História Everything starts in Paris - As fotos se viraram contra você

      Estava cada dia mais difícil fingir para nossos amigos que eu e Harry passávamos de apenas “bons amigos”. Não que não fôssemos, mas nós éramos amigos que davam uns beijos de vez em quando, e eu não sabia se na nossa situação isso era considerado bom ou ruim. Pelo menos na cabeça de Liam e Alicia.  

   Harry diz que não temos que ficar dando satisfações para os outros, mas ele não entendia o quão difícil era esconder coisas da minha melhor amiga. Ele me conhecia há uns meses. Ela me conhecia há o quê? Doze anos? Fala sério, a Alicia me conhecia mais do que eu mesma. Sendo assim, sabia exatamente quando eu escondia algo, e dar uns beijos no Harry não passaria tão despercebido. A parte mais complicada dessa situação é não poder contar para a minha melhor amiga o quanto Harry é bonito, fofo, romântico, cavalheiro, e ainda por cima canta para mim no meio do Central Park. Essas coisas eram fatos e pensar esse tipo de coisa sobre ele só piorava a situação, mas eu estava começando a não me importar.   

   Eu não sabia o porquê de ocultarmos os detalhes. Talvez eu ainda não estivesse muito confortável com a ideia. Ou talvez seja por puro medo de dar tudo errado. Sabíamos que tínhamos tudo pra dar errado, não precisávamos de mais gente nos afirmando isso.  

   Eu e Harry tínhamos combinado de estudar para a prova de Física de amanhã naquela cafeteria em que ele me levou há algumas semanas atrás, Maille’s Coffee. Eu realmente gostei muito daquele lugar, principalmente por causa da maravilhosa decoração rústica e pelo fato de ter um ar do século XIX. Quando o sinal da última aula soou, eu me apressei em guardar as minhas coisas em meu armário para podermos ir e dar tempo de revisar toda a matéria.   

   Os últimos dias, no geral, haviam sidos consideravelmente bons para mim. Eu estava bastante empolgada devido ao fato de ser nomeada Presidente do Grêmio Estudantil desse ano. Pela terceira vez consecutiva, mas eu sempre ficava igualmente feliz com a notícia. As votações começaram há cerca de um mês, e eu fui uma das indicadas da minha turma para concorrer ao cargo, por conta de minhas notas. No fim, acabei vencendo por uma mínima diferença de votos das outras candidatas. Hailey também participou, mas por incrível que pareça, ela aparentou lidar bem com o fato de eu ter ganhado.

   Ela andava muito estranha, mesmo depois do que aconteceu na boate. Agia normalmente, como se nada tivesse acontecido. No começo achei suspeito, mas penso que ela realmente entendeu o fato de eu não ser realmente um obstáculo em sua vida.  

   Meu coração dá um pulo quando vejo alguém encostar-se no armário ao lado.  

   – Alicia! – coloco a mão no peito e ela cruza os braços – Que susto!  

   – Desculpe, é que eu vi você saindo apressada da aula e achei estranho. – dá de ombros – Ei, eu estava pensando em passar no shopping agora para comprar aquela blusa azul que eu te falei. Eu preciso da opinião de uma futura estilista e fotógrafa: você acha que vai combinar com o meu short jeans novo? Aquele que eu comprei semana passada?  

   Eu franzo o cenho confusa.  

   – Não me lembro de você ter me falado sobre nenhuma blusa azul.  

   – O quê? Mas eu te falei sobre ela hoje de manhã, no caminho para cá! – ela diz e eu mordo os lábios. Então era disso que ela falava? Eu realmente não prestei atenção em nada que ela havia tagarelado hoje de manhã. – Mel, ultimamente você tem estado no mundo da lua. – Alicia parecia frustrada.  

    – Eu não estou “no mundo da lua”. – faço aspas com as mãos – Me desculpe. Eu ando com a cabeça cheia. Além disso, não sou uma pessoa que pensa direito às sete horas da manhã.  

   Ela revira os olhos, impaciente.  

   – Ok, ok. Tudo bem. Mas nós vamos no shopping ou não?  

   Droga, eu não queria ter que dispensar o convite da Alicia, mas também não podia demarcar com o Harry. Na verdade eu queria poder me dividir em duas para poder fazer duas coisas ao mesmo tempo sem ter que chatear ninguém, mas para o meu azar a ciência ainda não estava tão avançada a esse ponto. Graças às forças superiores, eu não tive tempo de responder, pois Harry aparece ao nosso lado passando um dos braços pelo meu ombro.  

   – Vamos, senhora Presidente do Grêmio Estudantil? – ele se refere a mim. – Os estudos nos esperam. – eu automaticamente olho para Alicia, que estava com uma expressão confusa.  

   – Ali... Eu combinei com o Harry de estudar para a prova de amanhã. – digo de uma vez – Física. Sabe como é.  

   Alicia processa a informação e levanta as sobrancelhas.  

   – Oh. Então tá. – ela inclina a cabeça para o lado, fingindo estar chateada – Sabe, vocês dois andam muito juntos ultimamente. Estão quase me deixando com ciúmes. – eu arregalo os olhos e podia jurar que estava vermelha. Harry, pelo contrário, riu.  

   – Desculpe por roubá-la de você hoje, Alicia. – Harry comprime os lábios em uma linha reta, fazendo as suas covinhas aparecerem – Mas é que eu não sou a melhor pessoa em Física. – explica na maior cara de pau, e olha para mim como se dissesse para eu confirmar a sua mentira.  

   Harry é ótimo em Física. Ele era um tremendo mentiroso, isso sim. Eu afirmo rapidamente com a cabeça e me viro para sair sem dar tempo para Alicia fazer mais alguma pergunta.  

   Quando eu estava próxima à saída, ouço a voz do diretor ecoar por todo o corredor, me dando conta de que ela vinha dos auto-falantes. Eles ficavam espalhados por toda a escola e eram usados apenas para anúncios importantes, como o Baile de Formatura ou algum evento estudantil. Mas para a minha surpresa e espanto, o meu nome também ecoou pelo corredor.  

    – Melissa Kingston, favor comparecer na minha sala em um minuto.   

   Mas... O que o diretor do Colégio queria comigo agora? Harry também parecia tão confuso quanto eu, mesmo tentando não transparecer.  

   – Deve ser algo relacionado ao Grêmio. – opina e eu estranho. O diretor costumava comunicar coisas sobre o Grêmio durante o horário de aula – Será que aconteceu alguma coisa? – ele indaga e eu dou de ombros.  

   – Não sei. Só há um jeito de descobrir. – ajeito minha mochila nos ombros e dou meia-volta pelo corredor, olhando para trás e vendo Harry me seguir – Aonde esta indo?  

   – Eu vou com você. – Harry para de andar ao chegarmos em frente à diretoria – Não tenho mais nada de interessante para fazer, então eu te espero aqui fora.   

   Assenti com a cabeça e dou duas batidas na porta de madeira em minha frente. Não demorou cinco segundos para eu dar de cada com um homem alto e calvo, vestes sociais e uma barba a fazer. O diretor Woodwork não devia ter mais que 45 anos, e era bem simpático na maioria do tempo.  

   – Diretor. – cumprimento-o, com um sorriso sem mostrar os dentes – O senhor mandou me chamar. Aconteceu alguma coisa?  

   Diferente do que costumava fazer, o diretor Woodwork não sorriu abertamente de volta, e isso me fez ficar um pouco preocupada com o que viria a seguir.   

    – Srta. Kingston. – ele me cumprimenta de volta. O seu semblante era quase... Decepcionado? – Entre, por favor. Prometo não tomar muito de seu tempo. – ela me dá passagem para entrar e depois parece perceber a figura de Harry atrás de mim. Seu olhar demora alguns segundos no garoto e depois ele fecha a porta atrás de si, indicando para eu me sentar.  

   – Bom, Srta. Kingston, deve estar se perguntando o motivo de eu ter lhe chamado aqui agora. – ele diz e eu confirmo com a cabeça – Pois bem, eu serei bem direto. – ele desvia o olhar de mim para abrir a última gaveta de sua mesa, tirando de lá alguns papéis aleatórios – Hoje de manhã eu fiquei surpreso ao ver essas fotos em cima da minha mesa. Pensei ser apenas alguns papéis relacionado a trabalho, já que a minha secretária costuma organizá-los pra mim. Mas infelizmente me enganei. – ele dá um sorriso sem humor e empurra as tais fotos para o meu lado. Hesitante, eu pego uma delas para ver sobre o que se tratava.  

   Eu demoro um tempo para perceber sobre o que ele estava falando, mas quando me dou conta do que aquelas fotos mostravam e o que elas significavam, meu queixo cai. Eu poderia reconhecer aquele cabelo loiro em qualquer lugar, porque era meu. As fotos mostravam duas pessoas se beijando encostadas nos armários, e se olhasse de perto dava para ver nitidamente que se travava de mim e Harry. O dia no intervalo! Que diabos? 

   Alguém nos espionava aquele dia?  

   Eu sabia exatamente o que isso significava. 

    – O envio foi anônimo. Não sei como e nem quem me enviou isso. – o diretor continuou – Além disso... Recebi esse bilhete junto. – o diretor Woodwork balança um pequeno papelzinho e em seguida o lê em voz alta, suspirando – “Isso mostra o quanto a nossa Presidente do Grêmio Estudantil cumpre as regras da escola e o comprometimento com seu cargo. Parece que Melissa Kingston não é exatamente quem parece ser.” – o diretor me encara e eu olho para os meus pés, atônita. Isso não estava acontecendo. 

   – Diretor, eu... 

   – Melissa, eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas sua atitude vai contra as normas da escola. Eu nunca liguei muito pra isso e sei que é uma coisa normal na idade de vocês, mas... Você sabe o que essas fotos significam para a sua presidência, não sabe? – eu afirmo com a cabeça, sem encará-lo. 21° regra dos Presidentes do Grêmio: “o indivíduo em questão deve manter as boas notas e não pode infringir as regras impostas pelo colégio”. – Pois é. Eu odeio ter que dizer isso, mas vou ser obrigado a te afastar do cargo. Se a pessoa que me mandou isto decidir espalhar essas fotos para a escola... Será bem pior. – balança a cabeça – E não me agrada nem um pouco ter que fazer isso, ainda mais com você. Isso poderia gerar uma advertência! – diz e logo depois se encosta em sua cadeira e eu respiro fundo – Mas não acho que isso seja necessário. Eu suponho que lhe afastar da presidência já esteja de bom tamanho, ao menos temporariamente. O segundo colocado na votação irá substituía-la, não se preocupe. 

   Eu não consegui proferir uma única palavra, e devia estar com uma cara muito atordoada, pois o diretor não parecia exatamente bravo comigo. Era como se estivesse profundamente decepcionado. E eu infelizmente não o culpava. O meu estômago revirava e eu sentia um misto de surpresa e choque. Na verdade, aquilo era quase uma humilhação. Aquela foi a única vez que fizemos isso aqui e eu não me orgulhava nem um pouco de ter quebrado mais uma regra, pra variar. Mas quem espalharia fotos minhas e de Harry nos beijando apenas para nos prejudicar? Ou melhor, para me prejudicar? 

   – Eu entendo perfeitamente. – digo em um fio de voz – Isso não irá se repetir. 

   Antes de eu me levantar, o diretor parece se lembrar de algo e faz um gesto com a mão, indicando a porta.  

   – Antes que você me pergunte, não, eu não irei dar uma advertência para o seu namorado lá fora. Não seria justo punir apenas um lado. 

   Eu pisco algumas vezes. Penso em dizer que Harry não era o meu namorado, mas resolvi não prolongar o assunto. 

   – Obrigada. – foi a única coisa que eu consegui murmurar antes de me levantar e ir em direção à saída. O diretor Woodwork me conhecia desde pequena e ele sempre fora uma pessoa equilibrada e sensata, até mesmo agora. Eu lhe devia pelo menos um agradecimento por não nos suspender. De repente, algo me passou pela cabeça, e eu não me segurei a perguntar: – Ah, diretor? 

    – Sim? 

   – Quem é o segundo colocado? 

   Ele coloca seus óculos e volta a digitar em seu notebook. 

    – Hailey Waters. 

   Ao dizer isso, eu saio e fecho a porta com força, mesmo sem perceber. 

[...] 

   – Melissa, não precisa apertar o copo com tanta força. 

   Eu e Harry estávamos na cafeteria, como combinado, sentados em uma mesa no 2° andar. Eu pedi um frappuccino de chocolate e ele um cappuccino. Haviam algumas pessoas sentadas perto de nós, a maioria com mais de trinta anos, e eu podia jurar que o meu humor estava péssimo, pois elas olhavam para nós de soslaio como se fôssemos as pessoas mais estranhas da face da Terra. Após sair da sala do diretor, eu estava muito fora do ar para falar para Harry o que aconteceu. Por isso, quando entramos em seu carro, eu despejei tudo. Cada detalhe, até a parte em que devíamos uma ao diretor Woodwork por não ter nos punido ou sequer falado para nossos pais. 

   – Mas eu não entendo! Foi só um beijo! Um simples beijo, nada de mais. – Harry dizia indignado, dando um gole em seu cappuccino. 

   – Sim, beijar no horário de aula é proibido, e nós sabíamos disso. – eu respiro fundo, fechando os olhos e empurrando o meu frappuccino para o lado – Mas essa não é a questão, Harry, a questão é que eu não acredito que ela chegou a esse ponto! Argh! Qual é, o que foi que eu fiz? É algum Karma?  

   – Como pode ter tanta certeza de que foi ela? – Harry indaga e eu respiro mais uma vez. 

   – Eu... Não sei. Eu só sei. – admito – Harry, eu sempre fiquei quieta. Nunca revidei as suas indiretas e sempre fingi não perceber as olhadas que ela me dá. Nunca dei bola de ela sempre querer as mesmas coisas que eu. Mas chegar a me espionar para tirar o meu cargo de Presidente do Grêmio? – jogo meu corpo para trás na cadeira – Isso já está ficando demais. A Hailey é obsessiva. Ela está querendo se vingar por causa daquele dia na boate. 

   – Eu sei que estávamos errados em nos pegar em pleno corredor, mas ela não está certa em nos espionar e ainda nos fotografar. – Harry opina. Ele parecia tão calmo que chegava a me irritar – Eu acho já passou da hora de vocês conversarem. Essa briguinha já passou dos limites. – ele desvia o olhar e eu arregalo os olhos. 

   – Conversar? Com a Hailey? 

   – Vai, Mel. Vocês não vão morrer. – ele tentava me convencer – Lembre-se, mulheres não são rivais uma da outra, como você mesma diz. 

   – Harry você... Mas é ela quem... 

   – Não importa quem é o culpado. Por favor, prometa que vai conversar com ela. Isso já passou dos limites. – Harry levanta uma sobrancelha sério – Vocês têm dezoito anos, já são adultas. Então... 

   – ...Ajam como tais. Ok, eu sei. – eu suspiro, dando-me por vencida, um pouco contrariada – Tá bem! Tá, eu falo com ela! Vou resolver isso como a adulta que eu so... Que eu acho que sou. Feliz, Harry? 

   – É isso aí. – bate palminhas – Sim, estou feliz agora. E acho melhor fazer isso logo antes que eu mude de ideia e faça meus guardas darem uma lição nela por ter tirado o seu cargo de Presidente do Grêmio. – dá um sorriso amarelo e eu acabo rindo. Harry conseguia ser bem convincente quando queria.  

   O celular de Harry começa a vibrar em seu bolso e ele o pega rapidamente. Seus olhos passam pela tela e a sua cara se fecha por um instante, me fazendo desviar os olhos dos meus livros e observá-lo.  

   – Harry? Aconteceu alguma coisa? – eu indago e ele guarda o aparelho. 

   – Nada de mais. Meu pai pra variar. – dá um riso nervoso. 

   – Ele continua pegando no seu pé? 

   – Até que não. Antes ele me ligava pelo menos umas... dez vezes por dia. – ele conta nos dedos – Agora já diminuiu para seis. – eu rio e dou um tapa em seu ombro. 

   – Ok, senhor Engraçado. Quer voltar a estudar? – franzo o cenho. 

   – Você sabe o que aconteceu da última vez que estudamos Física, né? – ele sorri malicioso e tenta se aproximar, mas eu o afasto.  

    – Hoje não, garotinho. Temos prova amanhã e precisamos de foco. – constato, cruzando os braços – E o meu humor está péssimo hoje, acho melhor não tentar nenhuma gracinha. – semicerro os olhos em sua direção e ele levanta as mãos em rendimento. 

   Pego um dos cadernos e dou uma cadernada em seu braço de brincadeira, e ele finge uma suposta dor no braço. Quando fui perguntar se estava tudo bem, ele aproveitou para me puxar e me dar um selinho de surpresa. Merda. E o pior é que eu não consegui brigar com ele depois disso. 

   Ao terminarmos de estudar, eu peguei um táxi para voltar para casa. Harry teve que sair às pressas para socorrer Liam, que, em uma tentativa falha de fazer panquecas, acabou colocando fogo na frigideira. Despedimo-nos e ele pediu desculpas por não poder me levar para casa desta vez. Eu respondi alegando que ele não precisava ficar me levando para casa toda vez que saíamos, levando em conta que morávamos em partes opostas de Manhattan. E, pelo amor de Deus, eu não era uma garotinha indefesa que não sabia pegar um táxi sozinha até em casa. 

   No caminho para casa, eu observava a cidade e as pessoas, como costumava gostar de fazer. Pessoas passeando, pessoas fazendo compras, pessoas saindo do trabalho. Trânsito, congestionamento, barulho. Prédios, casas e monumentos. Melissa voltando para casa de táxi enquanto ouvia Maroon 5. Algumas coisas realmente nunca mudam, e eu não sabia se isso era bom ou ruim. 

   A minha atenção foi tomada por algo que não era a cidade e nem a música em meus fones-de-ouvido. O meu celular vibrava em meu bolso, me fazendo resmungar por ter atrapalhado os meus pensamentos filosóficos. Para a minha surpresa, era uma mensagem de um número desconhecido. Eu li e reli a mensagem umas dez vezes, mas mesmo assim não conseguia acreditar no que estava lendo. 

   “Parece que as suas amadas fotos se viraram contra você.” 

   Talvez o número não fosse tão desconhecido assim.