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História Feche a porta quando sair - Preferia jamais ter compreendido


Escrita por: dudacartman

Capítulo 25 - Preferia jamais ter compreendido


Mal tive tempo para raciocinar, apenas varri o recinto a procura de Ian e quando não o encontrei, arrastei a cadeira com violência e praticamente corri dali, quase aos prantos.

Ignorei os protestos do meu pai e a cara de choque da ruiva, e fui até o quarto do meu avô, que era o único que me entenderia.

Nem sequer bati na porta, simplesmente fui entrando, me permitindo chorar e despertando Otávio da leitura de seu livro surrado e grosso composto por várias páginas amareladas e manchadas de café.

— Noah? — disse, apertando os óculos que escorregava do nariz pontudo e fechando o livro empoeirado antes de se inclinar levemente na cadeira de balanço e erguendo seus dedos enrugados a fim de me acolher. — O          que houve, filho?

Ao contrário do meu pai, quando Otávio me chamava de filho não parecia falso, mas sim recíproco.

Como se tudo aquilo estivesse entalado na minha garganta, despejei como um vômito. Relatei todos os meus sentimentos conflitantes, porém verdadeiros em relação a Ian, sem ousar sentir vergonha deles. Não esperava que ele os entendesse, apenas que não me julgasse por isso como os outros certamente fariam.

Assim que finalizei meu veredicto, comecei a soluçar antes de contar sobre a noiva que meu pai arranjou sem o meu consentimento.

Fiquei feliz por ele não ter estado presente na mesa. Ele sempre evitava esse tipo de reunião familiar para não ter que lidar com o exibicionismo de seu filho que era o oposto dele. Talvez por isso ele estava tão disposto a me ouvir e me ajudar, pois temia que no futuro eu me tornasse uma fração do que meu pai era.

Assim como eu, Alejandro Chevalier não recebeu amor ao longo da vida de nenhum de seus pais que estavam focados apenas no reinado e quando o mesmo cresceu e foi coroado, deixou ambos de escanteio e quando meu avô tentou recuperar essa relação que nunca existiu, já era tarde demais.

Ele sabia da burrada que tinha feito e sabia que a história estava prestes a se repetir com o seu neto, embora eu soubesse muito bem que eu não era nada parecido com o meu pai, nem por dentro e nem por fora.

Me sentei na cama e meu avô veio logo em seguida, dando batidinhas em meu ombro.

— Eu disse que não seria fácil, nada é — ressaltou com a sua sabedoria transparecendo em sua voz. — Mas você o ama?

Não era uma pergunta que eu esperava, ainda mais dele que viveu numa época bem diferente da minha, menos tolerante, onde dois homens juntos era algo mal visto, uma safadeza promíscua, algo sujo com a qual deveriam se envergonhar.

— Acho que é muito cedo para afirmar isso — Eu não sabia se era amor mesmo ou uma coisa completamente diferente, porque o único amor com o qual tive contato foi aquele dolorido, agonizante e repulsivo que a minha mãe me dava. Com Ian não era assim, era puro, doía e ao mesmo tempo curava todas as minhas cicatrizes. Era algo bom, que me fazia ter uma pequena ideia do que era felicidade e talvez por isso fosse tão difícil abrir mão dele. Eu não me sentia preso como quando estava com a minha mãe, mas sim livre, estar com Ian me libertava, era como se não existissem barreiras, como se juntos fossemos imbatíveis, livres para ser o que somos sem medo.

— A vida é curta, Noah. Quero que quando você chegue na minha idade, seja feliz por ter conseguido viver tudo o que sempre quis.

— Eu quero o Ian — declarei, sentindo um bolo se formar em minha garganta quase me impedindo de respirar. — Mas sem abrir mão do reinado e da minha filha. Por que não posso ter tudo? Por que não posso viver tudo isso com ele?

— Tudo é uma questão de escolha.

— Mas eu não quero ter que escolher — Abaixei a cabeça, apertando o dorso da minha mão como se isso pudesse amenizar a minha dor. — Ian não pode me dar filhos e não posso reinar sem isso.

— Quando eu tinha a sua idade passei por algo parecido e você já sabe o que escolhi, caso contrário não teria nascido — Ele riu, uma risada um tanto engasgada. — Não me arrependo disso, mas me arrependo de não ter corrido atrás dele, de ter dito o quanto o amava enquanto tínhamos tempo.

— Dele? — Levantei o olhar para encará-lo, sem esconder o meu choque. — O senhor se apaixonou por um homem?

— Sim, Noah — confessou sem qualquer sinal de vergonha que eu certamente teria ao declarar algo assim. — O homem mais gentil que já conheci, que me mostrou uma vida além da que eu conhecia. E tinha muita paciência comigo, chegava a ser engraçado o quanto eu surtava quando ele tentava me dizer o que fazer, não gostava que ninguém mandasse em mim.

— Eu também não gosto — me senti a vontade para dizer. — Ian tem paciência, mas nem tanta, às vezes me deixa falando sozinho ou vai embora sem falar nada — eu ri, me lembrando das vezes em que o irritei. Era muito divertido irritar Ian, embora fosse um pouco perigoso quando ele gritava, me sentia muito pequeno quando ele gritava e brigava comigo, mas tentava não deixar ele notar isso.

— Quero conhecê-lo — pediu apertando de leve a sua mão pousada em meu ombro, que só notei com o aperto.

— Você vai — prometi, mas logo em seguida tentei desviar o assunto da minha relação com Ian, queria saber mais sobre o passado do meu avô. — E vocês? O que aconteceu? Por que não ficaram juntos?

— Pelo mesmo motivo que você — pude ver o quão imerso em pensamentos ele estava. As memórias o engolindo e consumindo, a tristeza da perda emanando em seu olhar e nas palavras atordoantes que vieram logo depois. — Ele trabalhava no palácio, nunca tinha falado diretamente com ele, pois me achava superior demais para perder tempo falando com um empregado — vovô sorriu, mas foi um sorriso murcho, triste, que quebrava o coração de quem o visse. — Mas depois de uma discussão que tive com o meu pai, fui para a sombra de uma árvore chorar e lá estava ele conversando comigo e tentando me consolar. Lembro de ter gritado com ele, mas ele fingiu não ouvir, continuava sorrindo para mim, por um segundo pensei que estivesse zombando da minha cara, mas não, ele só queria me ajudar mesmo.

— Demorou para se apaixonarem?

— Não, demorei mais para aceitar isso. Quando finalmente aceitei, já era tarde demais porque eu já estava casado com a sua avó e ele tinha desaparecido, nunca mais o vi.

— Como assim desaparecido? — Era uma história triste demais para eu conseguir lidar. Não conseguiria me imaginar abrindo mão de Ian para ficar com aquela ruiva sebosa.

— Meu pai o demitiu assim que descobriu nosso envolvimento e me deu um ultimato: ou eu me casaria com a mulher que escolheu, ou eu sumiria da ilha e nunca mais pisaria nela. Assustado demais, acabei escolhendo a primeira opção, decidi me casar com ela e tentar esquecê-lo.

— Qual era o nome dele? — perguntei sentindo o nó em minha garganta ficar cada vez maior. Prometi a mim mesmo que não choraria, porque homens não choravam por qualquer coisa como eu estava fazendo ultimamente. Se eu quisesse ser um homem, não podia mais chorar, teria que aguentar a dor em silêncio, aprisioná-la num lugar obscuro da minha alma e seguir em frente.

— Geraldo — sussurrou com a voz morrendo ao pronunciar cada letra.

— É um nome bem incomum — falei. Não consegui olhar para ele quando falei, essa história era parecia demais com a minha e eu me recusava a ter o mesmo final. — Se meu pai descobrir é bem capaz que aconteça a mesma coisa.

— Eu era fraco, Noah, ao contrário de você.

— Mas eu também sou, vovô. Tive a minha vida planejada por tanto tempo que não consigo me ver desistindo do reinado por uma relação que pode não dar certo. Eu e Ian somos muito diferentes, se eu escolhê-lo e ele me deixar por algum motivo, eu não terei mais nada.

— Converse com ele — sugeriu e foi quando tomei coragem para encará-lo e ver que a tristeza finalmente o abandonou e agora só restava aquele seu ar compreensivo que estava sempre disposto a me ouvir. — Não posso te dizer o que fazer, mas sei que isso pode ajudar. Fugi de Geraldo para evitar essa conversa, não quero cometa o mesmo erro que cometi. Se ele não vir até você, corra até ele.

Assenti mordendo o lábio com força a fim de me livrar daquele nó insuportável com uma dor razoavelmente mais forte e fracassando no processo.

— E se não der certo? Tenho tanto medo de perder tudo.

— Você só precisa ver o que é mais importante, o que te faz mais feliz. Só assim coseguirá escolher. — Seu tom compreensivo e sábio aqueceu meu coração e me fez assentir novamente. — A real felicidade será consequência dessa escolha. Como eu disse: a vida é famosa por pregar peças das maneiras mais improváveis na gente e cabe a nós saber lidar com elas da melhor forma possível.

Como um estalo na minha cabeça, finalmente entendi o que ele quis dizer quando recitou essa frase pela primeira vez, mas algo dentro de mim queria mais do que tudo que eu jamais tivesse compreendido.



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