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História Forbidden - What Can I Do With My Feelings?


Escrita por: cherrylispector

Notas do Autor


olá cariños, sinto muito pela demora :(( e queria deixar claro umas coisinhas nesse capítulo: eu não pretendo que os flashbacks possuam algum tipo de ordem cronológica/temporal crescente, em alguns flashbacks eles ainda serão amigos, em outros namorados, e se me surgirem ideias, podem aparecer flashbacks de quando eles eram crianças. enfim, espero muito que gostem e me digam o que acharam <3

Capítulo 5 - What Can I Do With My Feelings?


A felicidade é construída por momentos. Não adianta procurá-la avidamente e buscá-la com certa força, porque geralmente ela está ali ao seu lado, está bem ali acontecendo. E se não vivermos a felicidade no momento certo, ela apenas vai embora e não restará mais nada. Só restará pequenos momentos, que correm o risco de sumir junto com o tempo.

- Nunca imaginei que um drive-in pudesse ser tão bom. - Comentei enquanto ele dirigia. - Eu preferia no começo que tivéssemos ido ao cinema, mas o drive-in superou as minhas expectativas. 

- O meu pai vai me matar quando se der conta da falta do carro. - Sorriu e eu sorri também. Ele possuía certo temor dos pais, e boa parte dessa situação vinha por certo autoritarismo de seu pai que nesse aspecto se parecia muito com o meu. - Precisamos chegar antes das duas. 

- Já deve passar da meia-noite, você não acha? - O olhei de soslaio e ele assentiu. Estávamos passando por uma rua deserta e calma, então ele vagamente desceu o olhar para o relógio em seu pulso, ele vivia com aquele relógio, havia sido um presente significativo de seu pai. 

- Sim, já passa da meia-noite. - Confirmou após olhar em seu relógio. - O que achou do filme? - Perguntou e deu de ombros. 

- Interessante, mas não teve nenhum romance ou alguma morte, foi algo muito... hum, vazio. E você, o que achou? - Perguntei, o olhando e ele sorriu um pouco envergonhado. 

- Você não me deixou ver muito do filme, me beijando o tempo inteiro. - Eu gargalhei, jogando a cabeça para trás. Enquanto isso, ele estava corando de constrangimento. 

- Eu gosto de te beijar. Somos namorados, é isso que eles fazem... pelo menos segundo a Alicia. E é muito bom fazer isso. 

- É tão bom saber que a sua fonte de informações sobre quase tudo é a Alicia... - Disse com ironia e eu o bati no ombro. - É uma fonte extremamente confiável. - Ele riu também, quase distanciando o olhar da estrada. 

- Sérgio... me ensina a dirigir? - Perguntei eufórica e ele franziu a testa. 

- Agora, no meio da madrugada em uma rua deserta? - Perguntou confuso e eu sorri. 

- E o que você prefere? Ao meio dia no centro de Madri? - Indaguei com ironia e ele sorriu. - Aí sim, eu terei uma enorme chance de atropelar alguém. Já imaginou o caos?

- Tudo bem, já que você insiste... - Parou o carro e eu sorri. Nós dois rimos e saímos do carro para trocar de lugar, eu agora estava no lado do motorista. - Segura o volante com as duas mãos, Raquel. - Me repreendeu, já que eu estava usando apenas uma de minhas mãos. 

- Hum, já quer mandar em mim? - Perguntei erguendo as sobrancelhas. Ele me olhou com tédio e eu sorri, vendo que o havia irritado.  

- Agora pisa no acelerador se é que você alcança... - Brincou e eu abri a boca fingindo irritação. 

- Você é ridículo. - Respondi com uma falsa irritação. 

- Você quem começa. - Disse e eu fui seguindo algumas de suas instruções até conseguir sair do lugar, mas emperrei em alguns segundos. - Raquel, relaxa e olha para a frente. - Ele pousou uma das mãos na minha coxa, tentando me acalmar. Mas foi ainda pior, o toque inocente dele, me fez sentir algo que eu sempre sentia quando nos beijávamos. Um arrepio no corpo e um tipo de corrente que me fazia esquentar e esquentar e esquentar. E então, desejar coisas que segundo quase todo mundo, uma moça não deveria desejar.

- Não consigo relaxar. - Disse e ele moveu a mão para cima da minha.  

- Vai com calma. - Sorriu para mim. - Só precisa confiar em si mesma. Hum? - Perguntou e eu assenti, dando partida no carro novamente. Dessa vez eu consegui andar até o fim da estrada, de forma devagar, mas conseguia. 

- Estou conseguindo. - Sorri e eu olhei de soslaio por uns três segundos e bati em cheio em uma árvore. Ele me olhou assustado e abriu a boca um pouco surpreso.  

- Eu só faço besteira. - Comentei, colocando parte de meus cabelos para trás para enxergar melhor o estrago. 

- Acho que não deve ter sido tão ruim. - Tentou me acalmar, mas estava acalmando a si mesmo. Saímos do carro e realmente não havia sido tão ruim, eu havia parado antes do estrago ser maior, o máximo que teríamos seria um arranhão no carro e Sérgio uma bronca do pai. - Se quiser, eu posso pedir para o meu pai pagar o conserto. Ele acha que somos amigos e ele não vai ver problema nisso. Posso inventar que você foi me ensinar a dirigir durante o dia e eu acabei batendo o carro. - Dei de ombros. 

- Não precisa, Raquel. Eu estou trabalhando e posso pagar o conserto do carro. 

- Mas fui eu quem bateu o carro. - Cruzei os braços. 

- Eu sei, mas ninguém precisa saber e eu posso pagar. - Deu de ombros e em seguida empurrou os óculos para trás. 

- Por que você é assim? Orgulhoso? - Perguntei irritada. 

- Não é questão de orgulho, só não quero que os seus pais paguem por algo que eu posso resolver. - Bufei de forma incrédula e voltei a entrar dentro do carro, dessa vez no banco do passageiro. Ele parou do lado de fora com os dois braços ao lado do corpo e me olhando cansado, desde que havíamos começado a namorar sempre brigávamos por uma coisa ou outra e naquele momento não estava sendo diferente. Mas os momentos bons com ele sempre superavam qualquer briga idiota que poderíamos ter. 

Sérgio sentou ao meu lado e eu cruzei os braços novamente. 

- Vai ficar com raiva? - Perguntou e eu o olhei com certo deboche. 

- Vou. - Respondi e ele sorriu de lado. - Ah, você está rindo? - Perguntei e ele sorriu completamente. 

- Raquel... - Ele virou-se totalmente para me olhar. - É só um arranhão no carro e eu vou consertar. - Eu continuei com o semblante sério e ele aproximou as mãos de meu corpo. 

- O que vai fazer? - Perguntei olhando para as suas mãos grandes bem perto de minha cintura. 

- Uma coisa muito ruim. - Pousou as mãos em meus quadris e sorriu malicioso começando a me fazer cócegas na barriga. 

- Sérgio... - Eu disse entre risos, tentando respirar direito. - Para, Sérgio. - Eu ri mais ainda por que ele continuava. - Pelo... amor de... Deus... - Pedi ofegante e ele continuava. - Sérgio... - Pedi manhosa e ele parou, me olhando com um sorriso. 

- Sente menos raiva de mim agora? - Perguntou interessado, enquanto eu tentava recuperar a respiração normal. 

- Na verdade, eu deveria sentir mais raiva ainda por causa disso. - Disse e ele aproximou as mãos de novo, mas eu o parei com as minhas. - Porém, eu não sinto mais tanta raiva e não vou sentir mais nenhuma se você me der um beijo. - Sorri maliciosa e ele aproximou-se de mim. - Mas é para me beijar, beijar... - Eu disse de forma insinuante. Ele assentiu e selou os nossos lábios por apenas alguns segundos, apenas encostando os nossos lábios entreabertos. 

- Eu disse beijar, beijar... - O puxei pela camisa para que ele me beijasse e me ajoelhei no banco para o beijar de verdade. Ele segurou a minha cintura com as duas mãos e eu o beijei, entreabrindo os meus lábios e ele seguiu o meu gesto. O beijo se tornou um pouco desesperado, rapidamente éramos lábios muito vermelhos e respirações ofegantes, e então ele começou a descer os beijos devagar por meu pescoço. Era o primeiro avanço significativo dele nessa questão. 

- Eu posso te beijar aqui? - Perguntou depois de alguns segundos, parando de distribuir beijos em meu pescoço e olhando para mim.

- Pode, é muito bom. - Sorri e ele beijou o meu pescoço novamente. Ele me beijava timidamente e eu sorri por sua timidez, já estávamos no sexto mês de namoro e ele ainda me pedia autorização para me beijar.  

- Você está arrepiada... - Ele comentou com a voz um pouquinho mais rouca, mostrando que as sensações novas que eu estava sentindo ali, não eram sensações unicamente minhas. Ele subiu um pouco mais as mãos em minha cintura, quase perto de meu busto, mas voltou a descer as mãos novamente. 

- Bom, você está me deixando assim. - Eu mordi os lábios quando ele desceu para a minha clavícula, mas ele parou novamente, me olhando sério. 

- Eu posso tocar nos seus seios? - Perguntou e em seguida ruborizou de vergonha. - Os meus amigos comentaram sobre... - Segurei as duas mãos dele e levei até os meus seios.  Pousando-as uma em cada um. 

- E aí o que achou? - Perguntei sorrindo. Era estritamente interessante para mim vê-lo constrangido por besteiras.

- Dá para sentir as batidas do seu coração. - Pousou a mão no esquerdo com mais força. 

- E só? - Perguntei levantando uma de minhas sobrancelhas e ele me olhou confuso. - Não sente mais nada? Não quer vê-los? - Perguntei maliciosa. - Não há nenhum teor sexual em seu toque? - Ele movimentou um pouco os dedos, mas parou. 

- Isso seria desrespeitoso. E eu só posso ver partes assim do seu corpo depois que nos casarmos, segundo a premissa do judaísmo... - Ele começou e eu sorri, por que ele estava trazendo o judaísmo para aquele momento em questão? 

- E se eu tirar a roupa, agora? - Provoquei. 

- Raquel... não podemos fazer algo como isso. - Revirou os olhos. 

- Por que você não quer? Ou por que a sua religião não permite? - Perguntei e ele ainda mantinha as mãos em meus dois seios e os olhos vidrados no meus. - Hum? - O beijei de leve e ele respirou fundo. 

- Porque a minha religião não me permite e também não quero te desrespeitar. - Retirou as mãos de meus seios e eu neguei com a cabeça. 

- Eu acho que gostar do corpo um do outro também é demonstrar amor e eu não acho que possa haver desrespeito em demonstrar amor. - O beijei mais uma vez e ele me beijou novamente, correspondendo um pouco afoito. - E se fizermos “aquilo”? - Perguntei, mordendo o lábio inferior com certo nervosismo e hesitação. - Já namoramos há alguns meses e... 

- Isso está completamente fora de cogitação. Quando nos casarmos, na noite de núpcias é que eu poderei torná-la minha mulher... 

- Vamos esperar até o dia do casamento? - Perguntei com certo desânimo. 

- Raquel, eu já te expliquei um milhão de vezes que a minha religião não permite, e além do mais, você é uma moça solteira perante a sociedade, sabe o que as pessoas pensariam se descobrissem algo assim? - Perguntou calmo, apenas tentando me situar naquilo, mas eu apenas neguei com a cabeça. - Eu jamais iria me sentir bem sabendo que as pessoas iriam pensar mal de você por minha causa. 

- Eu não acho que seja errado, nós nos amamos. E além do mais, eu dou muito pouco importância para o que as pessoas acham... - Sorri e ele acabou sorrindo também. 

- Só precisamos esperar até o casamento, Raquel. - Ele disse e eu assenti sorrindo. - Nem vai demorar tanto assim... - Me beijou novamente, de forma devagar. 

Não ia haver casamento, mas naquele momento não sabíamos, então apenas rimos e nos beijamos dentro do carro, ainda conversando cerca de meia hora depois sobre as teorias de física e química que ele adorava e sobre como seria a vida depois que estivéssemos casados. 

[...] 

- Claro. Claro. Entra. - Apontei para dentro da minha casa e ela sorriu assentindo e entrando. Apesar de sermos vizinhos, morarmos exatamente no mesmo bairro, a minha casa e a dela eram bem diferentes. Ela possuía uma casa de luxo, enquanto a minha se limitava a três cômodos. Afastei o cobertor que estava no sofá e ajeitei as almofadas, me sentindo um pouco envergonhado pela casa estar literalmente uma bagunça. Eu ainda possuía coisas que estavam literalmente em caixas. 

- Calma, Sérgio. - Ela riu de meu desespero tentando arrumar as coisas para que ela se sentasse no sofá. - Parece até que eu sou uma estranha. - Sentou no sofá, mexendo nas próprias mãos de uma forma um pouco nervosa. - Eu sento em qualquer lugar, pelo que eu me lembre nunca tive problemas com isso. - Eu sentei ao seu lado e ela virou o olhar para a televisão na nossa frente. - Hum, Casablanca? É um dos meus favoritos. Fui ao cinema assisti-lo assim que houve a estreia. - Sorriu, tentando começar um assunto, mas eu não sabia exatamente o que fazer, pois não tinha ideia de qual era a intenção dela estando ali. O que exatamente ela queria? Conversar? Brigar comigo? Trair o marido? - Hum, a Alicia... a Alicia me aconselhou a vir aqui, para que conversássemos, acho que merecemos uma conversa. Não dá para fingir que não houve nada, é impossível. - Eu assenti e permanecemos calados por alguns segundos. - Passamos vinte anos separados e... merecemos uma conversa franca. 

- Você foi a universidade? 

- Jura que é essa a sua primeira pergunta? - Estreitou os olhos. - Depois de quase vinte anos sem notícias minhas? 

- Desculpa, é que você sempre quis fazer, fiquei curioso. Apenas fiquei curioso, Raquel. - Respondi, me justificando e ela deu de ombros. 

- Fiz sim. - Sorriu. - Inclusive eu era a única mulher na turma de economia. - Deu de ombros. - Meus pais nem queriam que eu fosse para a Universidade me preferiam casada com um cara rico, um político importante ou um militar... mas depois que casei, o Fabio não viu problema que eu fosse estudar. - Toda vez que ela tocava no nome “Fabio" o meu coração doía um pouco. - Então, eu me inscrevi na Universidade e fui aceita. 

- Fez aqui na Alemanha mesmo? - Perguntei interessado e ela assentiu. 

- Sim, aqui, em Berlim. Para ser específica. - Disse e eu assenti também, mais uma vez sem saber como conduzir aquela conversa, como dar continuidade a aquela conversa. Éramos nós dois, duas pessoas que haviam crescido juntas, e ao mesmo tempo não éramos nós dois. Ao mesmo tempo, éramos dois estranhos. 

- Quanto tempo esperou antes de se casar? - Perguntei e ela entendeu o teor da pergunta. 

- Um ano inteiro, esperei você retornar por um ano inteiro. Então, meus pais resolveram ficar forçando a barra com o Fabio, então... ficamos noivos e um mês seguinte nos casamos. - Eu assenti. - E nos mudamos para a Alemanha logo após o casamento. Assim eu nunca mais tive notícias de você. E nem poderia ficar perguntando. 

- Seus pais? O que aconteceu com eles? - Perguntei interessado. 

- Minha mãe morreu há alguns anos e meu pai não gosta de contato, só me visita quando é para puxar o saco do meu marido. - Riu. - Ele ainda mora na Espanha, então me dá essa desculpa para que eu não o visite e nem para que ele me visite. 

- Bem do feitio do seu pai. - Disse para mim que confirmei assentindo. - Ele ainda é viciado em cigarros?  

- Sim, ele é. - Confirmou. 

- Raquel... o seu marido tem alguma ideia do que aconteceu entre nós dois? Quer dizer, ele sabe que houve outro homem na sua vida...? - Perguntei aquilo um pouco envergonhado, mas aquela pergunta era realmente uma coisa que eu precisava fazer. Estava sendo difícil conviver com o marido dela sem nem mesmo saber até onde ele sabia sobre aquela história toda. 

- Não, ele não sabe exatamente. Mas eu não me casei virgem, então ele sabe que houve outro antes dele, mas nunca me pressionou para saber detalhes disso. Na noite de núpcias, eu contei que já havia estado com outro homem e eu achei que ele fosse ficar bravo, mas não ficou, apenas um pouco triste por não ser o primeiro a me tocar dessa forma... - Desviou o olhar por alguns segundos e lambeu o lábio inferior. - Eu não quis fingir... - Deu de ombros. - Mas, como foi o trabalho e a universidade nos Estados Unidos? - Mudou de assunto completamente. 

- Eu cursei história, mas você sabe como sempre fui bom com números como você, então consegui emprego em uma empresa de contabilidade, mas que infelizmente fechou durante a crise de 29. E como eu já havia terminado o curso, eu voltei para a Espanha. Eu procurei por você, mas me disseram que você estava muito bem casada na Alemanha. - Mesmo sem haver nenhuma intenção, eu terminei a frase com um enorme tom de mágoa. 

- Eu te esperei por um ano. Trezentos e sessenta e cinco dias, trezentos e sessenta e cinco chances de você me responder uma carta. Você voltou... quatro anos depois, Sérgio. E eu teria esperado dez se meus pais houvessem me permitido. - Engoliu em seco. - Mas eu não acho que queremos falar sobre isso. Queremos? - Levantou uma das sobrancelhas. 

- Acho que se viemos aqui para conversar, viemos falar das mágoas também. - Cruzei os braços. 

- Você realmente quer que eu fale das minhas mágoas? - Perguntou irritada. - Foi você quem me deixou. 

- Acho que no fundo foi para isso que você veio aqui. Veio esfregar na minha cara que eu não lutei por você, que eu não voltei a tempo, que eu não te procurei e que eu não respondi as suas cartas. 

- Exatamente, você não fez nada disso. - Respondeu com raiva. - Quando eu quis fugir, você... 

- Raquel, não poderíamos ter fugido para lugar nenhum aos vinte anos de idade. Eu não tinha condições financeiras nem para me manter corretamente, como eu manteria uma esposa?

- Eu poderia ter trabalhado também. Você sabe que eu sempre arranjei empregos de verão quando era mais jovem. 

- Arranjava apenas para ter o que fazer. Então você costurava, bordava, trabalhava em lanchonetes... por três meses e parava. Se tivesse ficado fazendo isso por anos, rapidamente você iria se arrepender de ter deixado o seu militar rico e de boa família para trás. - Respondi sério e ela me olhou incrédula. - Ainda mais se tivéssemos ficado juntos teríamos nos casado e você teria se convertido ao judaísmo e sabe Deus onde estaríamos agora. 

- Você não sabe disso. Você acha que pode prever tudo o que vai acontecer e que tudo está sempre ao seu controle, mas não é assim, sabe? - Ironizou. - Nós dois poderíamos ter nos virado nos Estados Unidos, na França, na Suécia, na Itália, no México... - Começou a nomear países de forma acelerada e ríspida. - Mas você pretendeu acreditar nas suas previsões de futuro e preferiu me largar.  

- Eu não te larguei. Eu já disse. Eu te deixei para trás porque eu amava você. E você poderia ter um futuro melhor do que o que eu poderia dar. E hoje você tem... Se tivesse fugido comigo, não teria ido a uma universidade, não seria uma mulher importante para a sociedade... 

- Você realmente acha que eu me importo? Sério? Você realmente me esqueceu, Sérgio. Porque... nem parece que você me conhece, me conhecia tão bem, nem parece que éramos amigos de infância... - Suspirou. - Que crescemos juntos... 

- Quando as coisas se tornassem difíceis, você iria entender bem o que eu estou falando. E você ainda parece ter dezessete anos quando age dessa forma, completamente inconsequente, não pensa no lado negativo das coisas. 

- E você só vê o lado negativo das coisas. - Respondeu séria e nós nos encaramos por alguns segundos. 

- Não quero brigar. - Disse aquilo de forma séria, olhando dentro de seus olhos. 

- Eu também não quero. Vim aqui para conversar. 

- Mas está puxando briga.

- Quem está é você, acabou de dizer que eu pareço ter dezessete anos. Como quer que eu responda?

- Mas você está praticamente jogando na minha cara que eu não tive motivos para te abandonar. Sendo que você sabe muito bem, os motivos que nos rodeavam. - Levantei a mão para empurrar os óculos, mas eles não estavam lá, então ela virou o rosto de lado, querendo rir e zombar da minha mania.

- Viu? Que ainda parece que tem dezessete anos? - Perguntei sarcástico e ela riu no mesmo tom que eu havia usado.

- Você que parece, ainda é todo atrapalhado, tem horas que parece que vai enfiar as mãos nos pés e sem falar em que porcaria de pijama é esse? - Desceu o olhar para o meu corpo. Eu não vi nada demais em meu pijama. - É um pijama de bibliotecário? 

- Sempre fui atrapalhado e o pijama não é novidade, mas você sempre gostou não é, Raquel? - Provoquei e ela sorriu maliciosa. 

- É, e eu era uma garota de dezessete anos inconsequente e você gostava muito também. 

- Mas seria estranho se eu gostasse agora, não seria? - Perguntei e ela sorriu, me fazendo sorrir também, rimos da situação logo em seguida, nos desarmamos ali. 

- Tem razão, seria bem estranho. Um pouco doentio. - Confirmou me olhando. - Sérgio... - Ela olhou para o lado por alguns segundos, mas depois focou o seu olhar em mim depois. - Sua religião não permite sexo antes do casamento. Houve outra? Depois de mim?

- Não. - Engoli em seco. Era estranho admitir aquilo e saber que ela estava casada com outro homem. - Não houve, eu não iria contra os mandamentos da minha religião apenas por sexo. Eu realmente te amava. Não houve outra mulher depois de você.

- Éramos tão jovens. Mas tão apaixonados... - Sorriu de lado.

- Sim, éramos. - Confirmei, querendo me aproximar dela, mas eu sabia que se me aproximasse um pouco mais, talvez nos arrependêssemos no segundo seguinte de nossas atitudes. - Nós realmente nos amávamos e naquela época largaríamos tudo um pelo outro. - Eu ainda largaria tudo. Aquela frase apenas ficou presa na minha garganta.  - Espera um segundo. - Disse para ela que assentiu e eu me levantei do sofá, fui até a uma das caixas, a abrindo e tirando de lá um lote de cartas, amarradas por uma pequena cordinha. Quando voltei ao sofá, ela direcionou o olhar para o bolo de cartas no mesmo segundo. 

- Isso é... - Começou, mas parou no meio da frase. 

- É. São as suas cento e quarenta e cinco cartas. Eu li todas e guardei todas. - A olhei com um meio sorriso e coloquei as cartas em cima da mesa de centro. - E eu as respondi. - Fui até a caixa novamente e voltei de lá com mais um lote de cartas, os olhos dela se arregalaram pois era uma pilha de papéis na mesma quantidade. - Eu apenas não as enviei. Nunca tive coragem, eu não... enfim. Também te escrevi cento e quarenta e cinco cartas. - Ela parecia totalmente surpresa e olhava de mim para as cartas sem acreditar. 

- Eu posso... ler? - Esticou a mão para alcançar uma das cartas e desfez o nó da cordinha que as amarrava. 

- Não na minha frente, por favor, seria embaraçoso. - Admiti e ela sorriu.  

- Você ainda se importava... - Ela passou os dedos pelos papéis. - Sabe quanto tempo eu esperei por pelo menos um cartão postal? - Me olhou e respirou fundo. 

- Vai começar novamente, Raquel? - Levantei do sofá, querendo andar e de alguma forma conseguir me livrar de todos aqueles sentimentos que estavam me invadindo. Ela levantou também. 

- Vou. Por que não custava absolutamente nada você ter me mostrado um único sinal de vida. - Revirou os olhos, já dizendo aquilo com raiva. - Você imagina como eu fiquei quando a guerra começou? Sabendo que você era um judeu? - Perguntou exasperada e eu bufei. 

- E o que queria que eu fizesse? Mandasse cartas para uma mulher casada? - Perguntei e ela suspirou. Aquele diálogo estava se tornando impossível. - Essa semana mesmo você está morrendo de medo que o seu marido descubra alguma coisa. Eu consigo ver o medo no seu olhar.

- Mas é claro que eu estou com medo. 

- Por que? Isso foi há vinte anos. 

- Você fala como se tivesse sido algo totalmente sem importância ou sem relevância nas nossas vidas. - Disse irritada, e aquilo não era verdade, mas talvez eu estivesse deixando transparecer aquilo. - E quer saber? Vir aqui foi uma ideia terrível, espero que a Alicia exploda com as ideias dela. - Disse saindo do lugar e eu segurei seus braços, a mantendo no mesmo lugar. - O que é, Sérgio? Eu não tenho tempo para ficar aqui brigando... - Me aproximei um pouco e nós já ouvíamos a respiração um do outro por conta da proximidade. 

Um calor se instaurou entre nós dois, um tipo de desejo que eu já havia sentido antes com ela, mas que era ainda mais forte dessa vez, pois agora esse desejo não possuía aquela inocência que existia em nossa juventude. Era pura luxúria, eu a queria. Seu olhar também entregava que a sensação era a mesma para ela. Ela passou uma das mãos pelo pescoço que já se encontrava vermelho e negou com a cabeça. Sua pele vermelha, era um dos sinais que eu conhecia quando ela me desejava. 

Por alguns segundos, eu me imaginei retirando aquele vestido de seu corpo, que com toda certeza sairia com facilidade, e a tomando ali, sem me importar com as consequências. 

- Eu preciso ir, deixei o meu marido dormindo. - Se afastou antes que fizéssemos algo que pudéssemos nos arrepender depois. 

- Tudo bem. - Me afastei um pouco dela e ela assentiu. 

- Eu posso levar a droga das suas cartas? - Perguntou e eu assenti. Ela abaixou-se um pouco e agarrou o monte de cartas, sorrindo cinicamente para mim.

- Eu te acompanho até a porta. 

- Eu agradeceria. - Respondeu com ironia e eu revirei os olhos. 

- Até mais, Raquel. - Disse, mas ela não respondeu nada, apenas saiu da casa com um semblante irritado. 

[...] 

Eu temia bastante que o meu marido estivesse acordado e me esperando na poltrona como em um livro de terror. Mas ele não estava e eu agradeci aos céus por isso. Passei pela sala e fui até o jardim sentando-me no balanço, a verdade é que eu estava muito ansiosa para ler as cartas de Sérgio. Era uma das primeiras vezes em anos que eu sentia o meu coração bater forte e as tais “borboletas no estômago” se fazerem presentes. 

Respirando fundo, sabendo que aquela atitude desenterraria muita coisa, eu puxei a cordinha, desfazendo o laço que amarrava as cartas uma na outra e abri a primeira. Datava de 1925, então havia sido exatamente quando ele havia chegado lá. A desdobrei, vendo a sua letra bonita e organizada bem diferentes da minha e comecei a ler. 

“Raquel, meu amor. A América é muito diferente da Europa em muitos aspectos, principalmente porque aqui o clima está muito quente, diferente do que deve estar aí. Eu comprei algumas passagens e visitei alguns pontos turísticos muito bonitos, Nova York é realmente muito grande e por vezes até sinto medo de me perder aqui no meio. É uma cidade muito agitada, as pessoas estão o tempo todo andando para a frente e para a frente, sem nem olhar para o lado e sinto que nem possuem tempo para refletir. Entretanto, é um lugar muito bonito e todo os dias eu desejo que você estivesse aqui, porque eu sei que você iria adorar as agitações dos Estados Unidos. Eu sinto a sua falta todos os dias. E todos os dias, eu tenho vontade de voltar para Madri, apenas porque sinto falta de ver o seu rosto. Em cada coisa que vejo aqui, eu lembro de você. Queria que você estivesse aqui comigo, que dividíssemos uma pequena casa e que... “ 

Parei, limpando uma lágrima que estava escorrendo de meu olho e eu nem percebi, mas estava chorando. Abri outra carta que datava de mais ou menos um mês depois daquela. 

“Raquel, as coisas não estão boas no trabalho. O meu chefe é insuportável, mas tem tudo ido muito bem na Universidade, na semana passada ganhei um prêmio. Queria que te mandar a foto que eu tirei, odeio fotos, mas gostaria muito de compartilhar esse momento com você. Eu fico imaginando todos os dias como você está, como estão os seus cabelos, o seu rosto... eu sinto muito a sua falta, sinto falta da minha namorada e da minha melhor amiga. Outro dia, um professor me disse que deve ser incrível encontrar o amor de sua vida e a melhor amiga em apenas uma mulher e eu lembrei de você...” 

Parei novamente após escutar um barulho e dobrei as cartas todas juntas, limpando as muitas lágrimas que agora haviam se formado em meus olhos. Alicia apareceu no jardim enquanto fumava um charuto e franziu a testa ao ver as minhas lágrimas. 

- Nossa, parece que o encontro não terminou com o meu irmão sendo traído. - Me olhou séria. 

- Alicia... - Repreendi. 

- Pela sua cara foi bem intenso... 

- Ele me respondeu, Alicia. Durante aquele ano inteiro... - Mostrei o bolo de cartas para ela que arregalou os olhos. - Mas ele não me enviou. 

- Joder, e o que pretende fazer com essas informações?  

- Eu não sei, eu comecei a ler duas cartas e já estou chorando muito. - Ela veio até mim e sentou-se ao meu lado, acariciando as minhas costas. 

- Raquel, você o ama? - Perguntou me olhando e livrando-se do charuto logo em seguida. 

- Eu não sei, não tenho mais vinte anos... somos pessoas diferentes agora. Eu acho que o amo, mas ao mesmo tempo eu me sinto tão confusa... 

- Ama o Fabio? 

- Amo também, mas é completamente diferente. Eu vivi dezenove anos com o Fabio, temos uma relação amorosa muito sólida, temos um filho, e o Sérgio... ele foi o meu amor de ensino médio. - Respirei fundo e ela me olhou como se compreendesse. 

- Quando você estava lá, conversaram sobre o quê? Houve algum contato físico? - Ergueu as sobrancelhas e eu sabia bem de que contato físico ela estava falando. E não havia acontecido nada entre nós dois, mas não por falta de vontade. 

- Claro que não, Alicia. Eu sou uma mulher casada... 

- Você mesma admitiu ter transado com o meu irmão pensado nele. Não venha bancar a beata agora, por favor. - Eu revirei os olhos. - O que eu quero saber é qual dos dois você realmente ama. Não se pode amar os dois. 

- Vontades são diferentes de atitudes. Eu não posso decidir sentir atração pelo Sérgio ou não, é algo natural do meu corpo. Mas posso decidir levar isso a diante ou não. - Disse firme. - E eu acho que posso sim amar os dois, de forma diferente. 

- Mas Raquel, é justamente o que eu estou colocando aqui, se você realmente amasse o meu irmão da forma correta, a presença do Sérgio aqui não faria diferença. - Disse e eu revirei os olhos mais uma vez. 

- Não é verdade. Eu amo muito o Fabio, mas não posso evitar sentir o que sinto por Sérgio, ele foi muito importante na minha vida e... - Ia continuar falando quando ouvimos um bombardeio alto que fez Alicia arregalar os olhos, segurei a sua mão e agarrei as cartas, entrando dentro de casa e fechando a porta que dava acesso ao jardim. Retirei os saltos altos pois Fabio acharia no mínimo estranho me ver dentro de casa usando saltos. 

- Eu guardo as cartas, vai buscar o seu filho e daqui a pouco eu desço para o porão. - Eu assenti e entreguei os papéis para ela, correndo para o andar de cima. Fabio já estava acordado e indo na mesma direção que eu, o quarto de Jonas. O acordamos e Fabio o colocou nos braços. 

- Onde está Alicia? E Mayla? - Perguntou enquanto descíamos as escadas para irmos ao porão. 

- Mayla não está aqui hoje. Foi para a casa de um parente, Alicia ia resolver uma coisa e disse que nos encontrava no porão. - Ele assentiu e descemos até o porão, alguns segundos depois Alicia chegou também. 

Os bombardeios não paravam e eram diferenças de segundos de um bombardeio para outro. Jonas começou a chorar e eu segurei a mão de Alicia enquanto Fabio o abraçava, tentando inutilmente o acalmar. Os barulhos começaram a aumentar, tornando-se cada vez mais próximos e algumas lágrimas começaram a se formar em meus olhos. 

Viver na segunda guerra era viver pensando em qual seria a sua hora. A cada bomba, era apenas pensar que aquela poderia ser a vez da sua casa e então a sua vez de ser mais uma vítima da guerra. 

- Estamos seguros... - Fabio passou os dedos por meu rosto de forma carinhosa. - Estamos seguros... - Ele repetiu novamente. - Os bombardeios são longe daqui. - Ele afirmou e eu assenti. Pensando em qual teria sido a vítima daquele bombardeio. Quem há alguns minutos tinha vida e agora já não possuía mais. 

E por alguns longos segundos, eu pensei em Sérgio. Será que ele possuía um porão consistente? E pior ainda, quando tempo ainda duraria até que ele fosse descoberto? 

Os bombardeios pararam e uma chuva forte começou, nós três nos encaramos como que agradecendo por ainda termos vida e eu abracei Fabio junto com o nosso filho. 

Aquele abraço ainda me acendeu mais dúvidas. Eu realmente amava o meu marido ou apenas via conforto e estabilidade nele? No fundo, eu sabia que realmente amava Sérgio, eu apenas não sabia o que iria fazer com aquilo. Eu não sabia o que iria fazer com aquele sentimento. 



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