História Eu, você, e todas as outras coisas - Mal-eduacado

Eu chegaria no colégio atrasada, pra variar. Mas a culpa não tinha sido minha, na verdade, 50% era minha sim, que não acordei quando o despertador tocou; o inverno fazia isso comigo, tirava minha vontade de levantar da cama, me fazendo querer ficar debaixo do meu edredom quentinho até não poder mais. Os outros 50% eram do transito, que estava um caos.

 -Você ainda chega a assistir a terceira aula? –Minha mãe perguntou, prestando mais atenção no transito do que em mim.

 -Provavelmente quando eu chegar, já vai ser a hora do recre... –parei de falar, lembrando que a Camila falava que não era “recreio”, e sim “intervalo”. “Já somos 9º ano! Não fala isso! ”, ela dizia.

 -Intervalo. Depois disso só vão ter duas aulas. Porque a senhora não deixou eu ficar em casa? Hoje é sexta! Vou pra escola só pra ter que ouvir o professor de geografia falar!

 -Mas é claro que eu não iria deixar né Elisa? Até parece que nessa altura do campeonato eu vou deixar você faltar! Quase no final do ano...

 Apenas fiquei calada. Claro, ela não me deixaria faltar, faltavam apenas duas semanas para o fim do ano letivo, depois, eu teria que ajudar a organizar os preparativos para a formatura. Vinte minutos depois chegamos ao local que eu mais queria me livrar, o colégio.

Assinei a lista de atrasados e fui indo em direção a minha sala, que ficava depois da cantina.

 -Nem chegou atrasada...o que houve? –a Camila falou, enquanto eu colocava minha mochila na carteira do fundo, o único lugar vago.

 -Acontece que eu me atrasei, e esse trânsito caótico não ajuda em nada!

 -Tá bom então, vamos logo comprar o lanche, só temos mais dez minutos de intervalo.

 A fila não estava muito grande, metade do colégio já tinha lanchado. Comprei uma coxinha e um refrigerante. Fui andando com a Cami pelo colégio, até que paramos no início do corredor.

 -Que música é essa? –Perguntei depois de abocanhar a coxinha.

 -Não sei...parece que é... Anna Júlia dos Los Hermanos!

 -Ai meu Deus! Hoje é a sexta do terceirão!

 No momento que acabei de falar, a turma do terceiro ano apareceu no corredor, cantando. Todos estavam vestidos de hippie, e antes que pudessem se esbarrar comigo, a Camila me puxou para trás. Esperamos eles passarem e logo depois passamos no corredor, ou melhor, paramos no meio do corredor.

 -Nossa! Foi mal ai! –Um menino alto, de casaco cinza disse enquanto continuava a correr

 Não consegui dizer nenhuma palavra, minha blusa estava completamente molhada de Fanta Uva, e o culpado não parou nem para pedir desculpas!

 -Olha isso! Olha o que aquele idiota fez! –falei com raiva, porque as coisas sempre aconteciam comigo?

 -Meu Deus! E agora? –Camila dizia olhando para minha blusa, desesperada.

 -Me dá seu casaco, antes que mais gente veja!

  Meu casaco, por incrível que pareça, estava dentro da minha mochila, enquanto o da Cami estava amarrado em sua cintura. E sim, algumas pessoas viram aquilo, umas começaram a rir, já outra só ficaram observando, provavelmente curiosas para saber no que aquilo iria dar.

 Peguei a latinha do chão e fui chamar Dona Vera para ver se ela podia limpar toda aquela sujeira. Eu só conseguia pensar o quão e quem foi o mal-educado que causou aquilo tudo! Eu sempre tinha que me dá mal, aquilo tinha que acontecer justamente comigo!

                                                                            (...)

 -O que é isso na sua blusa? –Minha mãe perguntou pausadamente assim que entrei no carro.

 -Foi um menino que tombou comigo, e em fez derramar Fanta em mim mesma!

 -Que?

 -Mãe, olha isso –falei abrindo o casaco (tinha trocado com a Camis)

 -Isso ai sai rapidinho! –Ela disse não fazendo muito caso do meu problema.

  Entrei no meu quarto já me jogando na cama. Tudo que eu queria naquele fim de semana era dormir e descansar, mas não seria tão possível, eu tinha uma pilha de listas de revisão para fazer.

 Depois do almoço fui fazer as atividades. Resolvi fazer logo todas de uma vez, e no decorrer da semana, eu iria estudando cada matéria mais detalhadamente.

 Quando o João chegou do cursinho já eram cinco e meia da tarde, exatamente a hora que acabei de fazer todos os exercícios. Tomei um banho quente e vesti minha calça moletom com um blusão, era exatamente daquele jeito que eu gostava de ficar no inverno. Liguei a TV e fui assistir mais um capítulo de Gossip Girl, minha série favorita.

 -Como foi teu dia? –Perguntei enquanto ele se sentava e puxava uma parte do cobertor.

 -A mesma coisa... nada de diferente. –Ele falou enquanto estirava os braços, para pegar as xícaras de chocolate quente que havia deixado em cima do centro de mesa.

 -E teu dia? –Perguntou enquanto me dava uma xícara.

 -Nada demais... tirando o fato de eu ter perdido o horário, ter chegado no colégio no intervalo e um menino ter passado correndo e ter derramado refringente em mim, foi tudo normal.

 -E no que deu? –Ele pareceu estar curioso

 -Não deu em nada. Eu fiquei lá, com a blusa encharcada de Fanta Uva e ele continuou correndo, nem parou pra pedir desculpas!

 -E muita gente viu?

 -Pra minha sorte não, peguei o casaco de Camila e vesti.

 -E você sabe quem foi?

 -Não, mas era bem alto...provavelmente algum do time de handball. –Falei depois de dar um gole no chocolate incrivelmente gostoso que meu irmão tinha feito.

 -É...

 Ficamos ali conversando por um bom tempo. Fazia tempo que eu não batia um papo com o João, como ele fazia cursinho, só chegava naquele horário (exceto as segundas-feiras, que ele chegava pro almoço de saía) e ia direto fazer as atividades. Mas como era sexta feira, ele decidiu deixar as coisas pro sábado. Eu amava conversar com ele, parece que era o único que me entendia, talvez pelo fato de ser meu irmão, e por ser quatro anos mais velho que eu.

 Acordei com meu pai me balançando. Eu havia pegado no sono junto com o João, que continuava dormindo. Olhei para a varanda e vi que estava chovendo. Aquilo me fez ter ainda mais vontade de dormir no sofá mesmo, mas meu pai achou melhor que eu fosse pra cama.

 Levantei e fui até a porta que dava para a varanda, eu amava observar a chuva caindo sobre a cidade, e como nosso apartamento era no décimo andar, ficava ainda melhor.