Estereótipo, segundo o dicionário, é algo que se adequa a um padrão fixo ou geral.
É claro, eu precisei de mais do que alguns segundos procurando por uma palavra em um livro grosso e empoeirado para descobrir que, para um colegial, estereótipos são bem mais complicados do que isso.
Eu estava no terceiro colegial quando percebi o quanto estava presa a estereótipos. Foi mais ou menos no momento em que me deparei com o meu “tipo ideal” encostado num armário do outro lado do corredor.
E é claro que “tipo ideal” é apenas outro termo para “um estereótipo de cara perfeito criado a partir do padrão de personagens incríveis que eu vi na TV e, obviamente, não existem”.
Eu sei, soa ridículo, mas veja bem: eu não sabia que tinha criado isso na minha cabeça. Digo, esse patamar quase inalcançável de namorado arquétipo.
Mas, então, lá estava ele: seus ombros largos cobertos por alguma camiseta com estampa de heróis, os jeans rasgado nos joelhos e os tênis vermelhos nos pés — esses que se tornariam, praticamente, sua marca —. Até seus olhos puxados e cabelo repartido de lado pareciam perfeitos para mim.
Jeongguk era, definitivamente, aquilo com o que eu sempre sonhei: um cara geek e divertido, mas também com uma pinta de bad boy indie e um ótimo coração.
Todavia, essa foi apenas a minha visão dele. Um estereótipo criado a partir de outro estereótipo, que acabaria por formar uma avalanche deles.
Ah, se eu soubesse…
Assim que tratei de gravar todas as características do meu garoto dos sonhos, fiz o que qualquer uma no meu lugar teria feito: surtei. E depois o descrevi para uma amiga que provavelmente saberia de quem se tratava, é claro.
— Ele é asiático? — Maddie indagou com o cenho franzido.
— Eu não sei. Ele tem olhos puxados. — retorqui-a. Seus olhos verdes se fixaram nos meus; pude ver um brilho surgindo neles antes de sua voz soar novamente:
— É o Namjoon? Do quarto.
— Nah — entortei o nariz —. Não acho que ele seja um Sênior. Ele tinha cara de bebê.
— Entendo. — soprou o ar ruidosamente por entre os lábios. Seus cabelos curtos se esvoaçavam com o toque do vento. Estávamos no pátio externo. — Não têm muitos asiáticos na escola.
— Qual a vantagem de se ter uma amiga presidente do Grêmio se ela não te ajuda a identificar um aluno bonito? — brinquei. — Além disso, ele não é, necessariamente, oriental. Ele tem traços de lá, mas pode ter nascido aqui. — dei de ombros.
Maddie me olhou de lado. Sua cabeça estava apoiada em sua destra. Eu arrumei sua postura no banco antes de continuar a conversa. Ela não protestou.
— Tudo bem. Não têm muitos seres humanos de olhos puxados no colégio, então.
— Melhor. — sorri. Meus olhos se desviaram para as pessoas ao meu redor, mas nenhum rosto era aquele no qual eu ansiava reencontrar.
— Onde você o viu? — a voz da morena me trouxe de volta à conversa.
— Eu tinha acabado de sair da sala de música. Fui beber água e, quando levantei e me virei para seguir até aqui, lá estava ele, com todo seu charme e beleza. Foi surreal. — suspirei. Meu tom era o de uma boba apaixonada.
— O armário dele deve ser lá. Tinha alguém com ele?
— Acho que sim. — franzi o cenho — Mas eu não prestei muita atenção nos outros.
— Não consegue se lembrar de detalhe algum? — insistiu, em um último fio de esperança que fora cortado assim que eu meneei a cabeça em negação. Ela suspirou. — Eu vou checar os meus contatos. Preste mais atenção ao sair das aulas de música a partir de agora.
— Eu vou. — sorri, determinada.
O resto daquela manhã fora ofuscado pela imagem do moreno de olhos puxados sorrindo de lado em minha memória. A cada troca de aula, que vinha de brinde com corridas curtas pelos corredores, eu tinha a sensação de vê-lo. Quase pude jurar dezenas de vezes que ele estava lá, exatamente do mesmo jeito: encostado na superfície rubra e metálica, com as mãos nos bolsos e um brilho único nos olhos.
— Maeve — Hale disse enquanto balançava suas mãos em frente ao meu rosto, visando me tirar do transe. Pisquei algumas vezes antes de fitá-lo.
— O que foi? — murmurei, entediada.
— Você entendeu como se acha a entalpia das equações? — indagou-me. Seus lábios formaram um biquinho frustrado. Sorri.
— Eu não consigo achar nem meu rumo na vida, amigo.
Ele riu.
— Você perdeu quando cruzou com aquele garoto.
— Você me conhece tão bem. — ironizei.
— Eu sou a porra do seu melhor amigo. Conheço até o seu ciclo menstrual e seus primos distantes. — devolveu. Seu cotovelo esbarrou com o meu em uma provocação inofensiva.
— E o que eu faço agora, então? — arqueei uma sobrancelha. Ele deu de ombros.
— Você disse que ele tinha cara de nerd… — ergueu o olhar, fixando-o no teto. — Nerds gostam de ruivas. E peitos.
Mordi o lábio inferior enquanto descia o olhar por meu próprio corpo preso na carteira escolar, frustrando-me ao constatar o óbvio.
— Minha massa tetalar é lamentável. — suspirei. Então, corri os olhos e os dedos pelos meus cabelos. Castanhos. Bem escuros. — Eu não sou nada disso.
— Não é universal. Eles gostam de garotas morenas, também. Principalmente das baixinhas e fofas. E com pernas bonitas. E que usam aquelas saias de colegial, sabe? É quase um fetiche. — voltou a mirar-me, com um sorriso infantil em face. — É bem previsível.
— Hale — soprei, cautelosamente. Minhas mãos alcançaram seu rosto, aproximando-nos. Pude notar quando ele engoliu a seco. —, eu não sou o tipo dele. Ele nunca olharia pra mim.
— Ele é cego? — disse. Sua voz soou abafada pelo meu aperto em suas bochechas. Eu sorri outra vez, apertando-o antes de soltá-lo.
— Acho que não. Não. — encostei os cotovelos na mesa, prendendo minha cabeça entre as mãos unidas sobre eles. Meu olhar vagou pelo quadro negro coberto pela matéria de Química.
— Você é linda. Não esquente com isso.
— Eu sei que sou. — olhei-o por cima do ombro. — Mas eu não sou o tipo do meu tipo, entende?
— Não tenha um tipo. Simples. — apanhou um lápis, encarando seu caderno em seguida. — Qual dos lados é o reagente, mesmo? — mudou de assunto. Bufei.
— O primeiro. Eu acho. Mas foca aqui. — pedi. Ele me olhou por debaixo da franja bagunçada. Os cachos abertos pendiam sobre sua testa, num daqueles típicos cortes de vocalista de banda alternativa.
— Se o seu crush não for bom em Química, acho melhor o deixarmos de lado agora.
— Será que ele é? — sorri com o pensamento. — Eu estou obcecada. Preciso parar com isso. — suspirei, tentando afastar o garoto dos meus pensamentos.
— Realmente. Vamos focar no futuro e estudar. — Hale replicou, desinteressado no meu crush. Ele sabia que era momentâneo, assim como eu. Não era a primeira vez em que eu me encontrava alucinada por algum garoto bonito, mas era a primeira em que ele era… bem, perfeito. Ao menos, aos meus olhos. Os outros eram apenas caras gostosos ou atrativos — e eu já havia conseguido o que queria ou desencantado de todos eles.
Olhei para mim mesma de novo. Eu me achava bonita e orgulhava-me disso. Levou anos para que pudesse me sentir confortável com o reflexo no espelho e minha própria personalidade, não tentaria mudar isso por alguém. Não, não valia a pena.
Mas eu queria que ele olhasse para mim. Queria conversar sobre tecnologia e astrofísica, heróis e música. Qualquer coisa que pudéssemos ter ou não em comum.
— Hale. — cantarolei com o tom mais fofo que eu era capaz de forçar. — Você acha que ele gostaria de mim?
Hale bufou antes de focar sua atenção em mim outra vez.
— Eu acho que qualquer um gostaria de qualquer um. Eu não sei.
— Você disse que eles têm um tipo.
— Todo mundo tem um. É uma preferência. Sentir-se mais atraído por algumas características em especial não quer dizer ignorar as outras. Você é um exemplo disso. Já deixou de ter interesse em um louro só porque prefere morenos? Nunca.
— Tem razão. — disse após alguns segundos pensando.
— Vai lá e fala com ele. Você não perderia nada.
— A não ser que ele seja um idiota. — ri fraco. O professor, que passava algo na lousa novamente, olhou-me com cara de poucos amigos. Calei-me.
— Nesse caso, ele quem perderia alguma coisa. — Hale murmurou. Sorri.
— Então vocês mantém o sinal do maior. — O professor terminou alguma explicação na qual eu mal prestei atenção. Fiz careta para as coisas escritas na lousa.
— Ele fala como se fizesse sentido. — ciciei. Hale franziu o cenho.
— Com licença — levantou a mão. —, eu não entendi o que você fez no começo.
O professor respirou fundo.
— É só focar aqui. — apontou para a última fase da conta.
— Mas eu não sei o que fazer para chegar aí. — Hale rebateu.
— É só fazer.
— Como eu vou fazer se eu não sei fazer? — sua voz soou arrastada, coberta de frustração.
Mordi o lábio inferior, tentando segurar o riso. O restante da sala também parecia se esforçar para não explodir em gargalhadas.
— Olha, você tem que fazer do jeito que tem que fazer. Ponto. — Sr. Nipples disse, claramente sem paciência. Ele desistiu de tentar explicar e sentou-se na mesa em frente à todas as outras, num claro sinal de que não responderia mais perguntas.
Hale bufou ao meu lado.
— Bem esclarecedor.
Finalmente, me permiti rir baixinho. Olhei ao redor, vendo meus colegas de classe fazendo o mesmo, mas calamo-nos assim que um olhar censurador do professor caiu sobre nós.
Com o silêncio reinando na classe e a falta do olhar de meu melhor amigo sobre mim, deixei-me mergulhar em pensamentos outra vez. Nadei nas bocas que já beijei e perguntei-me qual seria o gosto da pertencente ao moreno do corredor.
Se ele realmente fosse estrangeiro, teria um sotaque diferente? Céus, eu adorava sotaques. Até nisso ele parecia ser perfeito.
Parecia. Bobagem. Parecia com o quê? Não sabia eu que para comparar algo são necessários dois ou mais objetos ou corpos?
E eu só tinha um: a minha concepção dele.
Este é, com certeza, o problema sobre concepções e/ou estereótipos ou concepções sobre estereótipos ou estereótipos sobre concepções: a realidade é, quase sempre, muito diferente. Quase. Mas, mesmo que esta história seja abundante em “quases”, nem todos eles são ruins.
Oras, o melhor nos estereótipos é, justamente, quebrá-los. Se é que me entende.
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