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História A Arte da Alma - Inverno, Ato Quatro: Do Inferno


Escrita por: linonmars

Notas do Autor


Primeiro de tudo, gostaria de pedir desculpas a todos vocês que pacientemente esperaram o final de Arte da Alma. Fico feliz de poder finalmente da-lo a vocês.
Agradeço do fundo do meu coração à Isa e a Miu, que leram esse último capítulo antes de todo mundo e me deram apoio. Nenéns <3
Também quero agradecer especialmente à @BloodyCherry, que me deu um empurrãozinho pra que essa fanfic fosse finalizada. Creio que se você não perguntasse por ela, eu jamais a terminaria.
Revisão por minha conta mesmo (aceitando betas s2)
Boa leitura!

Capítulo 4 - Inverno, Ato Quatro: Do Inferno


INVERNO

Ato Quatro: Do Inferno

 

Era uma tarde peculiar.

As primeiras folhas outonais começavam a cair, enquanto os ventos gélidos vindos do Oriente sopravam com mais intensidade as águas litorâneas do porto londrino.

À vista, aquela corriqueira transição de estações parecia tão típica quanto sempre fora, entretanto,  as águas geladas do Atlântico haviam trazido mais para o cais do que os primeiros sinais do inverno.

 

Kyungsoo suspirava numa passiva tranquilidade o vento que atravessava as janelas, trazendo o frio para dentro de seu consultório e de seus pulmões.

O inverno se arrastava lentamente até seus calcanhares, os primeiros vestígios da morte gélida que o acompanhava evidenciando-se no verde que perecia a cada amanhecer.

Pensava, entretanto, em coisas menos mórbidas que o alvorecer dos dias frios. Não, sua mente desviava-se para a maciez de algo vivo e quente, dono de lábios maliciosos e olhos que lhe eram um mistério. Kim Jongin continuava em Londres e, desta forma, ocupando os pensamentos do jovem médico.

 

Por vezes deixava sua mente vagar em devaneios, o corpo esbelto e nu estendido numa maca, finalmente em suas mãos, como todas aquelas que vieram após sua chegada. Imaginava a textura da pele azeitonada cedendo ao  bisturi de prata, o sangue brotando como camélias na primavera. Podia sentir o peso do pincel entre seus dedos naquela idílica imaginação, comprimindo os lábios ao dar a primeira pincelada na tela com precisão. Podia sentir como o sangue clamava em vida ao se prender na tela, como se o vermelho gritasse para que o bebesse. Podia ouvi-lo...

Duas batidas na porta o interromperam de sua letargia, o devolvendo a realidade. Suspirou pesadamente, levantando-se de sua cadeira. A maçaneta girou num gemido baixo das engrenagens antigas, revelando os dois homens que atrás dela esperavam. Um lhe era desconhecido, tinha feições miúdas e as sobrancelhas grossas franzidas, um tremor esporádico lhe percorrendo os lábios. Também notara o casaco azul que o homem baixo vestia, arqueando as sobrancelhas em sobressalto. O que a Scotland Yard fazia ali após tanto tempo?

Seu olhar cruzou com o segundo homem, este um rosto conhecido. Na época parecera amigável ao lhe fazer perguntas de protocolo sobre locais que frequentava e associações, mas parecera muito insatisfeito com a insuficiência de provas que incriminavam o jovem médico. Talvez só estivesse procurando alguém para culpar, fosse este autor dos crimes ou não — e de preferência, alguém que não pertencesse à sociedade Londrina e seus bons costumes.

"Senhores." os cumprimentou com um aceno de cabeça, os convidando a entrar.

"Dr. Do, com licença." o segundo lhe fez um aceno com a cabeça, dando um passo para dentro da sala, seguido do homem baixo em seu encalço. Kyungsoo franziu o cenho ao sentir os aromas que desprendiam-se do desconhecido enquanto caminhava.

Colônia barata. Tabaco. Sabão de coco. Ópio. Reprimiu um sorriso junto ao mais novo segredo que ainda considerava como usar futuramente.

"Deve se lembrar de mim." o homem franzino continuou, acomodando-se em uma das cadeiras reservadas aos pacientes à frente da mesa de consulta. "Sou Henry Moore. Este é o Inspetor Abberline."

O detetive do ópio lhe encarou por alguns segundos antes que aquiescesse em um cumprimento rápido, ao qual Kyungsoo respondeu com um meio-sorriso enquanto acomodava-se em sua poltrona à extremidade do cômodo. "A que devo o prazer da visita?"

Moore endireitou-se na cadeira, pigarreando enquanto trocava um olhar rápido com o parceiro na cadeira ao seu lado. Tão óbvios.

Kyungsoo começava a ter uma ideia do porque estavam ali. Mas o médico não podia negar-se o prazer de vê-los correr em círculos outra vez.

Apesar de detestá-la, havia certa beleza na imperfeição humana que a tornava suportável. Aquilo seria interessante.

 

"Deve ter ouvido falar dos assassinatos das..."

"Prostitutas?"

O inspetor-detetive engoliu em seco, assentindo em confirmação.

"Tememos que se trate de um novo assassino em série. Não nos faria diferença que continuasse matando os ratos dos esgotos londrinos," ele lhe disse, a voz tremendo em escárnio ao referir-se às mulheres daquela maneira. "mas como toda a população alarmou-se e o caso veio à público, logo temos que interrompê-lo."

Kyungsoo fitou os inspetores por longos segundos, os olhos impassivos sem nada declarar enquanto a informação já conhecida diluía-se em sua mente. Sorriu em falsa confusão.

"Perdoe-me, inspetor, mas continuo não compreendendo a que se deve essa visita. Se quisesse receber notícias sobre o caso de Whitechapel, teria comprado o jornal essa manhã."

Divertiu-se ao observar o rubor subir e descer ao rosto do inspetor, enquanto o colega ao seu lado parecia mais interessado em apenas fulmina-lo, como se estivesse certo de que Kyungsoo era o retalhador de prostitutas antes mesmo de entrar em sua sala.

"O caso" Moore cuspiu as palavras, contrariado "É que o senhor é o melhor doutor que temos na cidade, e é conhecido que nosso estripador possui grande conhecimento em medicina. Reid deseja que um cirurgião de doutorado dê seus próprios palpites para prosseguir na investigação."

Kyungsoo sorriu com o canto dos lábios, cruzando as mãos em seu colo. Definitivamente interessante.

"Seria um deleitoso prazer servir de alguma ajuda ao caso, Inspetores." respondeu, ignorando as expressões nada amistosas que recebia em resposta. Sorriu ainda mais abertamente, mesmo que seu humor se apossasse de certa agrura. Médico ou não, ele sempre seria um estrangeiro. "Diga a seu chefe que minha sala estará à sua disposição, assim como meus conhecimentos."

Mesmo que fora do conhecimento daqueles ali, ele fosse muito mais.

Moore e Abberline levantaram-se, seguido do jovem médico que os acompanhara até a porta. Nenhuma palavra mais do que era necessária foi dita.

Kyungsoo aquiesceu em um cumprimento silencioso aos homens, o primeiro apressando-se em sair da sala o mais rápido possível. Abberline demorou-se alguns segundos, fitando o rapaz com severa diligência.
"Ser de ajuda no caso não lhe fornece um álibi, Dr. Do." ele lhe disse, os lábios tremendo sob o bigode castanho. "Estaremos de olho em você, também."

"Tenho certeza que sim." respondeu com um sorriso, fechando a porta logo que o último deixara o cômodo. E então novamente o silêncio preencheu a sala, enquanto o violino ressoava em sua memória como o sangue nas paredes imundas.

E então Jongin, sorrindo para ele enquanto o beijava, os lábios sujos de rubro.

E tudo se tornava vermelho.


~

 

Ele o vê. Ele o observa.

Dançando tão graciosamente pelo salão de festa, nunca lhe pareceu tão vivo. 

Jongin dava vida ao salão assim como um dia desejou que desse vida aos seus quadros.

Sorriu em cumplicidade secreta ao rapaz que rodopiava com alguma filha de magnata da cidade que ele e o próprio lorde desconheciam o nome. Distrações não precisavam de nomes.

Sorria em cumprimentos rápidos aos que passavam por ele, congratulando sua exposição. Apesar de alguns poucos dançarem no pequeno salão improvisado na galeria em sua casa, a grande razão para alguns dos homens e mulheres mais importantes da elite londrina unirem-se ali era em honra à exposição que enfim o Doutor decidira fazer com seus quadros, mesmo que não sem muita insistência por parte de seus admiradores (e admiradoras).

Entretanto, fora a voz sussurrada do moreno que o convencera a expô-los, a respiração gelada chocando-se ao seu pescoço nu, provocando arrepios.

"Deixe-os ver a obra-prima que criou"  ele fechara os olhos ao sentir as mãos entrelaçarem sua cintura por trás, descendo até seu baixo ventre. "Deixe-as gritarem para eles. Mostre a eles sua arte."

A exposição era composta por quatro quadros: Os quatro últimos que Kyungsoo havia pintado.

 

Algo na forma como o médico conseguia variar os tons rubros das telas fascinava à todos, que hipnotizados, levavam a ponta dos dedos até a tinta seca, numa interação silenciosa com a obra.

O primeiro, A Cascata, era composto por uma série de pequenas cascatas que desaguavam num imenso vácuo indistinto, de formas reclinadas. As duas cascatas "mães" escorriam rubras pela tela até o vácuo, como grandes olhos chorosos. Uma série de cascatas pequenas seguiam pouco abaixo, caindo suavemente na mesma direção das duas maiores.

O segundo, A Flor, era o mais simples de todos, mesmo que não ficasse para trás dos outros três em questões de beleza e minuciosidade em detalhes. Uma grande flor desabrochava de ponta-cabeça, pequenas gotas rubras escorrendo pelas pétalas murchas. Seu interior, entretanto, nada continha: Haviam lhe arrancado o botão.

O terceiro, O Aborto, era o mais perturbador e, ainda assim, o mais disputado entre os homens ali, mesmo que Kyungsoo reafirmasse  a cada nova investida que seus quadros não estavam à venda. Envolto de tons escuros de rubro febril, um feto adormecia, o pequeno cordão umbilical circundando o pescoço mal-formado.

O quarto, A Gestação, assemelhava-se ao último, mesmo que perturbasse o observador em níveis diferentes. Um pequeno útero gerava a criatura disforme dentro de si, entalhes de formas variadas delineando cada pequena veia até a bolsa que envolvia a criatura. No centro, uma mão em forma de garra parecia formar-se em torno do embrião deformado.

"É fenomenal!" Lady Anne bateu pequenas palmas enquanto caminhava em direção ao Doutor, um sorriso confiante adornando o rosto que a idade começava a se fazer evidente. "Bravo! Bravo!"

"É muita gentileza de sua parte, milady." cumprimentou com um meio sorriso, enquanto sua visão periférica capturava aquele inspetor do outro dia — Abberline — observa-lo à distância.

Sorriu mais abertamente para a mulher, tecendo um elogio sobre o vestido que usava. Esperava que todos aqueles meses sem resposta não houvessem diminuído seu favorecimento.

Flertou sem que ela percebesse, deixando-a invadir seu espaço pessoal. Seu novo status de viúva parecia dar-lhe mais iniciativa que outrora. Observou-a tomar uma taça, duas, dezenas. Na hora em que todos partiam ofereceu um dos quartos adjacentes, uma vez que a senhora encontrava-se muito indisposta para caminhar. Sorriu em evidente malícia para o médico, como se descobrisse um novo segredo para compartilhar com o mesmo. Abanou o braço para o coxeiro, o dispensando. Teria melhor companhia em seus lençóis aquela noite.

Como o bom mestre de cerimônia que era, despediu-se de todos os convidados à porta, recebendo um olhar inquisitivo por parte do inspetor antes de partir. Jongin havia desaparecido horas antes. Todos julgavam que já houvesse partido.

 

Após ficarem a sós, ele a guiou escada acima, depositando uma mão em suas costas de maneira sugestiva, deixando-a escorregar até a altura de sua cintura. Em resposta, ela enlaçara seu pescoço com o braço, um sorriso insinuante preenchendo os lábios.

Lady Ann sempre admirara o rapaz, desde a primeira vez que o vira. A forma como tornava belo até mesmo a arte de estudar a morte, e a morbidez que pairava em torno daquela cidade que se escondia em temor. Queria que ele a desejasse. E se não a desejasse, que a odiasse, pelo menos. Tentara ambos, e mesmo assim a gentileza piedosa do jovem continuava a lhe perseguir como um demônio persegue a alma errante. Só havia algo pior que ser odiado por alguém que ama: Amar alguém que nada sente por si.

Mas ali estavam eles agora, tantos invernos depois, tantos velórios depois, entregando-se um ao outro.

Talvez alguém de fato houvesse ouvido suas orações. Ou se apiedado da deploração a que se rebaixara.

Teve dificuldades de encontrar a porta do quarto enquanto caminhava com ele até o quarto, seus lábios preenchendo os do médico. Kyungsoo chutou a primeira porta que encontraram, adentrando no cômodo enquanto desabotoava com urgência os botões de seu casaco, mesmo que suas mãos ébrias não lhe ajudassem no processo. Ele segurou-as entre as suas, a impedindo de continuar. Com um meio sorriso, contornou seu corpo até tocar os ombros magros, abrindo os primeiros botões do vestido drapeado.

"Feche os olhos" sussurrou contra a pele frágil, que suspirando risadinhas, cedeu aos pedidos do rapaz.

Ela faria qualquer coisa que Kyungsoo lhe pedisse.

Aquelas foram as últimas palavras que ouviu antes de sentir a mão firme do médico fechar-se em torno de sua boca, o clorofórmio impregnando seus sentidos até afundar-se na inconsciência e tudo tornar-se escuro.

 

"Acha que é um bom álibi?" Jongin disse encostado à soleira da porta, enquanto Kyungsoo carregava o corpo desacordado da mulher até a cama, deitando-a.

"É um bode expiatório" o médico respondeu, virando-se para o moreno. "Provavelmente Abberline e Moore estão no aguardo da manchete: 'Morta nesta madrugada importante dama da elite londrina.'"

Jongin sorriu, caminhando até o mais velho e ajudando-o a vestir o sobretudo negro, as luvas brancas lhe cobrindo os dedos longos tão pálidos quanto.

"Porque eles são burros demais para imaginar que alguém seja mais inteligente que eles" depositou um beijo no pescoço claro, prendendo a pele macia entre os dentes. Sorriu ao sentir o corpo do médico encostar-se ao seu, buscando mais contato. "Precisamos ir. Já mandei que o cavalariço nos aguardasse."

"Mais tarde?" Kyungsoo sussurrou, um sorriso brotando em seus lábios enquanto caminhava ao lado de Jongin até a porta, depositando a cartola em sua cabeça. Jongin mordeu o lábio inferior, imitando o gesto do mais velho. Juntos, desceram as escadarias até a entrada, onde Albert os esperava com sua maleta e o cacho de uvas usual em mãos.

"Uma boa noite, Senhores" disse de maneira habitual, despedindo-se dos patrões que desapareciam na escuridão noturna.

 

"Mais tarde..." Jongin por fim respondeu, dentro da carruagem, enquanto aproximavam-se dos arredores de Spitalfields. "... Depois do jantar."

Kyungsoo sorriu, enquanto o  cavalariço aproximava-se lentamente de uma mulher que vagava em círculos próxima à um bar que começava a fechar. Movimento fraco, aparentemente.

Trocou um olhar rápido com Jongin, que aquiesceu silenciosamente.

Outra obra-prima da alma estava por vir.

Sorriram em silêncio, a mão pendendo para fora da janela com o cacho convidativo.

 

Era madrugada de Nove de Novembro.

E o inverno nunca foi tão frio.

 

fim.

 

Querido Chefe,

 

Eu continuo ouvindo que a polícia me pegou, mas eles não vão me corrigir ainda. Eu ri quando eles pareciam tão inteligentes e falavam sobre estarem no caminho certo. Aquela piada do "Avental de Couro" me deu ataque de risos. Estou chateado com as putas e não deixarei de estripá-las até que eu esteja farto. O último foi um trabalho grandioso. Eu nem dei à senhorita tempo para gritar. Como eles vão me pegar agora? Eu amo meu trabalho e quero começar novamente. Em breve ouvirão falar de mim com meus joguinhos divertidos. Guardei alguma substância vermelha em uma garrafa de cerveja de gengibre para escrever, mas estava tão espessa como a cola e não pude usá-la. A tinta vermelha é apta o suficiente, espero, ha, ha. No próximo trabalho cortarei as orelhas das senhoritas e as enviarei à polícia para me divertir. Mantenha esta carta em segredo até que eu tenha feito um pouco mais de trabalho e depois publique-a logo de cara. Minha faca é tão bonita e afiada que quero começar a trabalhar agora mesmo, se eu tiver uma chance. Boa sorte. Sinceramente seu.

 

Jack, o Estripador

 

P.S.: Não se incomodem por eu estar dando meu nome profissional. Não estava bem o suficiente para enviar isto antes de tirar toda a tinta vermelha das minhas mãos. Maldita seja. Sem sorte ainda, agora dizem que sou médico, ha, ha.


Notas Finais


winter:https://www.youtube.com/watch?v=TZCfydWF48c
Pra nota final não ficar MAIOR do que a fanfic toda, resolvi fazer um posfácio no meu livejournal sobre algumas referências encontradas nos capítulos sobre a história que inspirou a fanfic. Eu recomendo que leiam, principalmente os que não estão familiarizados ao caso de Jack, O Estripador. Para quem se sentir interessado: http://creepyungsoo.livejournal.com/2553.html
Se você começou a ler lá em abril, ou se você começou a ler depois, e mesmo assim teve paciência de esperar eu terminar Ada, obrigado. Do fundo do meu coração, obrigado. Muita coisa aconteceu desde abril e é quase uma vergonha (na verdade é mesmo) o tempo que demorou pra eu finalizar essa história, mas eu me sinto aliviada por quitar essa dívida com vocês.
Enfim... É isso gente. Espero que tenham gostado, e se não gostaram, me desculpem, farei o possível pra agrada-los na próxima.
Qualquer dúvida ou whatever, me gritem lá no @sailordyo. Té mais!


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