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História Coroa Inumana - Monstros e Carruagens e Navios


Escrita por: Nmotivos

Notas do Autor


Eu demorei? Com certeza, e mil perdões. Esse capitulo foi o que me deu mais trabalho até agora, me bateu uma falta de palavras para descrever várias partes desse texto que eu tive que parir de algum lugar que até agora não sei de onde saiu.
Eu acabei enrolada em várias situacões na minha vida, né pai.
Mas é assim mesmo né, bola que segue e bora estudando para ano que vem eu fazer o que eu quero de verdade.
Espero que gostem do capitulo, eu penei pra fazer ele. Não vou abandonar a fic, estou constantemente ajeitando os capítulos dela para deixá-la mais madura conforme eu vou evoluindo com a escrita.
Obrigada a todos os leitores. Boa leitura.

Capítulo 24 - Monstros e Carruagens e Navios


Fanfic / Fanfiction Coroa Inumana - Monstros e Carruagens e Navios

Gray seguiu a sereia andar em direção a mesa dos mestres. Ele afrouxou a gravata, seja qual fosse a moda de Dejus, Fullbuster estava sentindo-se desconfortável dentro da camisa ornamentada em babados e do casaco verde escuro de veludo que fora adicionado a peça. Com certeza Erigor ordenou que o vestissem com algo ridículo, pois nenhum parecia adepto daquelas vestimentas. 

— Queridos amigos e mestres de Dejus… — Jiemma iniciou um discurso em um palco improvisado, interrompendo os músicos. — Pelo poder e bênção do Grande Mestre, nossas riquezas se multiplicaram nessa última semana.

— O poder está na mão Dele — um coro respondeu.

— Estão saudando o Imperador. — disse o mestre da caça, Nav.

Poucas vezes Gray viu um homem tão alto como o Mestre de Caça, era do tamanho de um urso e se vestia como um homem da floresta. Ele não usava nenhuma daquelas roupas festivas de Dejus, repleta de jóias e floridos. Nav era inumano, mas representava um papel diferente naquela cadeia alimentar. Como ele conquistou aquele espaço e o que planejava pela frente eram duas incógnitas para Gray e quem sabe, para a corte em peso de Dejus. 

O inumano do gelo olhou pelo canto do olho o colar com pingentes em forma de caveira no pescoço do mestre. Ele abriu os dedos, sentindo as ligações puxarem e esticarem, por fim tentou conjurar algum gelo, mas….nada. Algumas gotas se formaram na testa do rapaz. 

Era frustrante.

— Não sou um adepto ao culto ao líder. — respondeu Gray num suspiro.

— Aconselho a não expor suas opiniões num lugar tumultuado — sussurrou o gigante — O Imperador pode não ser onisciente, mas tem vários ouvidos que o mantém informado sobre tudo.

— Ele não tem mais nada para tirar de mim, se é isso com que se preocupa.

Nav riu.

— Há sempre algo para ser extorquido.

Gray assistiu Juvia torcer o cabelo azul enquanto Erigor sussurrava em seu ouvido. Ele fechou os punhos. Se pudesse controlar um pouco de seus dons naquele instante….

— Torço para que o vinho esteja ao seu gosto senhor magistrado! — continuou Jiemma.

Os convidados gargalharam. O magistrado levantou a taça para o Mestre da Pesca.

— Se eu não encontrar minha carruagem até o fim da noite será um homem em perigo, Sor Jiemma. — brincou o magistrado.

—.O Grande Mestre honrou a Casa dos peixes com mais uma dádiva! — proclamou Jiemma após as preces. —Tragam-na aqui!

 Gray despertou de seus pensamentos. 

Erigor acompanhou Juvia em direção ao palco com sua mão pousada nas costas dela, ambos vestidos de prata. O homem do gelo ouviu os sussurros dos convidados perplexos ‘’ela é tão bonita quanto disseram’’, ‘’Vejo a preocupação de Zancrow agora’’, ‘’ O Grande Líder não deve estar contente’’, ‘’ Com sorte, o Grande Líder à convocará para Shrima e não teremos mais que lidar com essa aberração’’. Gray ferveu, se pudesse congelar uma daquelas línguas, qualquer uma. 

— Poderia fazer uma demonstração de seu poder Juvia? — perguntou Jiemma com uma voz animada.

Pelo laço, Gray sentiu uma pressão no seu quadril. Estava sendo….beliscado? 

Retornou o olhar para o palco, a mão de Erigor estava repousada no quadril da sereia. Quão baixo aquele homem era? Pensar nisso revirou seu estômago. Erigor era repulsivo em todos os aspectos que Gray poderia nomear.

Juvia levantou as mãos. Não se passou um minuto, e os convidados soltaram exclamações de surpresa e encanto. As bebidas flutuavam para fora das taças num movimento que Gildarts batizaria como ‘’dança alcoólica’’ e circularam pelo salão, acima das cabeças deslumbradas.

— Deveriam ir embora — disse Nav sério. — Enquanto ainda há tempo. 

 — É. Eu concordo. — Gray levantou o olhar para o colar.

Nav abriu a boca, entretanto um estrondo fez todos presentes na festa caírem no chão. Uma grande explosão na porta principal havia causado o estrago na estrutura da casa. Vários homens invadiram o salão, segurando armas, facões, pedras e redes de pesca. Gray se apoiou no seu antebraço, coberto de fuligem, e procurou por Juvia na confusão. Ele a sentiu através do seu laço tão facilmente quanto se estivessem sozinhos ali. A presença dela ecoando como águas turbulentas, era quase impossível de não detectá-la.

Gray correu em direção ao palco. Juvia havia de alguma forma pulado para debaixo do piano do outro lado do palco. Ele pegou sua mão e a puxou para longe do grande órgão que sustentava uma montanha de pedregulhos.

Nav fez um sinal para os dois entrarem dentro de um quarto, no fim de um corredor qualquer. 

— Venham! 

Juvia olhou ao redor. Os mestres estavam correndo para dentro dos esconderijos do casarão e os baderneiros corriam pelo lugar e destruiam tudo pela frente— esculturas, quadros, mesas. Gray a segurou pelo braço, pois era incapaz de sair do transe. Havia tanto sangue! Os guardas revidaram. Tudo que deveria estar do lado de dentro de alguém, agora estava do lado de fora, para todos verem.

Gray trancou a porta.

— Estamos seguros aqui.

Do lado de fora do cômodo, os tiros e gritos soavam com vigor. A armada dos mestres se reagrupava dentro do salão, de modo que priorizou a segurança dos convidados mais importantes.

— Não estão. — retrucou Nav, encarando um dos enormes quadros do cômodo.  

 Os quatro estavam presos na sala de leitura. Tapetes de cor escura, garrafas de vinho e livros espalhados pelas estantes, sofás cor esmeralda e pinturas decoravam o ambiente a meia luz. Juvia seguiu seus olhos que apontavam para uma pintura tradicional do imperador de Alvarez curiosamente parecido com Gray — os cabelos pretos, a pele esbranquiçada, as feições frias. Essa tela, pelos conhecimentos de arte que Juvia possuia, foi pintada para os olhos do imperador acompanharem os do observador. Juvia se sentiu estranhamente coagida pelos dois pontos pretos pintados no tecido, como se a presença dele fosse real. 

— O mestre Jiemma foi longe demais….trazendo uma sereia para cá. 

Os pés de Gray congelaram no tapete.

— Ora, não subestimaram a inteligência daqueles velhos, ou o fizeram? — Nav exasperou andando pela sala. — O Grande Mestre não apoia mudanças na balança. Ele sabe dessa rebelião e sabe o que essa menina é. Eu voltaria para o mar se fosse você. Urgentemente!

— Do que está falando? — perguntou Gray.

— Estou falando de uma grande limpeza. É….. É isso…. Uma limpeza — Nav andou de um lado para o outro. — Já ouvir falar disso em outros lugares..Yenen, Vilde….todos os mestres mortos….

— Do que você….

— Ele está delirando. — disse Vidaldus encostado na parede, de frente para a porta.

— Não! Temos que sair de Dejus o quanto antes. A armada dele logo estará aqui e será o fim.

Juvia encarou Gray, assombrada. O que quer que Nav queria dizer com a armada do imperador de Alvarez, com certeza não teria um fim positivo. A sereia abriu a boca para perguntar onde afinal ele iria se esconder, mas algo surpreendente aconteceu. 

A sereia gritou apavorada. A corrente de caveira caiu no chão ensanguentada.

Nav desabou no chão, e a garganta cortada numa linha profunda expeliu um líquido vermelho pelo tapete. A azulada olhou para cima, seguindo a trilha sanguínea e encontrou a faca na mão de Vidaldus. Os olhos do servo eram opacos como de uma marionete. Gray se abaixou, e levantou a cabeça do inumano que sangrava litros de sangue.  

— Não está cicatrizando. — disse chocado.

— Ele está morto! — Juvia exclamou horrorizada. — E-Ele estava aqui a um minuto e agora….morto! Vidaldus! O que você fez?

Vidaldus permaneceu calado, entretanto ele jogou a faca no chão, perto do corpo do seu Mestre. O corpo dele diminuiu, sua espinha cresceu e terminou num rabo, sua pele se tornou verde e escamosa, até finalmente se transformar numa lagartixa. A maldição do inumano havia se concretizado com a morte do seu mestre.

A porta se abriu, num arrombamento. Entraram os guardas, o magistrado, os Mestres da Pesca e Meredy. Juvia olhou para suas expressões de choque, depois desceu o olhar para o corpo de Nav, e sua cabeça sendo segurada por Gray e a faca a sua direita, do outro lado Vidaldus finalmente parecia ter saído do transe e piscava freneticamente.

— Ele matou o Mestre da Caça! — disse o magistrado assombrado.

— Não! — Juvia protestou. — Foi ele, eu vi! — apontou para Vidaldus.

— A lagartixa? — perguntou Meredy, levantando uma das sobrancelhas. 

— Vidaldus!

— Vidaldus é a lagartixa? — disse o magistrado, e balançou a cabeça. — Isso é inacreditável.

— É a verdade! — rebateu Juvia. 

— Não diga tolices menina. Estou vendo com meus próprios olhos. Levem-o para a Marinha. Vai cumprir os anos da vida alimentando o navio com carvão.

— Eu não permito. — O ar se ondulou ao redor redor da sereia, distorcido pelas moléculas de água no espaço. Ela se colocou entre o pirata e os outros para protegê-lo.

Gray olhou para cima. A sereia de braços abertos, os fios soltos do penteado, sua roupa amassada e suja de poeira. O demônio do gelo só a achou ainda mais inacreditável, toda a força que ela tinha dentro de si parecia irradiar num brilho ofuscante. Ela ainda tinha forças para lutar pelos dois. Era uma sereia, uma deusa, e ele se perguntou se não era sortudo demais por estar numa jornada com ela.

E Gray não conseguiu se lembrar de mais ninguém que tivesse precisado com tanto fervor. E ele nunca se odiou tanto na vida. Se fosse mais forte, se seu poder não estivesse desaparecido do nada e o deixado tão vulnerável quanto qualquer outro humano, eles não estariam numa situação tão humilhante. Ele teria congelado qualquer um, até a mínima chance de alguém fazer mal aos dois não existir. 

— Não tem o poder de discutir isso. Está na lei de Alvarez. — disse o Magistrado.

— Não foi isso o que combinamos Jiemma. — Ela encarou o Mestre dos Peixes. 

—Não existe mais acordo — Ele sorriu com todos os dentes. — Você fica e ele vai.

Gray ouviu os estalos antes de todos e abaixou a cabeça para se proteger do vidro estilhaçado. Todas as garrafas da sala de leituras explodiram. O líquido vermelho foi guiado pela sereia como uma grande onda de sangue, como numa das grandes histórias religiosas contadas nos templos, e atingiu com toda a força todos na porta.

—Vamos, Gray — ela o agarrou pelos ombros. — Corra!

Ele se levantou, quase escorregando na piscina de vinho. Ele esperavz um ataque de Meredy, ou de um dos outros inumanos, mas eles continuam se afogando naquele líquido vermelho.

Os guardas correram atrás deles. Juvia os arremessou contra a parede. Eles atravessaram o salão, até Gray ser interrompido do nada.

Uma mão. Uma mão invisível. Ele perdeu o fôlego, de repente uma de suas pernas estava posicionada num ângulo estranho.

Os dedos de Meredy se fecharam em sua garganta e o sufocou. Ele podia ouvir sua respiração, apesar de não a ver.

A dor o fez ver estrelas, mal conseguiu se manter acordado. O olhar caiu sobre sua perna e seu estômago se revirou. Estava num ângulo estranho, incorreto.

Meredy andou pelo salão, ensopada de vinho, como uma criança que acabou de ganhar um doce .

— Pare! — Juvia gritou, lágrimas quentes de raiva enchem seus olhos até que só consegue ver sua mão agarrada na dele.

Os olhos de Meredy são presunçosos e se sustentavam na expressão de dor de Gray. Ela somente se virou para Juvia quando o corpo do pirata parou de tremer.

— Não, eu acho que não.

A mão dela girou mais uma vez. A outra perna dele estralou. Gray berrou de dor.

Água choveu dentro do salão, envolvendo o corpo dele numa crescente nuvem branca. A dor se tornou menor, e menor, até que Gray finalmente conseguiu respirar sem ofegar.

— Prendam a inumana por danos físicos aos Mestres de Dejus! — vociferou o Magistrado que havia nadado para longe da piscina de vinho.

Juvia levantou o olhar para Meredy. Atrás dela, os Mestres pouco a pouco se libertavam do mar vermelho que havia criado.

— Eu quebro o pescoço dele antes que você possa fazer qualquer maldade a mim.

— Fuja Juvia! — conseguiu sussurrar

A sereia sentiu um calor surpreendente próximo a ela, penetrando seus ossos. O laço esquentava a medida que ela tomava a decisão. Gray tentou se mover de novo, com a testa pingando suor. Sua temperatura era alta...Não fora provocada por raiva ou poder, ele estava se rendendo para ela prosseguir, Deus sabe como. 

O homem era apenas um humano. Podia sentir sua respiração, seu coração pulsar. Não era uma daquelas criaturas pavorosas da abissal, ou como as aberrações terrestres das quais ela tinha que lidar naquele instante. 

 — Eu não poderia. — foi tudo o que ela disse. 

O coração de Gray bateu forte. Talvez ainda houvesse esperança. Quem sabe com ele longe, ela conseguiria fugir, afinal o inumano era o estorvo, não ela. Entretanto, as surpresas não haviam acabado ali. Erigor se aproximou com um laço de corda dourada.

Juvia ofegou, assombrada.

— Onde conseguiu isso? 

— Quero ter certeza de que não irá fugir, após ele sair de Alvarez. — Os olhos frios expressavam satisfação.

— O que é isso? — perguntou o Magistrado curioso. 

— É o laço de Fahir, a sereia Mãe. Ela a usou na antiga guerra para subjugar as sereias. 

O coração de Juvia congelou. Aquele laço estava perdido há séculos, como, pelos Deuses, ele estava com aquilo?

— Jure servidão a mim pelo laço — disse Erigor, num ar terrível. — E seu amigo pode ir embora com a Marinha. Sem mais nenhum dano. 

— E-eu...— As palavras saíram inaudíveis. O laço entre os dois queimava, os pensamentos conflituosos de Gray se misturaram com os dela. Ela mal conseguia pensar quando disse. — Juro servidão à você enquanto Gray estiver seguro. 

— Feito. 

O laço voou pelo ar como uma cobra e atacou a cintura da sereia. A sensação era dolorosa, como se um cardume de araias enfiassem seus ferrões em sua carne, ou como se uma grande água viva estivesse enroscada nela como um cinto elétrico. 

A dor era dilacerante e não demorou muito até ela cair no chão. Os pensamentos nublados como o céu numa tempestade, embriagada pelo veneno do seu novo acordo, fincado na alma e na carne.

O magistério finalmente disse após uma pausa dramática de um teatro onde o bem triunfa sobre o mal. 

— Está tudo resolvido então. Levem-no para a caravana da Marinha. Deve partir amanhã para Lity. 

Gray encarou Juvia presa ao laço de Fahir, incapacitada de se mover. Ele tentou se levantar, entretanto o poder de Meredy o pressionou contra o chão. Gray trincou a mandíbula, se havia alguém que ele iria se vingar...

Meredy estampava um sorriso satisfeito no rosto. Ela apertou o laço de Juvia nas mãos e a arrastou pelo chão do salão. Os gritos da sereia foram altos e inconsciente, no entanto Gray não continuou a ouvi-los. Havia finalmente perdido a consciência.

[…]

Estava frio. Muito frio. E havia um terrível barulho de gemidos causados pelos ferimentos dos rebeldes. O corpo de Gray balança com o movimento do mar, sua cabeça está recostada na grade. O inumano tomou cuidado para não encostar a ferido reaberta na sujeira do navio. Arfou, sentindo uma pontada nas pernas. Juvia havia ajudado no processo de cura, mas elas eram tão sensíveis quanto barro mole. 

Ele estava sonhando um sonho lindo antes de acordar. Aquele em que nadava pelos recifes de corais através do subconsciente da sereia. Desse sonho, a única sensação que restara era que estava molhado demais e não era com água. Dividia uma cela que comportaria uma dúzia com outros trinta homens, e nenhum deles parecia preocupado em cumprir alguma etiqueta.

Haviam uma quantidade incontável de celas e dentro delas, pessoas que Gray identificou como os pescadores da rebelião. Felizmente ou não, a maioria não estava tão mal como ele, mas outros poderiam não cruzar a noite com vida. Entretanto, se aquele era um navio que partiria para Lity com as condições de pouco acesso a ar puro, alimentação e salubridade, então com sorte vinte chegariam ao país de God Serena para serem escravizados.

— Juvia! — Gray gritou, tentando acessá-la mentalmente.

Não conseguiu contactar os pensamentos da sereia, tampouco haviam sons no fundo da sua mente, que estava preenchida somente e insuficientemente seus pensamentos individuais. Ele estava sozinho agora. Totalmente sozinho. Não sabia porque isso era tão perturbador. Aprendeu a estar sozinho desde que tinha se separado da mãe e seu irmão. Havia aprendido a se defender, a lutar e a correr atrás de seus desejos sozinho. 

O estômago dele roncou, lembrando que poderia acrescentar a fome a sua lista de sofrimentos. E sede. Não haviam levado um copo de água sequer para aquele lugarzinho sujo e muito provavelmente teria que se acostumar com as fantasias recentes que ele estava tendo sobre lamber o próprio gelo— se pudesse criar algum. Mas Gray não era um pirata de se lamentar e estava começando a sentir enjoado da própria autopiedade, então ele logo se levantou e bateu nas grades.

— Eu tenho que voltar! — berrou ele — Eu não sou pescador!

— Não tem como sair rapaz — disse um homem sentado no chão. — A menos que esteja morto.

Gray se virou para o homem de meia-idade — grande, queimado do sol, cicatriz grande na barriga que não parava de sangrar. Era um homem morto.

— No que estavam pensando? Se rebelar contra um bando de Mestres de inumanos. — Gray balançou a cabeça contrariado.

— Os peixes já não aparecem mais. Vivemos de peixe. Se não tem peixe, não vivemos. Era morrer sem lutar, ou morrer tentando.

— Não pensaram na alternativa de serem capturados como escravos de guerra. — Gray levantou a sobrancelha.

— Talvez seja um caminho melhor. — disse outro homem.

— Deus, Lity não é um país solidário! Tampouco os libertarão antes de sugar toda a vitalidade. — Gray estava chocado.

— Não é muito diferente de Dejus. Ou de qualquer outro lugar na verdade.

— Meu cunhado esfaqueou um dos Mestres, sangue para todo lado — O primeiro pescador piscou devagar.— o inumano desse Mestre dividiu o marido da minha irmã, não demorou muito para morrer, mas deve ter sido doído. Haviam curandeiros a postos para o mestre, deve ter sobrevivido. Acha que foi um erro termos subindo a colina? Eu subiria de novo e terminaria o que meu cunhado começou, nem que tivesse que me dividir em 10.

—Foi um péssimo momento para se revoltarem — disse Gray. — Quando o inimigo é mais forte, a inteligência é decisiva. Invadir uma casa com segurança até os dentes sem um plano é suicídio.

 — Tínhamos um plano — disse outro. — Matá-los e tomar suas posses.

Os homens gargalharam.

— Me parece um trabalho para piratas e não para pescadores.

— Ser pescador está se tornando um ofício perigoso, de fato.

Gray ouviu alguns pescadores da outra cela resmungarem, enquanto alguém passava entre os presos. Então ele ouviu uma voz muito familiar.

— Gildarts? — sussurrou descrente.

— Capitão! — exclamou Gildarts colado nas barras da cela. 

Gray esqueceu que estava preso em um navio de escravos. Esqueceu a dor da ferida de suas costas. E esqueceu que tinha falhado. Tudo o que conseguia pensar era que Gildarts estava ali e que ele estava a salvo— bem, na medida que alguém poderia estar salvo naquelas condições. Ambos sorriram, não um sorriso de vitória ou de alegria, mas de terror e alívio. 

— Eu pensei que estava morto! — disse Gray.

— Eu consegui subir num barco a remo. Mas a Marinha me encontrou vagando no mar. Me jogaram aqui, tenho dado nomes aos ratos desde então.

Gray soltou o ar que estava segurando.

— Eu...fiquei preocupado.

Gildarts parecia estar prestes a chorar. E se ele começasse a chorar...

 — Mas...e Juvia? Por que está preso?

Gray explicou tudo que acontecera sem omitir detalhe algum. A chegada em Dejus, a armação dos mestres, a revolta dos pescadores e a incriminação dele pela morte de Nav. Em algum momento, Gray precisou desviar os olhos de Gildarts que parecia ter levado um tapa na cara.

— Mas é o demônio do gelo — Gildarts disse incrédulo. — Deveriam estar mortos a este instante.

— Mal consigo conjurar um floco de neve. Desde o ataque a Ur..eu…

Gray se calou. Não havia tido essa conversa com ninguém desde o incidente e não começaria a desenterrar remorsos com um bando de marujos e pescadores de plateia. Talvez Deus tirou esse poder dele, pensou; Gray não era um dos mais religiosos, mas acreditava que se o chamavam de demônio do gelo, então deveria existir algum ser que balanceasse a existência de pessoas como ele — egoístas, maldosas e trapaceiras.

Como Juvia. Ele prendeu a risada, agora ambos estavam fudidos — o bom, o mal e o que mais existissem entre os dois. Não existe compensação universal pelos atos que tomaram, ou então os mestres de Dejus estariam fazendo companhia a ele e não pescadores enfermos e desnutridos, assim como Deliolas poderia estar morto e queimando no inferno. 

— E como vamos sair daqui? — perguntou Gildarts.

Gray abriu a boca, mas foi interrompido por uma comoção vinda do corredor. Uma mulher desceu as escadas com quatro guardas da marinha, logo o rosto de Gray se tornou frio. Meredy cruzou os rebeldes com um rosto pleno e maquiado, como se fosse uma Mestra. Ela usava um vestido simples, das jóias que possuía ela usava um bracelete — o mesmo de sempre — e brincos de pérolas. Também usava um capuz rosa, o que só evidenciava seu cabelo colorido e sua identidade: uma aliada dos Mestres. Alguns pescadores se afastaram de perto das grades, Gray o oposto.

Gildarts a analisou, muito ciente dos poderes da inumana.

— A que devo a honra em minha nova residência? — Deu um sorriso forçado.

— Eu o alertei — ela disse, com os olhos brilhando em rosa. — Criaturas ignorantes são os homens. 

— Gosto quando me insulta. É sexy. 

— Pensei que fosse agir assim. É um derrotado. Desde o dia que chegou na praia, com uma sereia.

Não conseguia olhar para Meredy, talvez não resistisse ao impulso de se atirar contra ela, e era provável que as barras de metal da cela deixassem sem rosto muito machucado.

— Eu não matei Nav.— disse para ela, de repente.

— Não. Vidaldus matou. — confirmou.

— Então precisa dizer a eles. Isso é um engano.

— Não. Não é — Meredy deu de ombros. — Porque senão eu estaria presa ai.

Os olhos de Gildarts se abriram com a verdade, perplexos. Olhava para a cena como se estivessem protagonizando uma das peças que havia criado para os ratos.

— Você o fez matar Nav. 

 Os olhos de Meredy eram incrivelmente duros. 

— Você estava planejando fugir com ela. Eu não pude permitir. — disse como se estivesse comentando sobre o clima.

Para a surpresa de Meredy, Gray agarrou seus pulsos, passando os braços pelas barras. Ela arregalou os olhos, ligeiramente assustada.

 — Eles fazem tratos com vocês, não é? — Ele cuspiu. — O que prometem? Dinheiro, proteção? Deve ser muito bom para não conseguir abrir mão disso, não é?

 — Não importa como quer me ofender, estou do lado certo dessa cela. Eu vou embora! — exclamou irritada.

 — Olhe em meus olhos, Meredy — Gray a pressionou, com a mandíbula dura. — O que quer em troca para tirar essa brincadeirinha de mal gosto do meu braço?

 — Ponha-se em seu lugar humano — rugiu. — Não está em condições de fazer trocas comigo. Tudo que quero está longe do seu alcance.

Ele sorriu. Os olhos tornaram-se nublados.

 — Eu vou sair daqui de um jeito ou de outro, Meredy. E eu vou levar Juvia comigo. Com seus truquezinhos ou não, ela é mais forte que você — Meredy levantou o canto da boca, achando aquilo uma piada. — A única diferença é como pode se beneficiar com isso. 

— Eu já ganhei essa partida, Gray. Juvia estará em um enlatado até o próximo ano, talvez eu mande um pedaço da barbatana dela para você em Lity — Meredy lambeu os dentes. — Soube que tem propriedades medicinais, quem sabe te ajuda a curar esse rasgo escroto nas suas costas. 

Ela se libertou dos braços de Gray e passou as mãos pela capa.

— Passar bem. 

Gray não disse nada, a medida que ela sumia rumo a proa do navio. Gray…..acorde Gray...ecoou a voz em sua mente.

Não era Juvia, era outra pessoa....Mas quem...

O compartimento de celas tornou-se silencioso, parte dos pescadores chocados demais para absorver a cena entre a inumana e o preso. Logo, foi um choque para todos quando ele desatou a gargalhar.

— Capitão?— disse Gildarts, cuidadoso.

As pernas dele se desentortaram, e fortificaram-se como barras de aço. Seu tamanho cresceu a medida que ele alinhou a coluna, o grande rasgo em suas costas cicatrizou.

— Pirou de vez. — sussurrou um companheiro de cela.

Gildarts sentiu um frio na espinha, que subiu para nuca e em seguida irradiou para todo o corpo. O ar se tornou pesado e gélido. A gargalhada se tornou pesada e feroz. Uma neblina branca se espalhou pelo conjunto de celas e fumaça começou a sair da boca dos detentos. Gritos aterrorizados da cela do capitão soaram como sinfonia aos ouvidos do imediato que se aproximou das grades mais uma vez para dar uma olhada no rosto do demônio do gelo acordado. Até que os olhos dele se encheram de terror.

Uma cicatriz escura em forma de raio cortou o rosto dele, seu olho esquerdo embranqueceu em fúria, enquanto sua pele se tornava gélida e forte como um iceberg. Os cabelos, antes escuros e espetados para baixo, se transformaram em mechas acinzentadas revoltas. 

Gildarts já se assustou com muitas criaturas durante a estádia em Ur, entretanto Gray Fullbuster estava em um patamar irreal na escala do medo. Nunca o viu despertar a terceira face do demônio do gelo e imaginou se Gray já teria usado-a.

O inumano segurou a grade e gelo atingiu toda a superfície metálica. Todos do andar ouviram o estalo do portão se despedaçando como manteiga. Gray andou para frente, enquanto os presos recém-libertos pareciam se espremer no fundo da cela aterrorizados.

Um grupo de marinheiros desceram em formação, com uma mescla de terror e raiva. O capitão do navio não destoava, ordenou que os guardas usassem as correntes de contenção inumana e avançassem. Gray não desviou quando a primeira corrente atingiu seu pulso; ele trincou os dentes ao sentir a eletricidade correr por seu braço, no entanto segurou a corrente com mais força e o congelou até alcançar os antebraços do marinheiro. Ele rompeu em um grito, a corrente se quebrou. 

Os guardas deram um passo para trás.

— Mantenham a formação! — rugiu o imediato da marinha. 

O capitão Hollow investiu com sua espada. Gray aguardou calmamente a chegada de uma brecha, desviando os ataques ferozes do homem. Desta vez, ele estava pronto para a investida da Marinha. Ele bateu contra o cabo da lâmina num golpe enérgico e girou os calcanhares, acertando em cheio sua garganta. O capitão envolveu o pescoço com as mãos, sem ar, enquanto debatia os pés no ar. 

Hollow caiu de joelhos no chão. Gray levantou a ponta da boca, num sorriso. A coisa toda mal tinha durado cinco segundos para o assombro dia marinheiros e pescadores.

Gray segurou o queixo dele enquanto encarava seus olhos cheios de clemência e terror. Gelo se espalhou pelo corpo do capitão, congelando-o aos poucos para assim sentir a pele queimar. Ele finalmente parou de gritar. O gelo alcançou os nervos. 

O demônio do gelo levantou os olhos para os outros guardas que largaram as armas e subiram os degraus tão rápido quanto desceram. 

Ele levantou a mão em direção a outra fechadura. Outro estalo. Mais uma grade se desfez. Liberto, Gildarts apressou o passo, tremendo de frio. Os presos saíram das celas aos poucos, passando por cima do corpo congelado. A navegação não somente levava pescadores, bem como inumanos para serem vendidos em Lity. Gray quebrou suas correntes de contenção e sussurrou uma tarefa aos que estavam dispostos — boa parte deles estava atenta às instruções. Estes foram os primeiros a sair do navio.

Gray subiu as escadas acompanhado dos gritos dos rebeldes. Ao lado do demônio de gelo, Gildarts invadiu a sala de armas e muniu os homens com as armas da Marinha. O tilintar das lâminas se encontrando foram a canção da sereia para Fullbuster. 

Possuído pelo poder glacial, ele golpeou o mastro dianteiro com toda a força. O Crack da madeira foi o suficiente para os outros generais dos navios perceberem a revolta no porto.

O mastro afundou, formando uma ponte entre o mar e o navio da Marinha. Os poucos marinheiros que sobraram, renderam-se e mergulharam no mar em busca da proteção dos canhões e muros portuários. Os rebeldes se amontoaram na proa, de olhos arregalados e pulmões ofegantes, a espera das ordens de seu novo líder. O demônio do gelo rugiu ofegante:

— Vamos subir a colina e arrancar a cabeça de cada Mestre de Dejus até o anoitecer!

 Os rebeldes urraram em uníssono, levantando as armas no ar. Então pularam do navio e atravessaram a baía no melhor atalho para a colina — pela água. Gray pulou na água, a antiga ferida em seu ombro queimou com o teor salgado, embora tenha energizado todos os ossos e músculos do homem recém-abatido. Ele continuou a nadar, já Gildarts atrás dele, ainda no navio, desamarrava os sapatos com algum excesso de calma. 

Os canhões soaram.

— Olha a bola! — gritou um marinheiro

Uma frente de canhões foi armada pelos soldados em poucos minutos. Homens corriam de um lado ao outro com sacos de pólvora. Gray nadou com mais força, enquanto ouvia os homens atrás dele sendo abatidos pelas bolas de metal. Os pulmões dos homens pareciam falhar, a baía perto aos olhos, mas longe aos braços fatigados dos rebeldes machucados. De repente, dentre um lançamento de bolas e outro, Gray sentiu algo mudar na água — ele não sentia mais ardência no ombro, tampouco os músculos estavam mais tão fatigados. Ele também notou essa diferença no rebeldes. O sangue em seus rostos fora lavado pelas águas e seus dentes trincados revelavam um fulgor revitalizante. 

Gray olhou para cima, onde os muros da marinha se estendiam pela praia. A grande sereia Fahir, esculpida em um pedra sabão de quinze metros, era ampliada a medida que cruzavam a areia. Através do sol, um brilho em seu imenso tridente se desdobrava ao alcance do quebrar das ondas.

O povo da vila gritou em terror. O exército marchou em direção aos rebeldes que finalmente se aproximavam da entrada para a Alta Dejus. Dentre eles, dois inumanos ao comando de Everlue e Zancrow. Gray não os reconheceu da festa, estes seriam mais fracos que os outros, entretanto suficientes para conter uma outra revolta. Os dois se metamorfosearam em feras e avançaram em direção aos elos da frente. Sangue, membros e fumaça dominaram o cenário. 

Gray levantou a mão, construindo um machado glacial em instantes. Em seguida, curvou o trajeto e se guiou pelos guinchos do povo. Mal poderiam chegar a Alta Dejus se seu pequeno exército de rebeldes morresse na primeira investida. O pirata levantou as mãos em direção aos dois inumanos e jogou areia nos olhos de um, deu uma cambalhota para a direita, escapando do primeiro ataque. 

Gray segurou o machado com força e acertou o segundo inumano no estômago, antes que este recuperasse a visão. O primeiro grunhiu e avançou em direção a Gray. Ambos rolaram na areia, a fera desferiu socos contra o pirata. Gray o chutou para o lado, rolou por cima e segurou seus pulsos. Os olhos do demônio do glacial brilharam em um azul-acinzentado. 

Gelo cobriu o corpo da fera com velocidade. 

Gray se levantou. Enquanto lutava com os inumanos, o restante dos rebeldes subia a colina. Do outro lado, mais presos foram libertos de outras navegações, dentre eles, algumas dezenas de inumanos. Todos eles cruzavam a faixa de areia, Gildarts corria com uma espada a frente do grupo. Gray observou o topo da colina — a casa do Mestre Jiemma — e disparou em direção a colina.

[…]

Juvia acordou num sobressalto com Erigor arrastando-a pelo braço.

— Vamos. Rápido, levante!

— O que...— Ela olhou em volta, confusa. 

— Estão invadindo Dejus. Temos que sair daqui. 

Juvia piscou. As pernas tropeçavam pelo tecido do vestido da noite anterior. O laço mágico preso a sua cintura queimou conforme não conseguiu acompanhar os passos rápidos de Erigor. Ele a puxou mais, impedindo-a de parar.

— Quem...Quem está invadindo?

Erigor lhe lançou um olhar colérico.

— Aparentemente todos os desgraçados que iriam para Lity.

Juvia levantou as sobrancelhas, não impedindo que sua satisfação fosse disfarçada. Erigor, no entanto, só puxou ainda mais o laço, sinalizando-a para se comportar. Estava de tão mal humor quanto um lorde poderia estar. Já ela não poderia estar mais radiante. Gray estava a caminho. Poderia finalmente fugir de Dejus.

Eles saíram do casarão rumo a uma carruagem. Dentro dela, Meredy e Jiemma já aguardavam partida. Atrás deles, um grupo de inumanos aguardavam a saída deles em outra carruagem.

— Demoraram. — disse Jiemma num tom hostil, não estava feliz com a invasão tanto quanto os outros mestres. 

— A sereia precisou reaprender a andar? — questionou Meredy com não mais do que uma sugestão de sorriso no rosto

Juvia não mordeu a isca. Gostando ou não, estava em desvantagem com o laço de Fahir prendendo-a a Erigor e não podia sequer confiar em seus próprios poderes para fugir.

— Gray está entre os rebeldes. — contou Erigor assim que a carruagem partiu.

Jiemma levantou uma sobrancelha.

— Pensei que já estivesse morto. Não importa, é humano. Não chegará longe dos portões.

— Então por que estão fugindo?— perguntou Juvia.

A sereia viu a boca de Jiemma comprimida, a ira só a custo reprimida nos olhos escuros.

— Ao contrário dele, existem reais forças a atacar Dejus.

Um vento frio soprava forte do topo da colina e fazia as árvores sussurrarem como coisas vivas. Não parecia ser obra dos rebeldes, tampouco dos inumanos de Dejus. Meredy também notou, entretanto seu olhar aborrecido em direção a Juvia não parecia se preocupar com o que quer que estava dentro da mata.

E estava frio. Um nevoeiro havia se dispersado calmamente enquanto desciam a trilha, todavia praticamente na base da colina, o tom esbranquiçado do ar tornou-se tão branco quanto leite.

A carruagem diminuiu o ritmo. Erigor mal podia ver um palmo a sua frente. Toda a paisagem desapareceu. A carruagem parou. Jiemma e Erigor se entreolharam.

Juvia viu quando Mestre Jiemma silvou para a janela:

— Está tudo sob controle! Voltarei a Dejus com mais inumanos e recuperarei o lugar!

— Mestre...O que o senhor está…

— Calada criatura! — rugiu Jiemma. 

Meredy se reprimiu no banco. Algo balançou a carruagem, Juvia não sentiu mais a presença do cocheiro. 

"Gray?" Ela tentou. Nada em resposta. Juvia tentou acessar a mente da pessoa no nevoeiro, sentiu uma parede densa a bloqueando. Ela forçou a entrada.

— Não precisamos de vocês aqui!— gritou Jiemma novamente, pondo o rosto do lado de fora da carruagem.— Diga para ele, está tudo sob controle!

— Pai, — Erigor insistiu. — com quem…

A carruagem girou. Juvia se segurou na luminária de metal à esquerda da porta. 

Meredy gritou assombrada. 

Eles desceram os últimos metros da colina dentro da grande bola de metal. Deus sabe o que havia acontecido com os cavalos nos pedregulhos. Quando a carruagem finalmente tinha parado, Juvia se permitiu abrir os olhos. Erigor estava branco — os olhos grandes piscavam com força enquanto tentava entender o que havia acontecido. Já Meredy ainda estava em seu lugar, entretanto com a carruagem virada, ela também estava deitada, o braço numa posição estranha, e com a respiração ofegante. 

Mestre Jiemma não estava bem. 

Um dos canos de metal da espessura de um dedo da estrutura da carruagem estava presa a sua clavícula. Eles não gritaram, nem fizeram ruídos. O rosto de Erigor se tingiu de azul — entretanto só houve silêncio. Eles queriam se passar de mortos. Juvia gostaria de caçoar daquilo, podia ouvir o batimento cardíaco dos três a uma distância considerável e seus cheiros se despersavam como um caldo de carne no forno. E a sereia acreditava que a coisa na colina também conseguia. 

Juvia apertou o braço de Meredy.

— Você precisa me soltar.

Se quisessem ter uma chance, então deveriam soltá-la. Entretanto, Meredy silvou:

— Fique quieta! 

Juvia se contorceu no laço. Uma ponta de dor tocou a sua costela e apesar de não resultar qualquer efeito, ela também abafou o grito.

Ela ouviu a pessoa se aproximar da carruagem, também ouviu a coisa cheirar o móvel e soltar um grunhido alto e agudo. A espinha dela se arrepiou. Então silêncio. Jiemma levantou as sobrancelhas com uma ponta de esperança. Juvia limitou-se a soltar a respiração. 

Sangue esguichou no rosto de Juvia. Meredy gritou aterrorizada, a azulada passou a mão nos olhos, tentando enxergar. Mestre Jiemma convulsionava a sua frente com um corpo estranho em seu tronco. Uma enorme barra de ferro atravessou a lataria da carruagem, o estofamento, a espinha do homem e a lataria de trás.

Aterrorizado, Erigor encarou o corpo do pai e depois Juvia

— Salve-o! — ordenou.

— O quê! — Elaa olhou chocada para Jiemma que expelia sangue pela boca, não havia nada para salvar ali. — Eu não posso fazer isso.

— Pode — Ele apertou o laço de Fahir. — faça do mesmo jeito que fez com aquele humano. 

— Eu não fiz nada. Isso está além dos meus poderes. — Ela sentiu as lágrimas descendo de suas bochechas.

— Ele estava praticamente morto quando chegou a Dejus! — cuspiu Erigor, o rosto corado de fúria. — Salve meu pai ou te corto ao meio agora!

Juvia sentiu o laço esquentar. Ajoelhou-se no acolchoado da poltrona, de frente para o mestre Jiemma ainda acordado. Ele usava uma proteção pesada de couraça sobre cota de malha e uma capa almofadada , entretanto o cano o atravessou como um palito na manteiga. Juvia não poderia tirar aquele ferro dentro da carruagem, precisaria desempalar seu corpo e o teto atrapalharia o trajeto, então limitou-se a estancar o sangue. 

Mestre Jiemma parou de tremer e o líquido vermelho já não mais escorria em sua bochecha. O rosto de Erigor se iluminou sob sua carranca natural. Ele concedeu mais tempo ao homem que ela queria esfaquear mil vezes.

Juvia vestiu uma máscara de cansaço, seu estômago pulava numa pequena satisfação. Ela deu à ele mais tempo para saborear a dor da própria morte. Somente Fahir observaria aquela prova de fúria e se deliciaria com o gosto do sangue de um Mestre de Dejus.

Jiemma voltou a respirar tranquilamente e seu rosto, apesar do sangue que havia jorrado, já não estava mais tão vermelho.

Os olhos de Meredy saltaram para o que restava da janela e afastou-se com a mesma velocidade.

Juvia viu um movimento com o canto do olho. A criatura deslizou a mão ossuda pelo estofado.

— Meredy! — A voz esganiçada de Erigor pronunciou.

Ela o encarou horrorizada e levantou a mão em direção a Coisa. Meredy retorceu o punho e Juvia ouviu um Crack!, a criatura urrou. Juvia ouviu outros urros, seu coração falhou por um instante. Outros sons na mata tornaram-se abertos na pista. O metal da carruagem se contorceu, eles estavam no ar mais uma vez . Juvia caiu para o lado de fora. 

A sereia se arrastou em direção a estrada. Um outro urro se fez presente, ela olhou para trás. Seus olhos se encheram de terror.

A criatura—não! A mulher— de cabelos vermelhos e espinhos pelo corpo jogou todos para fora da carruagem. Ela não era uma inumana comum, tampouco uma selvagem. Sua classe desconhecida tornava-a ainda mais assustadora.

Jiemma também havia caído na terra. O cano de metal que tinha empalado seu tronco continuava na carruagem junto as tripas. Meredy sentiu vontade de pôr o café da manhã para fora. Juvia podia ouvir o ritmo acelerado do coração de Jiemma. Ele estava em pânico, colocava os intestinos espalhados na terra para dentro do corpo, na tentativa de sobreviver. Somente estava resistindo com vida pelo fôlego dado por Juvia.

A mulher se aproximou de Jiemma.

— Por favor! Diga a ele que eu faço o que ele quiser!

— Oh, você já está fazendo — Ela levantou a mão em direção a ele. — Morra como um bom súdito.

Espinhos saltaram das mãos dela e atravessaram a carne de Jiemma. Os olhos dele perderam a vida.

— Venha comigo! — ordenou Erigor, puxando-a para dentro da mata.

Para longe daquele cenário de terror.





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