História Eu prometo - 20. Um presente - Kara Danvers

20. Um presente

Kara Danvers

            Era a primeira noite de sono agradável que eu tinha há muito tempo, não tive pesadelos ou insônia, apenas um descanso tranquilo, por mais que eu e Lena só tivéssemos adormecido quase de manhã, dormindo abraçadas quando o cansaço já nos dominava.

            Ultimamente eu vivia sob tanta pressão e preocupada que não me lembrava da última vez em que me sentira relaxada dessa maneira. Ter Lena em meus braços ajudava, isso era indescritível. Sentir o seu calor contra o meu corpo e ouvir sua respiração ritmada era como um bálsamo, uma canção de ninar.

            Eu mal podia acreditar em tudo o que estava nos acontecendo, há uns dias eu estava apavorada com a possibilidade de perder a amizade da CEO para sempre, e agora, além disso ter sido recuperado, ainda estávamos namorando. Se antes alguém me perguntasse se eu achava isso possível provavelmente diria que a pessoa era louca.

            Não sabia como seria daqui pra frente, ainda não havia planejado, mas ter Lena ao meu lado era a única coisa da qual eu tinha certeza em muito tempo. Passei um longo período deixando as coisas acontecerem em minha vida e perdi muitas oportunidades por medo ou incerteza, contudo eu não deixaria esse relacionamento ser mais uma dessas situações, eu me esforçaria para fazer dar certo e era nítido que a morena deitada ao meu lado tinha o mesmo pensamento.

            Dei um meio sorriso observando a expressão calma de Lena, ela parecia tão serena e relaxada, muito diferente do que eu costumava ver no dia a dia com todo o excesso de trabalho e preocupação. Sua pele clara contrastava com seus cabelos negros brilhantes com a luz do sol.

            Levantei minha mão direita e afaguei sua bochecha, quase não a tocando. Ela enrugou o nariz e seu coração mudou de ritmo, denunciando que acabara de acordar. Esfreguei meu polegar em seus lábios vendo o quanto também eram bonitos sem a costumeira cor vermelha.

--- Quanto tempo eu dormi? --- sussurrou sonolenta.

--- Não o suficiente. --- sorri.

            Seus olhos tremularam até que as pálpebras se abrissem por completo. Vi suas pupilas se fecharem se adaptando a claridade que inundara o quarto quando o sol nasceu. Ela sorriu quase timidamente me encarando com seus orbes esverdeadas e vívidos tão brilhantes quanto uma esmeralda.

--- Bom dia! --- murmurei.

--- Bom dia, querida!

            Lena se inclinou e me deu um selinho voltando a se deitar enquanto me observava apoiada em uma das mãos.

--- Como é possível você ter acordado antes de mim? --- perguntou.

--- Organismo alienígena. --- fiz uma careta. --- Sou mais resistente do que pareço.

--- Coloca resistente nisso. --- sorriu maliciosa. --- Lembre-me de fazer um estoque de energético e café.

--- Rao, Lena! --- repreendi envergonhada.

--- Isso é um elogio! --- riu.

            Revirei os olhos antes de me inclinar e dar um outro selinho nela. Lena me sorriu lindamente fazendo meu coração acelerar.

--- Preciso ir. Tenho uma reunião as nove na L-Corp.

--- Tão cedo?

--- Se bem me lembro, você também tem muitas coisas para entregar ao Senhor Rabo de Cavalo.

--- Snapper... --- corrigi franzindo o nariz. --- A Rabo de Cavalo sou eu.

--- Eu sei, querida. --- riu acariciando meu rosto com uma das mãos. --- Você é adorável!

            Antes de Lena me beijar a primeira vez eu não fazia ideia do sentimento que já carregava dentro de mim, provavelmente levaria muito mais tempo para perceber não fosse essa atitude dela. Era engraçado pensar em como demorei a entender que a amizade tinha evoluído para outro sentimento, que realmente as pessoas estavam certas em sugerir ou pensar que existia algo há mais entre nós. Talvez o fato de nunca ter me envolvido com outra mulher tenha contribuído para a minha inexperiência e falta de percepção, além de meu próprio déficit de atenção em situações amorosas, segundo a própria Lena.

--- Sou a primeira mulher com quem você se envolve? --- indaguei subitamente pegando-a desprevenida, fazendo aspas.

            Lena me observou por uns segundos, mas não demorou em responder.

--- Sim! --- afirmou. --- Você é!

            Apertei os olhos a encarando como se fingisse desconfiança. Só de imaginar Lena com outra pessoa me deixava com um ligeiro incômodo na boca do estômago.

--- O que foi? --- perguntou sorrindo.

--- Tem certeza?

--- Se eu tenho certeza de que nunca me envolvi com uma mulher? --- ironizou. --- A menos que alguém tenha apagado minhas memórias, eu tenho certeza de que me lembraria de algo assim.

--- Certo! --- torci os lábios me deitando.

            Lena franziu o cenho, erguendo o tronco se apoiando nos cotovelos para me olhar. Seus fios negros caíram sobre seus ombros, cobrindo parte dos seios descobertos pelo lençol.

--- Por que a pergunta? --- indagou.

--- Bom, sou uma alienígena, mas posso ser considerada uma mulher nesse planeta...

--- Definitivamente você pode. --- interrompeu sorrindo.

--- Sim! --- afirmei corando. --- Mas é que em Krypton não existia os mesmos conceitos que aqui, sabe? Lá nem era preciso um casal para reproduzir, tínhamos nossos próprios métodos artificiais, então era natural casais do mesmo gênero e ninguém se importava com isso. --- contei. --- Porém, aqui na Terra sei que não é do mesmo jeito, infelizmente.

--- Se você me perguntar se já pensei sobre ficar com alguma mulher, direi que sim. --- afirmou. --- Mas nunca me envolvi com nenhuma, Kara!

--- O que isso quer dizer? --- perguntei confusa.

--- Eu nunca fui preocupada com questões sexuais, sempre tive uma mente mais aberta, mas nunca houve alguém que realmente me fizesse querer tentar. --- explicou. --- Você é a primeira que me causa isso.

--- Você também. --- confessei.

--- Está preocupada?

--- Um pouco. É uma coisa nova, principalmente porque pensei que você já tivesse experiência.

--- Bom, isso só me faz ter vontade de experimentar e tentar muitas coisas para descobrir tudo o que gostamos. --- sorriu provocante se aproximando. --- Quanto tempo ainda temos até as nove?

--- Uma hora. --- respondi engolindo em seco, vendo seus lábios macios muito perto dos meus.

--- Cinco minutos é tempo o suficiente para você me levar para a L-Corp?

--- Mais do que o suficiente. --- afirmei ansiosa pra sentir finalmente seus lábios sobre os meus.

            Antes que a mulher me beijasse, arregalei os olhos captando o som de uma voz próxima ao apartamento. Levantei em um pulo, correndo para colocar a primeira roupa que vi pela frente.

--- O que foi? --- perguntou Lena olhando-me assustada, mas não podia explicar, eu precisava ser rápida.

            Deixei a CEO deitada na cama e fui para a sala a tempo o suficiente para ver Alex mexendo na porta pelo lado de dentro, ainda de costas para mim.

--- Kara, você notou que sua fechadura está quebrada? --- perguntou um pouco alto, parecendo ainda não ter percebido a minha presença.

--- Oi, Alex!

            A ruiva se virou em um pulo, me olhando com curiosidade. Eu não me cansava, mas mesmo assim minha respiração estava pesada por culpa do nervosismo. Era o pior momento para a minha irmã resolver aparecer em casa, principalmente porque nossa amiga estava deitada na minha cama depois de uma noite cheia de sexo.

            Alex inclinou o rosto me observando com interesse, aproximando-se perigosamente. Seus olhos se apertaram me analisando. Abri um largo sorriso dando um passo para trás, tentando despistar qualquer coisa que ela pudesse estar pensando.

--- O que você está escondendo? --- perguntou.

--- Escondendo? O quê? Eu? --- ri nervosa. --- Não estou escondendo nada.

--- Diga, Kara! --- ordenou colocando as mãos na cintura.

--- Não há nada, Alex... Rao! --- franzi o cenho.

            Por um segundo eu achei que ela acreditaria, mas contrariando todos os meus pensamentos positivos, a voz de Lena veio do quarto, me fazendo arregalar os olhos tanto quanto a ruiva em minha frente.

--- Kara, o que foi? --- chamou a CEO.

--- Lena? --- sussurrou a ruiva espantada. --- Lena está aqui?

--- Quieta, Alex. --- mandei segurando em seu braço e a puxando para a porta. --- O que você faz aqui tão cedo?

--- Eu quem faço as perguntas, Kara! --- exclamou. --- Por que Lena está no seu apartamento tão cedo? Ela por acaso dormiu aqui? --- pausou. --- Vocês dormiram juntas? Peraí... Vocês transaram? --- arregalou os olhos me deixando envergonhada. --- Vocês transaram, não é? Eu sabia! Não acredito que vocês...

--- Kara, está tudo...

            Alex e Lena pararam de falar ao mesmo tempo assim que a morena apareceu na sala coberta apenas pelo lençol. Se antes eu sentia que iria explodir de vergonha, agora parecia ainda pior. Lena apertou o tecido no corpo, sobressaltada com a visita da minha irmã, parecendo mais surpresa do que eu.

--- Alex! --- cumprimentou a CEO educadamente.

--- Oi, Lena! --- respondeu.

--- Kara, vou te esperar no quarto, tudo bem?

--- Sim, Lena. É claro, no quarto está ótimo. Está perfeito! --- disse rapidamente quase gaguejando.

            A morena se virou caminhando de volta, fingindo uma calmaria que no fundo eu sabia que ela não tinha por causa dos seus batimentos cardíacos que aceleraram absurdamente.

--- Belas pernas, Luthor! --- provocou minha irmã.

--- Alex! --- repreendi dando-lhe um tapa, vendo-a rir.

--- Obrigada, Danvers! --- Lena olhou-nos provocativa. --- Pergunte a Kara sobre o resto.

--- Oh, Rao! --- gritei ouvindo as duas rirem até que Lena desaparecesse. --- Vocês podem parar?

            Minha irmã continuou rindo, principalmente porque eu deveria estar completamente vermelha com essas brincadeiras.

--- Sério, Alex, o que você está fazendo aqui tão cedo?

--- Eu só passei para te chamar pra um café. --- deu de ombros. --- Quase não temos feito isso. Você estava o tempo todo com Lena e depois com Lana. Pensei que, com as pistas frias da Insect Queen, você teria um tempo pra sua querida irmã incrível.

            Senti um aperto no peito por ouvir as palavras dela, sentindo-me culpada por parecer tê-la deixado de lado. Nesse tempo em que Lena e eu não nos falamos eu me dediquei aos encontros com Lana, isso aplacava a falta que minha amiga, agora namorada, fazia.

--- Sinto muito, Alex. --- murmurei. --- Me desculpe.

--- Está tudo bem, Kara. Eu entendo pelo o que você estava passando.

--- Mesmo assim. Eu sinto muito mesmo. --- a abracei. --- Você quer ir no Noonan’s?

--- É claro. --- sorriu. --- Chame a Luthor, seria legal.

--- Tem certeza?

--- É o mínimo que eu posso fazer por vocês depois de eu ter sido uma completa empata foda. --- riu.

--- Talvez um pouco. --- sorri.

            Ficamos em silêncio, Alex e eu tínhamos essa mania de nos entender pelo olhar. Era inacreditável essa ligação que construímos com o tempo. Nenhum sangue era preciso para a nossa conexão.

--- E aí? --- indagou ela de repente.

--- E aí o quê?

--- E o resto? É bom também? --- provocou.

--- Rao, Alex! --- bufei! --- Dá licença!

            Virei-me dando as costas para a minha irmã que continuava a rir e fui para o quarto vendo que Lena já estava quase completamente pronta. Ela calçava seus saltos altos que combinavam perfeitamente com o sobretudo vinho, calças pretas e camisa branca. Eu sempre me encantava com seu estilo sofisticado e sexy. Lena definitivamente era o sinônimo de elegância.

--- Mudança de plano, não é? --- questionei.

--- Infelizmente. --- caminhou se aproximando. --- Mas nada que não possamos compensar depois.

--- Me desculpe pela Alex. --- disse.

--- Tudo bem. Posso lidar com ela. --- deu-me um selinho. --- O que posso fazer se minha namorada é tão requisitada?

--- A importante da relação aqui é você, Lena. --- murmurei envergonhada. --- Você quem vai me abandonar por causa de uma reunião chata.

--- Você pega bandidos e eu fecho negócios. --- sorriu.

O barulho do meu estômago chamou nossa atenção, fazendo Lena rir.

--- Quer dizer... Você ajuda o mundo e eu ganho dinheiro pra sustentar seu organismo exigente. --- disse dando-me um tapinha no abdômen.

--- Alex nos chamou para ir até o Noonan’s.

--- Sinto muito, querida, eu estou ficando mesmo atrasada para a reunião. E acho que vocês duas têm muito o que conversar.

--- Você tem razão. Vou contar a ela sobre nós.

--- Fico feliz, Kara. Sei o quanto Alex é importante pra você e isso significa muito pra mim também. --- sorriu encantadora. --- Eu contei a Sam também.

--- Você contou? Quando? --- questionei surpresa. --- Me conte enquanto me arrumo. --- pedi me trocando.

--- Sim! Foi ontem. Ela disse que já imaginava e que todo mundo já sabia.

--- Foi o que Alex me falou quando conversamos sobre você... Quer dizer... --- vi quando ela ergueu a sobrancelha me encarando. --- Antes disso acontecer... Quando falei... Falei sobre o nosso beijo naquela noite.

--- Interessante. --- exclamou brincalhona

            Estava me analisando em frente ao espelho quando vi o reflexo de Lena sentada na cama, fuçando em sua bolsa. Sorri quando ela me olhou, apalpando o colchão ao seu lado.

--- Venha cá! --- pediu me fazendo sentar ao seu lado. --- Há uns dias você me disse gostaria que eu fizesse o redesign do seu uniforme e eu disse que faria. --- contou segurando uma caixinha de joias. --- Mesmo com toda essa bagunça, tirei um tempo para conversar com Briany e tivemos algumas ideias.

--- Sério? --- indaguei empolgada.

--- Você deveria ter me mandado o que gostaria como pedi, mas com tudo o que está acontecendo, me antecipei e fiz algo pra você. --- entregou-me o objeto.

--- O que é isso?

--- Abra! --- pediu.

            Aceitei a caixa que ela me estendeu e abri lentamente, vendo um delicado colar descansando confortavelmente na almofadinha preta. O pequeno pingente chamou a minha atenção, o símbolo da Casa de El brilhava com a polidez do ouro maciço. Eu não sabia o que dizer, era a peça mais linda que já havia visto.

--- É pra mim? --- sussurrei emocionada.

--- Sim! --- sorriu. --- Espero que goste.

--- É lindo! --- exclamei. --- Não sei nem o que dizer.

--- Não tem que dizer nada. Apenas use.

--- Não que eu não tenha gostado, mas o que isso tem a ver com o meu uniforme?

--- Chega de andar com várias camadas de peças de roupas no corpo. Deve incomodar e também é muito difícil de tirar. --- explicou me fazendo rir. --- Basta tocá-lo com sua digital e seu uniforme irá se materializar em cerca de dois segundos. É bem mais prático e resistente que o seu atual, além de otimizar seu tempo em quase 96%.

--- Como é possível?

--- Nanotecnologia. --- disse simplesmente e não questionei.

            Lena era a pessoa mais inteligente que eu conhecia, mas ainda me surpreendia com sua capacidade de criação bem a frente do seu tempo, até mesmo em Krypton ela seria considerada genial.

--- Posso? --- pediu.

--- Por favor.

            A CEO pegou o colar da caixinha e me virei, dando-lhe as costas. Arrepiei quando senti seu toque em minha nuca, colocando a joia em meu pescoço.

--- Posso testar? --- pedi animada. --- Por favor?

--- Quando quiser. --- sorriu. --- Porém eu preciso ir agora, está quase na hora da minha reunião. Mas fique à vontade. Espero que goste do novo visual.

--- Novo visual? Você é demais! --- afirmei a abraçando.

            Apertei Lena com todo o carinho e gratidão, queria que ela percebesse o quanto esse gesto significou, principalmente pela atenção e cuidado em fazer algo com tanto valor para mim. Dei-lhe um beijo rápido quando nos afastamos, sorrindo abertamente para a mulher em minha frente, vendo seu sorriso em resposta, como se estivesse feliz em ver minha reação.

--- Apesar da minha curiosidade, testarei depois, prefiro te acompanhar até o trabalho e ganhar mais uns minutos com você. --- disse. --- Você se importa?

--- Passar mais tempo com você? Definitivamente não. --- sorriu. --- Deixo vocês no caminho. Meu motorista já está me esperando lá embaixo.