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Na manhã posterior a toda aquela noturna e embriagada aventura a primeira moradora a acordar foi, como de praxe, a maknae. Seohyun espreguiçou-se cansada, os olhos estavam pesados e seu corpo se rendia a mais cinco minutos de sono. Porém, mais do que voltar a dormir, queria tomar um bom banho que lhe tirasse das costas o peso daquelas garrafas de cerveja viradas de forma tão imprudente na noite passada. Ainda embriagada de sono rastejou até o chuveiro, com uma camiseta folgada e sua calça de moletom dos finais de semana debaixo do braço.
Entrou debaixo da água morna e ficou ali parada de olhos fechados, sendo bombardeada pelas lembranças recentes dos acontecimentos da noite passada. Nunca imaginou que se divertira tanto em um boliche, sequer poderia pensar que um dia fugiria de valentões depois de jogar latinhas de cerveja neles enquanto saiam de um bar, tampouco imaginou que se esconderia dos perseguidores no meio de uma plateia de um show de rap ao ar livre. Tinha prometido a si mesma que jamais encostaria em um cigarro, todavia, para seu bem ou mal, as três da manhã da madrugada passada estava experimentando um mentolado horroroso, que lhe desencadeou um ataque de tosse mal havia levado o fumo aos lábios. A sunbae riu dela, porém pediu que seus colegas parassem de fumar por causa de sua reação negativa ao cigarro.
Seohyun abraçou o próprio corpo abrindo os olhos, tinha se divertido mais do que esperava naquela madrugada de experimentação de atividades nunca antes feitas e desobediência de regras que considerava sagradas, como fazer pessoas tropeçaram com tranquinhas espertas dentro da boate apenas para rir da consequência que geralmente se consolidava em um tombo desajeitado e muitos empurrões. Desligou o chuveiro, seu banho tinha terminado.
Enrolando-se na toalha branca reaproveitou as sensações confusas que tinha deixado ditarem seu comportamento. Foi influenciada pelo jeito desapegado e sem preocupação alguma de sua sunbae e a gangue de arruaceiros com quem ela andava. Não podia negar que lhe rendeu diversos momento engraçados e uma sensação de diversão nunca experimentada. Seohyun sabia que não era daquele jeito, porém não podia negar a nova sensação de liberdade que agir assim – livre de todas as amarras do bom comportamento e linguagem culta – lhe proporcionava. Era tão bom poder ser outra Seohyun, uma Seohyun que não se preocupava com o que os outros pensam e apenas enche a cara sem sentir a necessidade de transar com alguém para preencher sua cabeça com outros preocupações que não trabalhos da faculdade, horas extras de estudo e tardes de ensaio para o coral da igreja . Seohyun estava grata à Hyoyeon, se não fosse pelo inusitado convite de sua sunbae, jamais descobrira esse novo lado de si mesma. Um lado mais corajoso, que ela pretendia explorar cada vez mais.
Ao chegar na cozinha começou a preparar sua sopa anti ressaca, sabia que suas unnies estariam de pé em pouco tempo, e diferente das demais vezes, não eram somente elas quem estavam necessitadas da sopa de algas e macarrão. Estava com a panela fervendo no fogo e o estômago roncando, o relógio lhe dizia que estava quase na hora do almoço. Distraindo-se da fome que sentia ligou a TV bem baixinho, matou tempo assistindo um interessante documentário sobre a fauna australiana. A sopa começou a cheirar e como se responde-se a esse estímulo do ambiente a sunbae apareceu caminhando devagarinho pelo corredor.
– Bom dia sunbae! – cumprimentou a mais nova com um sorriso de boas vindas.
– E aí Seo… – a loira resmungou-lhe de volta.
A voz estava embargada e os olhos mal abertos, ela mantinha a cabeça baixa, estava descabelada e seu pijama parecia três números maior que o seu corpo, dando a impressão de trajar um enorme saco de fazenda de algodão no lugar da camiseta roxa. Seohyun riu fraquinho enquanto colocava tigelas e colheres na mesa. Levou também o suco de laranja que havia preparado. Hyoyeon se sentou automaticamente na mesa e deixou que a maknae lhe servisse. Começaram a comer sem esperar pelas outras, quando estavam quase terminando Tiffany apareceu. Estava com olheiras e parecia mau humorada, pois respondeu o bom dia de Seohyun com um grunhido enquanto se sentava quieta na mesa. Esticou sua tigela pedindo que a servissem, coisa que a maknae prontamente fez.
– Taeyeon-unnie não se mexeu ainda? – a mais nova indagou enquanto retirava a louça usada da mesa, Tiffany ainda comia em silêncio.
– Ela geralmente acorda junto com você Seo.
Hyoyeon surgiu do corredor, pelos seus cabelos molhados e a nova aura que transmitia podia-se dizer que voltava do banheiro, tinha trocado de roupa e carregava a toalha molhada no ombro, cheirava ao shampoo de morango da maknae.
– Você usou meu shampoo? – perguntou ligeiramente ofendida.
– O meu acabou.
Disse lhe dando as costas já a caminho da minúscula lavanderia onde pendurou sua toalha no suporte.
– Obrigada pela refeição. – Tiffany deixou sua tigela na pia. – Eu lavo mais tarde, vou tentar dormir um pouco mais, estou acabada.
– Você precisa. – Hyoyeon concordou. – Parece que acabou de voltar de uma guerra.
Tiffany lhe deu um sorriso evidentemente falso.
– Minha guerra foi cuidar de vocês três ontem de noite. – ela manteve o tom grosseiro. – Seohyun escreva naquele mural estúpido que está proibido mais de duas bêbadas por final de semana.
– Pode deixar! – afirmou-lhe gentil.
– O quê?! – Hyoyeon expressou sua insatisfação. – Seo você não pode apenas concordar com ela!!
– Menos sunbae! – Seohyun ordenou firme, retomando o ar cândido ao insistir. – Vá se deitar unnie, eu acordo Taeyeon-unnie e patrulho Hyo-sunbae para ela não fazer barulho.
– Obrigada Seo, você é a única pessoa compreensiva nessa casa. – a alfinetada foi dita já enquanto a morena sumia pelo corredor.
– Você defende muito ela sabia.
Nesse momento Tiffany retornou do corredor, tinha ares de quem havia acabado de lembrar de alguma coisa.
– Yul vai aparecer aqui perto das quatro para combinar os detalhes de amanhã, me acordem um pouco antes dela chegar.
– Farei isso, unnie. – Seohyun respondeu prontamente.
– Obrigada.
Desta vez elas escutaram a porta da Hwang fechar segundos depois de seu retorno. Hyoyeon espreguiçou-se no sofá, largando seu celular de qualquer jeito em cima do estofado, Seohyun se aproximou.
– Eu pretendia ir até o parque hoje me curar de ontem, mas a previsão disse que vai chover e está bem feio lá fora. Então topa ver um filme?
– Vou fazer pipocas.
– Mas a gente acabou de comer!
– Só escolhe o filme sunbae!
– Tudo bem.
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Taeyeon acordou um pouco depois das quatro da tarde. Estava com uma dor de cabeça terrível, seu nariz estava congestionado e sua garganta lhe incomodava, estava doente.
Determinou que seu resfriado era fruto das longas noitadas que vinha tendo com Junhee nas últimas semanas, essas não precisavam ser necessariamente em finais de semana, já que sua (odiava usar essa palavra mas não sabia outra melhor para se dirigir a ela) namorada sempre lhe pedia para buscá-la do trabalho, vale constar que Junhee trabalha em bares e geralmente saí tarde do serviço, e depois dessas buscadas algumas vezes elas não iam imediatamente para casa, Junhee estava com fome ou iam apenas transar em algum motel.
Sua imunidade era baixa e ficava gripada com facilidade, infelizmente sempre demorava para se curar. Com todo esse deslocamento noturno incomum em sua rotina, somado ao contraste de temperaturas do dia com a noite do outono, estava castigando sua resistência.
Resmungando consigo mesma levantou da cama, assoou o nariz e engoliu dois comprimidos, um para dor de cabeça, outro para a febre e mais uma pastilha para a garganta por precaução. Tomou um banho rápido, sentindo violentos calafrios enquanto se vestia. Colocou um suéter e um moletom, estava com muito frio. Ao chegar na sala foi recebida por sua ex-namorada, Tiffany estava de pijama enrodilhada no sofá, parecia ter acabado de acordar, segurava uma caneca, com provavelmente café dentro. Em seu colo estava um grande livro cheio de frases sublinhadas com marca texto e anotações nos cantos da página.
– Boa tarde bela adormecida.
A frase transportou a loirinha de volta aos seus dezesseis anos. Quando estava no início de seu relacionamento com a morena à sua frente. As duas viviam dormindo uma na casa da outra e a frase era quase obrigatória durante as manhãs em que acordavam uma ao lado da outra depois de perceberem que haviam passado do limite de dormir maratonando Harry Potter. Miyoung costumava acordá-la com um suave selar no nariz e cafuné.
– Yul acabou de sair, a sunbae e Seohyun foram com ela até a confeitaria. Acho que vão trazer donuts.
Sendo trazida de volta a sua realidade, sem cafuné nas manhãs pós feriado, Taeyeon assentiu, indicando que havia compreendido o que ela disse.
– Sobrou sopa? – perguntou com a voz um pouco fanha e enrouquecida.
– Na geladeira. – Tiffany se virou para acompanhá-la com os olhos. – Você está gripada?
– Não. – Taeyeon pegava o pote onde a maknae tinha deixado sua porção da miraculosa sopa anti ressaca. – Só acordei com a voz estranha.
Como que para denunciar ainda mais sua mentira Taeyeon tossiu após finalizar a frase. Resmungando levou sua comida à mesa, onde colocou em um prato e pôs dentro do micro-ondas. Enquanto sua sopa aquecia Tiffany perguntou se ela estava com febre.
– Não. Eu estou bem.
– Tem certeza? – insistiu sua ex namorada. – Seus olhos estão um pouco vermelhos e você parece bem abatida.
– Tippany eu fui dormir às cinco da manhã! – ela ergueu o tom de voz e sua garganta reclamou do esforço.
– Ok. Você não está doente.
Desistindo de argumentar a Hwang voltou a sua atenção ao seu livro. Estava estudando arduamente para suas provas que pareciam ter chego com uma velocidade assustadora. Escutou o celular da loirinha tocar no quarto dela, não entendia porque o toque era tão alto. Escutava atrás de si o som da colher de Taeyeon batendo na louça do prato enquanto ela comia. Irritada, pois seu silêncio tinha sido roubado de si, levantou deixando o livro de lado. Apressadamente caminhou até o quarto da Kim, encontrou o aparelho que começava a tocar novamente e o carregou consigo até a sala. Deixou em cima da mesa e voltou ao seu sofá.
– Obrigada. – Taeyeon disse já atendendo, abandonando a comida. – Alô?
“Junhee?!” Tiffany imaginou, imitando o tom de voz da sua ex em sua cabeça.
– Junhee?!
A Hwang sufocou sua risada. Imaginando o que viria a seguir. “O quê? Você quer sair de novo?” fez seu chute aguardando ansiosamente pela próxima frase de Taeyeon.
– De novo? Saímos ontem Junhee!
Satisfeita com seus sucessivos acertos em suas previsões não tardou a fazer mais uma. “Eu estou um pouco doente, não posso ir.” esperava que, ao menos para a garota com quem estava saindo, Taeyeon admitisse seu resfriado evidente.
– Jura?! Isso é o máximo! – Tiffany escutou ela sentando de volta. – Mas eu não estou me sentindo muito bem. Hm. Eu acho que estou ficando gripada. Tem certeza?
“Droga!” havia errado desta vez, pelo menos parcialmente. Taeyeon permaneceu mais tempo em silêncio, provavelmente Junhee estava providenciando uma explicação para a pergunta que a loirinha havia feito.
– Que legal. – não havia entusiasmo e Tiffany não soube se sentia pena de Taeyeon ou da outra garota. – Tudo bem. Eu posso ir. Claro! Até mais!
No fim, sua ex namorada não tinha mudado tanto afinal de contas. Continuava sendo persuadida com muita facilidade. O motivo? Taeyeon pensava muito pouco em si mesma, estando sempre disponível para os outros.
– Você vai sair de novo?
Inquiriu Tiffany, pouco depois de que o barulho da colher batendo no prato voltou a incomodar-lhe os ouvidos.
– Hoje vai ser o primeiro show de Junhee. – disse levantando da mesa, havia terminado de comer.
– Mas Taeyeon, você está doente e amanhã é o acampamento de Yuri. Devia se poupar! Você dormiu o dia inteiro, mas está frio e chovendo lá fora.
– Tippany isso pode parecer estupidez para você, mas é importante para Junhee que eu vá.
– Sua saúde devia ser mais importante para ela.
Taeyeon ficou em silêncio, apenas dando as costas para Tiffany. Deixou seu prato e colher na pia, depois sem dizer nada rumou para o seu quarto. Meia hora depois voltou, estava arrumada, tinha até se maquiado. A Hwang sentiu o cheiro do perfume antes dela chegar até a porta da frente.
– Não vou jantar com vocês.
Suspirando Tiffany voltou a prestar atenção em seus estudos.
– Se você estiver morrendo amanhã não diga que eu não avisei. Divirta-se!
Taeyeon bateu a porta.
– Idiota. – murmurou a morena no sofá.
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Jessica não estava feliz. Tal informação não precisava sequer ser dita em voz alta. Eram sete e meia da manhã de um sábado e ela estava acordada. Mais precisamente acordada em pé na frente do prédio de Tiffany e sua patota. Segurava seu copo térmico que devia ter o café horrível que sua irmã havia feito, seu travesseiro de viagem estava em seu pescoço e usava óculos escuros. Sua mochila nas costas estava pesada e ela queria mais do que tudo esfregar a cara da Hwang no asfalto. Afinal, se fosse embarcar naquela loucura de acampamento pensava que devia ser levada a sério. Porém ali estava, tendo que lidar com o atraso inconveniente de sua amiga.
A camionete da confeitaria estava estacionada na rua, isso significava que Yuri já havia chego e o atraso provinha não da confeiteira, como a Jung suspeitou nos primeiros cinco minutos que ficou ali esperando, mas sim de Tiffany. Seohyun era de extrema pontualidade e jamais deixaria outra pessoa esperando, a Taeyeon se aplicava a mesma coisa e a mais atrasada de todas, Kim Hyoyeon, não iria. Para o alívio e a auto-realização de Jessica.
Sim. A Jung estava guardando ressentimentos pelo que havia lhe acontecido na noite anterior. Hyoyeon simplesmente havia sumido do mapa. Não respondeu a nenhuma mensagem e depois das três da manhã as ligações sequer chamavam, caindo direto na secretária eletrônica. Não que Jessica tivesse tentado ligar durante várias horas, longe disso, ela apenas estava maratonando algum seriado idiota com Krystal e de vez em quando fazia uma ligação, esperando que Hyoyeon atendesse para poder escutar todos os desaforos que ela estava guardando dentro de seu coração rancoroso.
Porém isso não aconteceu. Hyoyeon não atendeu o celular, sequer visualizou as mensagens que lhe foram enviadas. Percebendo que seu esforço era inútil Jessica foi dormir depois do quarto episódio consecutivo, deixando apenas Soojung na missão de finalizar a temporada naquela madrugada. Na manhã seguinte esperava receber alguma notícia ou no mínimo uma explicação. Por que no fim das contas Jessica havia se arrumado, saído de casa e criado certa expectativa, tudo para ficar uma hora na frente daquele karaokê. O tempo que precisou esperar para se irritar e desejar que Hyoyeon tivesse sido atropelada.
É claro que dois dias depois esse ressentimento todo ainda não estaria curado e Jessica manteve-se emburrada. Como estava, de novo, em uma situação semelhante e que havia aprendido a odiar, a espera. Não obteve alternativa senão ficar irritada. Afinal de contas, onde estavam aquelas irresponsáveis? Sua pergunta mau humorada foi respondida pela entrada do prédio abrindo e as três surgindo em fila. Primeiro Yuri, carregando mais coisas do que Jessica a julgava capaz de carregar, atrás desta veio Seohyun, com sua mochila, um travesseiro e cheirando a protetor solar, para finalizar Tiffany vinha por último. Curiosamente trajava algo muito semelhante a um pijama e estava de pantufas.
– Bom dia Jessica-unnie! – Seohyun cumprimentou bem-humorada, passando pela Jung para abrir a porta de trás da camionete, onde colocou o que carregava.
– Olá Jessica, linda manhã não acha? – indagou a sempre positiva e sorridente confeiteira.
– Bom dia. – Tiffany colocou o que carregava, uma caixa de papelão de tamanho médio, dentro da caçamba.
– Tiffany você me parece bem acabada. – disse dando um gole em seu café, “Uma porcaria!” constatou ao ingerir o líquido que já havia esfriado.
– E eu estou. – ela recostou-se no veículo depois de colocar a caixa lá dentro.
– Tiffany-unnie está dando tudo de si para cuidar de Taeyeon-unnie. – Seohyun entrou na conversa.
– O que aquele projeto anoréxico de Hyoyeon fez agora?
– Ela está bem doente, acho que pode estar desenvolvendo alguma bronquite. – Tiffany suspirou. – Eu disse para ela não sair ontem.
– Taeyeon é muito burra. Nem Hyoyeon sai num dia daqueles. – Jessica riu perversa. – Bem feito!
– Não deseje o mal alheio, isso pode atrair energias negativas para você! – Yuri disse com muita seriedade.
– Tanto faz. – Jessica deu de ombros entrando no carro.
– Eu tenho medo que ela se prejudique com esse tipo de atitude. – Yuri falou.
Tiffany não deixou de sorrir. Era bonitinha a crença de Yuri em alguma mudança de caráter por parte de Jessica, quase tão admirável quanto Seohyun fazendo a sunbae mudar algumas atitudes em sua vida acadêmica.
– Não encha sua cabeça com isso Yul, é perda de tempo.
– Unnie! – censurou Seohyun. – Todos podem mudar.
– Seo tem razão. – Yuri concordou.
– Cada um acredita no que quer.
Incomodada com a demora Jessica bateu no vidro da janela.
– O que estão esperando?!
Sua voz foi abafada pelo vidro, porém ela estava gritando. Seohyun avisou que estavam esperando pela sunbae e Jessica imediatamente caiu em mau humor profundo novamente. Por que Hyoyeon precisava vir? Até onde Tiffany havia lhe contado ela sequer fora convidada.
– Eu fiquei surpresa que Hyo-sunbae aceitou. – Yuri comentou enquanto esperavam.
– Nós também, mas ontem quando saímos para comprar o jantar ela me perguntou onde a gente ia ir e eu expliquei sobre o acampamento. – a maknae falava com animação. – A sunbae perguntou se poderia ir e eu perguntei porque-
– Eu achei que seria interessante conseguir algumas medalhas de escotismo! Cantar em volta de uma fogueira, caçar vaga-lumes, vender biscoitinhos, essas viadagens de bandeirantes!
A própria apareceu, carregava sua mochila em apenas um ombro e a outra mão levava uma caixa de som.
– Estavam me esperando? – as três assentiram. – Aqui estou! Podemos ir! Tchau Hwang! – sorriu para essa última, praticamente empurrando as outras duas contra a camionete.
– Para que a pressa sunbae?
– Sabe como é, se ficarmos de lenga lenga eu acho que desisto.
– Entra aí! – Seohyun pediu um tanto autoritariamente, sua sunbae lhe obedeceu sem rodeios, mas nem por isso deixou de ir sentar no banco da frente.
– Até mais Tiffany, eu aviso quando chegarmos. Estude bastante e cuide de Taeyeon! – Yuri pediu docemente, entrando no banco do motorista.
– Voltamos amanhã depois do almoço! – Seohyun prontificou. – Vou tirar muitas fotos! Queria que você fosse com a gente!
– Então da próxima vez você fica cuidando da moribunda. – as duas riram.
– Tudo bem, no próximo acampamento eu fico com a Tae Tae-unnie. – ao escutar o apelido Tiffany sentiu um calafrio, obrigou sua mente a prestar total atenção no rosto de sua dongsaeng sorridente. – Até mais Tiffany-unnie, vamos guardar seus marshmallows!
– Obrigada! Até mais Seo, boa viagem!
Elas se despediram. Tiffany prometeu mantê-las atualizadas sobre a saúde de Taeyeon. A loirinha estava com mais do que um resfriado. Logo cedo, antes das sete, quando a maknae foi despertar suas unnies uma por uma, notou que algo estava errado. Taeyeon tremia e suava ao mesmo tempo, estava enrolada em três edredons quando não fazia frio para tanto. Ao medir sua temperatura febre alta foi constatada. Ao ser acordada a loirinha disse estar com uma dor de garganta horrenda, mal conseguia falar. Sua voz estava fraca e muito, muito baixa e rouca, além de que tinha acessos de tosse seca quando se prolongava em suas frases. Disse sentir dor de cabeça e não conseguir respirar pelo nariz, também tinha dores pelo corpo e alegava enjoo.
Preocupadas, elas quase cancelaram o passeio. Taeyeon não tinha condições de ir e precisaria de alguém para cuidar dela. A loirinha porém não permitiu que todas ficassem para tomar conta de si, disse que uma pessoa era suficiente, já que elas insistiam tanto assim. Seohyun prontificou-se de imediato, porém Hyoyeon apontou Tiffany como a mais apropriada. “Ela conhece Taeyeon melhor e com toda certeza já deve ter cuidado dela antes, Seo você é ótima mas a Hwang aqui já fez um curso de enfermagem.”
Tiffany prontamente recusou, dizendo que a sunbae estava exagerando, não havia sido “um curso de enfermagem” e sim algumas aulas com uma paquera da faculdade que de fato fazia o curso. Seohyun poderia muito bem ficar com Taeyeon e isso não afetaria em nada, afinal a maknae era extremamente dedicada e tinha bastante conhecimento sobre medicamentos e sua aplicação. Entretanto, já influenciada pelo comentário um tanto sensacionalista de sua sunbae, Seohyun insistiu para que a morena ficasse. Alegando que Yuri-ssi entenderia perfeitamente a situação e ela mesma, Seohyun, tomaria conta da confeiteira. Além de que a Hwang tinha uma prova de suma importância na segunda, por isso seria até mesmo melhor para ela ficar estudando enquanto dava alguma assistência para a pobre moribunda do quarto dos fundos.
Depois de todos esses fatos argumentados pela dupla, que havia rapidamente armado esse complô involuntário, Tiffany viu-se sem outro remédio que não fosse aceitar. E aqui estava, sozinha em casa com uma Taeyeon prestes a morrer de gripe no quarto ao lado. Deu uma rápida passada no território da doente, pretendia apenas checar se ela estava dormindo ou não. Porém o cenário não era dos melhores. Taeyeon estava sentada na cama, com o corpo recostado em três travesseiros empilhados. Tinha evidente dificuldade em respirar e de vez em quando ela tossia.
– Taeyeon você está dormindo? – perguntou ainda da porta.
– Não…
A resposta fraquinha veio sem que ela abrisse os olhos, a luz estava apagada e as cortinas fechadas. Do lado da cama estavam jogados vários lencinhos de papel já usados em formato de bolinhas.
– Por que não está deitada?
– Eu…
Sua voz simplesmente sumiu, um pouco assustada Taeyeon pigarreou até que conseguisse produzir algum som. Enquanto sua ex-namorada retomava a compostura Tiffany se aproximou, juntava as bolinhas de lenço usadas, para levar ao lixo.
– Eu só consigo respirar pelo nariz quando estou sentada. – disse com certo custo.
– Você está péssima. – Tiffany encostou a mão livre na testa dela, estava um pouco suada. – O remédio não está fazendo efeito, vou chamar um médico, se você sair dessa cama vai ter algum piripaque e desmaiar com certeza.
– Não precisa… – Taeyeon pediu, seus olhos estavam com um brilho febril e um pouco avermelhados. – Eu vou melhor-
– Taeyeon! – diante daquela ordem implícita de silêncio a loirinha se calou. – Eu disse que vou chamar um médico! Não entendeu?
Diante dessa inabalável convicção Taeyeon apenas baixou os olhos concordando passivamente. Estava se sentindo fraca demais para outra discussão.
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– Não acredito que é aqui! É uma piada de mau gosto, né?!
Jessica estava prestes a ter um ataque de desespero. Tinha sido arrancada de sua preciosa civilização em pleno final de semana para ser trazida – não totalmente por sua vontade – a um fim de mundo onde a única construção do homem era um chalé de madeira que provavelmente datava algum século distante antes do surgimento dos primeiros humanóides.
– Você esperava o quê?! Um palácio vitoriano? – Hyoyeon fez troça do desalento alheio. – Welcome to the jungle, baby.
– Vai se foder sua-
– Jessica-unnie! – Seohyun lhe olhou feio. – Por favor, não precisamos começar o final de semana com esse espírito!
– Seo por que você também não vai dar suas lições de moral de boa moça para aquela depravada?! Por que sempre sou só eu a errada??
Feita sua cena a Jung migrou para a cabana, esperava que o lado de dentro não fosse tão desanimador. Uma vez lá dentro arrependeu-se ainda mais, a decoração era totalmente rústica, com direito a tapete de urso e uma cabeça de alce na parede, a sala de entrada era definida com isso. Yuri conversava com um homem alto e que provavelmente devia ser uns vinte anos mais velho.
– Jessica! – ela chamou com entusiasmo. – Esse aqui é o chefe Yong! Ele vai nos guiar na trilha até o acampamento!
– Como assim?! Não vamos dormir nessa choupana velha?
Yuri riu, como assim Jessica não entendia o que significava um acampamento? Sentindo-se penalizada por aquela única demonstração de inocência a confeiteira explicou.
– Nós vamos acampar perto do rio para podermos pescar no entardecer, não parece emocionante?
Como se fosse atingida com um salmão na cara a Jung respondeu com um genuíno sorriso de desespero. A realidade havia finalmente ficado clara para si.
– Emocionante demais para mim.
O Chefe Yong estranhou tamanha ironia, porém Yuri apenas sorriu.
– Não diga isso, tenho certeza de que vai gostar! Vamos, temos que carregar as coisas para o acampamento.
“Por que eu só não fiquei em casa?!” Jessica não deixava de se perguntar.
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– Obrigada doutor, agradeço por ter vindo.
– Não se preocupe com isso, nessas condições foi o melhor a ser feito. Sua amiga está bem fraca para ficar saindo de casa, não esqueça de lhe dar o chá três vezes por dia.
– Farei isso! Obrigada! – inclinou-se agradecida.
O homem retribuiu o cumprimento e saiu, Tiffany trancou a porta. O médico havia diagnosticado uma laringite. O que aplicava muito repouso, antibióticos, chás e sopas além de pílulas de vitamina C e gargarejos seguidos de pastilhas para a garganta. A febre baixaria assim que o remédio fizesse efeito e se ainda assim continuasse alta o médico aconselhou Tiffany a levar Taeyeon a um hospital, pois a infecção podia ser pior do que parecia. Ao que tudo indicava se a paciente tivesse tratado desde o início estaria bem melhor agora, ela devia evitar pegar frio e consumir alimentos e bebidas gelados, dando prioridade às coisas mornas.
– Vou ir na farmácia comprar seus remédios. Não saia da cama até eu voltar. Tome toda a sopa e termine com esse chá. Se não tiver terminado até eu voltar vou enfiar goela abaixo!
Ameaçou colocando o casaco. Taeyeon balançou a cabeça obedientemente, levando uma colherada de sopa à boca. Tiffany assentiu satisfeita, recostando a porta do quarto. Como sua ex namorada sentia muito frio havia ligado o aquecedor. Mesmo assim Taeyeon usava um casaco pesado para ficar sentada na cama. Pegou sua carteira e a receita do médico, precisaria pagar por essa consulta que saiu mais cara por ter feito o homem sair do consultório, pediria o dinheiro para Taeyeon mais tarde.
Saiu de casa com um guarda-chuva, ameaçava chover desde o meio dia, quando ficou tudo nublado e o sol sumiu. Seohyun tinha dito que lá no camping estava ensolarado e elas já haviam montado as barracas. Tiffany queria muito ter ido, mas sentia que cuidar de Taeyeon era uma obrigação. Talvez para poder usar isso contra ela algum dia.
Ficou com um pé atrás por deixar Taeyeon em casa sozinha naquele estado, entretanto não tinha outra opção. Entrou na farmácia e comprou tudo que fora requisitado, o antibiótico também saiu mais caro do que o planejado e a Hwang sentiu-se agradecida por Yuri ter aumentado seu salário, mesmo que só um pouquinho.
Na volta para casa decidiu passar no mercado a fim de incrementar os chás que estava preparando. O médico tinha recomendado gengibre, limão e sálvia, além do máximo de sucos cítricos possíveis, desde que estes não fossem servidos gelados. Só tinham dois míseros limões (agora um) na cesta de frutas do apartamento, e umas maçãs meio esquecidas. Também pretendia comprar própolis, sua mãe lhe dava sempre que pegava um resfriado.
Estava no caixa, inserindo os dígitos da senha do cartão na maquininha quando reparou em uma pessoa familiar entrando no estabelecimento. Junhee caminhava acompanhada de um rapaz de óculos, mais ou menos da sua idade. Pegando suas compras e a nota fiscal Tiffany caminhou até eles.
– Junhee-ssi! – chamou, conseguindo a atenção da garota, que se virou na direção daquela que lhe chamava. – Não sei se está lembrada de mim, meu nome é Tiffany, fui aquele dia na república com minha amiga que agora está morando lá.
– Ah sim! – ela sorriu de leve. – Eu lembro de você sim.
– Posso conversar com você rapidinho?
– Já alcanço você Minjoon-ah. – ela avisou o garoto que seguiu com o carrinho. – O que você quer falar comigo? – sua pergunta, mesmo tendo sido feita com genuína curiosidade, soou apenas grosseira.
– Eu moro com Taeyeon, e ontem de noite, escutei a conversa dela com você, no celular. – Junhee arqueou as sobrancelhas, surpresa. – Ela disse que estava mal, que não se sentia bem, mesmo assim você insistiu e fez com que ela saísse de casa na chuva, agora ela está de cama com uma infecção fodida na garganta! Eu não sei que tipo de relação vocês tem, mas você já pensou no lado dela alguma vez?!
– Do que você está falando?
– Eu sei que não é dá minha conta, mas não consigo mais só ficar olhando sem fazer nada! Venho querendo dizer isso para ela já faz algum tempo mas como não acho certo vou dizer primeiro para você. Quem sabe assim você cresce um pouco e passa a agir com alguma responsabilidade!
– Olha aqui eu não sei o que você tá querendo dizer!
– Junhee-ssi! Você está usando Taeyeon! Eu acompanho isso todos os dias! Você pede para ela ir te buscar depois do trabalho em um lugar totalmente isolado tarde da noite em um dia de semana, as vezes Taeyeon passa a manhã inteira se entupindo de café porque gastou a madrugada te ajudando com uma composição, ou, que tal, ela sai doente no frio porque a namorada dela não sabe enxergar nada fora do seu mundinho particular onde tudo e todos orbitam ao seu redor! – Tiffany executava seu discurso de forma muito passional, nem ela entendia quando havia passado a desgostar tanto assim dessa egoísta Junhee. – Acorda garota! Você não é nenhuma divindade e Taeyeon não é sua escrava particular! Pense um pouco nos outros antes de sair apenas os usando. Você pode se fazer de sonsa e dizer que eu sou a porra de uma ex dissimulada. Mas eu sei muito bem o que você está fazendo!
Junhee conteve um xingamento. Conhecia Tiffany melhor do que esta pensava, Taeyeon havia lhe falado sobre ela algumas muitas vezes, eram sempre comentários inconscientes que vinham acompanhados de um pedido de desculpas por terem sido proferidos. Sempre coisas banais como “Miyoung gostava desse sorvete” dito com um tom nostálgico e sofrido, quase um sussurro, uma prece para a Divina Miyoung, depois ela sorria desconcertada, pedindo perdão pela gafe. Junhee sabia que Taeyeon não a amava como ela queria que amasse e odiava essa tal Miyoung que era a responsável por isso. Mesmo sem ter a menor ideia disso Tiffany era uma presença constante no relacionamento de Junhee e Taeyeon.
– Taeyeon é uma boa pessoa, você vai usá-la quanto quiser e ela vai estar sempre lá com um sorriso no rosto. Só que você com certeza já sabe disso. Eu falei que você era legal, que era uma boa garota, eu até mesmo disse que ela devia ser feliz contigo! Sinto muito, mas não posso evitar me arrepender de cada palavra.
– Não preciso do seu arrependimento ou de suas desculpas. – Junhee manteve o tom agressivo, porém deu dois passos para trás. – Você quer que eu faça o quê? Taeyeonnie sempre me ajuda quando eu preciso e eu nunca abusei de sua boa vontade! Tudo o que ela faz é porque quer! Você só está com ciúmes!
– Vá se foder garota! – Tiffany estava muito irritada, seus olhos crisparam. – Você não é grande coisa, não o suficiente para me despertar ciúmes, ainda se fosse gostosa como aquela salva vidas.
– O que disse? – não dando tempo para a Hwang responder ela já engatou a segunda frase. – Tippany-ssi certo?
– Ti-ffa-ny. Fany! – corrigiu sem paciência.
– Ok, Tiffany! Ou posso te chamar de Miyoung? – ela fitava-a como quem perguntava, assim está bom? Com sua constante atitude de superioridade.
Tiffany se deixou abalar pela menção de seu nome coreano, como aquela garota sabia dele? Taeyeon era a única que poderia ter dito. Mas por quê? Em que ocasião e com que propósito ela revelaria isso para Junhee? Esta última percebeu a hesitação que crescia em sua rival no momento que aquele nome foi mencionado. Saboreando a vantagem que havia ganho retomou sua falatória, sempre mantendo o tom arrogante.
– Sinto muito que você fique chateada com o meu comportamento, mas o que eu posso dizer? Você é apenas uma ex namorada, não devia se meter tanto assim na vida amorosa atual de Taeyeon. Então pare de ser inconveniente. Eu estou bem e Taeyeon está bem, se ela ficou doente é porque não se agasalhou direito, eu não tenho nada a ver com isso! – a garota se aproximou com um sorriso venenoso. – Eu entendo que superar um término é difícil, acredite, eu sei como é! Mas você devia tomar cuidado com essa paranoia, pode desencadear algum problema sério!
– Junhee-ssi, eu tenho pena de você. – havia apenas desprezo em sua voz. – Eu espero que algum dia você abaixe esse seu ego e comece a se preocupar com alguém que não seja apenas você mesma. Ademais procure outra otária para ir buscá-la do trabalho, Taeyeon vai ficar alguns dias de cama, no mínimo tenha a decência de visitá-la para fingir que se importa.
– Já terminou seu show? Ex-namorada? – debochou a mais nova, de braços cruzados, claramente não dando a mínima para o que ela falava.
Tiffany estava pronta para ir embora, planejava apenas deixar a garota falando sozinha, porém decidiu responder a essa provocação descarada.
– Taeyeon pode ser prestativa e um pouco ingênua, mas ela sabe ler as pessoas como ninguém, então esse é meu último aviso: se ela ainda não se cansou de ser sua faz tudo, é porque ainda tem alguma consideração por você, ou, quem sabe, ela só goste de ter alguma vagabunda para comer de vez em quando, mas não se engane, isso não vai demorar muito para acabar.
Dito isso Tiffany finalmente deu as costas para Junhee, a garota que sequer conhecia mas já havia aprendido a odiar. Vinha reparando na forma abusiva como ela sempre convencia Taeyeon a fazer suas vontades, por mais absurdas que fossem. A pior parte é que era evidente que sua ex-namorada sabia o que estava acontecendo mas apenas fingia que não. Taeyeon se deixou usar e Tiffnay queria saber o porquê. Queria acreditar que sua conversa seria o suficiente para fazer Junhee ao menos repensar suas ações, porém o ar de deboche adolescente da garota lhe dizia que isso não aconteceria. E se Taeyeon voltasse para ela depois de recuperada isso serviria apenas para inflar ainda mais o ego dessa menina.
Inconscientemente Tiffany havia comprado mais uma caixa do cereal que as duas costumava comer na adolescência, durante o percurso de volta para casa, mantee a caxa em seu colo no ônibus. Encarando o cereal contestava a si mesma porque havia feito tudo isso. Junhee estava certa em uma coisa, Tiffany não precisava se meter no relacionamento de Taeyeon. Infelizmente a morena tinha o péssimo pressentimento de que se não tivesse feito isso, ninguém faria, nem a própria Taeyeon. Alguém precisava dizer que alguma coisa estava errada ali, em um relacionamento saudável um dos envolvidos não devia estar sempre esgotado por atender aos pedidos do outro. Isso a preocupava, Taeyeon não era burra, então porque vinha suportando essa relação abusiva por quase dois meses?
Tiffany não queria fazer isso, todavia tinha a crescente sensação que mais uma das suas conversas sérias e inevitáveis estava por vir, e isso lhe parecia tão certo quanto a chuva que começou a cair quando ela desceu do ônibus. Tinha muito medo do que poderia resultar esse diálogo, pois já não compreendia bem o que devia sentir em relação à loirinha febril. Estava bagunçada e não gostava dessa bagunça, pois temia não poder controlar certas linhas de raciocínio que deviam ser silenciadas. A medida que se aproximava de casa ficava tensa, ao mesmo tempo que sentia vontade de andar mais rápido.
Destrancou o portão, subiu as escadas e abriu a porta, deixou as coisas na cozinha para só então anunciar.
– Estou de volta!
– Vamos lá, vai ser divertido!
Yuri disse sorrindo, estendeu a mão para a Jung emburrada que ainda estava sentada no mesmo toco de madeira que escolheu para usar de cadeira quando chegou no acampamento do lago. Jessica não queria ir pescar. Hyoyeon e a maknae estavam rindo uma dos erros da outra, enquanto, com a água até a metade das coxas, tentavam pescar com o Chefe Yong. O homem tentava ajudá-las o máximo que podia, mas elas eram naturalmente inábeis para tal atividade. Hyoyeon fazia muito barulho e Seohyun entrava em pânico toda vez que um peixe se aproximava.
– Jessica? – Yuri ainda esperava com a mão estendida.
– Não vou. – disse encarando-a por cima das lentes do óculos escuro. – Me chamem apenas quando for para comer. – feita a sua declaração enfiou a cara na revista que fingia ler desde que tinha se instalado ali.
– Tudo bem!
Yuri assentiu e voltou para o lago, saltitando. Jessica não entendia como aquele ser humano podia gostar tanto daquele lugar e manter o bom humor mesmo depois de descobrir que uma das barracas havia sido comida por traças e provavelmente choveria de madrugada. Era inacreditável tanto otimismo em um só ser humano.
– ALGUMA COISA MORDEU MEU PÉ!!!!
Hyoyeon berrou instalando o pânico na pescaria, Seohyun saiu correndo da água enquanto gritava. O Chefe Yong, atordoado pelos gritinhos agudos, não sabia bem o que fazer.
– Calma Seo! – Yuri interveio segurando a mais nova. – Não foi nada! Hyo deve ter pisado em uma pedra.
– NÃO TENTE ME DESMERECER PADEIRA!!! – a sunbae saiu neurótica da água. – Eu sei o que senti!!! Algum bicho assassino tentou me matar!!
Disse irritada, sentando em outro toco, estes estavam dispostos em círculo. Rodeando a pilha de lenha que mais tarde seria a fogueira onde eles assariam os peixes que pescassem, ou, no caso de não conseguirem pescar nada, apenas cozinhariam os marshmallows que Seohyun trouxe.
– Quando fiasco. – Jessica resmungou. – Ai!!
Hyoyeon havia jogado um graveto nela.
– Cala a boca! Você sequer se mexeu desde que chegou!
– E daí?! – Jessica tirou os óculos de sol, os olhos fuzilando a sunbae. – Você também não ajudou a montar as barracas!
– Por que eu estava fazendo a fogueira para cozinha o seu jantar!
– Até onde eu sei não sou a única que vai comer!
– Parem por favor. – Seohyun clamava sem que ninguém lhe desse atenção.
– Chefe Yong me pediu para buscar mais lenha, alguém quer ir comigo? – Yuri brotou na conversa, ignorando a discussão e o clima pré assassinato que havia se instaurado na pequena roda.
– Já que sou a única inútil do acampamento eu me ofereço. – Jessica disse sarcasticamente, mantendo o olhar impassível sore Hyoyeon.
– Ótimo! – Yuri sorriu e puxou a Jung consigo. – Vamos, eu sei onde estão as lenhas que cortamos no acampamento da semana passada!
– Hei! Espera!
E foram-se as duas bosque a dentro, deixando uma Hyoyeon morrendo de rir.
– Bem feito!
– Você tem que parar com essas implicâncias sem sentido! – Seohyun reclamou, puxando a sunbae que havia estendido os braços pedindo ajuda para levantar.
– Me deixa viver Seo! – reclamou enquanto as duas voltavam para o lago.
– Você poderia viver melhor se não incomodasse tanto os ou- SUNBAE!!!
Ao chegarem na margem a loira empurrou a mais nova com toda a força para a água e Seohyun caiu sentada, totalmente encharcada. Hyoyeon ria como um menininho de doze anos.
– Você devia esfriar a cabeça! – disse entre risadas.
– Meninas não gritem e parem de atirar água! Vão espantar os peixes! – pediu o Chefe Yong.
– Você vai ver só! – a maknae já havia se levantado e jogava água em sua agressora.
– Filha da-
Distraída pela água no rosto não notou a rápida aproximação de Seohyun que lhe empurrou sem dó algum, como uma árvore que acabava de ser cerrada Hyoyeon caiu sem resistência alguma. Erguendo-se enquanto cuspia água a sunbae xingou a mais nova.
– Calma, é bom esfriar a cabeça! – ria descontroladamente a maknae.
– Meninas por favor, os peixes!
O Chefe Yong já previa que seriam obrigados a jantar o feijão enlatado que tinha trazido.
++++
– Hei Yuri!
Jessica berrou, estava com os braços doendo de tanta madeira que carregava, sentia como se já tivesse cruzado toda a floresta amazônica carregando aquelas ripas e nada da clareira do lago reaparecer diante dos seus olhos. A padeira caminhava significativos passos a frente, mantendo o mesmo ritmo sempre, voltou-se para trás ao ser chamada.
– Você tem certeza de que sabe para onde está indo? – como sempre, sua pergunta soou agressiva.
– É claro que sei! – Yuri ficou por alguns segundos apenas em silêncio, com um olhar perdido, como se tivesse esquecido o que ia falar, depois recobrou o ar animado e o sorriso inabalável. – Eu sou uma escoteira, aprendi a andar no bosque!
– Não é um bosque! – retrucou enquanto desviava de uma pedra no seu caminho. – Isso aqui é uma selva! Tem certeza de que não existe nenhum predador mortífero aqui?
Yuri riu, as duas estavam caminhando por no máximo vinte minutos e a Jung já começava com seus palpites desconfiados, a confeiteira sabia que os próximos seriam pessimistas.
– Não. O máximo que podemos achar é alguma cobra ou roedores.
– Tem cobras aqui!?! – Yuri não a enxergava, porém seu tom de voz foi mais alto e alarmado.
– Não se preocupe, a maioria delas não são venenosas. E os gnomos as prendem durante o dia.
Jessica parou de caminhar. Yuri tinha dito aquilo mesmo? Voltou a caminhar, um pouco atordoada. Decidiu perguntar para conferir.
– Quem prende as cobras durante o dia?
Yuri se virou.
– Os gnomos. Eles cuidam dos animais e protegem os humanos. – a mais alta largou as madeiras que carregava. – Vamos fazer uma pequena pausa?
– Achei que nunca diria isso! – aliviada Jessica jogou-se ao chão junto com a lenha que trazia. – Meus braços estão avermelhados! – choramingou.
– Quando chegarmos me peça para te passar uma pomada, seus músculos podem ficar muito tensos pelo esforço repentino.
– Repentino?
– Você costuma fazer exercícios frequentemente Jessica?
– Não.
Yuri riu. As duas ficaram em silêncio sentadas no meio do bosque. A Jung estava um pouco assustada, porque não fazia ideia de onde estava e sentia como se tivessem caminhando por dias a fio para embrenharem-se tanto assim no bosque. Este, a uma primeira vista, parecia apenas um conjunto de pinheiros, rochas e arbustos, que juntos montavam o cenário do acampamento. Agora se via completamente cercada de árvores, escutava o canto dos pássaros mais do que o desejado e de vez em quanto temia ter avistado um inseto desconhecido perambulando pelas folhagens.
– Você frequenta isso aqui há quanto tempo? – perguntou, pois o som da natureza a estava incomodando.
– Desde os doze. – Yuri cutucava o chão com um graveto. – O papai fazia escotismo quando era criança então me colocaram aqui depois que ele se foi.
– Pera aí você tem pai?! – Jessica estava muito surpresa. – Existiram homens na sua família?!?!
– É claro que eu tive um pai! – Yuri riu. – Todo mundo teve um pai.
– Mas você nunca falou de nenhum parente homem, eram sempre suas tias, sua mãe, sua falecida avó…
– Não sei quem foi meu avô, mas ele só teve filhas e meu pai morreu quando eu tinha onze anos. – ela jogou o graveto fora. – Depois do velório minha mãe se livrou de todas as coisas que foram dele, de todas as fotos. Nós mudamos de casa e nunca mais falamos dele, eu a entendo, foi o seu jeito de lidar com a perda.
Jessica não sabia o que dizer, nunca imaginou que tão adorável e feliz criatura pudesse ter passado por uma experiência triste na vida. A Jung enxergava Yuri como alguém que jamais tivesse presenciado algo ruim, um ser humano privado de qualquer dor ou sofrimento. Afinal, se não fosse assim, então como essa confeiteira desmiolada conseguia manter-se sempre alegre e sorridente? Não fazia sentido para Jessica. Como, até mesmo nos dias mais feios e frustrantes para a confeitaria, Yuri animava a todos (ou pelo menos a maioria) com sua inabalável confiança em um futuro melhor. “Virão mais clientes amanhã”. Ela dizia. “Chuva é ótimo! Rega as plantinhas e podemos pular nas poças!” falava sorrindo quando as duas saiam do trabalho. “Eu gosto do calor, sem ele eu não acharia o inverno tão lindo!” declarava sempre que alguém reclamava que estava muito quente.
Mesmo agora, enquanto revivia suas memórias mais tristes Yuri apenas estava nostálgica, não havia sinal de abalo ou tristeza, ela estava somente compartilhando uma lembrança. A morena ergueu a cabeça, os olhos vívidos e amáveis, seu sorriso verdadeiro e confiante, ao mesmo tempo ingênuo e terno. Yuri era um enigma para Jessica. E ela odiava não ter a resposta para alguma coisa.
– Mas… – ela retomou, após um longo silêncio. – Não conte para ninguém sobre isso. Minha família não gosta de falar sobre o ocorrido e quanto menos pessoas souberem melhor.
– Considere seu segredo salvo. – Jessica sorriu.
Yuri sorriu de volta. Feliz por ter recebido um primeiro sorriso sincero de sua antiga colega de trabalho.
– Podemos retomar a caminhada? – perguntou a morena se levantando.
– Sim, infelizmente. Só me diga uma coisa... – Yuri fez menção para a outra continuar. – Você sabe mesmo para onde estamos indo? Por que eu fiz uma marca naquela árvore quando você parou para amarrar os tênis uns quinze minutos atrás.
Jessica apontava para o pinheiro, havia uma marca no tronco da árvore, não muito profunda, apenas uma lasca da casca tinha sido tirada, porém o suficiente para deixar uma faixa mais clara no lugar onde foi feita a marcação.
– Droga! – exclamou após alguns segundos de silêncio.
– Aish! Você me assustou! – Jessica levou a mão de encontro ao peito.
– Eu não devia ter contado sobre o papai aqui! – a Jung franziu o cenho.
– Por que não?
– Os gnomos. – Yuri tinha um tom solene. – Eles são enxeridos e costumam espalhar boatos por aí!
Um pouco assustada que uma mulher de vinte e três anos acreditasse nisso Jessica apenas concordou, ela devia concordar. "Não contrarie", era o que os psicólogos diriam se estivessem no seu lugar.
– Ah sim! – ela riu com custo, uma risada sem graça. – Mas, enquanto ao caminho para casa…
– Sobre isso. – Yuri passou a mão pelos cabelos. – Eu acho que saí da trilha depois que amarrei os tênis, mas não tive certeza então decidi só continuar, eu acharia a trilha de volta se fosse o caso.
– E então?! – Jessica estava quase entrando em parafuso.
– Eu achei que tinha achado mas eu acho que perdi!
Yuri sorriu desconcertada. Jessica sentiu vontade de socá-la até a morte.
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