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História Fast. It Takes a Long Time. - Inverno


Escrita por: TIBMatt

Notas do Autor


Ela me pegou, quando eu notei ela já estava lá. Procrastinação, me perseguindo há dias, minhas preces para o Yaoi não foram o suficiente.

Com muito esforço o capítulo saiu, espero que não tenham desistido de mim e deste a.l.g.o! 🌾

Capítulo 4 - Inverno


Fanfic / Fanfiction Fast. It Takes a Long Time. - Inverno

— O que você vai fazer no natal?

— O quê? — As palavras de Tammy eram como explosões em sua cabeça.

— Perguntei o que você vai fazer no natal. — Então Butters entendeu, mas sua mente ainda estava se dissolvendo em pó.

— Nada. Não tenho para fazer no natal. — Ele carregava grandes pilhas de pratos brilhantes pela cozinha. Sua coluna já era poeira estelar.

— Achei que você fosse sair com seu namorado.

— Eu não tenho namorado. — Estava distraído demais, inconsciente de todo o resto.

— Porque não passa o natal comigo e o Will? — A voz de Tammy pareceu tão distante.

— É, seria maneiro. — E os pratos grandes demais.

— Perfeito! Falaremos sobre isso com o Will quando o expediente acabar. — Por um segundo, ele não sentiu suas pernas.

— Está bem. — Então suas mãos também desapareceram.

— Você vai adorar! — E em instantes ele já estava no chão.

O vermelho de seu sangue transbordava entre a porcelana branca destruída ao chão. Eu terei o salário descontado, foi a única coisa que ele conseguiu pensar.

Ele não sabia dizer se aquilo doía ou não, eram como pontadas muito fortes que vinham apenas em fleches. Mas ele estava certo de que haviam gritos e pessoas ao seu redor. Ele nunca compreendeu aquelas expressões.

Acordou horas depois, não sabia quanto tempo havia passado exatamente. Reconheceu ao arredor como a dispensa do quiosque, compreendeu que abaixo de sua cabeça estavam as pernas da garota mais bela que havia conhecido. Ele não tinha forças para desejá-la naquele momento.

Não era o calor de sua carne e pele, era o calor de seu casaco de inverno. Se ela estava vestida assim, era porque o expediente havia acabado. Ele dormiu demais, perdeu muita coisa.

Quis fechar os olhos, esquecer o que havia acontecido e aproveitar onde estava. Ele quis ser inconsciente. Quis ser imóvel. Quis ser imperceptível. Ele quis estar morto.

Grunhiu, e chamou atenção de Red.

Foram olhos gentis que olharam para ele:

— Você acordou. — Era um voz tão cansada. Ele fechou os olhos novamente.

— Que horas são?

— Uma da manhã, o expediente acabou há vinte minutos. Todos estão indo embora...

— Você ficou comigo?

— Fiquei, o máximo que pude.

— Obrigado. — Ele sussurrou com uma voz arrastada enquanto abria os olhos.

Butters levantou sua cabeça do colo de Red, se arrependeu por alguns segundos, pois sua cabeça parecia ter se quebrado. Notou então que haviam curativos em suas mãos e bochechas, notou então que estava literalmente destruído:

— Queríamos ligar para alguém vir te buscar, mas não conseguimos o número de ninguém próximo de você. — Foi algo amargo a se ouvir.

— Eu estou bem.

— Você destruiu vários pratos, você não está nada bem.

— Será apenas um salário descontado, está realmente tudo bem. — Suas pernas doíam quando ele se levantava.

— Precisa ligar para alguém vir te buscar? — Para Butters, ela parecia alguém tão preocupada.

— Não, é sério, eu estou bem. — E ele de fato achava que estava.

Quando saiu da dispensa as coisas estavam mais claras, todos o olhavam estranho. Ele era uma raça de outro planeta, tudo era hostil demais. Podia sentir o peso dos olhares, ele se voltava completamente contra suas pernas, prontas para ceder. Ele foi o mais forte que conseguiu, andou da forma mais resistente que pôde.

Ao vestiário se trocou, entrando naquele casaco de inverno que parecia pesar toneladas. Ele enfim compreendeu que não estava tão bem assim, que ele iria ceder e morrer ali mesmo, na margem da praia esperando por um mar que nunca o levaria.

Chamar Red foi como pedir perdão para alguém que você matou, ele mal conseguiu fazer.

Estavam ao lado de fora quando Butters lhe pediu por reforços. Red parecia uma imagem estranha à noite. Ele estava à mercê do incomum:

— Eu preciso de ajuda. — Sua voz doía tanto, só não mais que sua mente.

— Eu devo ligar para alguém? — Era um estranho com voz amigável.

— Não, eu só quero chegar em casa.

Era tão vergonhoso se humilhar na frente de uma garota como ela. Recebeu um suspiro pesado como resposta, em seguida, palavras mais reconfortantes:

— Eu vou chamar um táxi.

Foi uma vergonha ficar sentado em uma calçada acompanhado por uma garota às uma e meia da manhã. Butters se xingava de forma autoconsciente por fazer Red ter que acompanhá-lo naquele frio. Era somente problema dele, e ela não tinha nada haver com a nevasca que descia sobre sua cabeça.

Ele já não via as folhas de outono que antes dominavam a paisagem, agora o chão estava apenas frio demais. Um verdadeiro incômodo ter que esperar o táxi em um chão como aquele.

— Por que ele não vem mais te buscar? — Red quebrou o silêncio. Sua voz parecia tão quente no inverno.

— Ele, quem?

— Kenny. Ele vinha te buscar antes, não é? — Então ela prestava atenção.

— Acho que ele está dormindo. — Ele desejou que o silêncio voltasse.

— Entendo... Vai passar o natal com ele? — A garganta te Butters se fechou por alguns segundos.

— Eu... Eu não sei.

— Fala sério, você tem que passar o natal com a pessoa que você ama!

— O quê?

Sua garganta novamente se fechou. Sentiu o corpo pegar fogo, era a coisa mais quente que havia naquela estação tão inoportuna. Estava tão envergonhado por ouvir aquilo vindo dela:

— Eu vou passar o Natal com o meu namorado, então faça o mesmo.

Sua mente doía tanto, mas ela não parava de trabalhar:

— Ele não é meu namorado! — Protestou.

— Uh? Achei que fosse. — Red encarava a rua, rindo.

— Não... Não é. — Seu cérebro demorou alguns segundos para assimilar tudo. — Então você... Tem namorado?

— É, eu tenho. — Agora ele observava a rua junto a ela. — Vamos passar o natal em Seattle, na casa dos avós dele.

Era estranho ouvir aquilo vindo de Red, ela sempre lhe pareceu uma jóia no pedestal que não seria tocada por mãos comuns. Ao mesmo tempo, ele não conseguia se sentir infeliz, na verdade, queria parabenizá-la e lhe abraçar. Mas era só um namoro, não um casamento:

— Achei que você fosse sair com Tammy e Will.

— Não somos tão amigos assim, só saímos às vezes para comemorar coisas idiotas. Você aceitou sair com eles?

— É, antes de eu ter um colapso.

— Colapso é uma palavra muito forte para alguém que alega estar bem.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos:

— Eu não me sinto bem.

— É mesmo? — Red tirou uma cartela de cigarros do bolso de seu casaco.

— Eu me sinto mal o tempo todo...

— Eu vejo. — Ascendeu um cigarro com um isqueiro fofo.

— Eu sinto que estou fazendo tudo errado. — Ele havia perdido seus olhos e mente naquela rua morta. — É como se eu estivesse transbordando lixo, e as pessoas ao redor são obrigadas a aguentá-lo.

Foi uma tragada profunda dada no cigarro. Ao olhar de relance para o lado, viu que os olhos de Butters transbordavam melancolia e joravão um mar de lágrimas.

Stotch não entendia muito bem se estava frustado por chorar na frente de uma garota, ou por se sentir um completo lesado incapaz de fazer qualquer coisa sem transbordar enxofre.

Qual é o seu fudendo problema, Butters? Não sabe fazer qualquer outra porra a não ser agir como a merda de um lesado?

Não compreendia, mas doía tanto.

Agora não era somente seu casaco que parecia pesar uma tonelada, o mundo também estava pronto para destruir seus ombros.

A fumaça se esvaía pelo ar gelado, era belo e triste. Red apoiou a cabeça sobre o ombro quebrado de Butters:

— Eu não me importo com o lixo. — Agora, aquela era a coisa mais quente daquela estação inoportuna.






Ao quarto ele trocou de roupa, seu corpo estava leve e sua consciência pesada demais. Não ousou acender as luzes pois sabia que fariam seus olhos vermelhos arderem, apenas a luz noturna que entrava pela janela era o suficiente.

Quando se deitou ao lado de Kenny se sentiu calmo, quando se cobriu com a manta de inverno se sentiu protegido.

Então ele estava realmente dormindo.

Queria ter tocado a sua pele para ver o quão quente estava. Desejava estar mais próximo, mas só observá-lo foi o suficiente.

Havia mais de um mês que não conversavam como ele gostaria, porque ele sabia que cada palavra dita iria cheirar à merda. A ideia de transbordar em frente ao Kenny machucava, mas Butters sabia que já havia causado uma enchente.

Tocou sua testa com a ponta dos dedos, foi tão rápido, mas foi tão bom.

Butters dormiu, na cama dura que lhe restou.





Às manhãs têm sido estranhas, têm sido vazias. Não havia café, não havia conversas com Kenny, restava apenas pequenos de flashbacks das antigas boas manhãs.

O corpo inteiro de Butters doía quando se levantou, mas consegui sorrir quando viu pela janela que a neve caía. Deveria ter começado durante à noite, e provavelmente só acabaria na noite seguinte. Era uma véspera de Natal com neve, mas no fundo não pareceu o suficiente.

Ele havia comprado botas de neve ao invés de comprar sapatos bonitos, afinal, elas eram mais necessárias. Ele não reclamaria caso Kenny lhe aparecesse com sapatos bonitos em um embrulho encantador durante a melhor data do ano, mas ele sabia que não iria acontecer, por motivos óbvios.

Calçou as botas depois de encarar McCormick por alguns minutos. Não somos namorados. Saiu do quarto.

Tomou um susto quando encontrou a Sra. McCormick do lado de fora, ela parecia apenas perambular por ali.

Raramente a via, ela estava sempre se drogando dentro do quarto com alucinógenos e coisas esquisitas que mereciam pelo menos cinco metros de distância. Quando se encontravam, ela lhe dava sorrisos estranhos que faziam sua nuca ficar cheia de suor frio. Sra. McCormick era um grande incômodo, e Butters nem entendia direito o porquê.

Ela estava fedendo, provavelmente havia passado dias e mais dias em confinamento com drogas e ratos (a casa sempre estava entupida com ratos), como ele poderia pedir para que ela ficasse longe dele sem parecer grosseiro?:

— Feliz natal, campeão! — Lhe entregou um sorriso com diversos dentes faltando.

— Bom dia, senhora. Feliz natal para você também. — Ele poderia ter vomitado ali, se perguntou se também iria transbordar lixo caso fizesse.

— Estou surpresa que você ainda está aqui. — Butters sentiu uma pontada de incômodo muito maior.

— É... Obrigado por me deixar ficar.

— Imagina, amigos do Kenny são meus amigos. — Ela estava tão fora de si, era claramente cheiro de maconha que estava impregnado em suas roupas.

— Sim, entendo...

O silêncio se espalhou por alguns segundos, teria sido um ótimo momento para fugir, se ela ainda não lhe encarasse.

— Hey, escuta. Não fala pro Kenny, mas eu tenho um presente pra ele. — Seu bafo fez Butters querer morrer.

— É mesmo?

— É, ele vai adorar. Eu também tenho um para Karen, aliás, você sabe onde ela está? Procurei no quarto dela e não a encontrei.

— Acho que nos fundos, brincando na neve. — Ele jamais falaria algo.

— Crianças, adoram neve. — Butters sentiu a mão enrugada da McCormick sobre seu ombro. — Na próxima, darei um para você também.

Ela se foi, voltou para o quarto estranho do qual tinha saído. Ele desejou não vê-la nunca mais. Às vezes, era compreensível o repúdio de Kenny em relação àquele lugar.

Butters não o viu no café da manhã, nem ao menos comeu, saiu o quanto antes possível. Precisava de alguns remédios para dor, a melhor forma de consegui-los era indo à farmácia antes do turno de Kenny. Ele passou na Tweek Bros. Coffeehouse antes de tudo.

Aquele lugar cheirava à café, mas era um ótimo aroma se comparado a todo o resto.

Duas rosquinhas, três cupcakes recheados com chocolate e um capuccino, foi o seu pedido que prometia abastecê-lo pelo resto do dia. Ele tem gastado muito dinheiro com comidas prontas, seu mau salário é gastado de uma má maneira.

Butters aguardava o pedido quando ouviu o sino da porta de entrada ressoar. Ao olhar notou que era Tucker. Eles nunca conversavam de verdade, apenas conheciam a existência um do outro e conviviam com isso. Era bom, era o suficiente. Ambos se ignoraram:

— Bem-vindo à Tweek Bros. Coffeehouse, como posso ajudar você hoje? Ou está aqui para ver o Tweek, Craig? — Butters desejou que a Sra. Tweak chegasse logo com o seu pedido.

— Bom, é... — Às vezes era divertido ver o Tucker envergonhado ao falar com o Sr. Tweak. — Mas eu também vou querer um capuccino. Sem açúcar, por favor.

— Está bem: um capuccino sem açúcar para Craig Tucker. Basta esperar.

O Sr. Tweak adentrou à porta dos fundos, deixando Tucker e Stotch sozinhos no balcão. Foi vergonhoso por instantes, até Craig comentar:

— Quando Kenny vai buscar a Karen? — Aquilo pegou Butters de surpresa.

— O quê?

— Você está vivendo com o Kenny agora, não é?

— Bom, sim.

— Então você sabe quando Kenny vai buscar a Karen?

— Não?! Não conversamos sobre isso. — Tucker bufou.

— Tá legal.

Foram mais alguns segundos de silêncio, quebrados por uma questão pertinente:

— Há quanto tempo a Karen fica na casa de vocês? Tipo, desde quando? — Tucker ficou em silêncio, parecia estar tentando se lembrar.

— Acho que isso começou há uns dois anos.

— Ah, entendo.

Ouviram a porta dos fundos abrir, de lá saiu a Sra. Tweak com o pedido de Butters. Ele lhe pagou com diversas moedas que levaram algum tempo até serem contadas. Quando estava indo embora, Tucker se pronunciou:

— Não entenda errado, eu não detesto ter Karen por perto. Mas amanhã é natal, e ela precisa passar perto de quem ama.

Butters foi pego de surpresa não pelo conteúdo da frase, mas sim por quem disse a frase. Era como se Tucker tivesse feito uma maratona dos trinta filmes de natal mais clichês do mundo. Foi engraçado. Assentiu com a cabeça e saiu da Tweek Bros. Coffeehouse. Estava tão frio.





As rosquinhas se foram rapidamente com o capuccino, seu estômago deveria ser um poço sem fim. Os cupcakes recheados talvez tenham sido a melhor coisa que ele comia há semanas, afinal, ele nunca cozinhou bem de verdade. Por um segundo se questionou se deveria voltar a preparar refeições para Kenny.

O caminho até a farmácia era rápido, e em poucos minutos já estava lá. Pediu por qualquer remédio que pudesse fazer suas dores pararem.

Levou um susto ao sair da farmácia e se deparar com Tammy. Como começar uma conversa depois de um acidente daqueles?:

— Stotch!

Bom, ele aprendeu que é desse jeito. Tammy avançou até ele rapidamente, mas logo parou, cautelosa:

— Você tá legal? Eu fiquei preocupada com você ontem!

Ele não sabia muito bem como reagir. O ar do inverno era muito frio, e naquele momento ele já estava congelado:

— Como estão os curativos?

— Ah... Bem. — Enfim despertou. — Eles... Eles estão bem! Eu estou bem!

— Você teve um colapso fudido ontem à noite, deveria ter me dito se o trabalho estava te deixando tão sobrecarregado. Sou sua supervisora, poxa! Sabe que bronca eu levei por sua culpa?

Ela parecia querer lhe encher de socos, ao mesmo que transparecia o desejo de lhe abraçar:

— Eu sinto muito.

— É, eu também. Irei lhe dar trabalhos um pouco menos pesados de agora em diante.

— Ah, não! Não é isso! Não precisa! Ontem... É o stress, sabe? Eu tenho pensado em muita coisa.

Pôde ver Tammy bufando — a considerou bonita, porque de fato tinha uma bela face —, se aproximou lhe deu tapinhas em sua bochecha, fazendo Butters gemer de dor:

— Tire alguns dias de folga para pensar.

— Eu preciso do dinheiro.

— Para! Você está pensando de novo! — Ela o pegou pelo braço. — Vamos falar de coisas legais!

Ambos se sentaram em um banco próximo à farmácia:

— Eu e o Will vamos nos encontrar em frente ao super mercado para irmos à festa. Esteja lá às oito horas. Você ainda vai, certo? Não deve estar fodido ao ponto de perder uma festa. — Ele estava completamente fodido.

— Tá legal...

Eles conversaram por muito tempo, talvez anos ou milênios. Tammy era carismática, e Butters enfim entendeu o porquê de algum dia Kenny ter namorado com ela. Também entendia o porquê dela ter namorado alguém como ele. Às vezes, ele imagina que também o faria, mas esse pensamento se desintegra em segundos.

Até mesmo conversas que levam anos alguma hora acabam, aquela não havia sido diferente.





***





Era natal, mas não parecia. Uma manhã fria, e somente fria. Butters não sentia cheiro de biscoitos de gengibre sendo preparados na cozinha. Não haviam decorações brilhantes pela casa. Não era natal, era somente o dia vinte e cinco de dezembro. Encerre as celebrações.

Kenny não estava ao seu lado quando acordou, apenas deixou para trás rastros de que um dia esteve ali. Não haviam conversado na noite anterior, se comunicavam tão mal que fazia Butters querer morrer, era como se ele tivesse transbordado muito antes de ter uma oportunidade. Não, parecia mais que ele tinha transbordado há semanas na primeira brecha que teve.

Stephen acabou com o único relacionamento verdadeiro de seu filho. Que cruel.

Ele não sabia muito bem o que faria naquele dia. Não havia trabalho ou uma televisão que funcionasse na casa, quão menos esbanjava dinheiro para gastar. O encontro com Tammy e Will seria somente à noite, e ainda era muito cedo para sequer pensar em se arrumar. Foi até a cozinha, porque comer era a única opção.

Com exceção ao mau cheiro que fazia — deveria ser um rato morto — tudo que pôde notar foi pacotes esquisitos e mal embrulhados sobre a mesa. Deve ser lixo, considerou.

Se aproximou, pegando-os com cuidado e certo nojo. Eram embrulhos de presente, embrulhos muito fofos.

Olhos para os lados, queria ver se haviam almas vivas ao redor. Deu um soco no próprio braço para ver se aprendia a lição de que não se deve abrir esse tipo de coisa sem a permissão de alguém, mas o fez, abriu.

Uma boneca de milho — ao menos era o que parecia — e uma cueca velha. Coisas nojentas mal embrulhadas, Butters não precisou de muito tempo para acertar o que era.

Na próxima, darei um para você também. Não, obrigado.

No fim, ele não comeu nada.






O tempo estava frio demais, casacos quase não faziam efeito, mas era uma hipótese inviável se manter dentro de casa.

A farmácia estava fechada no natal, portanto Butters sabia que Kenny não trabalharia, quão menos iria para o colégio. Ele não tinha mais nada para fazer além de se esconder. Se manter longe de corpos quentes em um dia gelado, Kenny McCormick parecia tão autodestrutivo.

Tudo que lhe restava era a esperança de que Tammy e Will pagariam o jantar àquela noite, dessa forma ele não se incomodaria em passar o dia com fome.

Ele passou a manhã caminhando para fugir do frio e não deixar seu corpo congelar. Pensou em Red com seu namorado em Seattle, pensou nos antigos natais que passou com Stephen e Linda, pensou em um milhão de coisas.

Enquanto mergulhava sua cabeça contra uma onda de pensamentos inoportunos, ouviu vozes famíliares. Quando se deu conta estava em frente ao bar da cidade. Não era estranho, pois beber álcool no frio — além de ser suicídio — é compreensível. Quando olhou pela vidraça viu que Stephen conversava com o Sr. Marsh.

Seu corpo congelou, e ele não sabia muito bem se era pela temperatura ambiente. Seu cérebro demorou muito para entender aquilo, tê-lo à vista era tenebroso, fazia seus joelhos quebrarem. Quando tomou consciência de si, saiu dali. Fugiu, como um covarde faria. Mas ele é um covarde, e nada mudaria isso.

Sua mente borbulhava, era como se seu cérebro estivesse em ebulição. Respirou fundo, o suficiente para que o ar gelado se chocasse com seus pulmões e os fizessem doer. Então ele não está em casa.

Butters correu mais do que pensou em poderia, deve ter escorregado na neve várias e várias vezes. Ele queria chegar em casa, na casa de seus pais, não sua. Queria ver sua mãe, e somente ela. Era assustador, mas ainda era algo.

Como ele poderia desistir disso tão fácil?

Quando chegou lá tocou a campainha diversas vezes, incessantemente. Stephen poderia chegar há qualquer momento.

Quando a Sra. Stotch abriu a porta se deparou com o resto flamejante de seu filho, recebeu um abraço mais forte do que poderia esperar. Era natal, e ela precisava passá-lo com alguém que ama.

Tudo era igual, a decoração não havia mudado em absolutamente nada. Quando subiu para o seu quarto, viu que tudo estava no mesmo lugar. Pegou seu celular dentro do criado mudo. Tinha o deixado ali antes de fugir e nunca se atreveu a buscá-lo.

Quando ouviu a voz de sua mãe lhe chamando para provar os biscoitos de gengibre sentiu um alívio imenso. Era como se tivesse recuperado tudo de volta, enfim estava ao lado de seus pais.

O segredo de comer o boneco de gengibre é sempre começar pela cabeça. Decapitação, destruir o cérebro do homem de gengibre, esse é o objetivo:

— Como você tem estado? — Sra. Stotch perguntava enquanto servia chá ao filho.

— Bem. — Talvez ambos soubessem que era mentira. — Eu senti sua falta.

— Também sentimos muito sua falta, Butters.

Ambos ficaram em silêncio, deliciavam o chá, até que Butters interrompeu a paz:

— Eu posso passar o natal com vocês? Como sempre fazemos?

— Butters... — Foi algo estranho de se ouvir.

— Não precisa ter presentes! Eu já sou velho demais para desejar essa coisas, não? Passar o natal com vocês é o suficiente!

Todos sabiam a resposta, porque ele sequer ousou perguntar?

— Butters, eu não quero problemas. — Ele pôde sentir seu corpo se afundando cada vez mais no sofá. — É natal, não queremos confusão em uma data tão importante, entende?

Era pior do que ser rejeitado romanticamente. Butters apenas assentiu com a cabeça.

Todo o resto da conversa se perdeu no fundo de sua mente. Ele não conseguia se lembrar das horas que saiu de lá ou se sequer abraçou sua mãe antes de se despedir. Mas entendia bem que deveria sair dali rápido, antes que seu pai fizesse um estrago em seu rosto.

Andava sobre a neve e sentia suas mãos congelando mesmo dentro do casaco de inverno. Ao olhar o horário no celular viu que já era seis da tarde, mas o encontro com Tammy e Will seria apenas às oito.

Se lembrou sobre o que a Sra. Tucker, Red e Craig disseram sobre o natal, uma época para passar com alguém importante. Alguém que ama. O que era Tammy ou Will? Apenas conhecidos que o convidaram para beber. Ele não os amava, e as duas pessoas que mais amava no mundo não o queriam. Butters sentiu um sentimento tão nojento dentro de si que não merecia ser nomeado.

Alguém importante para você.

Importante.

Precisava ser alguém importante.

Alguém que dê um amor para ele.

Alguém que ele possa abraçar.

Dêem à Butters Stotch uma mão para segurar.

Alguém que possa esquentar suas mãos congeladas.

Que possa segurar seu coração falho.

E que não julgue o fato dele amar incondicionalmente a sua família disfuncional.

Alguém traga de volta Kenny McCormick à Butters Stotch. Era a única alma que não parecia tão distante assim.


Butters correu de volta até a casa dos McCormick, sua casa. Precisava desejar à McCormick um feliz natal, ainda que ele deixasse todo o lixo escapar logo em seguida. Desejar felicidades à única pessoa que está disposta a receber.

Kevin era o único no local, Butters o encontrou de volta no sofá que havia abandonado há alguns dias. Deveria estar ali porque o aquecedor, de forma milagrosa, estava funcionando. Estava sem fôlego, mas conseguiu perguntar:

— Onde está o Kenny?

— O quê? — Kevin sequer olhou para Butters.

— Quero saber onde está o Kenny.

— Sei lá, talvez fumando maconha. — Irritante.

— Kenny não fuma maconha.

— Talvez você apenas não veja ele fumando.

Era inútil falar com ele. Desejou desligar o aquecedor para que a casa virasse gelo com Kevin dentro, mas ela precisava estar aquecida para quando Butters voltasse.

Correu tanto pelas ruas de South Park que já não parecia inverno, era como uma noite quente de verão, seu corpo fervia. Enfiou a mão no bolso, buscando por seu celular. Precisou digitar o número de Kenny três vezes, estava tão ansioso que não conseguia parar de errar. Seu mundo parou quando o outro lado da linha atendeu:

— Alô? — Era a voz de Kenny, distorcida, mas era.

— Onde você está? — Falar doía tanto.

— O quê? No lago. Por quê?

— Eu posso ir aí? — Ele já corria em direção ao lago.

— Bom, o lago é um lugar público.

Stotch desligou o celular e continuou correndo.

O sol se vai muito cedo no inverno, já era noite e toda a iluminação da cidade se resumia em decorações de belos pisca-piscas. Precisou usa a lanterna no celular para evitar pisar nas poças de neve gosmenta que estavam pelo caminho.

Esse é o problema da neve: começa bela mas se torna algo nojento a ser evitado.

Quanto mais ia se aproximando do lago congelado, mais perfeitamente via a silhueta de Kenny. Seu coração se acalmou, os ombros já não pareciam pesados.

Stotch caminhou até McCormick com o rosto em chamas, com as mãos quentes e um corpo torrado:

— Eu... Estava te procurando. — Não conseguia falar muito bem.

McCormick continuou observando o lago, deu espaço para que Stotch se sentasse ao seu lado:

— Eu achei que você fosse sair com seus amigos hoje.

— Como... Você soube que eu tinha planos?

— Eu ainda falo com Tammy às vezes. Ela até me convidou.

— Por que não aceitou? Tenho certeza de que é melhor do que está no frio. — Stotch apreciava o lago ao lado de McCormick.

— Porque eu sei que talvez você não quisesse que eu estivesse lá... Mas agora você está aqui. — Stotch não soube muito bem o que responder.

— Desculpa... Eu fui muito idiota.

— É, você foi. — Stotch riu, porque era algo incontestável para si. — Mas eu também fui. Desculpa, eu não deveria ter me intrometido.

— Não, você tinha razão. Ele teria arrebentado minha cara. Foi bom, não gastamos com antibióticos.

Ambos sorriram:

— O que são esses novos machucados no seu rosto?

Stotch havia se esquecido deles, ainda que fossem muito recentes:

— Bom, eu tive um colapso no trabalho... Derrubei os pratos. — McCormick lhe olhou surpreso. — Mas não é nada sério!

— É claro que é algo sério! — Ambos pareciam em pânico.

— Não! Não é! Foi só o stress!

Stotch tocou o ombro do outro para acalmar ambos. Kenny ainda parecia preocupado:

— Desculpa... Por não conseguir fazer nada. — Verdadeiramente preocupado.

— Não é culpa sua... Bom, em partes é sua culpa sim. — Pôde ouvir o grunhido no escuro. — Mas está tudo bem agora...

Ambos ficaram em silêncio, contemplavam o céu sem estrelas e o lago sem patos, era belo e ao menos tempo triste de forma surreal:

— Eu visitei minha mãe hoje. — Aquilo surpreendeu McCormick.

— Você...

— Ele não estava lá. Era somente eu e ela. Apenas nós dois. — Stotch recebeu o silêncio como resposta. — Ela me mandou embora, porque estava com medo de problemas.

— Que babaca. — Foi uma resposta rápida.

— Você está chamando minha mãe de babaca. — O sorriso que Stotch deu no escuro doeu. — Eu fiquei desesperado por ser chutado pela minha própria mãe. Eu queria tanto passar o natal com ela.

— Eu sei que você queria. — Foram mais alguns séculos em um silêncio interminável. — Mas eu não sei porque você quer.

— Eu apenas os amo demais... E você? Não queria passar o natal com sua família?

— Que família? — Foi uma resposta tão cruel. — Karen está com os Tucker, não resta mais nenhuma família.

— Por que você os odeia tanto? — A pergunta de Stotch soou como um grito silencioso.

— Porque eles também não têm nenhum amor por mim.

Stotch queria bater em McCormick e dizer que ele estava errado, mas que dinheiro ele tinha de fazer isso? O próprio tinha coincidência de que McCormick tinha razão. Butters apenas segurou a mão de Kenny:

— Eu... Vou passar o natal aqui com você. Não vai ser tão solitário assim

Talvez ele tenha transbordado, não soube dizer.

O silêncio veio de novo.

O silêncio.

O céu vazio.

O lago frio.

O encerramento:

— Oi. — Butters retomou.

— Olá.

— Feliz natal, Kenny.

O silêncio novamente.

O céu ainda vazio

O lago menos frio

E a conclusão:

— Feliz natal, Butters. 

Era natal, e ambos precisavam passar com alguém que amavam.


Notas Finais


Esse capítulo não me agradou, principalmente na escrita. No meu pequeno rascunho imaginário o diálogo no lago seria melhor, mas acabou nisso. Talvez porque eu tenha concluído que não eram coisas que precisavam ser ditas.

Não esqueça de deixar as suas críticas aí nos comentários, elas são mais do que bem-vindas, sejam negativas ou positivas.

Implorando para que a procrastinação e preguiça não voltem. Até! 🌻


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