maroto em sua face salpicada de estrelas. Ela sorriu em resposta. Um sorriso frouxo e bobo, escorrendo sua mão sobre a dele antes de sumir e correr para o seu quarto com todas aquelas borboletas em seu estômago.
༻✦༺
— Ontem eu estabeleci um novo recorde no circuito de Irondale! — Imelda erguia sua taça de suco como uma taça da vitória. — Eu sou a melhor que essa escola já viu e vou humilhar a Grifinória no jogo!
— Lucan que se cuide! — Sky brincou e as duas bateram as palmas no alto.
Com o jogo contra a Grifinória com data marcada e definida, os burburinhos nos corredores eram apenas sobre isso. Poucos sabiam da veracidade das informações, tinham pelo menos quatro datas e horários diferentes rodando pela boca dos estudantes curiosos. Ninguém sabia como conseguir os ingressos, uma vez que aqueles que já os tinham assinaram uma lista com uma azaração furunculosa para que a verdadeira informação não parasse nos professores.
Imelda estava sendo meticulosa com os detalhes e o horário. Esperava uma nevasca do início do inverno, como geralmente era, para que conseguissem ficar no campo escondido dos olhares dos professores. Ela sabia que, se Black não ficasse sabendo, os outros professores iriam ignorar o falatório e Kogawa os ajudaria a mantê-los longe.
— Vocês viram o Sebastian hoje? — Ominis se sentava na grande mesa para o brunch. — Ele acordou junto com o sol e sumiu desde então.
Imelda olhou diretamente para Scarlett e ela deu de ombros. Ouvir o nome dele acelerou seu coração, ainda esperava a coruja dele, mas até aquele momento não tinha visto a sombra.
— Não tô sabendo de nada.
— Onde estavam ontem? — Ele quis saber enquanto se servia com o mingau de aveia.
— Fig estava me ajudando com algumas aulas extras e Sebastian foi junto para treinarmos feitiços.
Mentir estava cada vez mais fácil, mesmo que para Ominis. Ele não parecia desconfiar de Scarlett em nada e isso a dava um leve peso na consciência. Guardar segredos de seu melhor amigo parecia errado e estranho, mas não tão estranho quanto chegar e falar: “Oi, Ominis! Sabe seu amigo que eu odiava? Bom, agora estamos nos beijando na Galeria Subterrânea, que era um segredo seu, mas ele me contou. E não só isso, estamos cometendo atos lascivos lá também!” Ominis certamente morreria. E contar tudo aquilo iria acabar esbarrando no assunto da magia ancestral e essa era outra coisa que deveria guardar. Sentia que levaria aqueles segredos para o túmulo e Ominis nunca ficaria sabendo.
— Correio essa hora no domingo? — Nerida indagou ao lado, chamando a atenção dos próximos.
Do alto do Grande Salão, uma enorme coruja de penugem rajada em tons de preto e marrom e intensos olhos amarelos voou para cima da mesa da Sonserina, pousando silenciosamente na frente de Scarlett com uma pena verde amarrada a uma carta em seu bico.
Ela e Imelda se afastaram com a aproximação da ave. Ela era, de fato, enorme. Tinha uma penugem que subia de sua cabeça, como duas sobrancelhas que a deixavam com cara de brava. Suas patas também eram enormes, com as garras pareciam do tamanho da mão de Scarlett.
— E eu pensei que a coruja do meu pai era grande. — murmurou Scarlett, afastando-se mais quando a coruja piou.
— Acho que é a coruja do Sebastian… — Imelda riu.
— Noctis? — Ominis esticou a mão e acariciou as penas dela, que piou mais uma vez, fechando os olhos e aproveitando o carinho. — Cadê o seu dono, mocinha?
Se era a coruja de Sebastian, a carta era para ela, não que não estivesse claro, com a ave parada logo de frente para ela com aqueles enormes olhos amarelos fitos nela. Pegou o papel do bico e Noctis balançou a cabeça para afastar a mão de Ominis e alçou voo com suas enormes asas, derrubando tudo ao redor.
— Por que tudo que envolve Sebastian é exagerado?! Viram o tamanho dessa coruja?
— Noctis tem dois metros de envergadura, sua espécie é a maior de todas. — Ominis balançou a varinha para limpar a bagunça.
— Sem necessidade. — murmurou Sky.
— Ela é um doce. Ela e Apollo são amigos desde o dia em que se conheceram. — Ele se curvou na mesa. — O que diz aí?
— Nada. Tem apenas um mapa com um local, perto de Feldcroft.
— E você vai? — Ominis contorceu a face em desagrado e confusão.
— Por que não iria? Deve ser algo sobre as aulas de ontem. Ele está sendo um bom amigo.
Scarlett sorria boba, olhando a pena verde-esmeralda, provavelmente de Fiuum pelo tamanho, e o mapa desenhado à mão. Imelda ameaçou rir com aquela frase, mas Scarlett tratou de pisar em seu pé, lançando um olhar silenciador.
— Estamos todos proibidos de sair de Hogwarts para as Altas Terras, sabe disso, não sabe?
— Sei, mas vocês não precisam contar para ninguém. Ou precisam?
— Minha boca é um túmulo. — Imelda respondeu, enchendo a boca com uma grande mordida num pedaço de bolo.
— Ominis?
— Não. — Ominis soou desconfiado, mas, acima disso, desconfortável. — Bom estudo, então.
Ela não demorou ali para dar mais espaço para mais perguntas. Correu para a primeira Chamas de Flu que achou e desceu as escadas da sala comunal com ainda mais pressa. Pegou seu casaco sem escolher, pensou em trocar a saia vinho, mas não queria perder tempo. Cada segundo ali era um segundo a menos com ele. A pena e a carta foram guardadas e ela tornou a correr para as Chamas de Flu até Feldcroft.
Perguntou-se como encontraria o lugar exato com o mapa não muito explicativo, mas não precisou encontrar por respostas, porque Sebastian estava logo ao lado, com os braços cruzados e um sorriso no rosto.
— Miss Callaghan.
— Senhor Sallow. — Ela sorriu abertamente, aproximando-se em passos lentos. Ele sempre estava lindo, mas sem o uniforme, parecia alguma pintura digna de um lugar de honra no castelo mais bonito.
— Ainda será Lorde Sallow, um dia. — brincou.
— Besteira, você não precisa de um título de Lorde.
— Você é quase uma Lady, não posso ficar para trás. — Tocando a trança lateral dela, pareceu se perder por um segundo, antes de delicadamente tocar seu queixo. — Recebeu meu presente?
Ela pigarreou e afastou-se um pequeno passo, estavam muito expostos ali para tamanha proximidade. Pegou do bolso de seu casaco a pena verde, balançando-a diante dele.
— Sua coruja me assustou, mas eu consegui.
— Noctis é extremamente educada. E para quem duela com bruxos das trevas e duendes, você é muito assustada, não acha?
— Não. Só o suficiente para me manter alerta. — Deu de ombros. — Quais os planos, Sallow? Tem alguma coisa a ver com a pena?
— Nada. A pena eu mandei porque lembrei de você. Hoje, eu só quis te levar para fora de Hogwarts contra as leis da Matilda Weasley mesmo. Vamos começar os testes e você merece um descanso para a mente enquanto tenta salvar o mundo.
Sebastian falava de modo simples, como se fosse apenas mais uma ação rotineira. Porém, não era e isso fez com que ela mergulhasse em um rubor intenso. Seu coração deu um salto e pareceu girar, e as borboletas se transmutaram em todo um zoológico. Ele pensava nela ao ponto da pena esmeralda lembrá-lo dela?
— Peguei a vassoura de Anne para darmos uma volta, o que acha?
— Acho… bom. — Forçou um sorriso para que ele não notasse toda a euforia que a causou.
A vassoura foi entregue com um sorriso frouxo nos lábios de Sebastian. Ele fizera questão de deslizar seus dedos no dorso da mão dela, mesmo que tivessem alguns olhos curiosos passando por eles logo atrás. Uma das mulheres, vizinhas dele, os cumprimentaram com um sorrisinho, achando graça nos dois jovens. Sebastian apenas acenou e sua atenção voltou para Scarlett.
Ele voou na frente, mantendo-a em seu campo de visão enquanto desbravavam o céu de Feldcroft rumo ao sul. O vento poderia ser frio, mas o sol ainda era aconchegante, e com as nuvens tão brancas quanto algodão, todos os seus planos para aquele dia dariam certo.
Scarlett amava voar. Ele percebia isso por sua expressão tão leve e alegre, a animação escorrendo em lágrimas devido ao vento quando cresceram a velocidade. O rubor de suas bochechas, o sorriso que não lhe deixava e a gargalhada esfuziante que compartilhavam. Sebastian voou por debaixo dela, indo para o outro lado, e a risada de Scarlett fez todo seu corpo vibrar.
Ela lembrava-se de todas as vezes que voou com sua mãe, de como gostava de imaginar a textura das nuvens, mesmo sabendo que elas se desfaziam em suas mãos. Gostava do vento que bagunçava seus cabelos e de olhar as coisas tão pequenas debaixo de seus pés.
Voar sozinha ainda era diferente, às vezes sentia a vassoura ser empurrada com a correnteza dos ventos e seu coração acelerava. Mas estar perto do céu era como estar perto de Arabella e isso era o que mais importava. O céu era o que elas tinham em comum.
♪
Sebastian tocou delicadamente sua mão e a tirou do cabo com cautela, prendendo-a com um simples olhar, beijando os nós gélidos de sua mão com tanta ternura que a desconcertou. Havia certa doçura no olhar dele, algo que ainda não havia sido notado por ela até aquele momento. As pupilas dilatadas, aquele gesto simplório e o sorriso que ele abriu.
Seria eufemismo dizer que Sebastian estava apenas bonito com o sol o banhando daquela forma. Seus cabelos pareciam fios de cobre com os raios os atravessando. Suas sardas, que formavam milhares de constelações, ficavam ainda mais nítidas. Ela gostava de como sua boca combinava perfeitamente com cada um de seus traços, como seu sorriso era charmoso e como seu olhar era marcado por seus cílios. Olhar este que ela se tornou a maior das admiradoras. O bronze de suas íris, o mar castanho que a tragava. Tudo nele era convidativo, atrativo. Soava como pecado, como tentação. Semelhava-se ao paraíso, a face divina dos retratos que já viu nas paredes mais renomadas do Reino Unido.
De repente, ela se esqueceu de que estava voando e isso quase a derrubou da vassoura. Sebastian fora rápido para segurá-la e uma gargalhada foi levada pelos ventos. Ele balançou a cabeça e indicou o lugar onde pousariam, na entrada de uma caverna, no alto de uma montanha.
O lugar era cercado de árvores. As árvores eram cercadas de flores. Muitos pássaros cantavam e borboletas voavam fazendo desenhos invisíveis no ar. Tinha um banco de pedra e um observatório estelar ao lado; nesse observatório estava empoleirada uma coruja, uma tyto, como a da sua mãe. Porém, essa tinha algo em especial, a plumagem que desenhava sua cabeça era escarlate, bem como o final das penas de suas asas e cauda.
Seus olhos brilharam.
Scarlett aproximou-se cautelosamente, erguendo a mão muito devagar para acariciar as penas claras. A coruja estreitou os olhos pretos como duas pedras de ônix, mas deixou que ela a tocasse, piando baixo e sacudindo as asas.
— Acho que essa é a coruja mais linda que já vi na minha vida. — sussurrou.
Sebastian estava logo atrás dela. Tinha as mãos para trás do corpo e sorria discreto.
— Que bom que gostou, porque ela é sua.
Scarlett virou-se, estupefata. Sebastian riu e acariciou a plumagem clara.
— Quando me disse que não tinha uma coruja, tive que fazer alguma coisa. Fui até Hogsmeade hoje para comprar uma, mas acabei me deparando com essa no caminho. Uma magizoologista tinha resgatado ela de um grupo de caçadores. Parece que ela era usada como alvo para outros animais. A soltavam para testar a velocidade e força deles para as rinhas. Por isso as penas manchadas de vermelho.
Ele deslizou os dedos pelas costas da ave até chegar nas pontas escarlates. Ela reagiu, bicando rapidamente a mão de Sebastian. Ele recuou e riu.
— A magizoologista disse que ela é mansa, bem treinada e só precisava ser bem cuidada. Não estava à venda, mas eu a convenci. Não é sempre que achamos uma ave com penas escarlates. — Ele enfatizou bem a última palavra, olhando para Sky com as sobrancelhas erguidas devido ao trocadilho dos nomes.
Scarlett sorriu, olhando para a sua própria coruja. Depois, fitou Sebastian e pulou em seus braços, o abraçando o mais apertado que podia. Ele a cercou, enterrando a face na curvatura do pescoço dela, aspirando seu cheiro.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. — Devagar, a soltou. — Agora você não tem mais desculpas para não me mandar cartas.
— Mas a gente está só a alguns metros de distância.
— Temos as férias de inverno. E as de verão. Acha que ficará esse tempo todo sem notícias minhas? Vou te escrever toda semana. — Segurando o queixo dela entre o polegar e o indicador, deixou um beijo cálido em seus lábios, engolindo suas palavras. — Precisa dar um nome para ela.
Sky respirou bem devagar. Ele a deixava em um redemoinho de emoções.
— Pensei em algo a ver com vermelho, como o meu.
Sebastian estralou a língua no céu da boca e encarou a ave ao lado.
— Vyssiní? É carmesim em grego.
Ela sempre se esquecia de que Sebastian sabia algumas línguas. Sugerir um nome em grego não foi tão espantoso quanto poderia quando se atentou a esse detalhe. Ela sorriu, acariciando Vyssiní.
— Vyssiní. Ou Vys, para os íntimos.
— Perfeito. Agora vamos?
— Pra onde?
— Achou que eu te trouxe até aqui só para te dar uma coruja?
Sky semicerrou os olhos quando o viu seguir para a entrada da caverna. Ele tinha aquele olhar convidativo que perguntava se ela confiava nele, o jeito sugestivo de se portar e a ansiedade da resposta positiva que despontava em seus dedos inquietos. Claro que Scarlett confiava nele, e mesmo fazendo um charme, segurou em sua mão estendida e o acompanhou para dentro do desconhecido sem questionar para onde estavam indo.
Ele ergueu a varinha quando a luz da entrada estava longe o suficiente para não iluminá-los. Foi como ser cercado por estrelas. O Lumos brilhou e, de repente, eles foram rodeados por vários e vários insetos tão reluzentes quanto. Não eram hemeróbios, ou vaga-lumes, mas brilhavam intensamente, voando ao redor deles agitados.
Seguiram ainda mais para dentro. O caminho era um longo corredor tortuoso de chão irregular até que o solo se tornou liso e de pedras perfiladas. As paredes ficaram mais largas e o som de água passou a ser ouvido. Ali era quente e aconchegante. Algumas velas estavam acesas em candelabros prateados, a chama era azul, como o brilho do Lumos e dos insetos que os cercavam.
O som da água ficou mais forte e o corredor terminou, abrindo-se em uma grande caverna. Um rio corria lento, as águas pareciam refulgir também e a fumaça subia pelo ar. O teto era alto e, se não soubesse estarem mesmo em uma caverna, juraria que era o céu brilhando ali. Dezenas e dezenas de bichinhos fosforescentes se aglomeravam no alto.
— Como descobriu esse lugar?
— Minha tia Daisy. Meu tio Salomon guarda os diários dela e eu li um que contava sobre.
Sebastian tirou seu casaco e as luvas, deixando-os sobre um pano estendido no chão, onde tinha uma cesta e algumas velas azuis. Tirou o lenço de seu pescoço e o colete, arrancando também as botas.
— O que você tá fazendo? — Sky recuou um passo. Seu rosto queimava.
— Não me diga que não quer entrar? A água é quentinha! Eu trouxe bastante comida também.
— M-mas… eu não trouxe roupa para isso. — Piscando algumas vezes, Scarlett apertou a mão no laço de sua blusa.
— Nem eu. — Ele deu de ombros, o tom torcido em diversão enquanto tirava sua blusa. Scarlett virou-se de costas, cobrindo o rosto e fazendo ele gargalhar alto. — Não vou mostrar nada que você já não tenha visto, Scarlett.
O som do corpo dele se chocando com a água a fez se virar de volta. A calça dele estava no chão também, junto às outras peças.
— Estou de calção, tá? — Ele ainda ria, balançando os cabelos molhados. — Você não sabe o quanto isso aqui está bom!
— Você é louco, Sallow!
— E você é besta! Entra logo!
Bufando, ela se deu por vencida com facilidade até demais. A realidade é que ela estava curiosa, parecia tão boa e ela amava nadar.
— Vira de costas.
— Sério?
— Vira!
Sebastian revirou os olhos e virou-se. Um suspiro e Sky tirou seu casaco e as botas. Suas mãos tremiam enquanto desfazia o laço de sua blusa e a tirava. Abrir os botões da saia também foi mais difícil do que deveria. Sua cabeça gritava. O que ela estava fazendo se despindo na frente de um garoto? Mas ninguém iria saber. Não é?
Seu corpo estava coberto apenas pela chemise branca que ia até seus joelhos e sua meia-calça grossa. Pensou mesmo em continuar com elas, mas teve a certeza de que seria melhor as ter secas depois. Foi rápida, não queria que Sebastian virasse bem na hora errada. Tirou as meias e pulou na água.
Seus pés tocaram o fundo cheio de pedrinhas. Os ouvidos entupidos e o coração ribombando. Duas braçadas grandes e ela estava emergindo. Era fundo. Sebastian se virou com aquele sorrisinho frouxo que ora irritava, ora a derretia. Nadou até Scarlett e agarrou sua cintura, passando as pernas pela cintura dele.
— O-o que tá fazendo? — gaguejou, passando a mão no rosto para tirar a água que escorria por seus olhos.
— Nada. — respondeu simples. — Quer se afogar?
— É fundo para você também, só sair dessa pedra e você afunda. E eu sei nadar.
— Só se afoga quem sabe nadar, justamente porque acha que não precisa de ajuda.
— Ah, me poupe!
Rindo, ela o empurrou e se afastou. A água era quente, de fato, mas Sebastian estava ainda mais quente e a água que ocupou o lugar onde ele estava pareceu até mais fria por isso. Ele não deixou que ela se afastasse demais, segurou em sua cintura e, subitamente, tomou seus lábios, lhe arrancando o ar. Scarlett queria ser prudente e romper com aquele beijo, mas gostava tanto dele quanto gostava de Sebastian. Era um misto de sensações sentir suas línguas dançarem; sentir o aperto dele em sua cintura e a carícia em seu rosto.
Mal sabia Scarlett que a beijar era uma dicotomia entre o desejo lascivo e a devoção terna.
Sebastian sempre precisava de um pouco mais de esforço para separar-se. Ainda que sempre fosse recompensado por isso quando encontrava os olhos dela o atraindo para sua órbita. Um suspiro pesado e sonoro da parte dele. Era fácil demais se perder em Scarlett.
— Não me olhe assim! — Ela reclamou, jogando água na cara dele.
Desgostava tanto de ser entregue a ele quanto desgostava da forma como ele a deixava quando a encarava daquela forma. O mesmo olhar quase doce de quem está encantando com o que vê.
— Ai! Ai! Meu olho, Scarlett!
Cobrindo o rosto, grunhiu. Ela aproximou-se de uma vez, preocupada, tirou as mãos dele do rosto e o segurou com as suas. O polegar deslizou carinhosamente e Sebastian sorriu, brincalhão.
— É brincadeira! Achou que só o Weasley conhecia esse truquezinho barato?
Scarlett revirou os olhos. Sebastian era tão estranho às vezes. Não fazia sentido aquela postura dele para com Garreth.
— Você é tão engraçadinho.
— Faz parte do meu charme.
Ela não quis rir, mas acabou por fazer.
Sebastian tornou a abraçá-la, encostando o rosto em seu pescoço para beijar a pele molhada. Foi dela a ação de passar as pernas pela cintura dele, a destra tocou sua face, passando os dedos pelas sardas, subindo para os seus cabelos e o colocando para trás. Ele ajeitou as sobrancelhas bagunçadas dela e tocou o lábio inferior, deixando um beijo ali. Era quase irrevogável a vontade que tinha de beijá-la sempre. Só não tanto quanto o desejo de apreciá-la para sempre, adorar cada um de seus detalhes, cada pedaço dela.
Não a olhar como quem indubitavelmente está encantado com o que vê era impossível. Ele estava encantado por ela. Percebia a cada segundo mais que era muito difícil esconder seus sentimentos por Scarlett. Nem sabia mais se queria fazê-lo.
Na noite passada, quase não pregou os olhos pensando nela. Estava cansado, destruído, dolorido, com tanto sobre si para entender, mas só conseguia pensar nela. Scarlett era tão… indomável, arrebatadora, encantadora. É tão fácil estar perto dela, extremamente viciante sua presença e a ligação que sentia o tomava por completo.
Quando se beijaram, ao final daquele maldito desafio… Céus! Sebastian nunca tinha sentido nada parecido. Seu peito queimava. Literalmente queimava por ela. Se um dia teve forças para se distanciar, se pensou que seria algo do momento, tinha certamente passado. Não conseguia imaginar seus dias sem ouvir sua voz, sem ouvir sua risada ou sentir o calor de sua pele.
Agora, tudo o que ele queria era ela.
Tinha tanta certeza disso quanto tinha que o céu acima deles era azul; que a água molhava ou que o sol era quente. Ele estava apaixonado pela dona dos olhos esmeralda, do nome de cor, dos cabelos pretos como a noite e da impetuosidade mais avassaladora que conhecera. Sebastian estava, definitiva e perdidamente apaixonado por Scarlett.
Mas ela estava por ele?
— No que você tá pensando? — sussurrou, roufenho.
— Em você. — respondeu ela, em um tom de brincadeira. — Queria saber o que você pensa quando me olha assim…
— Em você. — Apesar da entoação quase brincalhona, a verdade carregada em duas palavras soava diferente.
— Em mim?
— É sempre em você.
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que eu?
— E por que não você? Não acha minimamente curioso como a vida nos colocou no mesmo caminho? Teria como ser outra pessoa?
— Não vejo razões pra… pra isso.
— Talvez, se você se visse com os meus olhos, entenderia. Você é extraordinária, Scarlett.
Ele acariciou a maçã de seu rosto e ela fechou os olhos. O suspiro ouvido após foi trêmulo e Sky afastou a mão dele.
— Mas eu não era quando era uma aborto. — Queria não ser tão magoada com aquilo quanto era. Tinha perdoado Sebastian, tinha mesmo, mas ainda doía e ainda a fazia duvidar de si.
— Você sempre foi. Eu que sempre fui tolo e demorei para perceber. E nada disso tem a ver com você conjurando raios ou explodindo duendes. Tem a ver com quem você é aqui… — Ele apontou para a cabeça dela. Seus dedos dedilharam seu pescoço, clavícula e pararam um pouco acima de seus seios. — E aqui. Em algum momento você vai entender que nada do que te fizeram acreditar é verdade só porque era repetido. E eu espero ser aquele a te mostrar que você merece muito mais do que poderiam te dar.
Scarlett não soube mais o que dizer. Às vezes tentava se agarrar às suas mágoas para que elas não deixassem de fazer sentido, para que ela não se sentisse tola por tê-las, mas não conseguia mais as direcionar a Sebastian. Estava engolida pela intensidade dele, por tudo o que sentia.
Ele era muito bom com as palavras. E muito bom em expressar o que sentia. Como alguém conseguia ser tão direto com aquelas coisas tão delicadas? E o que tinha de errado com ela por não conseguir responder? Tinha tantas coisas para dizer. Sentia sua mente girar, milhões de palavras se acumularem em sua boca e seu coração retumbar. Estava sufocada consigo.
Foi estúpido da sua parte, talvez, mas ela apenas mergulhou. Imergiu seu corpo por completo e nadou até o fundo. Absorta naquele silêncio, tudo nela gritava. Sua mente, seu coração. Sua alma. Ela nunca sentiu nada parecido com aquilo. Aquela coisa revolta no peito que gela a barriga e esquenta a nuca. Ela estava se apaixonando. Sabia disso porque já tinha lido, porque já se imaginou sentindo na teoria, nos sonhos e devaneios que tinha em sua janela. Mas sentir era tão diferente. Tão assustador.
Fazia tanto tempo que o amor não a fazia bem que sequer lembrava-se do que era. Tentou lembrar de como eram seus pais juntos, mas só conseguia ver a imagem de Arthur distante e de Arabella chorando. Sabia que o amor não era só aquilo que ela viu, mas… e se fosse? O amor nem sempre machucava, mas… e se machucasse?
Imelda estava certa. Sebastian gostava dela. E ela estava certa em dizer que Scarlett também gostava dele. Contudo, ela não sabia se queria. Quer dizer, ela queria. Mas… mas… mas…
Scarlett gritou.
Milhares de bolhas subiram, fazendo cócegas em sua face até estourarem na superfície segundos antes dela também emergir. Sebastian estava fora da água, sentado na toalha ao lado de todas as suas roupas. Estava bem atento à água, mordendo uma maçã em silêncio completo, com várias gotículas de água escorrendo por seu corpo.
Scarlett nadou até a borda e saiu. Tinha se esquecido da pouca roupa que vestia, mas os olhos de Sebastian a lembraram disso quando ele a secou de cima a baixo. Sua chemise estava grudada no corpo, transparente, marcando suas curvas acentuadas pelo espartilho. Sky preferiu fingir que não tinha percebido, apesar da vergonha que ferveu suas bochechas. Foi estranhamente boa a sensação de ser olhada daquela forma. Sentou-se ao lado dele, cobrindo bem suas pernas e pegou a maçã da boca dele.
Sebastian pigarreou e piscou algumas vezes antes de tirar as comidas que trouxe na cesta. Tinha morangos, mel, tortinhas de abóbora, bolos de caldeirão, alguns sapos de chocolate e uma garrafa de whisky de fogo que fez Scarlett gargalhar quando a pegou. Ele serviu um copo para cada só até a metade.
— Nada de ficar louca como na festa de outono!
— Nunca mais! — Ela levantou a mão em um sinal de juramento e os dois brindaram.
Scarlett bebeu um longo gole e fez uma careta quando o líquido queimou a garganta. Sebastian não se incomodou com o ardor, deixando seu copo de lado para servir-se de morangos.
— Você bebe faz quanto tempo?
— Não muito, acho que no quarto ano, quando fui para a primeira festa de outono, mas já tinha experimentado as bebidas do meu tio escondido.
— O meu pai tem uma adega enorme. Sempre quis invadir. — Ela encheu a boca com uma tortinha de abóbora.
— E por que não o fez?
Scarlett deu de ombros, mastigando a tortinha como se estivesse comendo um pedaço do céu. Sebastian riu nasalado e esticou o braço para limpar o farelo do canto da boca dela. Apertou levemente seu queixo e deixou a mão pousada em sua perna.
Scarlett comprimiu os lábios em um sorriso e segurou a mão dele, receosa de que ele sentisse qualquer uma de suas cicatrizes. Por um movimento de Sebastian de prender seu dedão sob o dele e ela tentar tirar, os dois começaram uma pequena briga de polegares. Os risos ecoando nas paredes da caverna e sumindo na escuridão do corredor.
— Do que você tem medo? — Sebastian quis saber.
— Ah… não sei… — Franziu o nariz, puxando o seu dedão para que Sebastian não ganhasse a brincadeira, esforçando-se para que conseguisse prender o dele, mesmo que sua mão fosse relativamente menor.
— Todo mundo tem medo, Sky. — Ele movia o dedo de um lado para o outro, apenas o mantendo longe dela para que o jogo continuasse.
— Hum… Inferis? Foi horrível encontrá-los.
— Justo. E o que mais?
— Tenho medo do meu pai. — Ela riu, como se estivesse contando uma piada. Ele acompanhou o riso, soando quase como uma lufada.
— É… Ele dá um pouco de medo mesmo. Acho que é o bigode.
Os dois riram.
— Tenho medo da morte… — disse, por fim, deixando ser pega por Sebastian e pendendo a mão, mesmo que não soltasse a dele.
— Mas…
— Eu sei, não temos como evitar. Eu só… tenho medo de sofrer, da dor ser insuportável, de eu não saber o que tem do outro lado. Se for ruim como os trouxas dizem? Eu não quero ir para o inferno deles. E… e se eu não for pra lugar algum? Virar um fantasma e não viver, mas também não morrer?
O desabafo veio rápido demais, ele não previu. Os olhos dela intensificavam o medo que sua voz trazia. Sebastian entrelaçou seus dedos da mão que ainda mantinham juntas e tocou a nuca dela com a outra, deslizando o polegar por sua tez macia e quente.
— Eu prometo que nada de ruim vai acontecer com você quando você morrer. E isso só vai acontecer quando você estiver bem velinha. Sem dor alguma. Você irá dormir e vai acordar num lugar maravilhoso.
— E… e se eu ficar sozinha? Eu não quero ficar sozinha… — exprimiu, quase chorosa.
— Você não precisa nunca mais ter medo de ficar sozinha, Scarlett. Ainda não entendeu? Você sempre terá a mim. Sempre. Nessa vida ou em outra.
Pela segunda vez ele tinha sumido com todas as palavras que ela poderia dizer. Sua mente estava uma selva. De novo, o seu peito borbulhava e sua boca parecia acumular um milhão de coisas que ela não tinha coragem de dizer. Era medo e ansiedade. Euforia e algo quente, forte. Que tinha forma, tinha nome, mas ela ainda não tinha coragem de assumir.
— E você a mim. — Foi a única coisa que seu coração conseguiu traduzir de toda aquela bagunça.
Sebastian sorriu. Hesitante, tentando controlar, mas sorriu. Curvou-se lentamente e a puxou para si, até que finalmente pudesse sentir seus lábios com o doce da abóbora misturado ao destilado do whisky. Seus corpos se arrepiaram como se uma corrente de ar tivesse passado por ele, como se seus corpos precisassem estar juntos para se aquecer.
Aquele beijo o colocava em estado de frenesi sempre. Torcia com toda a força para que nunca mais tivesse que viver sem aqueles lábios juntos ao seu. Contudo, teve que ser ainda mais forte para afastar-se. Abaixou a cabeça e respirou fundo. O sangue corria mais quente por seu corpo e isso não poderia ir para frente.
Porcaria de promessa estúpida.
— O que isso?
Cautelosamente, Sebastian ergueu a barra da chemise que cobria as pernas de Scarlett. Logo abaixo do joelho, tinha uma cicatriz grande que pegava parte da outra perna em um corte transversal. No mesmo segundo, ela se afastou e se encolheu para cobrir toda a perna.
— Nada, um machucado antigo. Caí do cavalo.
— Não me parece queda de cavalo.
— Mas foi.
— Você sabia que sempre que mente, uma veia salta bem aqui. — Ele tocou o meio da sobrancelha dela. — Você não confia em mim?
— Não é isso. Só…
Droga! Esconder as coisas de Sebastian era tão, tão difícil. Ele a abria como um livro. Aqueles malditos olhos castanhos buscavam pela verdade, sempre. E sempre a encontrava, mesmo que Scarlett tentasse esconder. Ela bufou.
— Foi por problemas em casa. Eu acabei aprontando, mas não me lembro o motivo, para ser sincera. — Até porque eram muitos açoites para se lembrar de uma cicatriz em específico.
— E seu pai te bateu? — Apesar de ter perguntado, ele já sabia a resposta desde o dia da festa.
— Foi só dessa vez. Devo ter feito algo estúpido demais. Coisa de criança. — Enchendo a boca, ela tornou a cobrir as pernas, visivelmente incomodada. Só por esse motivo, Sebastian não perguntou mais nada.
Scarlett tinha murchado. Estava tudo tão bom que ela havia se esquecido daquelas malditas marcas de que tanto se envergonhava. Queria cobrir-se logo, sumir com aquilo e fingir que nada existia, como fazia muito bem, então pediu para voltarem para Hogwarts voando. Seria um bom tempo para passar junto a Sebastian e estaria segura e torcendo para ele esquecer que viu aquilo.
༻✦༺
Os dois chegaram a Hogwarts antes do por do sol, conseguiram disfarçar e disseram estar no Lago Negro por toda aquela tarde antes de voltar para a Sala Comunal. Sky seguiu para o corredor feminino, levando a vassoura de Anne e Vys em seu ombro, e Sebastian correu para o quarto.
Não foram para o jantar naquela noite. Scarlett tomou seu banho e foi estudar mais um pouco antes de dormir e Sebastian debruçou-se em livros sobre magias arcaicas, só se levantando quando viu já ser tarde demais e que precisava tomar seu banho.
Ele iria ter que pesquisar muito para achar algo parecido com o que Scarlett usava para, talvez, entender a si. Não sabia por onde começar, mas deveria começar logo se fosse ajudar Anne. E essa seria uma desculpa perfeita para ocupar Scarlett com ele por horas a fio na Galeria Subterrânea, longe do Garreth.
Demorou os vinte minutos que pode na água quente. Cumprimentou Sirius com um aceno de cabeça, como quem marca sua presença, mas não mostra amizade, e voltou para o quarto, encontrando Ominis já pronto para dormir.
— Como foi o estudo de hoje? — sondou Ominis.
— Hã? — Sebastian franziu o cenho, perdido.
— Com a Scarlett? Não estavam estudando, como ontem? — Ominis ergueu uma sobrancelha.
— Ah, claro. Foi… tranquilo. — Sebastian deu de ombros. Tinha um leve sorriso nos lábios. — Ela está se saindo bem.
Ominis parou, a verdade correndo no fundo de seus olhos cinzentos.
— Eu conheço esse tom. — Ele cruzou os braços.
— Que tom? Não tem tom nenhum. — Ele colocou a roupa usada no cesto de roupa suja com a expressão mais lavada do mundo.
— Eu sou cego, não burro, Sebastian. Vocês de risinhos, sempre juntos, sumindo por aí. Eu conheço muito bem esse roteiro. — Ominis não estava muito amigável em seu tom de voz. Se tornou protetor demais, de repente.
— Somos amigos, Ominis. — rebateu, entediado, mas Ominis não comprou. Conhecia Sebastian mais do que qualquer um naquela escola.
— Sebastian, a família dela, às vezes, consegue ser pior que a minha, se vocês estão tendo algo… — Ele crispou os lábios.
— Não viaja, cara. — Sebastian secou o cabelo com a toalha antes de jogar-se na cama. — E se estivéssemos, qual o problema? Não sou pior que nenhum lá fora.
— Essa é a sua resposta?! — Ominis se exaltou. — Porra, Sebastian, ela é a minha amiga! Você não pode fazer com ela o que fez com as outras!
— Eu não estou fazendo nada. — Ele estava tentando se controlar, mas a paciência estava se esvaindo rápido demais.
— Você não pode namorá-la. — advertiu, incisivamente, fazendo Sebastian sentar-se na cama para encarar o amigo.
— Do que você tá falando, Ominis? Você não estava com a Anne? Vai me dizer que quer a Scarlett também?
— Sebastian, me ouve ao menos uma vez, você não pode fazer isso. — insistiu — Pelo menos não ainda.
— Como “não ainda”? Que história é essa, Gaunt? — Sebastian levantou-se em um salto.
— Você gosta dela, não gosta?
— Não foge do assunto.
— Responde! Gosta ou não? — O silêncio dele foi suficiente para Ominis ter sua resposta. Ele riu, incrédulo. — Se você gosta dela, gosta realmente dela, não faça nada que não gostaria que fizessem com a Anne. Guarde suas vontades e a honra dela… até… até o momento certo.
— Eu não preciso de você me dizendo o que fazer. — grunhiu.
— Não estou fazendo isso por você, estou fazendo por ela. — Ominis deitou-se.
Sebastian fechou as mãos em punho e segurou o ímpeto de socar a porta do guarda-roupa ao lado, voltando para a cama e se cobrindo por completo.
Qual era a dele, afinal?
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.