História Fada Por Acaso - Jeon Jungkook - Dia de limpeza

YOU

Uma parte de mim havia se acostumado com a solidão, não por completa porque eu ainda tinha Mavis, Jin e Hoseok comigo, porém tinha perdido as esperanças de conseguir mais que isso. Talvez eu fosse para a faculdade e conhecesse algumas pessoas legais que facilmente esqueceriam de mim depois de um tempo, isso era toda a minha perspectiva. No âmbito amoroso as expectativas eram ainda piores, porque por mais que eu gostasse de alguém, meu subconsciente me lembrava o tempo todo que não passaria de uma paixãozinha ou um sentimento momentâneo. Sendo sincera, eu não acreditava tanto no lance de Almas gêmeas até conhecer Jungkook, a minha fada.

É tão estranho pensar nisso agora, que minha fada veio quebrando janelas de vidro pra me resgatar, que eu tenho alguém com quem dividir o quarto e pra acordar todas as manhãs. Tanto tempo passou desde a última vez que fiz isso, que nem me recordo mais. Ainda temo sobre o que pode acontecer nessa "busca por alma gêmea ", mas Jungkook tem me dado confiança pra seguir em frente, porque afinal o meu plano de blindar o coração não era dos melhores mesmo. Eu ia me magoar e os outros também. Quem sabe não pode ser uma boa experiência essa história toda.

Quando Jungkook e eu chegamos em casa fedendo a carniça, eu fui a primeira a entrar no banheiro pra tirar o ketchup do cabelo e encontrei até uns fios de macarrão pelo meio. Gastei quase meu vidro inteiro de xampu tentando tirar aquele odor terrível, ao menos consegui ficar mais cheirosa que antes. Já Jungkook está no banheiro tem pelo menos meia hora, as vezes eu acredito que ele cria um portal mágico e vai para outros mundos no banheiro, porque não tem explicação tanta demora. Aposto que ele vai acabar todo o meu xampu Darling nisso.

Desisti de esperar ele sair do banheiro e para evitar acidentes como o de hoje de manhã, resolvi esperar lá embaixo na sala. Ver Jungkook sem camisa foi uma situação tanto quanto inesperada e constrangedora, ao mesmo tempo minha mente insiste em martelar aquela imagem indagando se a escola de fadas dele também faz treinamento militar ou algo do tipo para ele ser tão musculoso. Céus, onde estou com a cabeça? Certamente vou enlouquecer.

Coloquei algo para assistir na tv, enquanto me enrolei numa manta quente para proteger do frio. Não muito tempo depois ouvi Jungkook descer as escadas, ele estava num moletom preto secando os cabelos com uma toalha. Por mais que eu não esteja perto dele, consigo sentir seu perfume agradável, é quase uma terapia em dias assim.

-Você não tem secador de cabelo?

-O meu quebrou, vai ter que esperar secar sozinho.- Respondi ele sem tirar os olhos da tv. Jungkook senta no outro sofá.

-Ah, eu não vou esperar. Siccum.- Ele diz e simplesmente seu cabelo fica seco num toque de mágica, ainda tenho que me acostumar com essas magias repentinas. Percebo que meu cabelo ficou seco junto com o dele, desejo então me tornar uma fada, isso me pouparia muitas horas de salão e etc. Imagino como as garotas mágicas devem fazer todo o tipo de tratamento de beleza sem esforço.

-Puxa, obrigada. -Falei afagando meu cabelo. Jungkook apenas deita no sofá e acho que ele murmurou um "não tem de quê" bem baixo.

A noite hoje está bem chuvosa, o que é excelente pra dormir e fazer um chocolate quente. Porém, eu não tenho nenhum pingo de coragem pra sair do sofá quentinho, muito menos pedir ao Jungkook fazer.

-O que está assistindo?- Ele me pergunta com os olhos pesando.

-Shrek.- Respondi, observando minha cena favorita passar. Começo a cantarolar junto.

-Na cabeça o xampu, lave bem o seu... Pé!- Completo, Jungkook arregala os olhos de leve e me fita.

-Então, esse é o entretenimento dos humanos? Minha nossa, por isso as crianças de vocês são lentas.

-Shrek é um desenho infantil com muitas referências para adultos.- Expliquei a ele, que ficou um tempo pensativo.

-Que paradoxo. -Jungkook refletiu, não pude deixar de concordar. Ele se remexe um pouco mais no sofá.

-Cadê seus pais?

-Meu pai vai passar a noite fazendo ronda e minha mãe foi dormir.- Respondi, Jungkook assentiu sem dizer mais nada após.

Quando cheguei no meio do filme e busquei o olhar de Jungkook, vi que o mesmo já estava dormindo no sofá completamente inerte ao que acontecia aqui. Céus, como ele pode não fazer esforço nenhum e ainda ficar tão cansado assim?

Continuei assitindo o filme mesmo assim, quando acabou Jungkook ainda dormia plenamente na mesma posição que antes. Soube, então, que ele ficaria ali pelo resto da noite, até porque eu não tinha força e nem mágica para trazê-lo ao meu quarto. Ele dormia de modo tão sereno que seria um crime acordar o mesmo. Mesmo contra todas as minhas vontades, decidi que dormiria no sofá também para não deixar Jungkook sozinho igual fiz da última vez. Lembrar disso agora faz meu coração quebrar um pouco, porque ao ver o garoto relaxado, vulnerável feito um bebê na minha casa não consigo imaginar que quase o deixei dormir lá fora a deriva. Tudo bem que ele é uma fada, mas devem existir outras criaturas mágicas tão perigosas quanto um ogro.

Desviei tais assuntos da minha cabeça, resolvi subir para o meu quarto para pegar alguns lençóis e travesseiros, sei que mesmo que Jungkook esteja usando um moletom, uma hora vai sentir frio. Para prevenir, trouxe um cobertor bem quentinho para o mesmo e me aproximei dele para o aconchegar. Me agachei ao lado de Jungkook para ajeitar o tecido melhor, até que por algum motivo sua serenidade roubou toda a minha concentração. Como uma hipnose, fiquei estática analisando os traços do garoto que eu nunca havia reparado melhor. Sua boca, pintinhas, seus olhos e cabelos caindo no rosto, aquele misto de coisas fazia de Jungkook uma das criaturas mais belas que eu havia visto na minha vida. Não pude deixar de me dar conta de o quão sortuda eu era por estar aqui agora, com um garoto fada maravilhoso dormindo no meu sofá. Céus, onde estou com a cabeça?

Ainda assim meus olhos insistem em permanecer junto aos traços de Jungkook, junto a dúvida crescente de quem ele é de verdade, do que ele gosta ou não gosta. E uma parte de mim espera descobrir isso algum dia. Um colar no pescoço de Jungkook me chama atenção, um pingente no formato de lua com um brilho diferente capta meus olhos, de tal forma que não consigo desviar. Talvez eu estivesse ficando maluca, porém quanto mais eu olhava para aquele objeto no pescoço do garoto, mais algo diferente parecia impregnar no ar, um turbilhão de emoções se apossou de mim, por mais que aquilo fosse avassalador meu corpo não obedecia a minha vontade e permaneci ali. Não sei em que momento os sentimentos em mim tomaram conta de cada parte do meu ser, a ponto de eu nem sequer perceber minha visão ficando turva e a sorrateira lágrima cair de meu rosto.

Uma vibração no meu bolso me assusta, tirando me por fim daquele transe maldito. Meu celular vibrou em meu bolso com uma mensagem de ninguém menos que a diretora Park no grupo da escola, a julgar pelo tom que ela usava certamente não estava contente.

Diretora: Boa noite, gostaria de comunicar que o incidente no refeitório ocorrido hoje, causou inúmeros problemas para a nossa escola, principalmente a sujeira desordenada que ficou. Tendo em vista que todos os alunos participaram deste ato de rebeldia e perderam um dia escolar graças à esta algazarra, amanhã vocês chegarão mais cedo no colégio e LIMPARÃO todo o refeitório. Os funcionários já foram devidamente instruídos a não darem nenhuma ajuda, os materiais de limpeza estão sob as mesas.

O aluno que não cooperar ou tentar de alguma forma burlar o horário de limpeza, será suspenso por 3 dias. Considerem um ato de generosidade seus pais não estarem cientes do ocorrido. Em suma, cheguem cedo e não faltem.

Atenciosamente, a direção escolar.

Tirana. Guardei o celular de volta e saí de perto de Jungkook. Pelo visto, o dia amanhã tendia a ser ainda mais longo que hoje, espero apenas que seja melhor.

Seco as lágrimas do meu rosto com a manga da blusa. Droga, por que fiz isso? O que aconteceu? Será que tudo não passou de um efeito da tpm? Ainda assim, não consigo tirar de mim a sensação de ainda pouco, o sentimento arrebatador e, ao mesmo tempo, melancólico. Acho que o ketchup entrou no meu cérebro, só posso estar maluca.

Me aconchego no sofá para dormir, resolvo dar uma última olhada no garoto dormindo no outro sofá que está tão sereno quanto um anjo, lembrar do que aconteceu ainda agora me faz querer arrumar um buraco para enterrar minha cabeça. Não sei o que eu estava pensando, ainda bem que ele não acordou, mas quase fui pega. Porém, admito que faria de novo, porque ficar tão próxima de Jungkook parece ter valido a pena. Sorrio ao pensar nisso, na nostalgia que estou sentindo. E é com esse pensamento, que eu adormeço.

[...]

Acordo com o despertador me tirando do mundo dos sonhos, onde eu não tenho uma escola para ir, estresses para lidar ou boletos para pagar, isso já me deixa estressada automaticamente. Por um momento, tento entender como vim parar no sofá, quando me recordo do dia maluco de ontem. Desde que conheci Jungkook, todos os meus dias tem sido malucos.

O sofá onde Jungkook dormiu ontem agora de encontra vazio, pelo visto ele decidiu se precaver e acordar mais cedo. Desligo aquele barulho terrível, me espreguiço um pouco e percebo que um cheiro muito bom emana da cozinha. Reuno a pouca coragem que tenho para me levantar, vou precisar de toda a energia possível para limpar o refeitório.

Encontro Jungkook na cozinha, tirando bolinhos do forno, fazendo um café ou pelo menos tentando conciliar tudo isso. A mesa estava arrumada de forma impecável, o cheiro era esplêndido e tinha panquecas prontas. Nem sei a quanto tempo meu café da manhã se resumia apenas em torradas, meu estômago grita sentindo o cheiro de tantas guloseimas.

-Bom dia, flor do dia.- Jungkook saúda sem virar na minha direção ,continuando concentrado nos bolinhos do forno.

-Bom dia...-Não sei nem como tecer as palavras diante de tudo isso. Me sento na bancada enquanto ele pega xícaras pra mim e arruma para que eu me sirva. Jubileu está estranho hoje.

-Gosta de panquecas? Fiz várias pra você e seus pais. Aliás, também curtem cupcakes? Tinha material pra fazer uma confeitaria inteira aqui na sua casa, sorte sua eu ser um ótimo cozinheiro. -Jungkook tirou do forno uma bandeja com cupcakes quentinhos, porém sem chantilly em cima.

-Gosto, adoro panquecas. -Eu estava morrendo de fome para dialogar mais que isso com Jungkook, depois reparei que ele estava cozinhando com um avental que meu pai comprou na loja de importados escrito: "O bife não gosta de mim, porque o bife é contra-filé", junto com uma estampa ridícula de um bíceps musculoso. Admito que aquilo ficava mil vezes melhor em Jungkook do que no meu pai.

-Que bom. Acordei mais cedo pra não ter que ouvir aquele barulho infernal do seu despertador, prefiro acordar com um gnomo gritando no meu ouvido a isso. Aí aproveitei e fiz um café nutritivo.

Se for pra eu acordar assim todos os dias, nunca vou tirar o barulho do meu despertador, talvez eu até aumente o volume. Não respondi ele porque estava colocando um grande pedaço de panqueca na boca, devo admitir que Jungkook era um cozinheiro excepcional.

-Cacete, você é um master chef ou algo assim? Isso aqui tá divino.- Elogiei o garoto, que deu de ombros de forma modesta.

-Aprendi a cozinhar assim com a minha mãe, você tem que provar a torta de maçã dela. É estupenda! -Agora ele se senta a mesa para comer junto comigo, pelo visto o show de culinária acabou.

-Aqui em casa quem cozinha melhor é o papai, acho que o que minha mãe cozinha de melhor de manhã é umas torradas e pão com pasta de amendoim. Seu pai faz o que?- Perguntei na inocência, porém reparei que Jungkook ficou pensativo por alguns instantes, de forma desconfortável, então percebo que tirei o band-aid da ferida dele.

-Não sei, nunca conheci o meu pai- Ele olha para a janela pensativo, quis me enterrar e fazer de conta que não fiz aquela pergunta.

-Somos só eu e minha mãe. -Jungkook completa sem necessidade.

Nessa hora percebo o quão pouco sei da vida de Jungkook, porém não posso reclamar porque nos conhecemos tem apenas 3 dias e ele também conhece de mim apenas o que eu deixo ele ver. Ainda assim, desejo conhecê-lo.

-Não me olha com essa cara de pena, eu vivi bem sem ele. Minha mãe é tudo que eu tenho e isso já me basta.- Jungkook retrucou, nem percebi que eu não desviei os olhos dele. Idiota.

-E-eu não...- Enfiei um grande pedaço de panqueca na minha própria boca, antes de falar mais alguma asneira. Jungkook olha a cena surpreso, pelo menos desviei sua atenção.

-Então, tem algum plano?- Perguntei com dificuldade devido a panqueca que eu ainda tentava mastigar.

-Na verdade, até tenho mas preciso encontrar o garoto que você gosta pra por em prática.

Meus ombros cairam, de novo essa história. Tudo bem que era o trabalho de Jungkook, porém eu ainda tinha medo de mostrar a ele quem era. Só que eu não tinha mais escolha, era isso ou fazer Jungkook ser inútil comigo.

-Não se preocupa, vai conhecer ele hoje.- Respondi. Jungkook fez cara de surpreso, como se eu acabasse de dizer que descobrir a cura para o câncer.

-Uau! Isso foi inesperado, achei que eu iria ter que hipnotizar você pra falar ou algo do tipo.

-E pode me hipnotizar?- Perguntei com certo receio, tudo que eu menos quero agora é um cosplay de Edward do Crepúsculo que saiba ler meus pensamentos.

-Não, não posso hipnotizar ninguém, e de qualquer forma é contra as regras.- Ele tirou um morango de algum lugar e comeu. Nem sequer sabia que tínhamos morangos aqui.

-Enfim, nós vamos atrás dessa pessoa que você gosta e fazer ela notar a garota incrível que é.

-Nossa.- Não consegui responder a esse elogio, então isso foi o máximo que esbocei.

-Espera, você está todo sujo de farinha!- Exclamei notando que tinha trigo até no cabelo de Jungkook, que respondeu minha constatação dando de ombros.

-Faz parte de cozinhar.

-Mas você tem que tomar banho para ir pra a escola comigo! Não é porque ninguém além de mim vê você, que vai andar imundo. -Falei olhando o relógio de parede, lembrando que hoje eu teria que chegar mais cedo de novo.

-Relaxa, eu já vou. Dei uma limpada no seu quarto também e pensei em limpar os outros compartimentos da casa, mas tinha a porta de um quarto que estava trancada. É o do seus pais?

Paralisei assim que Jungkook perguntou isso. Ele estava tentando entrar no quarto, eu tinha que fazer algo a respeito e rápido. O simples fato de imaginar Jungkook entrando naquele cômodo já soava suficientemente caótico para mim, tenho que impedir que isso aconteça.

-Não! E você não deve entrar lá em hipótese alguma!- Tentei soar calma mas pareci desesperada, o que eu estava mesmo. Jungkook arregalou os olhos surpreso.

-Tá bom... Prometo que nunca mais vou lá. - Ele se levantou e colocou a louça suja na pia, depoia tirou o avental.

-Se me der licença, vou tomar banho.- Então, o mesmo se retira me deixando sozinha com uma pilha de panquecas e outras guloseimas.

Sei que Jungkook não está irritado ou chateado, mesmo assim penso se eu devia ter feito uma abordagem mais sútil. Só que, eu não consigo me segurar quando o assunto é aquele maldito cômodo particular, prometi pra os meus pais que ninguém entraria ali. Preciso cumprir isso até o fim.

Suspirei derrotada ouvindo Jungkook subir as escadas. Eu sou uma idiota.

[...]

Eu e "minha fada" fomos a pé novamente para a escola, mesmo debaixo de inúmeras reclamações de Jungkook dizendo que deviamos ir de carro ou qualquer outro veículo. De início, eu refutava mas depois deixei com que ele despejasse suas lamúrias e antes que ele percebesse já estávamos na escola. Esse tipo de psicologia funciona muito bem.

Não lembro o que realmente aconteceu, mas a escola parecia mil vezes pior do que ontem, porque agora tínhamos comida até mesmo nos corredores e a guerra de comida não tinha passado do refeitório pelo o que eu me lembre. Talvez a diretora e os funcionários tenham sujado de propósito para se vingar de nós. De qualquer forma, o trabalho hoje se resume a limpeza.

Cheguei antes da maioria do colégio, o que me permitiu escolher os materiais de limpeza que pareciam melhores. Fiquei decidindo qual era o desinfetante mais cheiroso para eu usar, quando lembrei que Jungkook estava ao meu lado.

-O que você acha: Aroma floral ou tropical?- Perguntei para ele.

-Algo que tire esse cheiro de merda daqui, pelos céus. -Jungkook olhava ao redor horrorizado.

-Isso aqui foi graças a você. Por falar nisso, toma aqui você vai ficar com o desinfetante tropical.- Extendi para o mesmo a garrafa com o líquido, depois peguei uma esponja enquanto ele olhava perplexo.

-Pra que isso?

-Pra limpar, ué. Tem que assumir suas responsabilidades. -Falei dando uma esponja para o mesmo.

-C-como assim? Eu já pedi desculpa.

-E eu aceitei, mas agora tem que limpar tudo para se redimir com os outros alunos.- Peguei um balde com o meu material de limpeza.

-Ah sim, e SEM usar magia. Limpe como qualquer ser humano faz.- Completei lentamente para que ele entendesse, o que irritou um pouco o mesmo.

-Essa é boa, eu uma fada limpando refeitório de escola de ensino médio humana. Não acredito que estudei por anos para isso...

Jungkook reclamava enquanto me seguia para as mesas que fediam a comida estragada. Eu estava ficando cada vez melhor na arte de ignorar ele, me pergunto porque não aderi a essa técnica antes.

Era engraçado como Jungkook podia ser desengonçado com uma esponja, ao mesmo tempo em que se esforçava bastante para deixar tudo limpinho. Estava me orgulhando dele. Aos poucos os outros alunos foram chegando e ajudando na limpeza também, a cada minuto a cantina fedia 1% menos do que quando eu cheguei. Reconheci a cabelereira de cor estonteante vindo na minha direção frustrada.

-Dá pra acreditar que vão mesmo me obrigar a isso? Tipo, eu fiz as unhas ontem! Elas vão ficar cheias de gordura.-Mavis se lamentou tentando limpar sem sujar as mãos, o que é tão possível quanto enxugar o fundo do mar.

-Podia ser pior.- Tento ser positiva, mas Mavis ri com escárnio.

-Preferia ter tomado dois dias de suspensão do que limpar todo esse aglomerado de sujeira.- Ela retruca. Jungkook observa tudo com curiosidade e eu lhe lanço um olhar de "Continue o seu trabalho", que graças aos céus Mavis não notou.

-Cadê o Hoseok?- Perguntei para minha amiga, que lutava tentando esfregar uma barra de sabão na esponja. Nessa hora, ela perde um pouco do humor e fica mais séria, pressinto algo não muito bom.

-Ah, bem, eu passei na casa dele hoje mais cedo e a mãe dele disse que não viria. Pelo o que parece, ele está naqueles dias.- Mavis resolve tentar raspar um chiclete grudado sob a mesa, enquanto fico absorta em uma preocupação inédita.

Hoseok não está bem. Será que foi por causa do seu suéter manchado? Não consigo deixar de me sentir culpada.

-Droga, Mavis. Sabe o motivo?

-Não, talvez ele tenha visto a garota que ele gostava ontem eai relembrou tudo. -Ela respondeu arrancando o chiclete da mesa por fim.

Uma crescente preocupação tomou conta de mim, porque eu não podia deixar Hoseok naquela situação.

-Vou passar na casa dele depois da aula.- Falei voltando ao meu serviço que por um segundo esqueci.

-Eu quero conversar com você, _____.- Mavis disse mais séria agora. Quando ela falava meu nome de forma lenta, era porque algo bom não estava por vir. Da última vez que ela falou dessa forma, foi quando eu perdi sua garrafinha de água sem querer e tentei esconder.

-O que foi?

-Você estava esquisita ontem, até demais. Quero saber o que está rolando.-Mavis disse.

Jungkook parou de limpar para ouvir minha resposta também, logo eu me via em meio a uma pequena plateia que aguardava minha resposta, igual ao Quem quer ser um milionário. Meu cérebro ponderou várias coisas por segundos, porque eu não havia planejado uma resposta para isso, o que foi uma atitude burra já que era óbvio que Mavis não iria deixar passar batido meu comportamento.

-Bem...Eu...- Falar a verdade seria tão idiota agora. Busquei o olhar de Jungkook que dizia "Você sabe que não pode contar sobre isso", enquanto a minha situação piorava ainda mais.

-Achei que tinha vist...-Tentei esboçar outra desculpa, quando o vi entrar e todas as minhas palavras de perderam no ar. Ele com sua cabeleira loira, suas blusa branca com o broche de "Presidente do grêmio estudantil " e seu sorriso que iluminava até mesmo a cantina fedorenta. Mavis capta meu olhar e o observa junto comigo, Jungkook notou que algo havia acontecido e busca também. O observo conversar com o Sr.Spirro sorrindo como se estivessem dizendo algo engraçado. Acho que minhas pernas ficaram bambas.

-Ah não. -Mavis grune sabendo que perdi toda a minha linha de raciocínio. É ótimo ter amigos que lêem seus pensamentos e poupam o trabalho de você explicar.

-Não pode me deixar no vácuo só porque...

-Srta.Barnes, por que não limpa aquele canto mais imundo da cantina?- A diretora Park brota de algum canto e assusta todas nós. Ela está protegida da cabeça aos pés com máscara, luvas e uma roupa de exterminador de insetos. Não sei se ela estava se protegendo da comida podre ou dos alunos.

-Mas eu já estou aqui diretora. -Mavis se defende.

-E agora eu quero que fique ali, esta parte já está mais... Tolerável em termos de limpeza. Continue seu trabalho, Srta. Patel. Vamos, Srta. Barnes.- Ela insiste e Mavis sabe que está sem saída. Minha amiga pega o balde com seus materiais de limpeza e segue até onde quer que a diretora acha que precisa ser limpo. Suspiro aliviada.

Pelo menos pra uma coisa a diretora devia servir.

-Então, é dele quem você gosta?- Me assustei de novo com a voz de Jungkook, que esboçada um sorriso malicioso sem tirar os olhos do garoto do sorriso encantandor.

-E-Eu?

-Não esqueca que prometeu que ia me ajudar, então não pode mentir, Senhorita. -Ele me interrompe na mesma hora. Maldito momento em que eu prometi coisas pra ele.

-O nome dele é Nate, e é só um crushzinho que eu tenho por ele.- Falei fitando Nate, que limpava a parede com seus braços fortes. Repreendi a mim mesma naquele momento por pensar em tais coisas, porque amor era coisa demais para o meu alcance.

-Nate...Ele parece ser um nerd, um nerd bonitão. Pelo menos você não gosta de caras como meu ex melhor amigo Namjoon.- Jungkook fala mais para si mesmo, ainda assim fico curiosa.

-Por que não são mais amigos?- Pergunto e ele dá de ombros.

-Porque ele se deu conta de que eu não sou uma "fada de alta classe". -Resmugou. Resolvi não tocar no assunto de novo.

-Mas o foco aqui é você, me fala quando começou a gostar dele.- Jungkook encarnou uma velha fifi.

-Hmmm... Eu comecei a gostar dele no último ano do fundamental, o Nate é de uma família riquinha até onde eu sei, gosta de natação e acho que é só. -Tentei me lembrar de tudo que eu sabia de Nate até então, o que não era muita coisa porque ele nem sequer tinha redes sociais.

-Temos que arrumar um jeito de fazer você é dois conversarem. O que acha de perguntar sobre o seu novo cargo?- Jungkook sugeriu mas eu neguei na mesma hora. Imagina chegar perto do Nate!

-Não, eu já sei tudo do meu cargo seria estranho perguntar. Vamos pensar nisso outra hora.- Despistei assunto, pois não quero nem pensar em como vou ficar atordoada perto dele.

Por sorte, Jungkook voltou à limpeza e eu também. Porém, algo me dizia que ele não ia esquecer essa história tão facilmente.

[...]

Depois de algum tempo, o Sr.Galvan veio até mim dizendo que ficou impressionado com a minha "capacidade de limpeza " e que eu podia sair mais cedo por causa disso. De início, não entendi o que quis dizer, aí lembrei que Jungkook estava ao meu lado limpando também e como ele não era visível para os demais, ficava parecendo que eu tinha feito o dobro do trabalho que eu realmente fiz. Foi uma trapaça, eu sei, porém resolvi me aproveitar disso. Afinal, Jungkook estava aqui pra isso, né?

O Sr.Galvan disse que eu tinha que ir ver a minha nova sala de conselheira e o segui. No final das contas, minha sala de aconselhamento era nada mais nada menos que uma sala pequena velha que ninguém da escola usava mais. O Sr.Galvan disse que era uma antiga sala do diretor que foi desativada e que eu podia limpar a mesa e as cadeiras para começar a usar. Que ótimo, acabei uma limpeza para ir para outra. Agradeci o professor mesmo assim e pedi para que ele chamasse Mavis para me ajudar, só pra tirá-la daquele infortúnio que era trabalhar com a diretora no pé do seu ouvido. Ele concordou e saiu. Quando eu ia saborear meu momento de paz na sala nova, uma voz conhecida surge:

-Isso parece um cômodo da casa do Drácula, dá pra fazer uma sala de tortura aqui.- Jungkook diz olhando para o teto cheio de teias de aranha.

-Bom, isso aqui tem que parecer aconchegante e não uma sala de tortura. Vamos ter que limpar e tirar algumas coisas.- Respondi observando um quadro do antigo diretor do colégio.

-Ah, não acredito, limpeza de novo? Você acha que eu sou uma fada ou uma empreguete?- Ele disse completamente frustrado.

-Acho que você é uma fada tão boa, mas tão boa, que não liga pra ajudar a sua cliente que precisa muito de ajuda. -Recorri a uma chantagem emocional, que pareceu não amolecer muito o coração de Jungkook.

-Não vou tratar como princesa, quem me trata como sapo.- Ele resmungou. Eu estava pronta para rebater Jungkook, quando ele de repente sorri com malícia e diz de forma estranha:

-Omnia munda

Por um segundo, achei que ele tinha me xingado de imunda, até que num passe de mágica toda a poeira que infestava a sala se dissipou, deixando a sala nova em folha. O teto também não tinha mais nenhuma teia e tudo parecia extremamente limpo. Ele usou mágica, que trapaceiro!

-Hey, não era pra usar mágica!

-Você não disse nada disso e isso aqui está bem melhor do que se nós fôssemos limpar mesmo.- Ele se gaba. Já tiveram um desejo extremo de esganar alguém? Pois é, senti isso na pele naquele segundo. Juro que queria mandar Jungkook tomar em muitos lugares possíveis.

-Isso é trapaça!

-Do que vale ter uma fada mágica, se você não usa? Me agradeça depois, e eu nem fiz todo o serviço pra você ficar tão irritada. Falta jogar fora as coisas velhas como você mesma disse.- Jungkook sentou numa das cadeiras que estavam empoeiradas segundos atrás e colocou os pés pra repousar na outra.

-Enquanto você limpa, eu vou ficar aqui jogando umas partidas de Free Fairy. Tente não demorar.

Sei que Jungkook estava sendo sarcástico, mas mesmo assim quis voar no seu pescoço naquele instante. Tive que respirar fundo e peguei o quadro do velho diretor com mais uma caixa repleta de tranqueiras inúteis para jogar na lata lixo.

-Já que é pra jogar no lixo, eu devia jogar em você. -Resmunguei contra Jungkook.

-O que disse?

-Que já estou indo.-Menti e me retirei rumo à grande caçamba de lixo que ficava do lado de fora da escola. Juro que não sou de me irritar fácil, mas Jungkook era muito bom no quesito estresse.

Que tipo de fada é essa que deixa o cliente para trás?

Fui espraguejando Jungkook no caminho parecendo uma velha rabugenta, planejando alguma vingança para mais tarde. Cheguei ao lado de fora do colégio e dei de cara com o zelador Wilson pintando a parede da escola em cima de uma escada, já é o segundo dia seguido em que ele tem que subir em cima dessa coisa. Não dei importância e fui até a caçamba que ficava ao lado da escada que o zelador pôs, entretanto vi uma silhueta dobrar no canto da parede e sumir de vista após isso. Senti um calafrio subir minha espinha, depois tentei convencer a mim mesma que foi apenas um aluno qualquer.

Taquei os entulhos na caçamba porque queria sair dali o quanto antes, até a companhia meio irritante de Jungkook era melhor que aquilo. Uma súbita curiosidade veio a minha mente de ir atrás da coisa que vi ainda pouco, ora talvez não seja nada e isso sirva apenas para testar minha sanidade. Porém, antes que eu pudesse dar o primeiro passo senti uma mão puxar meu braço bruscamente.

-Então, é você quem tira gracinhas com os outros ein?- Levei uns segundos até reconhecer Jeff Mosley, o encrenqueiro do ônibus e da escola inteira com sua gangue. Todos pareciam furiosos comigo e com o que quer que eu tenha feito. Consegui desvencilhar meus braços dele.

-Ficou maluco?

-Vai se fazer de tonta? Acha que é melhor que a gente só porque ganhou uma eleiçãozinha? Pois saiba que ninguém vacila com a minha namorada e sai impune.- Jeff ficava cada vez mais irritado e eu com medo. Desejei instantaneamente que Jungkook tivesse vindo comigo ou que sentisse que eu estava em apuros, sou capaz de perdoar a gafe de mais cedo se ele vier me salvar.

-Eu nem sei do que você tá falando. Me larga!- Me afastei quando um amigo de Jeff queria me prende de novo. Infelizmente, eu estava com medo demais para meu cérebro começar a raciocinar o que aqueles acéfalos estavam falando.

-Puta merda. Escuta aqui patricinha do cacete, por sua causa a Ronda passou a noite chorando porque não conseguiu o cargo, sua destruidora de sonhos. Larga essa merda que a gente deixa você em paz.

Ronda e Jeff namoravam? Eu nem sequer sabia disso, pra mim a Ronda namorava caras mais... Populares do que ele que até tirava meleca no nariz na frente da classe. Comecei a rezar pra Jungkook aparecer aqui e me salvar deste caos.

-Vai se foder.- Foi o que respondi sem pensar e me arrependi no mesmo instante.

-Ah é? Então vai preferir nem ter concorrido a nada. -Jeff e seus amigos se aproximavam de mim estalando os punhos, deixando claro que a coisa ia ficar feia. Rezei com ainda mais intento, porque já bastava eu ter apanhado da Ronda naquele dia.

Quando eu ia gritar algo mais impressionante aconteceu, um balde de tinta branca caiu do céu diretamente em Jeff e seus amigos, deixando eles mais pálidos que vampiros. Olhei de relance para cima e notei o zelador tão chocado quanto eu ao ver o balde de tinta que ele estava usando ter caído nos alunos. Pelo visto, o fetiche do zelador era tacar coisas nos outros.

Não esperei que Jeff se recuperasse do susto, apenas saí correndo o mais rápido que pude dali deixando os garotos cheios de tinta. Corri o quanto meus pulmões conseguiram e assim que cheguei na minha mais nova sala, a tranquei com uma chave velha. Eu estava ofegante e trêmula ainda, tentando acalmar minha mente confusa. O que raios acaba de acontecer?

-_____?- Tomei um susto com a voz de Mavis que me olhava assustada. Jungkook ficou do mesmo jeito.

-O que aconteceu?- Ela me pergunta visivelmente preocupada. Não respondo na mesma hora porque tenho medo que Jeff entre por aquela porta a qualquer minuto, quando percebo que esta tudo tranquilo me sento numa das cadeiras e passo a mão em meus cabelos.

-O... Jeff Mosley... E-ele ia me bater.- É só o que consigo sibilar. Mavis cobre a boca com as mãos horrorizada, Jungkook arregala os olhos.

-O que? Ele tocou em você? Meu Deus, você está bem?- Mavis senta ao meu lado enquanto Jungkook se põe de pé se aproximando de mim. Ele respira fundo angustiado.

-Estou, mas foi por pouco. Ele disse que por minha culpa a Ronda não assumiu o cargo de conselheira e eu ia pagar por isso, acho que eles iam me deixar com o olho roxo por um bom tempo. -Apertei minhas mãos com mais força para me conter, fugindo das memórias ruins que me atordoavam.

-Que escroto! Juro que vou quebrar a cara dele e daquela piranha. -Mavis disse entredentes. -Vou buscar uma água pra você, me espera aqui.

Minha amiga se levanta depressa e corre para encontrar o bebedouro. Jungkook e eu permanecemos calados por alguns segundos.

-Isso foi minha culpa, sinto muito.- É a primeira coisa que ele me diz, nem parece aquele garoto que minutos atrás me estressava.

-Você não teve nada a ver com isso, e eu estou bem.- Tentei acalmar Jungkook. Eu realmente não achava que ele tinha alguma culpa por isso, não era ele quem queria me bater.

-Isso é ótimo, mas você está sob minha responsabilidade se algo acontecer será inteiramente culpa de mim.- Ele me encarava nos olhos, enquanto eu desviei por não consegui sustentar o olhar.

-Já disse que estou bem, não se sinta mal por uma coisa que você não tem nada a ver.- Fui sincera em tudo o que disse e isso apareceu acalmar Jungkook pelo menos um pouco.

-Certo, porém de agora em diante eu não vou te deixar sozinha, isso pode acontecer de novo. -Ele prometeu. Saber que Jungkook ficaria ao meu lado me tranquilizava bem mais, porque conhecendo uns encrenqueiros como o Jeff e a Ronda, sei que essa não vai ser a última tentativa de me atormentar.

Sorri com tranquilidade para o mesmo, quando Mavis chegou com um copo de água e o meu celular começou a tocar. Céus, não tinha um momento pior?

O nome de Jin brilhava na tela, enquanto eu ponderava se atendia ou não, porém podia ser algo urgente então resolvi ver o que era.

-Alô?

-Olá, grande amiga do meu coração, já disse que é minha melhor amiga hoje, _____?- A voz animanda de Jin começou a cantarolar do outro lado. Arqueei uma de minhas sobrancelhas.

-Hm, fale logo o que quer.

-Que horror, você é tão fria e insensível. Como pode pensar de maneira egoísta assim?- Jin se fingiu de vítima.

-Escuta, eu quase levei porrada ainda agora e estou pensando seriamente em bater em você também, então apenas me diga o que quer.-Retruquei. Jungkook e Mavis observaram atentos a confusão toda.

-Apanhou de quem? Quem foi? Eu posso chamar uns amigos meus do karatê e a gente resolve isso ao vivo.- Agora meu amigo ficou mais sério.

-Deixa pra lá, foi só um susto. Eai, não vai mesmo me contar?- Desviei assunto porque estava curiosa das intenções de Jin.

-É que... Como posso explicar? O meu pai comprometeu eu e minha mãe de irmos naquele restaurante chique novo do amigo dele.

-O Bigue Hitê?- Lembrei.

-Esse mesmo.

-E qual o problema disso?

-Eu não quero ir pra lá amanhã, é monótono e sem graça. Mas o papai já fez nossas reservas com o amigo dele que é sócio e não tem mais volta. Só que amanhã eu estou comemorando 1 mês de namoro com a Eleanor e...

-Não, nem pensar.- Cortei Jin porque sabia exatamente o que ele estava planejando. Eu conhecia ele por anos, seus pensamentos eram tão legíveis pra mim quanto um letreiro enorme.

-Qual é, _____. Eu não posso perder essa comemoração! Se tivesse um filho não ia querer celebrar o aniversário dele?

-Eu não tenho filho e você deu um péssimo exemplo.- Falei a verdade.

-Que seja! O que importa é que eu queria que você fingisse que ia comigo ao restaurante para minha mãe não ir, aí eu descia do carro perto da casa da Eleanor enquanto você pode comer à vontade ou leva aquela sua amiga contigo. Ninguém vai saber que eu não fui. O que acha?

-Você sabe que eu odeio restaurantes chiques e não vou mentir para o seu pai.- Disse recordando da última vez que saí com Jin para jantares finos, quando ele garantiu que seria uma experiência "incrível" onde eu nunca mais esqueceria. Realmente, nunca esqueci o quão péssimo foi. Pra início de conversa, os pais do Jin e ele só ficaram conversando em 70% em que a gente ficou lá, a única coisa que serviam era champanhe que eu não podia beber. Serviram a comida nos últimos segundos e foi tão pouco que eu jurei nunca mais entrar nessas furadas com o Jin, pelo menos não posso reclamar do sabor.

-Mas...

-Tenha um bom dia e feliz um mês de namoro.- Desliguei na cara dele.

Era só o que faltava, Jin tentando me enfiar em mais uma de suas peripécias e agora era ainda pior porque eu iria enganar seus pais. Ricos sequer tem cérebros?

Os pais dele não sabem ainda do namoro com Eleanor, isso porque ela não é exatamente uma herdeira chique nem nada do tipo então Jin está procurando um momento mais... Oportuno para contar tudo.

Senti os dois par de olhos que me expectavam ficarem inquietos de curiosidade.

-E então, o que rolou? -Mavis perguntou dando um gole na água que ela trouxe pra MIM.

-O Jin quer que eu vá no lugar dele em um jantar com a mãe, pra ficar com a Eleanor.

-Qual o jantar?- Minha amiga se manteve curiosa.

-No Bigue Hitê, amanhã.

-Sério?! Oh puxa, eu queria tanto conhecer lá, dizem que alguns talheres do restaurante pertenceram ao Titanic! Que sonho seria se alguém pagasse toda a minha comida.- Mavis disse sonhadora e percebi que Jungkook ficou deveras impressionado com o exagero das louças do Titanic. As vezes acho que sou eu quem vai ter que cuidar do Jungkook.

-Pois é, mas eu não vou. Os jantares de ricos são péssimos e nunca oferecem comida de verdade, prefiro ficar em casa.

-Espera ai, não é esse mesmo restaurante que o Nate come sempre?

Fiquei estática no mesmo lugar, fugindo do sorriso malicioso de Mavis e o olhar maligno de Jungkook. Eu estava cercada por cobras!

-Não sei, é?- Eu não sabia mesmo.

-É, e tenho certeza que ele vai aparecer amanhã lá também, até porque os pais dele também tem dinheiro. Mas, se quiser, minhas fontes podem confirmar pra mim.

-E-eu... Quer dizer, Não!- Tentei recobrar a sanidade. Não podia ser possível que eu realmente estava cogitando voltar atrás em tudo que eu disse minutos atrás só por causa de um crush de colegial. Nunca! Prefiro morrer a ser hipócrita.

-Aceita!- Jungkook se manifestou em desespero. -Você tem que aceitar, _____, porque é uma chance única e eu tenho um plano.

-Não, eu não vou.- Falei de forma firme, porém Mavis e Jungkook se mantinham irredutíveis.

-Não é essa a oportunidade perfeita pra ver ele?- Mavis perguntou.

-Pensa bem, podemos fazer ele derrubar vinho na sua roupa e depois ele vai ter que pagar uma nova eai o romance começa. -Jungkook diz ao meu lado. Tento não enlouquecer.

-Você vai comer bem!- Mavis retorna dizendo.

-Vai conhecer quem sabe a sua alma gêmea!- Jungkook retruca.

-Pode postar nos stories do insta e ganhar muitos seguidores.- Minha amiga continua, enquanto eu estou a um passo da loucura.

-Podemos fazer você ficar tão bonita que nem vai parecer real.- Jungkook volta a suas falas mirabolantes.

-Você pode...

-Podemos...

-Já chega! Eu aceito!- Aquele foi o estopim pra mim e gritei desesperada. Tinha sido terrível aguentar a quase morte com o Jeff, mas pressão psicológica era ainda pior. Pra completar a patacoada, eles dois ainda começaram a sorrir como se tivessem feito uma boa ação pra mim.

-Perfeito!

-Não vai se arrepender!- Jungkook disse depois de Mavis.

Falsos, todos falsos.

Eu ia protestar e talvez xingar algum deles, quando o celular do Jungkook começou a tocar alto o bastante para me interromper. Por incrível que pareça, Mavis não escutou nada. Ele parece meio receoso de atender seja lá quem for.

-Ahm... Escuta, se eu deixar você aqui com a Mavis por cinco minutos vai ficar tudo bem, né?- Jungkook me pergunta de forma duvidosa. Acho que esse telefonema deve ser muito importante mesmo. Assenti com a cabeça e então, ele se esgueirou por uma pequena abertura na porta para que Mavis não visse e saiu.

-Que legal, isso é tão empolgante! Parece que está vivendo um daqueles filmes de cinema. -Mavis continuou alegre.

-É, nem me fale.- Respondi lembrando os últimos acontecimentos que tornaram minha vida quase que surreal demais. As vezes, me pergunto como eu ainda não cheguei num estágio de loucura com tudo o que está acontecendo.

-Sabe etiqueta, né? Você pode me ligar quando estiver lá e... Espera, tem que avisar o Jin que mudou de idéia. -Minha amiga se auto-interrompe. Peguei meu celular esquecendo do Jin e digitei uma mensagem de qualquer forma, até porque eu nem estava animada mesmo.

_____: Oi "Grande amigo, mudei de idéia eu vou no restaurante.

Jin Riquinho: SABIA!

Jin Riquinho: Obg amiga, vc é uma amiga mesmo❤

Jin Riquinho: Pego vc aí as 20 hrs amanha, n se atrasa. Vou na casa da Eleanor as 20:15

Jin Riquinho: Se meu pai ligar pra vc quando estiver la, diz q eu to no banheiro

Jin Riquinho: Vou aparecer no restaurante pra t buscar as 22 hrs

Jin Riquinho: Não, acho q vou umas 23 hrs

Jin Riquinho: Vou as 23 hrs e obg dnv grande amiga

Ele respondeu tudo na mesma hora, que fiquei até pensando se ele já não tinha todo esse texto pronto. Seja como for, não tinha mais volta. Tremi quando me dei conta de que iria encontrar Nate provavelmente extremamente bem vestido e chique, céus o que irei fazer?

Nem tive tempo de entrar em pânico quando ouvi uma batida na porta, achei que poderia ser Jungkook porém Mavis também parecia curiosa. No mesmo instante fiquei com medo imaginando Jeff atrás de mim.

-Puta merda, abre pra mim Mavis! Se for o Jeff, fecha na cara dele!- Falei me escondendo atrás da mesa, voltando a tremer feito um boneco com a pilha no fim.

-T-Ta. Mas, eu vou me armar por via das dúvidas. -Mavis pegou uma vassoura que estava no canto, em seguida abriu a porta. Fechei meus olhos para evitar ver Jeff, mas ao invés disso ouvi uma voz distinta.

-Olá? É aqui a secretaria?- Uma voz familiar perguntou. Ouvi Mavis suspirar aliviada.

-Não, a secretaria é no fim do corredor.-Ela responde. Resolvi arriscar e dar uma espiada para ver quem era.

Para minha grande surpresa, não era Jeff e nem Jungkook, era Taehyung o garoto estranho que conheci no dia do baile. Não sei como, mas ele olhou diretamente para mim que estava com metade do rosto para fora espiando, o mesmo sorriu quando me viu.

-Ah, que surpresa agradável, Srta.Cinderela. Não sabia que tinha fetiches em brincar de esconde esconde.

Saí do meu esconderijo aliviada por não ser alguém que quer meu pescoço, enquanto Mavis olha para nós dois confusa.

-Pra falar a verdade, essa é a primeira vez que eu tenho que fazer isso. Mas, eai, vai se matricular?

-Leu meus pensamentos, Srta. Resolvi de última hora efetuar minha matrícula nesta instituição acadêmica para agregar ainda mais conhecimento a minha pessoa. Gostaria de me acompanhar nessa jornada?- Tae perguntava feito um cavaleiro da idade média. Sério, ele sequer era desse plano terrestre?

Mavis parecia estar babando demais na falácia bonita do Tae para pensar em qualquer outra coisa que não fosse seus lábios se mexendo. Oh, droga.

Concordei com a cabeça.

-Claro, vamos e eu te mostro onde fica tudo.

-Certamente, você é estupendamente gentil. Muito obrigado. -Tae agradeceu.

Enquanto eu passava pela porta, resolvi fechae a boca de Mavis que estava quase babando sem dizer nada. Eu não gosto de destruir romances e nem ser pessimista, mas parecia bem nítido que Taehyung estava em outro... Patamar para a minha amiga.

-Posso ousar perguntar por que está temerosa?- O mesmo pergunta observando os corredores da escola enquanto andamos, porém com os ouvidos atentos. Mavis ficou para trás paralisada, mas eu não me importava de andar sozinha com Tae por ai porqu sei que ele me defenderia.

-Olha, digamos que ser inteligente e querida faz a gente atrair alguns inimigos, mesmo não termos feito nada.

-Oh, se refere a inveja? Um dos piores pecados capitais com certeza, através dele pode se levar a outros maiores. -Ele disse como se tivesse experiência no assunto.

-É, tipo uma garota que não gosta de mim pediu pra o namorado vir me dar uma surra sem eu não ter feito nada. Quer dizer, ela diz que só porque eu consegui assumir um cargo isso já é motivo pra me matar, acredita?

-Não estou surpreso, a crueldade humana alcança níveis extraordinários.

-Sim! E eu nem... Ah, chegamos na secretaria. Pode entrar que eu espero você aqui fora.- Falei quando chegamos na porta da secretaria, Tae assentiu.

-Muito obrigado, _____. Com você ao meu lado, esse ano escolar com certeza será interessante.- Ele disse entrando na sala.

Por incrível que pareça, não vi nenhuma segunda intenção nas palavras de Taehyung ou senti que ele estava dando em cima de mim de alguma forma. Era só a forma retrógrada dele de elogiar as pessoas. Nesse instante, m pergunto porque Tae parece tão peculiar. Algumas semanas atrás, eu pensaria que ele poderia ser apenas mais um garoto com tendências a querer ser "diferentão, porém depois que eu descobrir ter uma fada minha perspectiva sobre algumas coisas mudou e não sei ainda o que pensar sobre isso.

Estava refletindo sobre Tae, quando vi ao fim do corredor Jungkook manear a cabeça desesperado a minha procura. Depois que encontra meu olhar, ele vem a passos largos- quase correndo- até mim e não parece muito feliz.

-O que está fazendo aqui sozinha? Acabou de quase levar uma de um valentão e quer andar sozinha por ai.- Jungkook começa me dando sermão.

-Não tô sozinha, vim acompanhar um amigo na secretaria.- Me defendi contando a verdade, o que não reduziu a frustração de Jungkook.

-Então, cadê ele? Por que ele deixou você sozinha? Quer saber, vamos voltar lá com a Mavis.- Ele diz me pegando pela mão, puxando-me de volta ao meu escritório. Mas tiro minha mão da sua.

-Não! Já disse que estou bem e com um amigo! Eu não sairia se estivesse correndo perigo.- Falei me irritando.

-Olha, eu realmente sinto muito se pareço controlador, mas não pode ficar aqui exposta. E quem é esse seu amigo? O Hoseok?

-O Hoseok não veio, é um novo amigo e... Por que estou dando satisfações pra você? Me solta!- Gritei quando Jungkook se abaixa, fazendo meu corpo tombar em seus ombros e querendo me carregar feito um bicho. Esse garoto enlouqueceu!

-Estou fazendo isso pelo seu bem!

-Também disse isso quando me fez jogar comida nos outros no refeitório!- Soquei seu corpo e senti seu aperto desafrouxar me colocando de volta ao chão.

-Eu já pedi desculpa! Pelo visto, só quem perdoa mesmo é Deus, porque garotas não esquecem.

-Calado! Se tentar me carregar de novo eu deixo você estéril. - Tentei desamassar minha roupa sem sucesso.

-Isso aqui se enquadra em João da Penha,sabia? Não pode agredir quem quer te ajudar...- Jungkook se interrompeu sozinho, no momento em que eu ia me defender ele silenciou minha boca com o seu dedo. Fiquei nervosa imediatamente ,a medida que Jungkook voltava a procurar incessantemente algo de novo como um cão farejando algo. Comecei a tremer imaginando se Jeff estava de volta atrás de mim.

-O seu amigo, como é o nome dele?- Jungkook pergunta ainda atento e alerta.

-O nome dele é...

-Kim Taehyung.- Uma voz estridente atrás de mim completa. Na mesma hora, Jungkook para e volta o seus olhos para o garoto que segundos atrás eu o ajudei a encontrar a secretaria.

Tae estampava um sorriso amedrontador, com suas mãos no bolso e uma das sobrancelhas erguidas. Ele estava bem mais confiante que minutos atrás e emanava uma energia de dominacia. Comecei a pensar em coisas para justificar estar gritando no corredor até notar Jungkook furioso atrás de mim, tão impassível quanto uma rocha.

-Estava ansioso para conhecer você, fadinha.

Naquele momento pude perceber duas coisas:

A primeira, era que Taehyung podia ver Jungkook. A segunda, era que, definitivamente, ele não era humano e muito menos uma fada.