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História Eu e Você na Terra dos Girassóis - Bem que me quer


Escrita por: Tinkerbaek

Notas do Autor


OLÁ, PESSOAL!

Ah, então finalmente chegou o dia, né? O dia do capítulo final... Passou até rápido (tirando aquele meu atraso, ugh). Vou logo agradecendo a todo mundo que acompanhou do início ao fim, das pessoas que apareceram depois... Todos vocês me deixaram muito felizes. Obrigada pelos comentários, pelos favoritos e por indicarem pros seus amigos. Obrigada por gastarem seu tempo precioso lendo algo que faço com muito amor e carinho.

Queria agradecer muito a Kerolzinha (therewasonce) por ter me ajudado taaanto na correção dos capítulo. A maior nenê do universo, já pode entrar! <3

Espero vê-los em outros histórias minhas, tanto as futuras, quanto as que já estão postadas e que vocês talvez tenham interesse em ler algum dia.
(PS: Como já sabem, a fic tem temas fortes, então só avisando que é se o início do capítulo for forte demais pra vocês, pulem, ok?)

Agora, sem mais delongas, fiquem com o final de Eu e Você na Terra dos Girassóis.

Capítulo 11 - Bem que me quer


Fanfic / Fanfiction Eu e Você na Terra dos Girassóis - Bem que me quer

“Vamos, Baekhyun.” Disse aquele homem, de forma calma, porém incômoda, esperando que eu fizesse como me fora ordenado.

O que acontecia naquela sala me marcaria para sempre, mesmo que estivesse ali por apenas três dias. Ainda podia sentir o inchaço dos meus lábios e do meu olho direito, que só agora eu conseguia abrir um pouco. Meu corpo doía pela surra que meu pai havia me dado antes de me jogarem na sala de isolamento. Para ele, não importava se eu estava fragilizado, o ‘demônio’ tinha que sair do meu corpo, por bem ou por mal.

Desde que fora preso naquele cômodo onde havia apenas um colchão, um abajur, um banheiro e uma bíblia. Descobri, com o maior pesar em minha alma, que o inferno não era um lago de lava, fogo, onde criaturas de chifre caminhavam com lanças na mão… O inferno estava na terra, o inferno me prendia entre suas quatro paredes cinzas…

Além dos machucados que mancharam minha pele com tons roxos e esverdeados, o esgotamento emocional que sentia me impedia de ficar em pé sem cambalear algumas vezes e, naquele momento, as lágrimas escorriam de meus olhos.

“Baekhyun…” O pastor líder chamou de novo, e eu tremi, sentindo uma enorme vontade de vomitar ali mesmo. Meu olhar caiu para a moça que estava a minha frente, a qual ele segurava pelos ombros, a mantendo em minha direção. Boram, a moça escolhida para ser minha esposa, olhava para o lado, tentando não chorar, enquanto a parte de cima de seu corpo era exposta, e suas mãos tremiam de vontade de cobrir-se. “Toque-a.” O homem ordenou.

A vontade de vomitar aumentara. Balancei a cabeça negativamente, cambaleando para o lado ao sentir minhas pernas falharem, tendo de me apoiar contra a parede enquanto dava passos para trás. Eu não conseguia achar outra palavra para aquela situação além de doentia. Desviei o olhar de Boram, que parecia tão humilhada e amedrontada quanto eu.

“Baekhyun, você precisa ser curado…” Senti um misto de medo e raiva com aquela voz, que ainda soava grotescamente calma, mas ameaçadora. Ele se aproximou, empurrando a moça em minha direção. Fechei os olhos rapidamente, comprimindo os lábios para tentar não soluçar, até que mãos grandes seguraram meu queixo e um de meus pulsos. “Toque-a.”

Ele tentava me fazer virar o rosto novamente, enquanto puxava minha mão para que encostasse no torso desnudo da moça que, de forma tão injusta, estava sofrendo por algo que ela sequer tinha envolvimento. Mas ela, segundo o pastor, era minha noiva, e só ela poderia curar minha ‘doença’. Então, do que importava se eu a tocasse daquela forma antes do casamento? Ela seria minha esposa, ele dizia… Eu queria gritar, abrir um buraco na parede e fugir dali.

“Toque-a.” Ele repetiu.

“Não…” Respondi, pela primeira vez. Após me ouvir, o senhor sorriu de um jeito irônico, como um adulto rindo da malcriação de uma criança.

“Você vai tocá-la…”

“Não…” Repeti, andando mais para trás, até sentir a parede bater em minhas costas. Naquele instante, ouvi a voz de Chanyeol, de forma abafada, parecendo implorar enquanto pedia para que, quem quer que fosse, parasse de fazer algo que eu não sabia o que era… Aquilo me despertou. “Chanyeol…” Murmurei para mim mesmo, me desviando da moça e do pastor para andar, mancando, até a porta. “Chanyeol!” Gritei o mais alto que pude, mas antes que pudesse socar a porta, mãos agarraram meus cabelos, me puxando com força. Arfei, tentando me soltar, porém fui arrastado até a pia que havia dentro daquela sala, que estava transbordando com água, e minha cabeça foi afundada sem piedade dentro dela. A sensação de afogamento é uma das mais aterrorizantes possíveis. A incapacidade de respirar era dolorosa, além do desespero… Pois estava fragilizado demais para conseguir me desvencilhar. Segundos se passaram, o que pareceram horas, até que fui puxado pela nuca de volta, sentindo o alívio de poder respirar novamente.

“Parece que o demônio realmente não quer sair do seu corpo…” Ele falou, tocando meus fios de cabelo de maneira estranhamente lenta. Soltei um soluço meio preso, tentando não chorar. Boram estava encolhida do outro lado daquele quarto, cobrindo-se, com lágrimas nos olhos e parecendo horrorizada com o que acontecia ali. Não tive tempo de sequer falar alguma coisa, pois fui afogado novamente. “A água do Senhor vai tirar o diabo daqui!” Dessa vez, ele alterara a voz de forma assustadora.

Meu rosto foi submergido diversas vezes… E todas as vezes, o desespero era o mesmo. Até que, depois que ele pareceu se cansar, deslizei da pia para o chão, tremendo e tossindo. Havia perdido completamente minhas forças, e só pude observar aquele homem ordenar Boram subir seu vestido azul para puxá-la pelo braço, tirando-a de lá. Apenas parando para falar:

“Pense em seus pecados enquanto lê todos os salmos marcados na bíblia. Quando voltar de manhã, quero eles memorizados… Não podemos deixar o demônio ganhar, não é mesmo?” Ele sorriu em minha direção, o que me fez encolher para debaixo da pia.  

Por trás de minha visão embaçada pelas lágrimas, acreditava ter visto seus lábios da moça se mexerem silenciosamente… Ela havia dito ‘desculpe’, e aquilo fora o suficiente para que eu chorasse ainda mais ao ouvir a porta se fechar novamente, encostando meu rosto no chão frio, sem me importar em soltar um grito de desespero.

***

Em dado momento, eu não sabia ao certo há quantos dias eu estava naquela sala… O que martelava em minha mente todas as vezes que era deixado sozinho, após sessões horríveis de humilhações e agressões como continuarem entregando Boram para que eu a tocasse e ser afogado diversas vezes, além de ouvir orações nas quais os tapas que recebia em minha testa eram tão fortes que me faziam quase desmaiar, eu não conseguia parar de pensar em como queria desaparecer daquele lugar…

Naquele momento, estava deitado sobre o colchão fino, percebendo que já estava escuro do lado de fora, pois quando acordei, não havia mais um feixe de luz fraca que entrava pela pequena janela na parede de trás. Rolei para o outro lado, olhando para a porta e vendo que deveria ser bem tarde, já que minha bandeja de comida estava ali. Eu estava com muita fome, mas não tinha a mínima vontade de levantar para pegar minha refeição, então apenas fechei os olhos, pensando em como Chanyeol estava, e uma lágrima silenciosa escorreu por meu rosto.

Eu havia sido quebrado em milhões de pedaços. Esmagavam minha alma, minhas forças e minha felicidade. Mas meu amor pelo rapaz de sorriso gentil ainda estava fundo em meu coração, e aquilo ainda me dava um pouco de forças para suportar aquilo tudo, por mais que não soubesse o que o futuro me guardava.

Contudo, meus pensamentos foram interrompidos por um barulho estranho na porta. Rapidamente, me sentei, me encolhendo contra a parede atrás de mim. Meu coração disparou, nunca ninguém apareceu depois de entregarem a janta. Apertei o lençol do colchão com força, temendo o que viria pela frente. Eu já não aguentava mais aquela tortura inteira, e o pensamento de algo pior acontecer sempre tomava conta da minha mente quando via aquele homem entrar naquela sala.

“Filho…?” A voz que soara, entretanto, não fora a de um homem. O abajur de luz fraca iluminou a pessoa que havia fechado a porta atrás de si. “Meu bebê…” A figura de minha mãe, que antes segurava uma pequena lanterna em mãos, correu em minha direção, ajoelhando-se no chão e me puxando para seus braços. “Minha criança!” Ela chorou, acariciando meus cabelos.

Por alguns segundos tentei processar se aquilo que acontecia era real ou apenas um sonho, mas ao sentir o calor de seu corpo, relaxei em seu colo e soltei um soluço alto, abraçando-a com força, sentindo como se eu voltasse a ser uma criança que precisava do amparo da mãe.

“Mamãe sente muito!” Ela disse, segurando meu rosto e tentando limpar minhas lágrimas. “Me perdoa por deixar isso acontecer, meu bem! Ah, meu Deus!” Sua voz soara como um gemido de desespero. “O que fizeram com minha criança, Senhor?!” Ela me embalou em seu colo, e eu não pude parar de chorar.

“Mãe…” Chamei, sem saber direito o que falar. Mas tê-la ali era como se toda a proteção do mundo estivesse sobre mim, por mais que eu ainda sentisse tanta dor acumulada em meu peito.

“Filho, vem, você consegue levantar…?” Minha progenitora questionou, daquela vez sua voz parecia apressada. “Você precisa sair daqui, meu bem.” Naquele momento, fiquei confuso. Enquanto ela se levantava, me agarrei ao seu vestido, e sentia suas mãos segurarem meus braços para me ajudar a ficar de pé.

“Mas… Se eu sair, vão me jogar aqui de volta…” Disse, sentindo o corpo todo tremer. Naquele momento, a observei enfiar a mão também trêmula no bolso do vestido e retirar um papel dobrado, entregando-me logo em seguida. Desdobrei-o, confuso, e percebi que se tratava do último recado que Chanyeol havia me dado. Olhei rapidamente para minha mãe, arregalando meus olhos, em choque.

“Eu posso não concordar com suas decisões… Não vou mentir que queria que as coisas fossem diferentes… Mas você ainda é meu filho e eu vou te amar pra sempre! Eu não quero te ver sofrendo assim, não vou me perdoar se te deixar aqui!” Ela disse, parecendo firme, mas soando completamente destroçada ao falar a última frase. Suas mãos acariciavam meu cabelo, e ela me manteve equilibrado quando praticamente tropecei em meus pés por não conseguir sustentar direito meu peso em meio às lágrimas que caíam grossas. “E Deus ainda te ama também, eu sei disso! Ele não vai te abandonar, pois você é a pessoa mais gentil e bondosa que conheço! Ele nos ensinou que devemos amar, acima de tudo, não é? Perdoar, amar e não julgar...”

Eu não sabia o que falar, mas algo dentro de mim queria apenas agradecer e dizer milhões de vezes que a amava. A abracei novamente, escondendo meu rosto em seu vestido, segurando-a com força.

“Eu sei que Deus vai te iluminar e te proteger, pois vou ficar orando por você e… E também vou orar por ele… Deus vai proteger vocês dois...” Ela disse, tomando um fôlego. Sabia que estava falando de Chanyeol, e ouvi-la prometer que faria algo que, no fundo, sabia que era de grande significado para ela, me deixou ainda mais comovido.

“Se é essa a decisão que tomou pra sua vida… Está tudo bem. Espero que seja feliz e que saiba… Se precisar de mim, sou capaz de derrubar todos esses prédios pra ir até você.” Ela beijou minha testa, tirando meus cabelos do rosto. “Agora vá!” Minha mãe rapidamente se abaixara, pegando uma mochila, que sequer tinha visto que estava jogada no chão,  e a enfiou em meus braços.

“Mãe…”

“Eu vou ficar bem, prometo!” Ela disse, sorrindo enquanto levantava e me puxava junto. “Espero que escreva várias cartinhas pra mim e me diga como está.”

“A senhora… Vai ficar realmente bem?” Ela continuou sorrindo e me deu outro beijo na testa.

“Claro, meu bem.” Ela sorriu e, naquele momento, quando olhei para a porta. Chanyeol estava escorado contra a quina. Seu rosto estava machucado, mas ele sorria enquanto chorava ao nos olhar.

“Sua mãe abriu minha porta…” Ele murmurou quando viu que eu havia lhe notado ali. Andei o mais rápido que pude em sua direção e o abracei forte, tentando não chorar mais do que já havia chorado. Nos soltamos rápido, porém, pois temi que pudesse deixar minha mãe desconfortável e que alguém pudesse aparecer.

“Se cuidem, por favor…” Ela implorou e caminhou em nossa direção. A vi sorrir para Chanyeol, um pouco sem graça. Ele tentou agradecer novamente, mas fora interrompido. “Não precisa mais me agradecer… Só… Toma conta dele, por favor. Eu não vou estar junto, então preciso… Preciso saber que…” Tentou segurar seu choro, minha mãe sempre tentava parecer alguém forte na frente dos filhos. “Eu só preciso ter certeza de que ele vai ficar bem.” Disse, firme.

“Eu prometo.” Respondeu Chanyeol. “Que a senhora seja muito abençoada…” Ele completou, e ela sorriu, me dando um beijo na testa.

“Adeus, meu querido…” Minha mãe sussurrou.

“Eu te amo!” Disse rápido, apertando-a levemente pelo braço. “E diga pro Jongdae que eu o amo também.” Minha mãe acenou com a cabeça, segurando minha mão entre as dela, antes de largar para que Chanyeol e eu começássemos a nos afastar.

“Eu vou sempre te amar. E seu irmãozinho também.” Descobri, naquele momento, que o amor de uma mãe poderia ser surpreendente, e que nem tudo estava perdido. A esperança que haviam arrancado de meu coração havia sido colocada de volta, e eu pude sorrir novamente.

Com isso, partimos… Para longe dos portões de Vale das Glórias… As duas ervas daninhas haviam sido, finalmente, arrancadas do campo de girassóis.

***

Uma claridade incômoda, que invadia o local pela cortina, me despertou de meu sono preguiçoso, e gemi em descontentamento. O cheiro de ovos mexidos e bacon, contudo, tornava aquele iniciozinho de manhã mais agradável.

Sentei vagarosamente na cama, espreguiçando enquanto bocejava e sentia o lençol deslizar pelo meu torso desnudo. Pisquei algumas vezes, olhei para frente e sorri, encontrando o corpo esguio e magro daquele rapaz em frente ao pequeno fogãozinho. Ele usava apenas uma cueca, e seu cabelo estava completamente bagunçado, o que o deixava extremamente adorável.

“Bom dia?” Falei, chamando sua atenção. Chanyeol sorriu, mostrando sua covinha em minha direção.

“Bom dia!” Ele respondeu, empolgado.

“Estranho te ver acordar cedo num feriado.” Comentei, rindo.

“E é estranho te ver acordar tarde mesmo num feriado.” Ele retrucou enquanto se concentrava em quebrar mais alguns ovos.

“Touché.” Respondi, e ambos demos leves risadas. Levantei, por fim, de nossa cama e caminhei em direção a pequena mesinha logo ao lado do fogão, mas antes dando um beijo no ombro desnudo do outro.

Há alguns meses morávamos no trailer do primo de Chanyeol, na parte de trás do quintal, o qual ele havia nos cedido. Recentemente, nossa renda era baixa, pois dois professores de piano tão jovens, trabalhando de forma autônoma, não era um emprego que pagava realmente bem, mas dava para pagar o pequeno aluguel que era cobrado e outras despesas.

“Ah, isso chegou pra você…” Disse Chanyeol, me entregando um envelope assim que sentei na cadeira em frente a mesinha. Olhei rapidamente para o remetente apenas para confirmar que se tratava de minha mãe. Abri a carta com pressa, passando os olhos pelo que dizia ali.

Quando uma pessoa saía de Vale das Glórias por algum motivo conturbado, como uma fuga, seu nome era completamente esquecido e apagado, como se nunca tivesse existido. Não era permitido falar ou citar qualquer coisa sobre tal indivíduo, e sabia que aquilo havia acontecido comigo e com Chanyeol. Contudo, havia arrumado uma maneira de me comunicar com ela ao visitar a casa daquele casal de rapazes que moravam no bairro perto da comunidade, aqueles que precisavam de alimentos. Contei a eles nossa situação, e era através deles que as cartas eram enviadas.

Minha mãe não ia tanto até lá, então não era sempre que tinha notícias dela, mas era sempre um alívio saber que ela e Jongdae estavam bem, por mais que sempre tentasse segurar as lágrimas ao ler as partes nas quais ela dizia sentir saudades e que me amava com todo seu coração.

“Ela e Jongdae estão bem?” Perguntou Chanyeol ao perceber que eu havia terminado a carta. Concordei com a cabeça enquanto ele se sentava de frente para mim, terminando de colocar os pratos e os copos do café sobre a mesa. Sua mão acariciou meu rosto, em uma tentativa de me consolar. Segurei seus dedos, apertando-os com leveza, e sorri, agradecido.

“Sim.” Respondi. “Eles estão.”

Algo que havia aprendido após sair da comunidade onde nasci e cresci foi que o mundo, de fato, podia ser hostil, apesar de tudo. Havia fugido das torturas e do sentimento de prisão de Vale das Glórias, e achei que o lado de fora fosse uma salvação. Em partes, até era… Mas ainda existia preconceito, ódio e maldades, e eu tinha de lidar com elas por mim mesmo pois, por mais que Chanyeol estivesse ao meu lado, éramos indivíduos diferentes.

Depois de quase um ano morando juntos naquele trailer e logo quando fugimos, procurei algum tipo de orientação ou consolo espiritual. Acreditei que pudesse encontrar paz em igrejas do lado de fora, mas em nenhuma eu me sentia adaptado, e todas elas ainda abominavam o fato de duas pessoas do mesmo sexo se amarem. Até que, aos poucos, fui desistindo… Dez meses depois, eu não me interessava mais em religiões.

Chanyeol, entretanto, estava interessado no budismo, mas não conversávamos muito sobre, já que havia escolhido me distanciar desses assuntos por completo. Ele parecia um pouco incomodado com a minha decisão, o que chegava a ser irônico, já que eu quem havia crescido em um culto religioso tão fechado, porém tentava não transparecer como ficava magoado quando vinha, alegremente, tentar me falar algo sobre budismo, apenas alguma curiosidade, e eu o cortava.

Lembro de um dia ter chegado em casa e visto a pequena estátua de Buda, que agora repousava perto da janela acima de nossas camas. Ver aquilo me deixou incomodado, e quase discutimos por isso, mas no final, percebi que estava sendo egoísta e insisti para que ele deixasse a estátua ali.

Com o passar do tempo, também percebi que o mundo do lado de fora poderia ser tentador. Experimentei bebidas pela primeira vez e comecei a fumar. Chanyeol odiava cigarros e odiava bebidas, pois lembrava de seu avô que, quando vivo, batia na esposa e em sua mãe ao chegar bêbado em casa, e sua avó, que por receber tantas agressões, fumava maços e maços de cigarro, até que um dia ela o deixou… Problemas pulmonares levaram toda sua saúde embora.

Então, nós dois brigávamos mais e mais. E quanto mais discutíamos, mais eu bebia, mais eu fumava e mais deixava Chanyeol decepcionado com a pessoa que estava me tornando. A ponto dele questionar aos berros o motivo de parecer que eu tinha vergonha de andar de mãos dadas com ele na rua, quando tudo que ainda existia dentro de mim se resumia ao medo das pessoas, e eu usei a verdade para jogar em sua cara a culpa… Mais uma situação para afundar nosso relacionamento que cada vez mais ficava conturbado.

Constatei que era difícil viver. Difícil lidar com uma vida que não estava costumado e perceber que havia perdido tantas coisas que todas as pessoas de minha idade e mais novas que eu já tinham visto, presenciado e experimentado. Mais uma vez, fui vítima da minha própria mente, e desta vez, acabei sucumbindo. Entã, três anos depois, Chanyeol se mudara de nosso trailer para um quartinho apertado em um apartamento próximo ao centro. Sua despedida fora apenas um bilhete, que ele tinha escrito antes que eu chegasse em casa e percebesse que não havia mais nenhum de seus pertences ali.

Mais uma vez, a vida me fizera sofrer, e agora era minha culpa. O primo dele havia deixado eu permanecer no trailer pelo tempo que fosse, mas aquele lugar passou a me fazer mal… Dois meses depois, fui capaz de achar um roommate para dividir um apartamento apertado do lado oposto da cidade.

Nos primeiros meses sem Chanyeol, minha vida parecia um inferno novamente. Até que um dia, ao parar no hospital nos braços de meu roommate que, certa noite, me vira desmaiado no meio da sala em volta de garrafas de bebida. Kim Minseok era um rapaz bondoso e havia se tornado um amigo que eu não merecia… Qualquer um teria desistido de ter alguém como eu como colega de quarto, mas ele me aconselhavaa e, acima de tudo, me ajudava a amadurecer.

Pela primeira vez, consegui confiar plenamente em alguém após sair de Vale das Glórias. E mesmo depois de contar sobre meu passado, de um garoto nascido e criado em uma comunidade cristã ultra religiosa, onde todas as pessoas do nosso país conheciam como a comunidade do ‘pastor pedófilo’ que saía impune de todos os abusos dos quais era acusado por pessoas que fugiram de lá, aquele rapaz de feições felinas não me rejeitou e não me tratou como um estranho. Então, vê-lo chorar de preocupação ao me ver naquela maca, destruído pela bebida, me fez perceber quantas pessoas eu poderia machucar se continuasse daquela maneira…  

Após minha alta, Minseok passou a me ajudar mais e mais. Continuamos morando naquele apartamento pequeno por mais dois anos, depois nos mudamos para um outro maior quando consegui empregos diferentes. No presente momento, além de conseguir dar aulas de piano em uma escola de música, era vocalista de uma banda de rock indie, que geralmente se apresentava em um pub famoso na cidade, o qual meu roommate havia se tornado gerente.

Meus cabelos, que antes não cuidava mais, estavam agora bem curtos, pretos, quatro tatuagens cobriam algumas pequenas partes de meu corpo. Havia deixado de fumar e beber se tornou apenas uma convenção social.

“Galera, a gente vai fazer uma pausa de meia hora, beleza?! Partiu McDonald’s aqui do lado?” Disse o baterista da minha banda. Estávamos no estúdio de sempre, ensaiando para uma apresentação. Tocaríamos em uma festa no próximo domingo, então os ensaios estavam mais pesados.

“Beleza, to morto de fome! Eu comeria uns cinco Big Macs, sem zoa!” Respondi, exagerando e dando uma risada. Demos alguns passos para fora da sala do estúdio quando senti meu celular vibrar. Tirei-o do bolso da calça para olhar sua tela e, naquele momento, meu coração parara de repente.

“Qual foi, Baekhyun? Tá tudo bem?” Perguntou o guitarrista, ao perceber que eu havia parado bruscamente de caminhar e encarava o smartphone de forma estranha.

“Tá, sim…” Respondi, falando baixo. “Vão na frente, preciso ver uma coisa aqui.”

“Beleza, então… Qualquer coisa, a gente tá aqui, ok?”

“Certo… Valeu, cara.” Sentia meu coração bater forte e minhas mãos tremerem quando caminhei para fora do estúdio, onde havia um banquinho logo na entrada, no qual me sentei e encarei ainda mais a tela reluzindo a minha frente.

Park Chanyeol enviou um pedido de amizade.

Engoli seco e destravei o celular, clicando em cima da notificação com tanto desespero que sentia meu coração querer sair pela garganta. Na foto de perfil o rapaz alto estava com a cabeça baixa, segurando um violão, com uma palheta na boca e o cabelo um pouco grande cobrindo parte de seu rosto. Corri para vasculhar seu perfil, mas parecia trancado para quem não era amigo.

Após respirar fundo, cliquei em aceitar o pedido de amizade e senti meus batimentos cardíacos aumentarem ainda mais. Bloqueei o celular novamente e tapei o rosto, respirando fundo. Desde que Chanyeol havia ido embora, há um pouco mais de três anos, nunca mais nos falamos. Estivemos adicionados em redes sociais apenas pelos primeiros meses, mesmo que não nos comunicássemos, até que perdemos completamente o contato e não fui mais capaz de achá-lo…

Havia superado toda aquela dor de antigamente, mas não imaginava como poderia ficar tão abalado ao ver seu nome em uma notificação idiota de rede social. E praticamente ficara sem ar ao ver, três minutos depois, que ele havia mandado uma mensagem.

Park Chanyeol
            Ei, e aí?

Você
Nossa, que surpresa. Olá

 

Se não fosse pelo corretor ortográfico, minha mensagem não teria feito sentido algum, pois eu tremia tanto que sequer conseguia digitar uma simples frase corretamente. Tentei me acalmar enquanto olhava a tela, já que ele parecia responder rápido.

Park Chanyeol
            Faz bastante tempo, né? Como está?

Você
Bastante tempo mesmo. Tá tudo bem, e contigo?

Park Chanyeol
            Tudo beleza

Você
Ah, que bom

 

Após aquilo, ficamos em silêncio por um tempinho, que pareceu uma eternidade. Era de se esperar, já que obviamente era uma situação incomum.

Park Chanyeol
            Eu sei que isso é estranho, aparecer de repente assim, né? Mas será que a gente podia se encontrar um dia desses…?
            E se você quiser também, né? Não precisa se sentir obrigado a ir nem nada
            Aff, eu to sendo prolixo de novo, foi mal!

 

Naquele momento eu ri, conseguindo imaginar sua voz grossa ficando atrapalhada e nervosa. Ele sempre batia levemente na testa quando estava em uma situação daquelas, e quase conseguia visualizar sua covinha aparecendo enquanto comprimia os lábios. Imaginar aquilo tudo, porém, fez algo meu coração dar uma pequena fisgada.

Você
Parece que alguém não mudou nada, não é mesmo? Kkkkkkkk
Tá tudo bem, não precisa ficar nervoso
A gente pode sair, sim
To livre todos os dias antes da uma da tarde, porque ensaio com a banda
 

Park Chanyeol
           
Amanhã às 10 você pode então?
            A gente podia tomar um café na Starbucks perto do shopping
            Você ainda tá morando no mesmo bairro, né?

Você
To morando, sim
E tudo bem, amanhã posso
Às 10 vou estar lá

Park Chanyeol
            Ah, então ótimo!
            Vou tentar não atrasar kkkkkk
            Preciso ir agora, tenho que voltar pro trabalho, foi mal
            A gente se fala depois. Até amanhã!

Você
Que isso, sem problema!
Bom trabalho pra ti e até amanhã

 

Mal pude perceber que estava tremendo enquanto escondia o rosto entre as mãos. Apenas despertei de meu tupor quando um de meus colegas de banda encostou um copo molhado de refrigerante na lateral da minha bochecha, me fazendo dar um salto.

“Cê tá bem, cara?” Ele perguntou, enfiando o copo e uma sacola de papel do McDonald’s nas minhas mãos.

“Tá tudo bem, só levei um susto aqui.” Expliquei, ficando contente em abrir a sacola e encontrar um Big Mac e batatas fritas ali, as quais apressei-me a devorar, pela fome e na tentativa de me acalmar.

“O que houve?”
“Ah… Uns fantasmas do passado.” Respondi, dando a entender que não falaria muito no assunto. Jongin era o baixista da nossa banda, e apesar da sua altura e as expressões de poucos amigos que fazia no palco, ele era uma das pessoas mais gentis e calmas que havia conhecido, uma das poucas que não me olhou estranho quando resolvi contar de onde vinha.

Apesar de um ano atrás termos ficado por mais ou menos uma semana, nossa amizade havia florescido para um caminho onde sentíamos mais que éramos como irmãos, então nós dois fingíamos que nunca tínhamos nos visto sem roupa. Tornou-se estranho demais pensar naquilo.

“Ih, cara… Espero que não seja um fantasma ruim.” Ele disse, enfiando a mão na sacola de papel para pegar uma das batatas.

“Não… É um fantasma bom.” Respondi, sem perceber que havia sorrido.

***

Meus dedos batucavam a mesa e o copo de papel que continha meu capuccino. O estabelecimento cheirava a café e tentava me concentrar naquele aroma para me acalmar. Mas meu coração batia tão forte que podia ouvi-lo dentro de mim. Já era dez e cinco, havia chegado quinze minutos atrás e aquela era minha segunda bebida. Apesar de saber que cinco minutos não era um grande atraso, comecei a me questionar se ele realmente viria, e percebi como parecia estúpido por ter me arrumado tanto, sendo questionado até por Minseok com quem eu teria um encontro, já que não era comum sair daquela forma.

“Oi…?” Contudo, aquela voz me assustara. De trás de mim, a imagem daquele rapaz que um dia foi meu namorado surgiu. “Desculpa a demora.” Ele disse. Por um breve momento, fiquei completamente sem palavras.

Ele usava grandes óculos pretos, seu cabelo estava longo até o pescoço, mas prendia parte para trás em um meio rabo de cavalo. Estava vestido com uma camisa preta social, mas ela estava enrolada até os cotovelos, deixando a amostra os braços cobertos por várias tatuagens.

“Que isso! Não demorou!” Apressei a falar, me levantando para lhe cumprimentar. Estiquei minha mão, trêmulo, esperando que ele a apertasse, mas senti seus braços me envolverem em um abraço tímido. Apesar de um perfume diferente, o cheiro do seu shampoo era o mesmo e eu praticamente me derreti em lembranças, mas logo o contato fora quebrado, o que me entristeceu ligeiramente. “Ah, aqui!” Falei logo em seguida, tentando não transparecer minha decepção e enganar a mim mesmo, enfiando um copo na mão dele enquanto nos sentávamos, reparando que acomodava um violão na capa ao lado de sua cadeira.

“Você comprou pra mim?” Chanyeol questionou. “Caramba, quanto foi?! Vou te dar o dinheiro!”  

“Não precisa!” Exclamei rapidamente, rindo. “Não precisa me pagar, tá tudo bem. Comprei um mocha branco com essência de avelã, era seu favorito, não era?” Naquele momento, ele sorriu.

“Ah, poxa… Não quero que gaste dinheiro assim comigo. Mas vou aceitar porque sei que não adianta discutir contigo.” Disse em um tom divertido, dando uma risadinha adorável mesmo que sua voz fosse tão grave. “E ainda é meu favorito!” Ele concluiu, dando um gole no café. “Valeu mesmo.”

“Não tem de quê!” Respondi. E ambos permanecemos calados por uns segundos, até que o barulho das pessoas indo e vindo começou a se tornar incômodo. “Então… Até quando vamos ignorar o fato de que a gente tá se falando depois de três anos?” Perguntei, indo direto ao ponto, o que fez Chanyeol dar mais um risinho.

“Continua corajoso, né? Pois bem… Queria pedir uma ajuda…” Ele falou. Parte de mim havia se decepcionado, por algum motivo, tive esperanças de ouvir alguma outra coisa, mas tentei afastar tais pensamentos. Afinal, era passado…

“Pode falar.” Chanyeol hesitou um pouco, ajeitando os óculos.

“Então… Não sei se você sabe, mas eu também tenho uma banda. Sou o baterista e compositor. Fomos chamados recentemente pra um festival de música, acho que você deve saber, aquele que vai ter na cidade vizinha daqui duas semanas.

“Sei, sim.” Respondi. “Eu e minha banda até pensamos em tentar participar, mas como geralmente fazemos covers, não colocamos a ideia pra frente.” Disse, percebendo que estava começando a falar demais. “Enfim, foi mal! Continua!” Ele riu novamente, arrumando o cabelo para trás da orelha e eu notei que a forma suave com que ele mexia as mãos ainda era a mesma. “Nosso vocalista meio que… Brigou com o guitarrista. Foi uma briga bem séria por conta de namoro e ele acabou saindo da banda.”

“Ih, que merda… Eu sinto muito.”

“Pois é, foi uma merda mesmo, ainda mais porque ele não quer falar com ninguém da nossa banda e agora a gente tá de mãos atadas. Queriam até encontrar um outro baterista pra ver se eu ficava nos vocais, mas é bem difícil encontrar um por aqui…” Explicou. Ver sua expressão facial mudar para tristeza partiu meu coração em dois. Ele ainda continuava adorável, e minha vontade era apenas de abraçá-lo bem forte.

“Tudo bem, eu posso ajudar.” Disse rapidamente.

“Você não me deixou nem perguntar, né?” Seu sorriso sem graça continuava lindo, e eu tive de desviar o olhar para não falar mais nada.

“Eu te conheço, Park Chanyeol.” Ao falar aquilo, percebi que poderia ter soado estranho. Afinal de contas, não nos conhecíamos naquele dado momento. Eu mesmo havia mudado, não era aquele rapaz de anos atrás. Éramos dois homens, que passaram três anos sem contato um com o outro.

“Você ainda conhece parte de mim.” Ele falou, olhando para baixo e sorrindo para si mesmo. “Mas tem uma parte que acho que precisa conhecer agora…” Ouvindo aquilo, foi minha vez de sorrir de lado, abraçando meus próprios braços.

“Tem razão, desculpe.”

“Não falei isso pra te dar uma bronca.” Chanyeol tinha voltado a visão para mim, sua expressão parecia doce. “Só que agora temos novidades pra contar, não é mesmo? Eu quero saber como está sua vida, fuçar no facebook não é bem a melhor maneira de saber.”

Ambos rimos e, como em um passe de mágica, começamos a tagarelar como dois adolescentes que falavam de suas atividades favoritas. Falamos, falamos e falamos… Sem nos importar de rir alto, ou de incomodar alguém que estivesse ao lado. Durante todo aquele tempo, notei como um amadurecimento havia crescido dentro de nós dois… Ainda éramos os mesmos, mas também éramos novas pessoas. Era difícil compreender.

A partir daquele dia, conversávamos sempre por SMS. Às vezes, íamos dormir de madrugada pelos assuntos que não tinham mais fim, já que não tínhamos tanto tempo para conversar pessoalmente, pois corria dos ensaios de sua banda para os ensaios da minha. Chanyeol conseguia tirar um bom sustento com sua banda e como professor de bateria, violão e guitarra, havia recém se formado em uma faculdade de dois anos de música. Por isso, nosso tempo juntos era curto, então minha surpresa ao receber uma mensagem sua me chamando para sair me fez sentir como um adolescente novamente.

Minseok insistiu que era um encontro, e me ajudou a escolher uma roupa, já que estava nervoso demais para decidir algo por mim mesmo. Ele sorria, tentando tirar os pelos do seu gato da minha calça preta, enquanto dizia que ia ficar tudo bem.

“Eu nem sei porque to nervoso assim.” Disse, apertando os braços. “Não sei nem se deveria ter aceitado…”

“Olha, muita gente diz que figurinha repetida não completa álbum… Mas acho que, nesse caso, a figurinha não é realmente repetida.” Minseok, de vez em quando, não fazia sentido. Então o olhei, confuso, e ele suspirou, impaciente. “Você consegue ser bem burro de vez em quando! Eu quis dizer que vocês dois não são mais os mesmos…Você até comentou isso comigo um dia, não foi? Três anos se passaram, suas vidas mudaram. As pessoas amadurecem, Baekhyun.” Refleti sobre aquilo por alguns segundos, em silêncio. Ele tinha razão.

“O que vocês dois sofreram no passado, está no passado… Mas foi ele quem esteve ao seu lado durante todas aquelas dificuldades. E posso ser sincero? Sei que não o conheci e ainda não conheço pessoalmente, mas mesmo você tendo namorado outras pessoas, gente que sei quem é, nenhum pareceu mexer tanto com seu coração.”

“E você não acha isso meio ruim? Seguir em frente é bom…” Retruquei, mas sem muita firmeza.

“E quem disse que isso é dar pra trás?” Minseok sorriu de novo. “Tá, vai logo! Vocês vão acabar perdendo o filme!” Ele me empurrou em direção a porta, enfiando minhas chaves no meu bolso da calça. “Tchau e boa sorte!” Ouvi a porta bater e eu a encarei por alguns segundos, incrédulo que tinha sido expulso pelo meu próprio amigo. Suspirei fundo, tomando coragem para descer aqueles dois lances de escadas.

Chanyeol naquele dia, estava com os cabelos ondulados, soltos, arrastando em seus ombros, o que deixado desconcertado a princípio. Porém logo me acalmei, e nos divertimos enquanto comíamos em um restaurante de comida mexicana, já que eu adorava pimenta e ele era incrivelmente fraco para aguentar até as mais suaves. Ria enquanto via seus olhos lacrimejarem por ter ousado colocar chipotle em suas quesadillas e ele riu quando aceitei o desafio de pedir uma porção de nachos com a pimenta de nível mais forte que eles tinham.

Rimos também enquanto assistíamos aquele filme de super heróis no cinema. Gritávamos juntos quando algo incrível acontecia e fazíamos uma careta de ‘ops’ quando alguém reclamava pedindo para que abaixássemos as vozes. Nossas mãos se encostaram diversas vezes enquanto dividíamos um saco de pipocas… E, pela primeira vez, me senti um adolescente em seu primeiro encontro.

Quando saímos do cinema, já era tarde, porém ainda estava quente. O verão naquele lugar não dava muitas tréguas, então observei Chanyeol tirar a jaqueta leve que usava para se proteger do frio do ar condicionado de onde estávamos, revelando uma regata preta. Tentei não encarar tanto seu corpo, porém era difícil não notar como ele havia ficado um pouco mais forte.

“Que foi?” Ouvi sua voz chamar, e rapidamente percebi que acabei por encarar demais.

“Ah, nada!” Falei rápido. “É que… Eu não tinha visto suas outras tatuagens, você geralmente usa blusa com manga enrolada até o cotovelo…” Tentei contornar a situação, mas percebi que havia piorado quando o vi se aproximar mais de mim.

“Consegue ver melhor agora?” Sua pergunta soava inocente. Chanyeol ainda parecia ter uma pureza inexplicável, pois sua aproximação era, de fato, apenas para me mostrar suas tatuagens, com toda aquela empolgação adorável estampada em seu rosto.

Olhei para as figuras, e haviam tantas ali que era difícil prestar atenção em uma, até que, no meio de duas bem coloridas, encontrei a que me chamou mais atenção, parecia recente, pois a tinta preta estava forte e algumas partes descascavam levemente, mas se tratava de um pequeno dente-de-leão, que parecia ser soprado pelo vento. Sem perceber muito, estiquei minha mão, tocando-a com a ponta dos dedos.

“Lembra quando éramos adolescentes?” Ele falou, segundos depois. “Dos desejos com dentes-de-leão…”

“Lembro, claro.” Confirmei.

“Nós prometemos contar se nossos sonhos se realizassem…” Sua voz soou séria, porém nostálgica. “E acho que agora posso finalmente contar o que havia desejado.” Ele se aproximou um pouco mais, com um sorriso gentil, tocando uma de minhas bochechas com a palma da mão.

“E o que você desejou...?” Perguntei, sentindo o coração bater forte. Seus olhos me analisaram por uns segundos, e seu dedão fez um leve carinho em meu rosto.

“Desejei que fôssemos livres… Livres de todas nossas amarras, até mesmo aquelas que prendiam nossas mentes…” Engoli seco, ficando um pouco trêmulo.

“E como você sabe se eu estou livre ou não?” Questionei, realmente curioso.

“Eu pude ver que, depois desse tempo todo, você finalmente se livrou dessas correntes que prenderam até mesmo sua mente. Finalmente pude conhecer o seu verdadeiro eu, e fico feliz em saber que ele era realmente o que imaginei.” Naquele momento, segurei sua mão, apertando-a em meus dedos enquanto olhava para eles.

“Você é feliz, Chanyeol?” Perguntei, sério.

“Tem algum motivo pra estar me perguntando isso?”

“Só responde, trouxa.” Falei, dando uma risadinha.

“Eu sou.” Ele respondeu, firme.

“Então meu desejo também se realizou…” Confessei, apertando ainda mais sua mão e a acariciei com o dedão, lembrando de nós dois, jovens, vestidos com nossas roupas azuis, escondidos em meio aos girassóis.

“E qual era seu desejo?”

“Que nós dois fôssemos verdadeiramente felizes…” Naquele momento, soltei sua mão para segurar seu pescoço e olhá-lo nos olhos. Chanyeol, então, abriu o sorriso mais bonito que já havia visto em toda minha vida, acompanhado de sua covinha tão característica.

Ele se afastou sem aviso, dando uns cinco passos para trás, ainda com um sorriso. O olhei, confuso, enquanto ele arrancava uma folha do caderno que tinha mochila que carregava, amassando-a até que formasse uma bolinha e, sem aviso nenhum, jogo-a em minha direção, acertando minha cabeça.

“Ei, por que fez isso?!” Gritei, e ele gargalhou.

“Bobão!” Ele gritou de volta.

“Bobão?! E isso é xingamento de gente decente, Chanyeol?!” Retruquei, brincando. Dei alguns passos na sua direção, e ele se afastou, rindo. “Ah, então é isso? Vai fugir?!” Então, apressei-me a correr atrás dele. O rapaz alto soltou uma gargalhada ainda mais alta e correu em círculos ao redor de uma árvore, enquanto eu tentava segurá-lo.

Corremos de mãos dadas até que nossos pulmões não aguentassem mais, sentimos o vento bater em nosso rosto enquanto cantávamos aos berros nossas músicas favoritas, até mesmo as canções de amor que tanto quis aprender quando mais novo, passeando pelas ruas daquela cidadezinha iluminada por luzes fortes dos postes de concreto.

Nós dois ríamos, sem nos importar com quem pudesse ver, julgar ou criticar… Não havia mais medo por sermos quem éramos. Não existia mais medo para amar quem quiséssemos amar. O ódio não importava mais, havíamos aprendido a sobreviver, e agora aprendíamos cada vez mais a viver.

As duas ervas daninhas que nunca foram aceitas pelos girassóis eram apenas dentes-de-leão… Voando juntos, em plena alegria. Percebi que nossa força era maior que as das flores grandes e amarelas, as que nasciam, cresciam e morriam cravadas no solo seco. Nós éramos diferentes. Nós éramos capazes de espalhar nossa felicidade, pois nossos corações eram grandes e nossas almas eram tão brilhantes quanto as estrelas do céu. No momento, tudo estava bem.

 

Estávamos curados.

Estávamos, finalmente, livres.

 

 

*


Notas Finais


Aaaa, é tão estranho finalizar uma história. Em partes fico feliz, mas também fico meio triste kkkkk vai entender, né?

Mais uma vez, obrigada por terem lido tudo até aqui. Gostaria muito de saber o que acharam da história e espero vê-los nas próximas fics que irei postar. Até a próxima, nenês!

Pra quem tiver curiosidade, essa foi a playlist que usei pra escrever a maior parte da fic:
https://open.spotify.com/user/snowbekka/playlist/684zLeuEmxkZWDqfUEsXoL

twitter: @tiinkerbaek com dois "i"s


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