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História Flor do deserto - A gata e o rato


Escrita por: HighLadyofNight

Notas do Autor


Mais um capítulo na área!
Boa leitura =)

Capítulo 20 - A gata e o rato


[Katherine]

Sua mão tocou minha cintura, deslizou e se acomodou delicadamente em minhas costas. Com um movimento sutil, ele me trouxe para mais perto de seu corpo. Os dedos da mão que tocavam a minha, entrelaçaram-se aos meus. Tudo aquilo fez com que as batidas de meu coração começassem a ficar descompassadas.

E ao invés de iniciar o passo de dança, o senhor Smith se inclinou em minha direção. Nossos rostos foram ficando cada vez mais próximos e próximos. Seu olhar, antes concentrado em meus olhos, foi se perdendo em meu rosto até se fixar em minha boca. Aquilo não me parecia certo, mas eu nutria uma certa expectativa...

Mas...

- Lorde Nathaniel! – O chamado ríspido e repentino me deu um susto tão grande que eu dei um pulo para trás, livrando-me da proximidade com o senhor Smith. Ele, também se assustou.

Enquanto eu me recompunha daquele momento impróprio e daquela interrupção inesperada, o senhor Smith se virou tão bruscamente que eu tive receio de sua reação. Quem havia nos flagrado foi o senhor Ali, que exibia uma expressão colérica no rosto.

- O que houve agora, Ali? – Vociferou o senhor Smith, assustando-me com aquela postura. Eu nunca havia o visto tão irritado quanto ele parecia estar agora.

- Al'iighra, sibi!!! (A tentação, menino!)

- Tawaquf ean allhaq bi! (Pare de me seguir!)


Olhei de um a outro, sem entender absolutamente nada do que cada um havia gritado um para o outro. No entanto, era muito claro para mim que algo grave estava se passando entre os dois.

O senhor Smith deu as costas para o senhor Ali e eu levei a mão à boca, chocada com sua hostilidade e descortesia, ainda mais com alguém de mais idade que ele.

- Pegue seus pertences, senhorita. Nós iremos embora agora mesmo. – O senhor Smith disse ao se virar para mim.

Eu fiquei alguns segundos imóvel, como se ainda precisasse de tempo para compreender o que estava acontecendo. Ao contrário de mim, o senhor Smith se apressou, pegando a sela do cavalo, que estava depositada no canto do terreno e puxou Duquesa pelas rédeas, a fim de colocar a peça em sua garupa.

Achei por bem fazer o que ele havia me pedido. E quem sabe assim, no meio do caminho eu poderia chamar alguém para intervir naquela situação. Encaminhei-me para entrar na casa, porém antes que eu estivesse longe o suficiente, consegui escutar:

- Se quer se desvirtuar, não irá fazer isto em minha casa! – Exclamou o senhor Ali agora em inglês, dando oportunidade para que eu o compreendesse.

Quando entrei na casa, a senhora Zara vinha em minha direção, o rosto tomado de uma certa preocupação. Ela queria me dizer algo, mas Radamés apareceu, chamando a sua atenção e indicando a direção dos fundos da casa. Certamente havia ouvido a discussão que se seguia por lá. Assim, os dois seguiram rumo ao terreno dos fundos enquanto eu continuei rumo ao quarto de Aisha.

 

 

Quando retornei com meus pertences em mãos, o senhor Smith e o senhor Ali já não trocavam mais palavra alguma, vigiados pelos olhares cautelosos de Zara e Radamés.

O senhor Smith me colocou na garupa de Duquesa e eu agradeci à senhora Zara, mais com o gestual que com palavras. Quando ele montou a égua, partimos.

 

 

Cavalgávamos quietos. Não acreditei ser apropriado fazer nenhum tipo de pergunta naquele momento. Ali, abraçada ao senhor Smith, sentia sua tensão, sua irritação. Logo que saímos, sua respiração era pesada, eu podia notar através do movimento de seu tórax, mas conforme fomos nos distanciando da casa do senhor Ali, o seu inspirar e expirar aos poucos foi se suavizando. E eu, que também estava tensa, fui relaxando.

E só então percebi como era a sensação de envolvê-lo com meus braços, e como eu sentia algo estranho e perturbador com aquela proximidade. Parecia que mesmo estando em contato com o tecido sofisticado de suas roupas, eu podia sentir o calor emanando de sua pele... Estar ali daquela maneira parecia tão erroneamente bom. Tão bom que por um momento até fechei meus olhos, permitindo-me sentir apenas a leve brisa do vento em meu rosto.

Acabei dando margem à minha imaginação... Eu poderia estar cavalgando com ele ali, nos campos do interior da Inglaterra ou em qualquer outro lugar longínquo do mundo, que aquela sensação seria a mesma...

 

~*~

 

O senhor Smith desmontou da égua e eu esperava que ele fosse me ajudar a descer em seguida. Ainda que meu traje, especificamente minha saia, tivesse se mostrado uma excelente opção para montar, ela ainda não era perfeita. A barra subia um pouco, deixando a área acima de meus tornozelos à mostra enquanto eu estava sentada em cima do cavalo, o que era indecente para os padrões rígidos da sociedade inglesa. Uma dama jamais deveria expor suas pernas. Expor as pernas como aquela dançarina fazia para nós era uma tarefa impossível, já que estávamos sempre com vestidos compridos e mesmo vestindo-os, ainda estávamos sempre usando meias longas por baixo.

Talvez não por acaso, notei que os olhos do senhor Smith se detiveram exatamente naquela área descoberta de meu corpo. E com isso, veio-me à tona a lembrança de sua imagem hipnotizado por aquela dançarina...

Eu pigarreei.

- Poderia me ajudar a descer? – Eu disse enquanto ele estava parado de pé diante de mim.

O senhor Smith pareceu ter sido desperto de algum tipo de devaneio. Com cuidado, endireitei-me e ele me pegou pela cintura, retirando-me de cima de Duquesa. Contudo, mesmo depois que eu já estava de pé no chão, ele não tirou as mãos de minha cintura.

Squishhh!!!

Ouvimos um guinchado que parecia vir de perto, então acabamos nos afastando, um pouco alarmados.

Eu perguntei a ele imediatamente:

- O que foi isto?

- O que foi isto? – O senhor Smith repetiu. Havia uma certa frustração e aborrecimento em seu rosto. – Gostaria de saber o que diabos foi isto agora.

Espantei-me com suas palavras pouco delicadas e ele, percebendo isto, disse-me logo em seguida:

- Perdão, milady.

Aquele era mesmo um dia atípico. Em um instante eu o vi como um perfeito cavalheiro e no instante seguinte, ele estava irado, chegando até mesmo a ser rude com o senhor Ali e agora usava essas expressões chulas diante de minha pessoa.

- Tenho a impressão de que era algum bicho. – Comentei, varrendo o local com os olhos à procura de algum sinal do quer que fosse.

- Como?

- O barulho, parece ser de algum bicho. - Expliquei.

- Ah.

O senhor Smith parecia não prestar muita atenção ao que eu dizia. Ele desamarrou a bolsa com meus pertences, presa ao equipamento de montaria da égua e a entregou a mim.

- O senhor deve estar mesmo cansado. - Falei.

- Eu?

- Sim, da viagem...

- Oh, sim! Um pouco... – Ele respondeu enquanto conduzia Duquesa à sua baia.

- Era de se esperar. – Comentei, casualmente – Bem... com sua licença, irei me recolher. - Fiz uma mesura educada. - Imagino que queira descansar, então não irei incomodá-lo mais por hoje. – E anunciei.

O senhor Smith me olhou de relance enquanto fechava a portinhola da baia, alguma hesitação passando por seus olhos. Entrei na casa e fui diretamente ao quarto, de onde não saí mais.

 

~*~

 

Na manhã seguinte, apesar de termos seguido a rotina a qual já havíamos nos habituado, havia uma certa estranheza no ar, o que era completamente compreensível dado os acontecimentos do dia anterior. Ainda assim, tivemos o bom senso de fingir que nada havia ocorrido...

Verdade era que mal nos falamos até a hora em que ele saiu para o trabalho, quando eu lhe pedi que me arranjasse, se tivesse, uma tesoura, linha de costura e uma agulha. E para a minha surpresa, o senhor Smith dispunha destes materiais.

Eu havia tido uma ideia, que ao mesmo tempo me ajudaria a passar algum tempo ocupada, assim como me seria útil. Iria transformar um de meus vestidos em uma saia e, se tivesse sorte, conseguiria aproveitar a parte de restante cima e a converteria em um corpete. No fim, teria mais algumas opções para combinar com as peças que eu havia ganhado da senhora Zara.

Decidi fazer esta transformação em um vestido azul de linho.

Fiz o corte, separando o vestido em duas peças. Coloquei a linha no buraco da agulha e peguei uma tira de tecido, que eu iria costurar em uma bainha, que serviria para amarrar e firmar a saia em minha cintura. Apesar de não ser uma de minhas “tarefas” favoritas, eu era muito boa em costura.

Dobrei o tecido de forma a envolver a tira. Enfiei a agulha e fiz um nó. Então, comecei a costurar.

Essa era uma atividade silenciosa e por causa disto, frequentemente eu me pegava pensando em algo quando estava costurando ou bordando. E desta vez, não foi diferente.

“Lorde Nathaniel”

Acabei me recordando da discussão do dia anterior e me atentei pela primeira vez ao modo como o senhor Ali havia chamado o senhor Smith.
Lorde...
Lorde?
Por que o chamar assim? Era alguma maneira como ele se referia a todos os estrangeiros?

Hmmm
Eu não tinha como saber. Eu não o havia visto com nenhum outro forasteiro além do senhor Smith.

Aquela palavra me fez revisitar outra lembrança...

“Lorde Walker”

A quem se destinava a carta de crédito que havia dentro do baú...

Lorde Walker... afinal quem era lorde Walker e por que havia uma carta de crédito sua nos pertences do senhor Smith? Eles se conheciam? Eram parentes? Ou será que o tal lorde era algum nobre excêntrico que o contratara para fazer expedições neste país?

Como eu poderia saber? Eu não sabia nada sobre a vida do senhor Smith. Mas às vezes eu podia jurar que ele era outra pessoa. Um exemplo foi quando o vi chegar na casa de Ali. Eu poderia imaginá-lo justamente como um homem de posses...

Será que ele era alguém importante?

Não.

Que ideia mais absurda a minha! Não imagino alguém assim vivendo aqui da maneira como ele vive. Quem sabe ele era alguém que convivia com pessoas importantes e talvez por isso tenha aprendido a se portar bem, a ter uma postura confiante, a ser galanteador...

“A senhorita está linda neste traje” - Sua declaração me veio à mente.

Acabei espetando meu dedo na agulha:

- Ai!

Balancei a mão no ar para aliviar a dor da picada.

Comecei a relembrar as demais passagens deste momento: quando nossas mãos se entrelaçaram, quando o senhor Smith me olhou de um modo tão penetrante e quando seus olhos miraram os meus lábios... Eu acreditei que fôssemos mesmo nos beijar.

Respirei fundo e fechei meus olhos tentando visualizar novamente aquele momento.

Minhas mãos estavam imóveis, porém a agulha estava pronta para mergulhar novamente no tecido e...

Miau!!!

E desta vez, espetei o dedo devido ao susto causado por aquele miado repentino:

- Aiiii!

Abri os olhos e levei o polegar esquerdo à boca, sugando o fio de sangue que vertia dele. Para alguém com habilidade em costura, eu estava bem desastrada...

Olhei na direção do corredor e avistei um gato. A gata, lembrei-me. Deveria ser a tal Branca que o senhor Smith havia mencionado certa vez. Ela possuía o pelo branco e olhos grandes, circulares e azuis.

Sem nenhuma cerimônia, ela foi entrando com passadas elegantes e rápidas, típicas dos gatos.

- Pshh Pshh Pshh! – Eu tentei chamá-la, mas ela apenas virou a cabeça em minha direção e me ignorou, continuando sua caminhada pela casa.

A gata passou por mim e foi se aninhar em uma das almofadas, a mais distante de minha pessoa, por sinal.

- Poderia te oferecer um pouco de leite, mas não o temos no momento. - Eu falei. - Se você tivesse vindo antes...

Lembrei-me do dia em que o senhor Smith havia trazido a cabra e a atenção que dedicou ao se lembrar da gata. Infelizmente, ela não apareceu naquela ocasião como ele havia previsto.

A gata se ajeitou, bocejou e seus olhos piscaram lentamente.

- Ao menos terei uma companhia enquanto trabalho nisto aqui. – Falei, olhando para ela.

Com a distração da gata, consegui afastar aqueles pensamentos que me vinham tirando a atenção.

 

 

Eu já havia conseguido costurar a saia e estava apenas terminando de fazer alguns ajustes.

- Hm, poderei combinar o corpete deste vestido com a saia lilás. Os dois tons claros ficarão muito bons juntos. – Eu disse a mim mesma, observando a parte restante do que fora o vestido, que aguardava que eu ainda fizesse a costura e os ajustes.

Squishh!

- Que barulho foi esse? – Perguntei-me, parando com a agulha na mão.

A gata, que eu pensava estar em um sono profundo, abriu os olhos e levantou a cabeça bruscamente.

Squishh!

O som pareceu ficar mais próximo.

Intrigada, levantei-me de onde me encontrava sentada e espiei pelo corredor. Não vi nada de diferente. Porém, antes que eu pudesse dar as costas e voltar a onde eu estava, senti o corpo peludo da gata esbarrando em minhas pernas. E quando ela correu corredor a fora, algo se revelou. Um rato. Um rato não, aquilo estava mais para uma ratazana. Um bicho horroroso que devia ter uns três palmos ou mais de comprimento e que saiu correndo para fugir da gata.

Peguei minhas peças de roupa e também saí correndo, só que na direção do quarto.

 

~*~

 

O senhor Smith havia chegado há algum tempo, mas eu não saí do cômodo. Contudo, eu conseguia ouvir o barulho que ele fazia durante suas atividades. Neste meio tempo, anoiteceu. E eu estava no escuro, pois não tinha tido coragem nem para ir em busca de uma vela. E para piorar, eu estava ficando com fome...

Eu estava choramingando baixinho, resmungando sobre aquela situação quando ouvi a voz do senhor Smith, rente à cortina do quarto:

- Senhorita?

- Sim? - Respondi.

- Está tudo bem? - Ele perguntou. - Não saiu daí desde que eu cheguei e já se passou mais de uma hora...

- Sim. Bem, quer dizer, não muito. É que...

Sem que eu conseguisse terminar de falar, o senhor Smith afastou a cortina e entrou depressa. Estava com um castiçal em uma das mãos e assim, iluminou o ambiente escuro. E me flagrou de joelhos na cama.

- Por que entrou sem permissão?! – Eu o censurei instantaneamente.

- Porque me disse que não estava bem. - O senhor Smith respondeu levantando uma das sobrancelhas.

- Eu não disse que não estava bem, só que...

- Eu não podia adivinhar, milady! E se estivesse tendo um mal súbito ou sentindo qualquer outro incômodo e precisasse de ajuda? - Ele se justificou.

- Mas eu estou bem. – Eu disse calmamente, sem nenhuma rispidez.

- Que bom, fico mais aliviado em saber. - O senhor Smith levou a mão livre ao peito. - Mas então me diga, qual é o problema?

Juntei as mãos, nervosa só de lembrar daquele bicho asqueroso.

- É que... vi um rato aqui. - Respondi um pouco envergonhada.

- Um rato? Ah! Mas eu lhe disse que às vezes eles apareciam... – O senhor Smith me respondeu totalmente despreocupado, como se não fosse nada.

- Creio que não me expressei bem. Não é bem um rato. Era... devia ser uma ratazana! - Falei com alarde. - Ela tinha um tamanho mais ou menos assim. – Demonstrei com as mãos o comprimento aproximado.

- Se estamos falando de uma ratazana, então as coisas mudam de figura... – O senhor Smith disse um pouco pensativo. – Não é tão comum quanto os ratos, – e disse quase em um tom casual enquanto eu fiz uma careta de desgosto – mas podem aparecer.

- Por que o senhor fala como se não fosse um sério problema? – Eu o questionei indignada. – Elas são horrorosas e... imundas e... transmitem doenças! - E exclamei.

- E são agressivas também. – Ele complementou, coçando a nuca. – E para sua informação, não estou sendo negligente, apenas não sinto medo delas, como parece ser o seu caso.

Não sei se eu deveria ter me sentido ofendida por aquele comentário.

- O senhor acabou de dizer que elas são agressivas, então por que eu não deveria temê-las? - Retruquei.

Ele deu de ombros.

- A senhorita é a que menos deve se preocupar aqui.

Cruzei os braços em um gesto de indignação.

- Deixe-me explicar. - Ele falou. - Uma vez, uma dessas ratazanas apareceu e acabou atacando Duquesa, mordendo-a em uma das patas.

- Oh, eu não sabia! – Eu descruzei os braços.

- Eu fiquei muito preocupado, sabe? Se ela tivesse sido infectada por algum tipo de peste ou doença tão grave quanto, eu teria que tê-la sacrificado e isto é algo que eu jamais penso em fazer. - O senhor Smith parecia bastante sincero. – Infelizmente, quando os ratos aparecem, eles geralmente invadem a baia de Duquesa, já que há feno disponível, que oferece um bom abrigo, e porque mesmo que eu faça limpeza diariamente é o local mais provável para se encontrar restos de comida...

Eu me mantive quieta, pensando na égua.

- Apesar que, agora, eu também deveria me preocupar comigo mesmo.

Pisquei, confusa por sua declaração.

- Não desejaria ser atacado enquanto estivesse dormindo, mas existe esta possibilidade...

- Oh!

Não havia parado para pensar nele. Eu estava ali, em cima da cama, acreditando que não iria conseguir dormir apenas por pensar na possibilidade de a ratazana entrar em “meu quarto”. Eu não tinha me dado conta de que ele estava dormindo em um fino colchão na sala, muito mais propenso a ser vítima que eu. Ao menos ele havia trocado o amontoado de almofadas improvisado por um colchão muito simples, que ele dispunha somente na hora de dormir. Entretanto, ele estava quase diretamente em contato com o chão. Se algum bicho entrasse, o senhor Smith estaria perdido. E que ele me perdoasse, mas eu não confiava nas portas e janelas da casa e imaginava que aquele bicho arranjaria um jeito de entrar se quisesse.

- Talvez eu tenha que ficar com os olhos abertos durante toda a noite, assim estarei atento a qualquer sinal. – O senhor Smith comentou com um tom de lamento.

- Será que o senhor não consegue dormir em um local mais seguro? - Perguntei, inocentemente.

- Temos apenas uma cama aqui, então creio que eu não tenho opção... – O senhor Smith respondeu e fez uma pausa - ou tenho? – E depois perguntou com a voz estranhamente grave.

- Não ouse fazer insinuações, seu... seu libertino! – Eu o reprimi, mas não consegui evitar sentir um calor nas bochechas.

- Não sei de onde a senhorita tirou a ideia de que eu sou um libertino... – Ele disse com um meio sorriso no rosto.

Quem sabe eu não tirei isto de sua cara de bobo enquanto estava hipnotizado por aquela dançarina. – Eu pensei com raiva.

- Será que poderia me fazer um favor? – Perguntei mudando de assunto subitamente.

- Claro. – O senhor Smith ergueu uma das sobrancelhas, curioso.

- Poderia me trazer um castiçal aceso, por favor? Ou deixar este? - Apontei para o castiçal em sua mão.

Ele levou alguns segundos para responder.

- A senhorita não irá mais sair deste quarto, é isto mesmo que eu estou entendendo?

Eu balancei a cabeça em negativa, confirmando suas suspeitas.

- Mas não estou vendo nenhum rato por aqui. – O senhor Smith olhou ao redor em uma demonstração.

- Mas o que importa é que ele esteve por aqui! A gata foi atrás dele, mas eu não sei se ela conseguiu capturá-lo...

- A gata foi atrás dele? - Ele me interrompeu.

- Sim, a gata, uma branca, esteve aqui e também notou a presença da ratazana. Ela saiu a sua caça, mas...

- Por que não me contou isto antes? – O senhor Smith me interrompeu pela segunda vez.

- Não tive oportunidade. – Respondi, franzindo o cenho.

- Então não temos um problema, afinal de contas. Branca deve ter abocanhado o animal. - O senhor Smith falou de um modo banal. Eu fiz uma careta, imaginando a cena desagradável.

- Não sabemos se ela de fato conseguiu...

- É quase certo que tenha conseguido. Gatos são ótimos caçadores.

- Mas eu não irei arriscar. - Eu falei, determinada.

- A senhorita ainda não jantou, certo? – O senhor Smith comentou e eu me relembrei de que estava com fome. – Venha, – ele estendeu a mão para mim – deixe de bobagem e venha degustar sua refeição.

- Não irei sair daqui. - Recusei-me.

- E ficará com fome?

- Hã... talvez. Jejuar de vez em quando não é uma ideia tão ruim assim... - Respondi.

Por um momento, pensei que poderia pedir a ele que trouxesse a refeição para mim, mas não tive coragem.

- Oras! Que ideia mais tola! - Ele exclamou.

O senhor Smith pegou em meu pulso direito e me fez sair da cama.

- Ei! - Eu quis protestar, mas no instante seguinte, já estava na sala.

 


Fizemos nossa refeição. Eu não comi muito tranquilamente. Ficava o tempo todo olhando na direção do corredor, esperando que a sombra da criatura repugnante surgisse à luz das velas.

Então, quando estava indo me recolher ao quarto, seguindo pelo corredor, agora com um castiçal na mão, vi o que eu mais temia. Lá estava ela, a ratazana de volta, apoiando as patas dianteiras no tecido da cortina, como se quisesse subi-la.

Não pensei duas vezes e disparei para a sala.

- O que foi? – O senhor Smith me perguntou.

- Ele voltou! – Eu apontei na direção do corredor. – Aquele bicho estava subindo na cortina!

Minhas mãos ficaram trêmulas e eu tive receio de derrubar as velas do castiçal, por isso, coloquei-o sobre a mesa de refeições da sala.

Ouvi o senhor Smith resmungar alguma coisa, mas não prestei atenção ao palavreado. Estava muito preocupada com a presença daquele bicho asqueroso para tal. Ele retirou uma vela do mesmo castiçal que eu havia deixado na mesa e foi até a cozinha, retornado com a vassoura de palha em uma das mãos.

- Tentarei espantá-lo para fora. - Ele avisou.

O senhor Smith seguiu na direção do quarto, mas creio que não houve tempo. A gata reapareceu, e vieram em disparada, rato e gata. E o senhor Smith atrás de ambos.

E somente agora eu entendia por que a gata não havia conseguido capturar aquela praga. Além de ser veloz, toda vez que a gata conseguia alcançá-la e tentava lhe dar o bote, aquela coisa imunda se virava e ameaçava mordê-la, fazendo-a recuar.

Fiquei imóvel, com medo, observando a bagunça que era a gata perseguindo a ratazana em círculos na sala até que... Até que o bicho horroroso começou a vir em minha direção.

- Ahhhhh!

Gritei e fui na direção do senhor Smith, apavorada. E...

Joguei-me em cima dele, obrigando-o a largar a vassoura e a vela no chão e me segurar no colo.

Enterrei meu rosto em seu pescoço quando a ratazana avançou contra os pés dele, mostrando os dentes, pronto para morder sua bota.

- Ah, merda! - O senhor Smith soltou uma palavra feia.

Ele se movimentou, na intenção de chutar o bicho, mas reparei que ele se deteve repentinamente. O senhor Smith estava carregando um peso extra, eu, no caso, e poderia se desequilibrar se fizesse um movimento muito brusco.

Eu quase gritei novamente.

O que nos salvou de um desastre e de um ataque, quero dizer, quem nos salvou, foi a gata, que aproveitou a distração da ratazana para enfim saltar sobre a sua presa.

A cena que se seguiu foi horrenda: o guinchar da ratazana se debatendo enquanto a gata o prendia com as patas até finalmente conseguir morder seu pescoço. Felizmente, para meu alívio, quando a presa já estava quase imóvel, a gata correu para fora, levando-a consigo na boca.

- Bem... Creio que o problema foi resolvido. – O senhor Smith comentou com a voz calma, virando o rosto para o meu lado.

Eu não consegui respondê-lo de imediato, apenas senti meu rosto ferver de vergonha ao chegar no fim daquela história e me dar conta do que eu havia feito. Eu havia me atirado em seus braços. Oh, meu Deus! Que tipo de moça ele pensaria que eu era? Uma desavergonhada, no mínimo. Eu o havia acusado de ser libertino, mas quem havia causado aquela situação extremamente embaraçosa naquele momento havia sido eu.

- P-pode m-me colocar no c-chão? – Eu afrouxei os braços, que antes o seguravam com força e pedi em um tom de voz tão baixo que mais pareceu um sussurro.

- Tem certeza disto? – Vi uma faísca de diversão em seus olhos, mas eu sequer tinha espírito para censurá-lo. Precisava urgentemente dar fim àquela situação.

- S-sim. - Respondi.

E assim, o senhor Smith me colocou no chão com delicadeza.

- E-eu... desculpe-me por isso... – Eu disse, afastando-me e olhando para baixo, evitando encontrar seus olhar. Eu sentia que meu rosto estava muito vermelho. Que vergonha!

O senhor Smith deu de ombros.

- Não precisa se desculpar, já entendi que realmente tem pavor de ratos. - Ele me respondeu sem parecer ofendido com minha atitude.

- Nojo. – Eu o corrigi, tentando suavizar a definição do que eu sentia.

- Enfim. Não se preocupe com isso, milady. - O senhor Smith fez um gesto com a mão, dispensando minhas desculpas.

- M-mas n-não agi de modo apropriado e... - Eu insisti.

- Fui ensinado a nunca permitir que uma dama fique em apuros, senhorita, então se lhe tranquiliza saber, talvez eu mesmo a tivesse a tomado nos braços. - Ele me respondeu de uma forma gentil.

Eu balbuciei algo incompreensível.

- Agora, creio que a senhorita pode se recolher em segurança – Ele continuou, a voz soando firme.

Levantei meu rosto, até o momento baixo, e o olhei brevemente. Era melhor mesmo me recolher. Nada que eu lhe dissesse seria o bastante para diminuir a vergonha que eu sentia. Fiz uma mesura para ele, peguei o castiçal em cima da mesa, dei meia volta e apoiando a mão à direita no peito, apreensiva, caminhei pelo corredor. Contudo, parei em frente à entrada do quarto.

- O senhor irá ficar bem? – Perguntei, virando-me na direção da sala.

- Se eu vou ficar bem? Imagino que sim. – O senhor Smith me respondeu quase rindo.

- Quero dizer... tem certeza de que não há outros que podem vir? Eu me sentiria terrivelmente culpada se o senhor fosse... atacado durante a noite. - Falei com sinceridade.

- Oh, mas não haveria razão para se sentir culpada, senhorita!

- É claro que haveria razão, pois está dormindo inadequadamente por minha causa. – Expliquei.

- Oras! Pare de se preocupar à toa. - O senhor Smith quase debochou de mim em sua resposta.

- Mas não me preocupo à toa, preocupo-me porque gosto de você! - E acabei falando sem pensar.

Cobri os lábios com a mão. O que eu estava dizendo, por Deus!? Sem dar-lhe tempo para respostas, entrei no quarto depressa.

Sacudi a cabeça, tentando colocar os pensamentos no lugar. Eu nunca deveria ter dito uma coisa dessas!

Mas o que eu falei era verdade? Eu realmente gostava dele? E como, exatamente?


Notas Finais


Não quero dizer nada, mas os próximos dois capítulos são imperdíveis...


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