História Esperançar - Perdoar

No dia seguinte dormi por muitas e muitas horas. Não sei exatamente por quanto tempo, mas quando acordei estava tudo escuro. No instante em que abri os olhos, a primeira imagem que surgiu foi a do beijo.

Não sabia por qual motivo minha mente gostava de me torturar. A minha cabeça também doeu, então fiz um esforço para descer da cama e ir até a cozinha. Mesmo sendo um domingo, meus pais estavam trancados no escritório.

Podia ouvir meu pai falando ao telefone com alguém, e minha mãe digitando algo no notebook. Tirei o prato que estava guardado para mim no micro-ondas e comecei a caçar um suco na geladeira. Minha boca estava tão seca quanto o deserto.

Meu estômago revirou com o gole longo, e pensei por alguns minutos se seria uma boa ideia comer. Mas o ronco na barriga me lembrou que não tinha comido nada o dia inteiro.

A comida provavelmente foi comprada, porque eram raros os momentos em que meus pais cozinhavam. Nem para isso eles tinham tempo. Mas naquele momento foi bom, porque pais preocupados me encheriam de perguntas e gostariam de saber do motivo da minha cara de choro.

Quando terminei, coloquei o celular para carregar e liguei o aparelho antes de ir direto para o banho. As milhares de notificações enchiam a tela, e eu desbloqueei apenas para confirmar que eram mensagens e ligações perdidas de todos os meus amigos.

Foi difícil ignorar o nome de Hoseok brilhando na tela, principalmente a mensagem que dizia que ele tinha vindo até minha casa mais cedo. Não pensei em nada para responder, então apenas bloqueei a tela novamente.

Meu humor estava péssimo e eu precisava me afundar novamente num longo sono. Coloquei o celular de volta na mesinha de cabeceira e me escondi debaixo das cobertas, no mesmo minuto a porta se abriu.

— Yoongi... — era minha mãe.

— Hum — me remexi na cama, resmungando.

— Você dormiu o dia inteiro!

— Eu tô cansado, mãe. Fiquei até tarde jogando com Jin e não tive muitas horas de sono a noite passada.

— Isso não é vida, você deveria estar estudando. Daqui a pouco vai precisar prestar o vestibular e perde preciosas horas da sua juventude dormindo.

— Agora não, por favor.

—  Olha só esse lugar que você tem coragem de chamar de quarto. Está um horror.

— Eu prometo que limpo tudo amanhã.

— Você pelo menos comeu alguma coisa?

— Apenas finja que não existo como sempre fazem. Por favor, hoje não. Por favor.

A minha mãe estalou a língua para minha insolência, mas decidiu que o momento de rebeldia não valia o precioso tempo dela. Fui deixado sozinho e bufei, finalmente saindo debaixo das cobertas.

O quarto realmente estava uma zona. Parece que um furacão havia passado por ali. Decidi levantar para arrumar, e no meio da faxina Seokjin apareceu dizendo que meu pai havia deixado que entrasse.

Conversei com meu amigo sobre tudo o que aconteceu a outra noite, contando as coisas que me lembrava e que ele não sabia. Jin também me contou um pouco sobre o caminho até a casa de Jeon, recobrando um pouco da memória perdida.

Ele também contou que eu tratei Hoseok muito mal quando me recuperei do desmaio, que não queria olhar no rostinho bonito dele. Pois achei bem feito. Segundo meu amigo, nem permiti que ele dividisse o mesmo táxi que a gente até a casa de Jungkook.

Então ele também esteve lá, me viu bêbado e só de cueca! Seokjin riu de mim, e depois de alguns minutos, estávamos rindo juntos. Só quando as coisas estavam organizadas e nós dois sentamos frente a frente foi que ele dividiu suas novidades comigo.

(...)

Encontrar meus amigos na segunda foi bastante constrangedor. Ninguém sabia se deveria ou não tocar no assunto, estavam todos pisando em ovos. No final das contas, a festa foi esquecida e seguimos com nossas vidas normalmente.

Percebi que deveria me perdoar, pois cometi muito erros aquela noite. E que deveria perdoar Hoseok, porque nós não namorávamos e não existia um contrato dizendo que ele não poderia beijar outras pessoas.

Perdoar Taehyung, porque ele também não sabia de nada sobre meus sentimentos. Perdoar Jungkook, porque ele ainda era novo demais e é completamente normal fazer burradas nessa idade. Eu mesmo fiz muitas delas.

Também perdoar Seokjin e Namjoon, mas principalmente a mim mesmo. As coisas aconteciam com muita intensidade dentro de mim, e eu nunca sabia muito bem como agir. Mas não tinha culpa de nada disso, nem todo mundo sente igual.

Continuamos a almoçar juntos, a passar tempo juntos, e conversar como se nada tivesse ocorrido. Não parecia que alguma coisa além de amizade rolava entre Taehyung e Hoseok, mesmo depois do beijo, e isso me tranquilizou um pouco.

Jin e seu namorado se tornaram ainda mais insuportáveis. Namorados, agora nossos amigos diziam isso em alto e bom som e não poderia me orgulhar mais. Jungkook havia finalmente parado de me tocar excessivamente, acho que meus chutes foram um bom alerta.

A semana correu bem e não foi um monstro de sete cabeças. Exceto por Hoseok. Ainda não havia conseguido juntar forças o suficiente para conversar a sós com ele. A covardia permanecia muito forte em mim.

— O que faremos no final de semana? — Taehyung perguntou e eu congelei. — Meus pais ainda não estão em casa.

— Nada de festas por enquanto, por favor — Seokjin quem me salvou.

— Que tal a gente assistir filmes, como um grupo de amigos normais?

— Não, não — Jeon cortou a fala de Namjoon. — Você vai ficar o tempo todo agarrado no Seokjin hyung e eu não tenho estômago para isso.

— A gente pode sair para comer alguma coisa — Taehyung deu a ideia.

— Ou sair para andar de bicicleta — Jungkook continuou.

— Gostei. Andar de bicicleta é legal — Hoseok pareceu animado pela primeira vez em dias.

— Nós podemos acordar cedo no sábado e-

— Ah, não. Acordar cedo não — eu resmunguei.

E então todos os meus amigos riram e uma discussão calorosa começou. Hoseok falou sobre uma trilha que existia num parque um pouco afastado da cidade e Namjoon lembrou que não teria como enfiar todo mundo num carro só.

Então uma nova rodada de discussões de iniciou. No fim, andar de bicicleta venceu. Taehyung disse que havia um restaurante muito bom no parque do centro e que poderíamos almoçar lá.

— Então é isso, não é? Andar de bicicleta — Namjoon parecia muito animado, ele com certeza é alguém diurno. — Vai ser legal. Revigorante.

— Sim! — Alguns concordaram, animados, e eu dei de ombros.

O que eu não faria pelo meu grupo de amigos? Coisas extremamente absurdas como andar de bicicleta em um sábado de manhã. Atividade física no final de semana tem cara de castigo, ainda mais para alguém tão preguiçoso e sedentário como eu.

— Yoongi não acorda cedo nos finais de semana — Seokjin comentou. — Não contem com a presença dele.

— É verdade. — Hoseok confirmou, rindo da minha cara ofendida. — Ele não vai.

— Vou ser o primeiro a acordar, vocês vão ver.

— Por favor, hyung. Você precisa ir. — JungKook segurou meu braço e o movia de um lado para o outro.

— Eu vou, criança — ele sorriu com os dentinhos adoráveis e não pude deixar de sorrir de volta.

Não sou uma pessoa que curte acordar cedo, eles sabem disso, mas me fizeram prometer que iríamos andar de bicicleta de manhã cedo! Eles não podiam duvidar que estava tudo bem depois disso, era minha maior prova de amizade.

O sinal que indicava o final do almoço soou e nos separamos no corredor, todos indo para suas respectivas salas. Depois da conversa animada, as horas pareceram correr. Logo estava voltando para casa na companhia de Seokjin.

Estava cansado e a vontade de dormir era grande, mas resolvi adiantar os exercícios e passei algumas horas estudando. No fim, coloquei meu uniforme e algumas roupas para lavar e preparei alguma coisa para comer.

Jin mandou uma mensagem dizendo que iria para um encontro com Namjoon, e eu corri até a casa próxima da minha para ajudá-lo a escolher algo para vestir. Haviam algumas opções de look sobre a cama e ele os trocava enquanto discutíamos as possiblidades.

Meu amigo estava fora de si de tão contente, aquilo aquecia meu coração mole. Nada me fazia mais feliz do que ver as pessoas que amo felizes. Nós dois ríamos juntos e eu o ajudei a ajeitar o cabelo, com Seokjin reclamando das minhas habilidades a cada minuto.

— Estou com as mãos no seu cabelo. Se continuar me xingando, não vou pensar muito antes de te deixar careca.

— Ah, querido. Isso não me assusta nem um pouco. Sei que ficaria lindo mesmo sem nenhum fio de cabelo na cabeça.

E mais uma vez estávamos rindo. No fim de todo o processo, Seokjin estava mesmo algo sobrenatural. Nunca o vi tão bonito, nem tão nervoso. Disse que tudo ficaria bem e o fiz companhia até a chegada de Namjoon.

Assim que coloquei os pés de volta em casa, percebi que meus pais haviam acabado de chegar. Os cumprimentei minimamente e segui para meu quarto. Tinha planos de colocar alguma coisa para assistir, talvez jogar, mas antes que pudesse ligar o computador a voz da minha mãe soou pelos corredores.

— Yoongi! Tem alguém aqui.

Não fazia ideia de quem poderia ser, então desci correndo sem me dar ao trabalho de conferir meu reflexo no espelho. Me assustei ao chegar na porta e dar de cara com a última pessoa que esperava.

Me encostei no pedaço de madeira e tentava recuperar o fôlego perdido, mas meu coração batendo tão forte tornava a tarefa muito complicada.

— O que quer, Hoseok?

— Conversar?

— Não é meio tarde para se fazer visitas a alguém?

— Não ao meu melhor amigo — ele sorriu um pouco tímido e me amaldiçoei por acha-lo perfeito.

Foi exatamente por esse motivo que não queria ficar sozinho com Hoseok, eu era fraco demais perto dele. Meu coração acelerado confirmava isso muto bem. Precisei de alguns segundos, mas quando falei novamente, soei mais firme.

— É tarde para aparecer em qualquer lugar.

— Não vai mesmo me deixar entrar? — Ele perguntou e eu fingi pensar, Hoseok pareceu indignado no mesmo minuto.

— Vai ser rápido?

— Não.

— Então não acho uma boa ideia, é tarde.

— Eu posso sempre dormir aqui.

Dormir? Aqui? Meu pobre e fraco coração se agitou mais uma vez. Eu era mesmo um estúpido, mas como dizer não para aquele rostinho adorável? Como dizer não para o amor da minha vida?