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História Excêntrico - Consumação


Escrita por: zarrybyziegler

Capítulo 10 - Consumação


Fanfic / Fanfiction Excêntrico - Consumação

De maneira tenebrosa, foi abatido pelas palavras como uma pessoa atingida por um raio em meio a uma tempestade catastrófica. Os músculos e nervos cerebrais deixaram de corresponder o corpo quando a descarga se espalhou, paralisando-o por completo. A cabeça bombeou sangue mais rápido que o prudente, tonteando-o à medida que cada palavra tomava sentido em seu cérebro.

— Do que está falando? — as palavras deixaram seus lábios sem comoção.

— No dia vinte e quatro de maio, você sofreu um acidente de ônibus fatal, todos no veículo morreram — Zayn revelou, erguendo os olhos para encará-lo. — Inclusive você.

— Não! Isso não é verdade! — gritou, chacoalhando a cabeça em negação.

— O motorista do ônibus sofreu um infarto, morreu antes de colidir contra o poste e capotar em uma ribanceira. Lux Upton e Imogene Nichols morreram imprensadas entre duas fileiras de bancos. Philip Russell e Alex Vance voaram pelas janelas, morreram com o impacto contra o asfalto — prosseguiu, ignorando os bramidos de Harry. — Ian Reid e Gale Underwood morreram por politraumatismo.

— Não, não, não! — gritou, o rosto atingindo a coloração vermelho-sangue. — Por que está dizendo isso, Zayn? Não é verdade!

— Você voou do seu assento e foi lançado contra o teto, quando a gravidade o ricocheteou, bateu a cabeça contra a lataria do ônibus — alterou o tom de voz, garantindo que seria ouvido. — Você foi o único a ser resgatado com vida, chegou inconsciente ao hospital, e acordou algumas vezes enquanto era entubado.

Flashbacks dolorosos do momento que viu o pai gritando de maneira histérica com os enfermeiros invadiram sua mente, movendo as mãos agressivamente perto dos rostos deles. Agarrou a cabeça com agressividade, convicto que conseguiria se livrar das falsas memórias.

— O impacto gerou um hematoma epidural entre seu crânio e a camada externa do tecido que cobre o cérebro, fazendo com que sangrasse sem parar. Os médicos não conseguiram conter o sangramento... — Zayn vacilou com a dicção, proferindo o resto da fala com menos prudência. — Você morreu por traumatismo craniano, uma hora após a colisão.

O mundo desabou sobre seus pés, amargando o paladar e despertando sentimentos nunca experimentados. Com ódio de toda mentira, limpou as lágrimas e perguntou:

— Então o que é isso? — gritou, fechando as mãos em punhos. — Um teste?

Zayn sentiu a amargura em sua voz.

— Estamos no que chamamos de antessala — proclamou, insípido de expressões. — É um lugar de dúvida.

Permaneceu em silêncio, aguardando que ele prosseguisse.

— É para onde as almas indecisas vão, aqui são testadas para sabermos se pendem mais para o céu ou para o inferno — Zayn detalhou, endurecendo o maxilar. — Como você disse, é um teste.

— Estava me testando esse tempo todo? — Harry murmurou com volúpia decepção.

— Sim — Zayn engoliu em seco. — E você falhou, Harry.

Manteve-se estagnado, sem reação.

— Toda aquela história de ter sido expulso do inferno era mentira? — encarou o chão, demorando para assimilar o óbvio.

— Em partes, sim — moveu os ombros, evidenciando o desconforto. — Nunca fui expulso de lá, sabia como voltar o tempo inteiro.

Inopinadamente se sentiu idiota.

— Você me beijou, fez amor comigo... estava me usando o tempo todo, mentindo em tudo.

— Os céus e infernos sabem que eu nunca quis envolver você nisso.

— Ora, cale a boca! É claro que queria — esbravejou, avançando em direção ao demônio. — Você sabia da verdade o tempo inteiro!

— No início, eu queria machucar você, queria muito levá-lo para o inferno — Zayn articulou, expressando-se com as mãos. — Todos queriam, eu não era a exceção.

— O quê?

Zayn o encarou, sem saber por onde começar.

— Deus adorava você, sempre o teve como um dos seus preferidos — iniciou, escorando o torso na porta. — Mas ele sabia que havia algo errado, que você possuía uma fraqueza enrustida.

Lágrimas frígidas escorregaram por sua bochecha ao ouvir a menção a Deus.

— Você era perfeito, Harry. Obedecia-o como deveria, adorava-o como ele queria. O que o destruiu, foi sua soberba. O sentimento de se sentir superior aos outros existia, e Deus desaprovava isso.

— Não! — Harry sussurrou.

— Os demônios odiavam sua devoção, e queriam mostrar que conseguiriam enfraquecer sua fé — Zayn enrugou o nariz e as sobrancelhas, demonstrando repulsa ao esquema. — Deus asseverou que você pertencia ao céu, mesmo que possuísse um ponto fraco.

Harry chacoalhou a cabeça em negação, pressionando os olhos com força.

— Você foi enviado a antessala para termos certeza para qual lugar merecia ir — enunciou, tendo cuidado ao escolher as palavras. — Se contasse tudo para seu pai e me rejeitasse, iria para o céu. Se aceitasse participar do ritual, iria para o inferno.

A amargura em ter se oferecido para fazer parte do ritual o preencheu.

— Eu tentei convencer você do contrário, tentei fazer você mudar de ideia, mas eu me tornava mais fraco sempre que tentava manipular suas escolhas — Zayn entortou as sobrancelhas, aproximando-se em um passo. — A dor que eu sentia era de verdade, eu era punido sempre que tentava intervir nas suas decisões.

Lembrou dos momentos de tensão em que Zayn gemia de dor, agarrando a cabeça desesperadamente.

— Eu não queria que você fosse para o inferno, juro que não queria — se aproximou mais.

— Não toque em mim! — andou alguns passos para trás, escorando as costas contra o vidro da janela. — Não toque em mim nunca mais.

Observou o demônio se atenuar em um canto, permitindo que obtivesse o momento necessário para absorver as circunstâncias. O ar transitou de forma dolorosa por seus pulmões, vagarosamente compreendendo que passaria a eternidade no inferno, sofrendo e pagando por seus pecados.

— Então irei para o oitavo círculo? O inferno da soberba? — perguntou, amargurado.

Zayn assentiu lentamente.

Forçou a mente várias e várias vezes, tentando captar qualquer informação obtida sobre o oitavo círculo. O cérebro palpitou com o esforço contínuo, não conseguindo lembrar sob nenhum aspecto referente ao nome do demônio responsável por aquele inferno. O lampejo de dúvida amplificou pelo último pensamento que lhe passou pela cabeça.

— De todos os demônios que torciam por minha queda, por que você foi escolhido para me testar? — o cenho franzido demonstrava sua confusão.

Zayn o encarou com profundidade, transmitindo uma mensagem criptografada que somente ele poderia decifrar. A ficha caiu como a chuva encontra o chão. Constatou que não lembrava do demônio porque Zayn não havia mencionado nenhum nome.

— Você é o demônio da soberba — uma lágrima solitária escorreu por um dos seus olhos.

Zayn assentiu vagarosamente.

— Se você fosse luxurioso, Asmodeus teria entrado por sua janela ao invés de mim — expôs, sem conseguir encarar os olhos verdes. — Se fosse guloso, Belzebu teria vindo, e assim sucessivamente.

Se deu conta da soberba mascarada daquele demônio tarde demais. Lembrou de todos os episódios onde Zayn agia fidedignamente ao inferno em que pertencia, principalmente no dia em que chegou, alegando ser mais poderoso que Deus.

— Tudo mentira — sussurrou, sentando na ponta da cama.

Pensou em todos os momentos que passaram juntos, nas trocas de confidências, das saídas noturnas. Tudo parte de um teste. Um teste que havia falhado. Decepcionou Deus, entregando-se aos encantos de um demônio que nem mesmo retribuía seus sentimentos. Onde estava com a cabeça? Como pôde esquecer tudo que seu pai havia ensinado por tantos anos? A menção ao pai o fez lembrar do único contato que teve no dia em que Zayn invadiu seu quarto.

—  Mas e quanto ao meu pai? Eu falei com ele! Ele me tocou e esteve aqui — levantou da cama, esperançoso que tudo aquilo fosse uma grande piada de mal gosto.

— Tudo faz parte da antessala, Harry.

Zayn estalou os dedos e a figura do seu pai apareceu sorridente em um canto do quarto, e como fumaça, se dissipou no ar.

— Você só estava perdido em uma ilusão — Zayn proclamou, o encarando com condolência. — A antessala causa confusão, faz o indivíduo acreditar que ainda vaga pelo mundo. Ela se transforma no que estiver precisando no momento, também é capaz de criar situações que servirão como teste.

Zayn abriu a porta do banheiro, revelando o corredor da escola. Ele fechou a porta e novamente a abriu, desta vez possibilitando que visse os fundos da biblioteca.

— Nós nunca saímos daqui, a sala apenas se modificou para parecer o contrário.

Harry sorriu sem humor.

— Você me enganou direitinho — passou a língua pelas bochechas.

— Eu não queria...

— Pode parar de mentir?!

— Você precisa acreditar em mim!

— Acreditar em você? Eu vou para o inferno, Zayn! Vou para o inferno por ter acreditado em você!

— Eu estava cumprindo ordens, Harry — Zayn fechou a porta com força, aproximando-se rapidamente. — Alloces estava realmente disposto a me enviar para a terra se eu não aceitasse testar você.

— E por quê? Ham!? — perguntou raivoso, avançando em sua direção. — O que você fez para aborrecê-lo?

Zayn olhou para baixo.

— Você me deve respostas! Já chega de omissão! — o empurrou pelo peitoral. — Você me verá carregar pedras por toda a eternidade, o mínimo que pode fazer é me contar a verdade.

Percebeu Zayn engolir em seco e olhá-lo com receio.

— Ele descobriu que eu estava mandando todas as almas para o céu, até mesmo as que mereciam ir para o inferno — confessou, respirando firme. — Eu... de alguma maneira via bondade nelas, e julgava que mereciam o paraíso e uma segunda chance.

Ficou surpreso com a revelação, minimizando a tensão dos ombros. Despejou um bocejo alto de ar e voltou a sentar na cama, esperando que o demônio concluísse.

— Alloces ficou furioso quando percebeu que Deus ganhava a maioria dos soberbos, não demorou para entender o que estava acontecendo — sorriu em linha reta, mexendo os lábios de um lado para o outro. — Ele me sentenciou a morte, mas Lúcifer me deu uma segunda chance.

— Você disse que no inferno não há segundas chances... — juntou as sobrancelhas em desalinho. — Por que com você foi diferente?

Zayn não respondeu, apenas molhou os lábios, vagando a atenção entre os olhos verdes. Aquilo foi o bastante para Harry unir as peças. Zayn foi um humano, morto pouco tempo após a crucificação de Jesus, no mesmo período em que o filho de Lúcifer morreu.

 Você é o outro filho — sussurrou, sentindo o nariz pinicar.

Zayn sentou ao seu lado, mantendo o olhar no chão.

— Quando cresci, soube imediatamente que havia algo errado — iniciou, virando o rosto para olhá-lo. — Eu ouvia uma voz na minha cabeça, um pouco turva e de difícil compreensão, mas logo entendi que ela pertencia ao meu pai. Ele se comunicava comigo, me instruía a espalhar a palavra dele para o máximo de pessoas que eu pudesse, assim como Jesus fazia por Deus.

Harry abriu os lábios, surpreso com o que escutava.

— Eu achava as ordens do meu pai melhores que as de Deus, pregava que deveriam deixar o caminho da luz e buscarem conforto no obscuro. Tentava qualquer um que entrasse em meu caminho, e me gabava por conseguir manipulá-los, porque eu me sentia melhor que todos eles. Me sentia mais especial que qualquer criatura de Cristo. Eu fui a definição da soberba em vida, por um momento senti que era maior que Deus e meu próprio pai. Acreditei piamente que conseguiria converter qualquer um para o caminho das trevas, inclusive cristãos. Não demorou para que eu chamasse a atenção dos fiéis de Cristo, e eles não foram misericordiosos na hora de me matar.

Mordeu os lábios com força, relembrando da forma  que Zayn havia descrito sua morte.

— Quando cheguei ao inferno, ocupei um cargo superior, e desde então sou responsável por testar soberbos duvidosos na antessala, também decreto para qual inferno os pecadores devem ir, assim como os outros duques.

A surpresa por saber que Zayn era mais importante no inferno do que poderia imaginar o assustou. Aquele homem, por qual havia se apaixonado, era filho de Lúcifer. A entidade mais infame criada por Deus.

— Eu precisava testar você de maneira limpa, sem interferências — alegou, levando uma das mãos para tocar a coxa de Harry. — Caso contrário, sofreria graves consequências. Alloces não me pouparia de nada, meu julgamento seria igual aos dos outros, independente que fosse seu irmão e filho de Lúcifer.

— Essa é toda a verdade? — levantou, livrando-se do contato do demônio.

— Essa é toda verdade — suspirou, olhando a mão largada em cima da cama. — Eu sinto muito, Harry.

Harry petrificou o olhar no chão.

— Não sinta, eu fiz isso sozinho. Foram minhas escolhas.

— Você não escolheu se apaixonar por mim. Sentimentos não são controláveis. E se apaixonar por mim não foi o que decretou sua descida ao inferno. O que o colocou lá, foi a soberba de acreditar que poderia fazer sexo comigo e se arrepender em seguida, mesmo sabendo que não conseguiria.

— Como eu disse: minhas escolhas — asseverou, a seriedade cintilando em seu rosto. — Eu mereço ser condenado.

Levantou e olhou para o quarto por uma última vez, analisando cada detalhe, revivendo todos os momentos felizes passados no cômodo. Enxergou a pilha de discos empoeirados na prateleira, músicas que jamais ouviria outra vez. Deveria ter aproveitado quando Zayn ligou a vitrola, ecoando a última música escutada antes de ir para o inferno. Deveria ter dançado quando o demônio o propôs, curtindo os últimos resquícios de vida restantes.

Os pensamentos foram deixados de lado quando densas nuvens de fumaça entraram pelo fecho da porta, incensando o quarto e dificultando a visibilidade. A temperatura atingiu níveis altos, espalhando calor rapidamente, como se toda a casa pegasse fogo.

— Precisamos ir, Harry — Zayn informou, caminhando até a porta.

Deixou algumas lágrimas caírem por suas bochechas quando Zayn tocou a maçaneta e abriu a porta, aos poucos revelando um paredão de fogo, reverberando outra dimensão.

— Você não vai sentir nada até chegarmos ao oitavo círculo — Zayn abriu a porta por inteiro.

Trêmulo, caminhou até a porta, sentindo Zayn segurar suas costas, incentivando-o a não recuar. Avançou contra o fogo e não sentiu nada. Absolutamente nada. Deixou de enxergar e sentir. Ao contrário da ardência esperada, foi atingido pelo oco, captando o vazio e a tristeza. Sentimentos ruins o tomaram, bombardeando-o por todos os lados, roubando os momentos felizes que teve em vida, exterminando a capacidade de ementar o bom e a pureza.

Arrepios tomaram seu corpo quando captou gritos de tormento diante a penumbra, gritos estridentes e pavorosos, choros altos e agourentos. Sentiu a dor, o desespero, a tortura, a mágoa. Não via nada além de escuridão, sentia o corpo em queda livre, pronto para atingir o chão a qualquer momento. Perdeu a consciência poucos minutos depois, a última coisa que sentiu, foi o impacto do corpo contra uma superfície saibrosa.












 

Abriu os olhos vagarosamente, fechando-os quando a claridade o atingiu. Levou as mãos até a cabeça e a pressionou até o latejar diminuir, assim possibilitando concentrar a atenção no que estava acontecendo. Demorou para fazer outra tentativa, enxergando uma silhueta masculina quando abriu minimamente as pálpebras. Reconheceu o rosto de Zayn após a visão deixar de embaçar, permitindo-o sentar no chão e massagear as têmporas.

Focou a atenção no demônio e percebeu que ele o encarava com seriedade, sem esboçar expressões faciais. Zayn mantinha-se distante, escorado em uma rocha sedimentar, cautelosamente evitando desviar a atenção. Por mais que tentasse levantar, as pernas não obedeciam ao corpo, como se a queda houvesse fragmentado seus ossos em pedaços.

Um grito pavoroso escapou dos seus lábios quando virou a cabeça e encontrou um extenso desfiladeiro com milhares de pessoas moribundas. Elas caminhavam de um lado para o outro, carregando pedras enormes. Alguns corpos eram esmagados por pedras gigantescas, pesando toneladas. Outras eram medianas, pequenas o bastante para serem empurradas com as mãos, mas pesadas o suficiente para que os indivíduos rastejassem pelo chão, de alguma maneira tentando movê-las do lugar.

Ouvi-los grunhindo e mussitando palavras desconexas e sem coerência o fez hiperventilar. Levantou trêmulo e tentou enxergar através das lágrimas insistentes, limpando os olhos quando encontrou uma pedra redonda em sua frente. Diferente das demais, ela não pertencia a ninguém. Automaticamente captou o significado. A pedra batia na altura de seus joelhos, visualmente pesava mais de cem quilos. Aquele era o tamanho da sua soberba.

Observando os soberbos empurrarem as pedras pelo desfiladeiro incansavelmente, sem trocarem olhares ou pararem para descansar, soube que esqueceria de quem ele era quando pusesse as mãos na pedra, e por qual motivo faria aquilo pela eternidade. Esqueceria dos momentos felizes, dos abraços, da própria essência. Nada mais importaria. Suas comidas favoritas, seu perfume predileto, a música que mais gostava, o livro que mais relia: tudo deixaria de ter significado. Suas próprias atitudes o levaram para aquele fim. Enquanto o corpo físico se decompunha em chorume, virando ossos e lama, sua alma vagaria por aquele desfiladeiro para sempre, incessantemente.

Sentindo a azia no estômago, olhou para Zayn, detectando que ele mantinha o olhar para baixo, evitando encará-lo. Por mais que tentasse negar, sabia que havia se apaixonado por aquele homem. Teve a oportunidade de degustar um pouco de vida no ato que chamavam de sexo. Precisou morrer para viver, e naquela semana teve mais vida do que nos últimos dezessete anos.

Com os pensamentos aguçados, se questionou se deveria ter feito diferente se soubesse que iria para o inferno da mesma maneira. Se perguntou se deveria ter saído, desobedecido às ordens do pai enquanto teve tempo. Se deveria ter matado algumas aulas e feito amizades que perdurariam por toda vida. Deveria ter beijado algumas pessoas, se permitido amar e sentir paixão, de ser aquecido pelos braços de alguém que retribuísse seus sentimentos, independente do gênero.

Deveria ter saído pelo mundo e desfrutado todas as oportunidades, apreciado o sopro da vida, rido mais, feito zoada. Gostaria de ter brincado, dançado, saído, degustado da natureza servida por Deus. Sabia que o Senhor estava nas pequenas coisas: nas asas de uma borboleta, em um sorriso bonito, em tudo que havia criado. Ao invés disso, se manteve recluso por nada, deixou de viver para viver erguendo uma pedra.

Aceitando o próprio destino, se despediu de si mesmo, da própria humanidade, compreensivo pelo que estava por vir. Respirou fundo e inclinou a coluna, desviando o olhar de Zayn, pronto para tocar a pedra. Estava a três centímetros de alcançá-la quando sentiu o pulso ser rodeado com força, impedindo-o que prosseguisse.

Encarou o pulso agarrado por um lampejo de segundos, erguendo a cabeça lentamente para encarar os olhos castanhos. A troca de olhares o eletrizou, e por um segundo semeou esperança no peito. Durante o contato visual, sentiu o beijo da vida, como se Zayn soprasse ar em seus pulmões, despertando-lhe do vazio.

— Venha comigo — Zayn ordenou, afastando-o da pedra.

— O que está fazendo?

Não era a pergunta que queria fazer, mas a pergunta que devia fazer. Estava preparado mentalmente e fisicamente para aceitar o destino, e Zayn atrapalhou o processo.

— Você precisa permanecer em silêncio e atrás de mim.

— O quê?

Zayn o segurou pelos ombros, prensando-o em uma parede de rocha sedimentar.

— Está me ouvindo, Harry? Não saia de perto de mim por nada!

Assentiu positivamente várias vezes.

— Quero que prometa! — Zayn vociferou, aproximando o rosto do seu.

— Eu prometo.

Sentiu Zayn entrelaçar os dedos nos seus, guiando para longe do desfiladeiro. Após poucos minutos de caminhada, ouviu gritos altos soando distantes, e raios caírem sem parar ao oeste. Apertou a mão com mais firmeza quando viu corpos decepados rastejando pelo chão terroso, todos comidos por abutres e urubus.

— Para onde estamos indo? — a voz deixou seus lábios em baixo tom.

— Para a corte — Zayn revelou, trazendo-o para mais perto.

— O que está fazendo, Zayn? — perguntou, temeroso pela resposta.

— Você vai ver.

Resolveu não questionar mais nada pelo resto do percurso, contentando-se em observar o cenário ao redor. A paisagem catastrófica similar ao panorama pós-apocalíptico apossava a maior área, desencadeando-lhe arrepios sempre que urros eram trazidos pelo vento. A tensão o tomou quando Zayn o guiou até uma clareira rodeada por rochas extensas.

Identificou nove tronos feitos de ossos, dois deles ocupados por dois demônios. Encolheu-se atrás de Zayn quando foi capturado por temíveis olhos verdes. O demônio possuía asas fartas e pele tão branca quanto a neve, negando a existência de sangue por suas veias. Os cabelos cintilavam até a cintura, alcançando o sedoso e acetinado loiro-sol. Levou pouco tempo para concluir que aquele era Belzebu, o demônio da gula e responsável pelo terceiro círculo.

— O que ele faz aqui? — Belzebu levantou de seu trono, endurecendo o maxilar.

A beleza perante seus olhos desvaneceu quando lembrou que aquele belo demônio comeu a própria esposa viva, tomado por fúria e ódio.

— Quero convocar uma congregação — Zayn anunciou, sem vacilar com a voz.

— Ouviu isso, Azazel? — Belzebu ironizou, olhando para o demônio ao seu lado. — Ele quer convocar uma congregação.

Harry soltou um bafejo de ar, lembrando que Azazel era o demônio da ira, responsável pelo quinto círculo.

— Quanta petulância! — Azazel resmungou, juntando as sobrancelhas. — Não está em posição de convocar nada!

— Estou em meu direito, e vocês devem obedecer! — Zayn rosnou.

— Seu merdinha... — Azazel avançou em sua direção.

— Irmão, vamos deixar Alloces encarregado da situação — Belzebu o impediu, segurando-o pelo peito. — Reúna todos os duques!

Agarrou o braço de Zayn com mais força quando identificou uma criatura horrenda emergir por trás de uma pedra, tomando a forma de um cachorro de três cabeças. Entendeu que o animal obedecia às ordens de Belzebu, rosnando e babando quando passou por ele, de alguma forma intimando-o que não era bem-vindo naquele lugar.

Trêmulo, agarrou a cintura de Zayn, enterrando o rosto em suas costas, evitando encarar os olhos furiosos dos demônios sobre ele. Sentiu as mãos do demônio agarrarem as suas na altura da barriga, acariciando-o devagar, transmitindo conforto e delegação.

— Zayn, o que é tudo isso? Por que estou aqui? — murmurou, a boca abafada pelo aperto contra as costas alheias.

— Precisa confiar em mim, Harry — suspirou, apertando suas mãos com mais vigor. — Eu sei que fazer isso o trouxe para cá, mas preciso que deposite tudo em mim.

Ergueu a cabeça quando passos pesados solaram por seus ouvidos, assustando-o quando uma horda de demônios passou ao seu lado, cada um amedrontador de uma forma, todos ocupando um lugar no trono. Seguiu com os olhos um demônio com galhadas altas na cabeça, captando que ele se movimentava mais devagar que os outros, emanando desinteresse e rigidez na postura.

Arregalou os olhos quando o demônio escrupuloso ocupou o trono do meio, encarando-o com antipatia. Foi rápido em juntar as peças e depreender que aquele era Alloces.

— Você nos chamou, e estamos aqui. É do seu conhecimento que não pode nos convocar sem motivo aparente — sentou em seu lugar, apoiando os cotovelos nos braços do trono. — Temos obrigações e muito trabalho a fazer, espero que seja importante.

— Fala como se eu não fosse um de vocês — Zayn postulou, endurecendo os próprios ombros. — Eu sei das regras tanto quanto qualquer um.

— Será? — Alloces entortou os lábios, olhando ao redor. — Não lembro de nenhum de nós manipular o veredito por misericórdia.

Alloces abriu os braços na altura da cintura e apontou para o demônio

— Irmão Azazel, por acaso já enviou almas para o céu mesmo quando mereciam o fogo do inferno?

— Nunca — proclamou, irritado.

— E você, Leviatã?

A menção ao nome despertou curiosidade, forçando-o a encarar o demônio, cuja aparência condizia com a mistura de um homem e várias serpentes. Relembrou que Leviatã era o demônio da inveja, e comandava o sétimo círculo, e que conseguia se transformar em qualquer pessoa que quisesse.

— Jamais seria complacente com tamanha deslealdade — ele emitiu um ruído guizo, como uma cascavel.

— Mammon? — Alloces girou a cabeça para a esquerda.

Harry seguiu o olhar do demônio, encontrando um homem de aparência velha, pele enrugada e uma longa barba branca. Ele se encaixava na descrição que Zayn havia dado, mais intimidador do que imaginava. Mammon era o demônio da avareza, responsável pelo quarto círculo.

— Quanta baboseira! Vamos continuar com esse interrogatório por mais quanto tempo? — ele resmungou, esmurrando os braços do trono. — Já entendemos o que você quer pontuar, Alloces. Podemos encerrar isso de uma vez por todas? Eu tenho um inferno para administrar!

— Todos nós temos — um demônio reiterou, espreguiçando-o no assento.

— Não é o que parece, Belfegor! — cuspiu no chão, cruzando os braços. — Por que não vamos direto ao ponto? Por que nos reuniu aqui, Zayn? E por que o garoto ainda não foi condenado?

Encarou o demônio sentado no último trono, interligando-o ao demônio da preguiça. Teve a atenção roubada quando Alloces encarou Mammon com olhos irados, transitando até encontrar com os seus. Engoliu em seco quando Zayn se desvencilhou dos seus braços, agarrando com força pelo pulso.

— Esse é o motivo pelo qual convoquei a corte — Zayn expôs, erguendo o tom de voz.

— Qual motivo? — Alloces semicerrou os olhos.

Zayn demorou para responder.

— Alloces, clamo que conceda a permissão para eu me casar com Harry.

O atordoou o consumiu como ácido, fazendo com que afrouxasse o aperto dos braços em torno de Zayn.

— Não — Alloces solidou, cruzando as pernas.

Harry deixou um baforo de medo escapar de seus lábios.

— Não pode negar meu pedido! — Zayn protestou, fechando as mãos em punhos.

— Oh, eu posso — levantou de supetão. — E estou dizendo não!

A gargalhada dos demônios se espalhou pela clareira.

— Você não esqueceu o que eu fiz, e entendo isso, mas não pode deixar minhas ações interferirem no seu veredito — Zayn prosseguiu.

— Está tentando salvá-lo como fez com as almas que enviou para o céu — Alloces desceu um dos degraus, afastando-se do trono. — Não vou tolerar outro plano seu, Malik!

— Ele é diferente! — Zayn alegou. — Não estou tentando salvá-lo por misericórdia, eu realmente o quero.

— Ele está mentindo! — Azazel gritou.

— Em milênios, você nunca se apaixonou, Zayn — Mammon pontuou, inclinando a cabeça para encará-lo. — Por que se apaixonaria agora? Justo quando ele estava prestes a ser condenado?

— Belzebu também se apaixonou por Genoveva no dia da condenação, e mesmo assim conseguiu casar com ela! — Zayn relembrou, dando um passo para frente.

— Como ousa mencionar aquela desgraçada? — Belzebu baforou, levantando de abrupto.

Todos tiveram a atenção roubada quando um homem magro e esguio entrou na clareira, vestindo smoking, olhos tão escuro quanto a cor de seus cabelos.

— O que está acontecendo aqui? Essa congregação interrompeu uma das orgias mais assíduas que participei em anos — ele postulou, ajeitando um botão do smoking. — É bom ser importante.

— Zayn está tentando se casar — Belfegor mussitou, escorregando a postura no trono.

— Oh, é mesmo? Pensei que isso jamais aconteceria — sorriu, caminhando até Zayn.

Sentiu-se desprotegido quando Zayn deu alguns passos para frente, quebrando o contato de seus corpos para abraçar o recém-chegado.

— Parabéns, querido — ele beijou Zayn em ambas as bochechas.

— O que acha sobre o assunto, Asmodeus? — Leviatã questionou.

Sentiu-se gelado com a citação do nome.

— O que eu deveria achar? — se afastou, caminhando até o próprio trono. — Ele quer casar com o garoto? Ótimo! Deixem que se casem.

— É isso que pensa? — Belzebu retrucou. — Oras!

— Não sou burocrático, você sabe disso.

— Sua opinião deve ser desconsiderada — Azazel contestou, cuspindo no chão. — Sabemos por qual das cabeças você pensa.

— E isso não é engraçado? Minha cabeça de baixo consegue ser mais inteligente que todos vocês.

Uma balbúrdia de vozes incensou o lugar, barulho que foi interrompido quando Alloces levantou uma das mãos e olhou maquiavélico para Asmodeus.

— Se veio até aqui para tumultuar, aconselho que volte para a terra — Alloces declamou em tom ameaçador.

— Vim porque fui convocado, tenho direito de presença e escolha como todos vocês — Asmodeus rumorejou baixo, encarando Alloces em desafio. — E se você se opõe a isso, devemos chamar seu pai e perguntar o que ele acha.

O olhar irado que Alloces direcionou sobre Asmodeus o fez lembrar que o demônio da luxúria era o preferido de Lúcifer.

— A presença do meu pai não é necessária — Alloces remexeu os ombros em inquietação. — Posso decidir isso sozinho, e já dei minha resposta.

— É uma decisão que precisa ser tomada em conjunto! — Mammon replicou. — Temos direito de opinar também.

— Mas eu tenho a palavra final, e estou dizendo que não! — Alloces gritou, gradativamente pegando fogo pelo corpo todo.

Paralisou quando Zayn caminhou furioso até Alloces e asas pretas transpareceram por suas costas, rasgando a camisa que usava. Deu alguns passos para trás, quase sendo atingido por uma delas, sem ar com a visão que deslumbrava. As asas eram iguais as que Zayn possuía no dia que entrou por sua janela, desta vez não estavam tortas ou quebradas.

— Você odeia que eu seja seu irmão, e que não é o único filho de Lúcifer. Sei que quer me prejudicar, está fazendo isso porque é a primeira oportunidade verdadeira que teve de me atacar em milênios.

Alloces deixou de queimar quando Zayn se aproximou lentamente, passo por passo.

— Você odiou quando nosso pai meu deu uma segunda chance, eu sei que isso o deixou irado. Sei que planeja encontrar qualquer brecha para me punir e me afastar do trono que você tanto almeja — prosseguiu, estufando o peito em defronte. — Então, se for esperto, não vai desperdiçar essa chance, porque não terá outra oportunidade como essa.

Alloces virou, finalmente parecendo interessado na conversa.

— Você sempre quis encontrar meu ponto fraco, e me detestou ainda mais quando percebeu que eu não possuía um. Você queria algo para me controlar, chantagear e fazer com que eu me humilhasse aos seus pés, assim como faz com todos os outros — aumentou o tom de voz, cada vez mais perto do irmão. — Eu estou expondo meu ponto fraco para você, e pedindo para casar com ele.

O coração de Harry bateu forte com a declaração, deixando-o esquecer todo o conflito externo desencadeado por sua queda. Voltou a respirar quando Alloces depositou a atenção em Zayn, encarando-o por um tempo.

— Entraremos em debate — Alloces sentou em seu trono, cruzando os dedos das mãos. — Quero que se retirem todos que não fazem parte da corte.

— Não vou deixá-lo sozinho em meio ao inferno! — Zayn gritou, caminhando para perto de Harry.

— O que fará com o garoto é problema seu! — Alloces retorquiu. — Ele não pode ficar aqui enquanto debatemos, são as regras.

— Eu fico com ele, Zayn — uma voz doce soou na entrada da clareira.

Harry olhou para trás e encontrou uma mulher de longos cabelos pretos, lábios corados e de expressivos olhos pretos.

— Você sabe que pode confiar em mim — ela conclui, abrindo um sorriso terno.

Harry captou Azazel ficar com semblante odioso.

— Promete que não tirará os olhos dele, Philomena? — Zayn se aproximou, segurando Harry pela cintura.

— Ele estará seguro comigo.

Sentiu ela entrelaçar seu pulso com proteção, como uma mãe segura o filho ao atravessar uma rua movimentada.

— Leve-o para o algar, não saia de lá até eu chegar

Foi puxado para fora da clareira, dolorosamente sentindo o coração apertar. Olhou Zayn por uma última vez por cima dos ombros, vendo que o de olhos castanhos o encarava com agonia. O remorso e padecimento era recíproco, a contrição em se separarem era sufocante de formas iguais.

Evitou olhar ao redor por todo o percurso, reconhecendo que refaziam o caminho para o desfiladeiro. Em uma bifurcação, Philomena entrou na entrada direita — caminho contrário ao desfiladeiro —, descendo uma longa rampa de barro que dava para uma grande porta de metal, parcialmente coberta por ferrugem. Molhou os lábios quando a porta se abriu, permitindo que adentrassem no local.

Explorou aos poucos, abismado com o tamanho do lugar. A casa se resumia em um único cômodo, a decoração era composta por pedras, a maioria delas atingindo a cor vermelho-barro. A cama estava localizada na parte central do quarto, coberta por colchas e travesseiros de diversos tamanhos. Parte de uma parede era adornada por prateleiras cobertas por livros antigos e empoeirados, cada detalhe ornando para que o lugar emanasse conforto.

— Você é esposa de Azazel? — falou pela primeira vez, caminhando até o recamier em frente da cama.

— Zayn falou sobre mim? — seus olhos brilharam em empolgação.

— Um pouco.

— Sinto-me lisonjeada.

— Onde estamos?

— Esta é a casa de Zayn — revelou, sentando-se ao seu lado. — Ele não falou sobre ela para você? Todos os duques moram em uma.

— Ele não me falava muita coisa — Harry murmurou, murchando os ombros. — E quando falava, dizia mentiras.

Philomena suspirou.

— Não fique triste, querido — ela acariciou suas costas. — Zayn estava seguindo ordens, é uma posição difícil de estar.

— Não pareceu ser tão difícil para ele. Tudo que precisou fazer, foi convencer um garoto idiota a pecar. Tenho certeza que foi mais fácil do que todos esperavam.

— Seu senso de autocrítica o atrapalhará a compreender a situação. Deve abrir a mente, e permitir que acredite em tudo que Zayn contar.

— Como posso acreditar nele após me enganar desta forma?

— Ele é tudo que terá daqui em diante. Deve acreditar nos sentimentos dele, caso contrário, viverá infeliz e impróspero como Genoveva. Ela foi...

— Zayn me contou sobre ela — disparou, sentindo a amargura no paladar.

— Veja bem, então ele não mentiu sobre tudo. Isso mostra que ele se importa com você, e que se sente confortável para contar as histórias sobre o inferno.

— Isso não significa nada.

— E ele quer casar com você — Philomena o cutucou algumas vezes na costela, sorrindo faceira. — Se conhecesse Zayn, entenderia o quanto isso é inacreditável.

— Esse é o problema! Eu não o conheço. Não sei nada sobre a vida dele.

Harry torceu o cenho.

— Se é que a palavra "vida" seja adequada — mordeu o lábio inferior. — Voltando ao que importa: isso é uma loucura! Tudo isso.

— Você precisa conversar com ele, vai se sentir melhor quando esclarecer tudo. Entendo sua confusão, é difícil compreender que morreu, ainda mais difícil aceitar que desceu para o inferno.

— Mal posso acreditar nisso... — negou impetuosamente. — Parece que estou em sonho, e que alguém vai me acordar a qualquer momento.

— É compreensível, demora um pouco para nos desvincularmos da antiga vida. Vai se acostumar com o tempo, você verá.

A encarou por um breve momento.

— Você falou que é inacreditável Zayn demonstrar interesse em se casar — semicerrou os olhos brevemente. — Por quê?

— Não me sinto confortável falando sobre ele pelas costas — ele sorriu fraco. — Zayn deve compartilhar a vida dele com você, e não eu.

— Por favor, Philomena! Se Alloces permitir, vou me casar com aquele homem, e por mais que eu tenha me apaixonado, não o conheço de verdade.

— Sinto muito, Harry, mas não posso fazer isso — ela levantou, confortando-o pelo ombro por alguns segundos.

Antes que pudesse protestar, a porta do algar foi aberta de supetão, expondo a entrada agitada de Zayn. Levantou rapidamente do recamier, encarando-o com apreensão. Notou que ele estava novamente sem as asas, e vestia uma camisa marrom desgastada, semelhante à que usava no primeiro dia que o viu.

— Eu vou deixar vocês a sós — Philomena murmurou, caminhando até a saída.

Sentiu a tensão arrebatá-lo quando Zayn caminhou para perto, ainda sem dizer uma palavra. A feição em seu rosto era incompreensível, incapaz de transmitir o veredito de Alloces. O estômago externou ondas dolorosas por seu âmago, deixando-o mais ansioso com a situação.

— Ele deixou que eu me casasse com você — Zayn sussurrou, finalmente encarando os olhos verdes.

Não emitiu nenhum som, nenhum ruído. Não soube o que responder ou articular, nem como agir ou esboçar. Os sentimentos estavam loucos, sem coordenação motora, incontroláveis como os pensamentos.

— Como se sente a respeito disso, Harry? — Zayn perguntou, segurando uma de suas mãos.

— Eu não sei — confessou, olhando para as mãos unidas.

— Não sabe?

— É que... — juntou as sobrancelhas, puxando a mão para longe. — O que isso significa, Zayn? Quer se casar comigo por misericórdia? Quer se casar comigo para me poupar da sentença? Eu sou mais uma alma que você quer ajudar ou quer se casar comigo por sentir o que eu sinto por você?

Zayn o olhou com seriedade, demorando para respondê-lo.

— Um pouco de tudo.

Uma lágrima escorregou por uma das bochechas de Harry.

— Eu quero tanto você, Harry, mas não posso deixá-lo aqui. Você não foi feito para passar a eternidade no inferno — o segurou pelos ombros, prensando-o contra uma parede. — Os duques estão ocupados contestando a decisão de Alloces, ganhamos um tempo, e podemos usar para encontrar uma maneira de enviá-lo para o céu.

— Você não entende? — perguntou, com olhos marejados. — Deus só me aceitará no paraíso se eu me arrepender verdadeiramente dos meus pecados. E eu não me arrependo, Zayn. Eu jamais seria capaz de me arrepender por me apaixonar por você.

— Não diga isso, por favor — Zayn pediu em baixo tom, aninhando o rosto na curva do seu pescoço. — Por favor.

Em um ato de coragem, abraçou o demônio pela cintura, pela primeira vez demonstrando afeto, escorando a cabeça no ombro largo, desmanchando-se nos próprios sentimentos. Sentiu Zayn retribuir o abraço, enterrando o rosto com mais necessidade na curvatura do seu pescoço, alisando suas costas com as palmas das mãos.

— Você me quer? Me quer de verdade? — perguntou, afastando o corpo e segurando o rosto de Zayn entre as mãos, incentivando-o a olhá-lo. — Eu preciso saber que você quer casar comigo por amor, por paixão, e não porque quer me salvar da condenação.

— Eu quero você, mesmo sabendo as consequências dessa decisão, eu realmente quero você, Harry.

— Então você me terá — alegou, voltando a abraçá-lo.

Diante o abraço, sentiu a ternura e o eterno colidindo como duas galáxias, despertando neurotransmissores responsáveis pelo humor, lançado-o calma, conforto, amor, avidez e mansidão. Zayn não era o que esperava em seu futuro, mas tornou-se o seu para sempre em menos tempo que uma rudimentar batida de coração. Ele era a colisão, o choque, o prelúdio introdutório de algo remanescente e maravilhoso, pronto para destrinchar a entropia cabalmente introduzida na sua vida em forma de religião.

Quando se afastaram, uniram os lábios com carinho, transmitindo todo o entendimento do que sentiam um pelo outro. Demoraram para se afastar, certos que qualquer ausência de toque era dolorosa, bárbara e inclemente. Ao encerrarem o beijo com presteza, encaram-se por um longo instante.

— Você trocou o paraíso por um demônio, queribim — Zayn ressaltou, encarando-o com graciosidade.

Harry desviou a atenção dos lábios avermelhados para conectar com os olhos castanhos, ação suficiente para o coração bater forte e descompensado. Após um sorriso singelo e sutil brotar em seus lábios, negou com a cabeça e respondeu:

— Troquei o paraíso por liberdade.


Notas Finais


❧ ᴡᴀᴛᴛᴘᴀᴅ: https://www.wattpad.com/user/zarrybyziegler

Eu, que tanto gosto de escrever, que quase sempre entrego capítulos com mais de cinco mil palavras, não tenho como expressar em letras o tanto que amei desenvolver essa obra. Caso seja necessário rankear minhas histórias, Excêntrico estaria no meu top 3, sem dúvidas alguma. Com essa história, consegui explorar caminhos novos e abusar do sobrenatural, algo que estava desacostumada a fazer.

Quanto ao romance: sim! Eles se apaixonaram em menos de uma semana. Caso aconteça de alguém sentir que eles se apaixonaram rápido demais, lembre que Romeu e Julieta se conheceram em um domingo, se casaram na segunda e na quinta se suicidaram. Ao todo, viveram a história de amor mais famosa do mundo em cinco dias. A história de Jack e Rose em Titanic durou um naufrágio (dois dias). Escrevi essa obra para mostrar que amor/paixão não é sinônimo de tempo, e sim de intensidade.

Antes de me despedir, quero reforçar que desconsiderem toda e qualquer descrição sobre céu e inferno, absolutamente nada coincide com a possível realidade, tudo foi inventado ou retirado de livros de mitologia e de ficção (principalmente das obras de Dante Alighieri). Em nenhum momento escrevi algo na intenção de atacar/ofender propositalmente uma religião, tampouco Deus.

Me despeço dessa obra com o coração quente, agradeço a todos que tiraram um tempo para ler e comentar. Eu joguei gasolina e vocês riscaram o fósforo, nada disso seria possível sem o apoio dos leitores. Espero que possam continuar me acompanhando nos futuros projetos 🧿

Obrigada por tudo e tanto 🧡

Beijos de luz 💡


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