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História Fragmentos da Verdade (Sally Face) - Quem Realmente É


Escrita por: SilentWriter_111

Notas do Autor


Desculpe a demora, acabei procastinando de novo .-.


Enfim, o capitulo é longo ent pegue um lanchinho pq esse cap vai ser bem...caótico

Boa leitura S2

Capítulo 37 - Quem Realmente É


Fanfic / Fanfiction Fragmentos da Verdade (Sally Face) - Quem Realmente É

Thalia

  Ao despertar, me vi naquele lugar escuro novamente, aquele vazio imensurável coberto pela mais densa escuridão. Dei alguns passos para frente tentando encontrar algo, mas a tentativa foi em vão.  

 Foi quando subitamente um barulho se fez presente invadindo meus ouvidos, um barulho ruidoso e incomodamente alto me fez virar para sua direção. Meus olhos se arregalaram em susto ao ver que me deparei com aquela forma fantasmagórica e fragmentada de Jim Jonhson, ou o que restou dele.

-hm, olá? Jim? Está tentando se comunicar comigo?

-ecov arap adaxied megasnem ahnim odnarficed atse euq ojev- O fantasma disse, em uma língua indecifrável.

-Hã? O que disse? Pode repetir?

-ecov ed ortned oatse asicerp euq satsopser sa sadot- Ele continuou- reuq euq o riugesnoc edop missa os, ailahT rarbmel es asicerp

-Senhor Jonhson, eu não entendo!

-ecov ed odidnocse res siam eved oãn euq otiderca e oçitief mu omoc é, amsem is rop rev asicerp, zapacni uos, odut rezid et ogisnoc oãn ue- Ele disparava sem se importar com meus protestos- meb ues mereuq sodot men

-Você não esta me ouvindo! O que quer dizer?- Enfim gritei para ver se tomava a atenção dele para mim, mas nada pareceu funcionar.

-Abra os olhos!

  E assim ele sumiu, levando minhas duvidas com ele e me deixando sozinha mais uma vez nesse lugar escuro e vazio. Comecei a olhar para qualquer lugar, mas era impossível, lá eu era cega, e a única coisa que me fazia ter noção de movimento era a sensação do meu pescoço virando de um lado para o outro. 

  Me assustei ao ouvir um ruído vindo atrás de mim. Me virei para trás rapidamente e por consequência me deparei com um toca-discos de vinil. A agulha do instrumento passava pelas impressões de vinil formando um ruído que normalmente antecedia a melodia. Olhei mais atentamente ao detalhes do toca-discos e pude ver grande semelhança com um que havia em casa, era quase o mesmo. Ao lado do toca-discos havia um pequeno calendário e atrás dele, escorado no mais puro vazio estava a capa do disco, a qual o titulo estava censurado por uma faixa preta.

-O que esta fazendo? Não é mais simples so me contar o que está acontecendo?- Perguntei a vasta escuridão, sem realmente esperar uma resposta de Jim ou qualquer outro alguém-Ah esquece, você não consegue...

 Me aproximei do calendário, e nele, a caneta vermelha marcava um dia antes da data do meu aniversario, olhei para o cabeçalho e nele estava escrito o ano em que eu completaria meus 10 anos. Em outras palavras, o dia e o ano em que minha mãe faleceu em um acidente de carro. 

 Sofri outro arrepio ao ouvir o ruído do toca-discos ser substituído por uma conversa, a gravação de uma conversa, duas vozes podiam ser ouvidas, ambas estavam modificadas e mal pareciam humanas, uma parecia mais feminina por estar extremamente aguda e outra masculina por estar em um tom muito grave. E assim a conversa se seguiu:

"Eu não quero que você faça isso. Deixe ela em paz, podemos ser uma família feliz, deixar tudo isso para trás e recomeçar''

''Deixar tudo pra trás? eu já cheguei muito longe pra deixar tudo pra trás''

''Você ainda pode-''

''Covarde!'' A voz grave urrou contra a outra ''Eu não vou deixar tudo pra trás, eu não quero isso, você quer!''

''Eu quero!...Eu sinto falta de como as coisas eram antes, quando nenhum deles havia feito a sua cabeça, quando éramos só nós dois'' A voz aguda soava tremula e suplicante.

''Sente falta de como era antes? Quando eu era apenas um desgraçado solitário, doente e desamparado? Quando ninguém se importava se eu estava vivo ou morto?''

''EU ME IMPORTAVA!'' A voz aguda gritou, me fazendo pular de susto ''Eu me importava...Mas agora eu nem te reconheço mais''

''Não se faça de vitima!''

 Ouvi choros e soluços vindo da aguda voz.

''Ah não chore, querida..."

''Você não me ama mais...'' Os choros e gemidos estavam cada vez mais altos, a mulher se segurava para não explodir em lagrimas, era o que parecia.

''Você não esta me dando muita escolha''

''O quanto tudo isso vale pra você?'' A voz soou sussurrada

''O quanto isso vale pra mim? Tudo, isso é a coisa mais importante pra mim"

"A coisa mais importante pra você? Achei que nossa família era mais importante, mas coloca a vida da sua própria filha em risco"

''Sacríficos precisam ser feitos para o triunfo da humanidade, mas acho que você não esta entendendo isso! Só consegue ser uma puta de uma egoísta"

''Egoísta? Vocês são desumanos! Quantas vidas precisam ser tiradas até pararem?''

''Você não entende, aquele porra de cientista está colocando essas ideias em você! Acha que eu não percebi? Vocês tem planos contra nós! Aquela carta...Eu a vi escrevendo!  

'' Você é louco! Eu não te conheço mais!''

''Louco? É assim que me agradece por te manter viva? Eles já teriam te matado a muito tempo se não fosse por mim!''

''NÃO ENCOSTA EM MIM! Eu preferiria estar morta do que vivendo desse jeito! Você não me mantem viva, apenas me mata aos poucos...''

  Em poucos segundos a mulher já estava soluçando fortemente, seus choros e lamentos eram altos, parecia fora de si, murmurava alguns sons inaudíveis e incompreensíveis.

"Eu não aguento mais isso" Ela disse "não aguento, não aguento, não  não não...Não pode fazer isso"

"Vai fingir que se importa com a vida dela agora? Depois de quase dar um fim nela? Hipócrita!"

  O ambiente pareceu ter se agitado,  passos foram ouvidos, depois barulhos de objetos sendo lançados contra a parede se fizeram presentes.

"LOUCO! EU TE ODEIO"

"Jogue isso, e eu faço você engolir todos aqueles remédios de uma só vez! Vai preferir estar morta" O homem ameaçou, provavelmente se defendendo do objeto.

"Eu prefiro estar morta"

  Depois de dizer isso, ouvi passos rápidos se seguindo para longe, ouvi uma porta batendo violentamente e após alguns segundos de um silêncio angustiante, ouvi um estrondo de batida de carro ao longe.

E assim, o disco voltou a ficar em silêncio.



   Acordei, a luz pálida da manha atravessava a cortina branca e iluminava o quarto, as imagens dos pôsteres nas paredes estavam borrados enquanto minha visão se ajustava. Minha cabeça latejava com força como consequência do pesadelo da noite anterior, pisquei algumas vezes e me levantei sentindo meu corpo pesado com o sono que ainda residia nele.

 Demorei alguns segundos para raciocinar sobre o pesadelo, ele deixou uma sensação estranha na mente. Como se o sentimento de segurança tivesse fugido de mim, e algo no fundo da minha mente me incomodasse, eu só não me lembro o que é.

 Senti o cheiro gostoso vindo da cozinha e logo segui para lá, como esperado, papai estava preparando o café e algumas panquecas.

-Bom dia, meu bem- Ele falou, colocando meu prato sobre a mesa- Como dormiu?

-Eu dormi bem, só acordei com um pouco de dor de cabeça, mas vai passar- Respondi já enfiando o garfo na boca.

-Entendo, e o que quer fazer hoje?- Ele perguntou, se referindo ao que combinamos ontem

-Achei que o senhor já tinha se decidido- Falei 

-Podíamos dar um passeio pela floresta, ouvi dizer que lá tem um moinho abandonado, a paisagem deve ser bonita- Ele sugeriu e um sorriso apareceu em meu rosto- O que acha? Você gostava de explorar quando era menor, ainda gosta?

-Ainda gosto, é um bom plano heh- Falei, terminando o prato

-Vamos torcer para não ter nenhuma assombração por lá- Ele brincou, mexendo os dedos para imitar um fantasma, depois bagunçou meus cabelos e acariciou minha bochecha levemente- Vamos ver se o clima da floresta da um jeito na sua enxaqueca, hm?

-Vai ser bom

   Caminhávamos entre as altas árvores, admirando seus galhos longos e folhas densas que podiam cobrir o céu sobre nós, o dia não parecia tão nublado como de costume mas ainda havia a tonalidade pálida de sempre. Estava tudo muito calmo, tudo que se podia ouvir era a melodia doce de diferentes pássaros, alguns galhos se mexendo com o vento ou com os esquilos que subiam por eles, e nossos passos sobre as folhas secas que cobriam o chão.

  A placidez do ambiente me fazia ficar pensativa quanto a sensação de perigo que me cercava, voltei meu pensamentos para Sally e não podia para de pensar que poderia tê-lo avisado que estaria fora hoje, não nos falamos desde que ele entrou na van, só espero que ele não fique preocupado com meu ''sumiço''.

-No que esta pensando?- Meu pai perguntou

-Nada de mais...- Respondi-Acho que que deveria ter avisado Sal...

-Não vamos desaparecer- Ele tranquilizou com uma risada- Quando voltarmos você explica e- Oh, olha! Achei o moinho...

-Não sabia se estava no caminho certo, né?

-Eu tinha total certeza, mas olha só, chegamos!-Ele se animou e tirou seu cantil de whisky do bolso, apenas para um breve gole da bebida.

-Serio que trouxe isso?- Perguntei em tom de brincadeira, mas com intenção seria

-Qual o problema?- Ele disse, e eu apenas ignorei sua resposta.

  O moinho a nossa frente possuía aquela clássica estrutura de pedras cobertas por musgos e outra plantas que se agarravam aos espaçamentos de uma pedra a outra. Assim como sua aparência sugeria, o moinho estava abandonado, portanto não estava em funcionamento e muito menos estava limpo. Quando entramos, a porta fraca de madeira rangeu, e pude sentir a poeira subir, as tabuas de madeira que formavam o chão estavam cobertas por uma espessa camada de poeira, as vigas de madeira que sustentavam uma estrutura interna pareciam frágeis como se a qualquer momento fosse desabar sobre nós. No meio do moinho, havia um grande mecanismo com engrenagem, suportes e laminas giratórias, era o moedor abandonado que dava inicio no teto do andar de cima e se entendia até o térreo. Tudo isso contribuía para um cenário abandonado e tomado pela natureza, era bonito, da sua própria maneira.

-Wow, olha pra isso- Falei, admirando a cena daquele lugar

-Sabia que você iria gostar-Ele disse

-Já veio aqui antes?- Perguntei

-Só algumas vezes- Ele respondeu com certo desdém

  Subimos para o andar de cima, as tabuas de madeira dos degraus eram tão frágeis que rangiam ao simples toque dos nossos pés, fui logo para uma das janelas que estava fechada, tentei abri-la para que alguma fonte de luz entrasse naquele lugar pouco iluminado, mas nada resolveu, as janelas eram tão velhas que estavam emperradas em seus lugares, então me contentei com a pouca luz que entrava pelas aberturas da madeira. Voltei a encarar o mecanismo no centro do moinho.

-Isso é muito interessante, não é?-Falei, me aproximando para ver melhor- Por que será que está abandonado? 

-Eu não sei, bem, existem outros moinhos mais próximos das casas, os trabalhadores devem ter se mudado pra lá ou alguma coisa assim- Ele explicou- Ou alguém morreu por aqui, é uma opção.

-Hah, eu acho que não- Balancei a cabeça com comentário aleatório que papai fez- Se alguém tivesse morrido por aqui, não acha que teria algum fantasma?-Entrei na brincadeira

-Quem sabe? 

  Paramos de falar por um momento, apenas aproveitando aquela tarde que a pouco daria inicio ao seu fim. Parei para perguntar a mim mesma sobre o porquê de estarmos aqui hoje, fazendo o que estamos fazendo, papai disse que queria conversar, aproveitar nossos momentos juntos e acho que estamos fazendo isso, mas parecia que ele queria dizer algo a mais com aquilo. Depois de conversar sobre fantasmas ontem a noite, senti que um leve peso caiu de minhas costas, papai pareceu ser compreensivo, e saber que eu já fui sensitiva quando mais jovem faz novas portas de clareza se abrirem.

-Por que se interessa tanto pelo sobrenatural?- Perguntei, sem olha-lo nos olhos.

-Desde que eu me entendo por gente isso me chama a atenção, muita gente acha estranho, eu acho interessante, muito interessante, o desconhecido chama muito a atenção- Ele respondeu- Acho que era por isso que eu não tinha amigos na escola, ha

-Não sabia que também era a "criança solitária" da escola- expressei rindo um pouco.

-É, eu acho que é de família. Eu tinha péssimas habilidades de comunicação, acho que eu me senti deslocado pelos meus gostos e por ser órfão.

-Entendo...

-Mas existe outro motivo por eu me interessar tanto, sabia?- Falou, andando de um lado para o outro naquele lugar, parecia ponderar em continuar a frase- Eu já tive experiências..

Me virei bruscamente para encara-lo nos olhos.

-Jura? Tipo,  de verdade?- Não é como se eu não acreditasse no que ele havia dito, já que sou uma prova viva de que coisas do outro mundo existem, mas isso havia me pego de surpresa.

-ah sim, essa é uma parte da minha vida que você não conhece, e eu não queria que conhecesse mesmo, pelo menos não até o momento certo...mas o momento chegou- Ele discorreu, me deixando tensa com sua fala misteriosa.

  Voltei toda a minha atenção em seus olhos acinzentados que agora se enchiam de uma ansiedade peculiar. Assim ele  deu inicio a sua explicação.

-Quando criança, eu não era a mais saudável. Eu era magro, fraco, ficava doente com frequência por assim dizer, e essa foi uma das razões que contribuíram para que eu continuasse órfão até a fase adulta, afinal, pessoas adotavam os melhores filhos- Ele discursava com peso em suas palavras, enquanto eu me sentia mal por ele- Por causa da minha saúde precária, quando adulto eu acabei desenvolvendo uma condição que enfraquecia meu corpo aos poucos.

-Uma condição?

-Isso, ela me enfraquecia e me debilitava de varias maneiras até que eu cheguei ao ponto de não conseguir nem sequer andar, me locomovia as custas de uma cadeira de rodas e vivia acompanhado por enfermeiros. Basicamente, eu vivia todos os meus dias com um sentimento vazio, eu sentia como se eu fosse alguém à parte do resto do mundo, deixado pra morrer, eu era um azarado.

-Eu sinto muito- Me limitei a isso. Estava sem palavras, não conseguia pensar em nenhuma resposta para o porquê de esconder isso de mim por tanto tempo. A forma com que ele desabafava tudo isso, parecia se aliviar de algo dentro do peito, sentia suas palavras pesarem com essas memórias amargas.

-Alias, foi por volta dessa época que eu conheci Janet, ela trabalhava naquele lugar onde eu repousava a maior parte do tempo. Era uma enfermeira muito atenciosa- Ele sorriu levemente ao citar a mamãe. Mas a curva de seus lábios duraram apenas por um breve momento.

-M-Mas como se recuperou?- Ele pareceu se encher de ansiedade novamente com minha pergunta.

-Como os livros sobre o oculto e o sobrenatural eram minha única fonte de entretenimento, comecei a questionar o conteúdo daquelas coisas mais criticamente, por assim dizer. Comecei a me perguntar se tudo aquilo era verdade, se eu conseguiria me recuperar daquela condição e viver normalmente usando esse tipo de recurso.

Ele prendeu seus olhos em mim.

-Eu fui atrás de "curandeiros", aqueles que usavam magia oculta. E foi quando um conhecido meu me apresentou a um grupo de pessoas que poderiam resolver meu problema. Senti como se eles tivessem me encontrado, sabe? E então eu pedi para que dessem um jeito em mim, e caso funcionasse eu seria eternamente grato a eles, e estaria em divida.

-E o que aconteceu?- Perguntei com meu coração palpitando dentro de mim, algo me dizia que aquela conversa não iria terminar bem. Essa conversa estava me preocupando de infinitas formas, vendo que minhas experiências com tudo isso foram traumáticas e bizarras.

Tudo aquilo só trouxe caos e tragédias para aqueles que se envolviam com forças desconhecidas.

-E assim aconteceu, eles me curaram, voltei a andar e voltei mais saudável do que nunca, minha vida começou a fluir, e tudo estava perfeito- Ele me entregou um sorriso.

-E o que mais?

  Papai agarrou meus ombros com ímpeto, mal se dando conta que estava suas unhas quase cravavam em minha pele. Seus olhos me encaravam com agitação, um fervor dentro de suas orbitas que me fazia querer recuar.

-Olha querida, essas pessoas me ajudaram tanto, me ajudaram com meu problema e podem te ajudar com o seu também-Ele disse, com seus dedos acariciando meu ombro- Você tem um dom Thalia, que não deve ser desperdiçado, você deve usa-lo da maneira certa, para o que é certo! E eles tem a resposta para tudo, para todos os seus problemas!

-Problemas?- minha voz estremeceu

-Thalia, você é única, precisa disso.

  Ele então pegou minhas mãos juntas e as aproximou do rosto, em gesto de súplica. Ele transbordava um entusiasmo que parecia beirar o delírio. Eu estava presa no lugar, mesmerizada, paralisada, nada que ele dizia fazia sentido, não conseguia pensar em nada até que ele desse o desfecho da história.

-O senhor disse, q-que estaria em eterna dívida caso eles te curassem...o que aconteceu?- Podia sentir a fraqueza de meus joelhos, se aquilo fosse algum tipo de piada, não tinha graça nenhuma. Aquilo estava me deixando ansiosa. 

-Como nada nessa vida é de graça, eu firmei um acordo com eles...Eles recuperaram a minha vida e eu teria que, sabe, me juntar a eles, e fiz isso de bom grado, claro- Ele expôs, com gotas de orgulho em sua fala.

  Senti-me arrepiar por inteiro, meu coração palpitava e eu já havia esquecido do mundo exterior, tudo apenas parecia muito confuso para processar alguma informação, continuei paralisada, mas agora com um medo descomunal agitando todo o meu interior. O encarei de volta, confusa e atordoada, e perguntei:

-Quem são essas pessoas?

-São uma comunidade secreta, que se auto intitulam, "Devoradores de deus"

 Ao ouvir esse nome, senti um gelo subir pela coluna.

  Meu estado de paralisia se transformou em atordoado e agitado. Com violência me soltei das mãos do homem a minha frente e me afastei cambaleando para trás, devido a fraqueza em meus joelhos e adrenalina em meu sangue. Tudo girava em um carrossel infernal que me fazia querer vomitar ao tentar processar as palavras ditas por meu pai. Eu só podia estar em mais um pesadelo.
  Meu estado consciente parecia vacilar a medida que minha cabeça latejava e me deixava tonta com suas mil voltas.

Aquilo só poderia ser mentira, deveria se mentira, pois nada mais parecia real.

Voltei meus olhos para o homem em minha frente, que me encarava de maneira nervosa.

-Quem é você?-Sussurrei, com a voz carregada.

-Do que está falando? Oh minha filha, vem cá- Ele começou a dar passos cautelosos em minha direção.

-Onde conheceu essas pessoas?! Hm? O que elas te disseram?!- Berrei, com minha voz assombrada, fazendo-o recuar um pouco

-Aqui mesmo, em Nockfell, há muitos anos atrás- Ele disse tranquilo- Acho que você não esta entendendo, meu bem, ele me ajudaram e podem te ajudar também...É simples! Você tem um potencial tão grande..

  Minha pele se arrepiava de uma repulsa que vinha do fundo do meu coração e embaralhava meu interior. Ainda não estava acreditando em tudo, mas era real demais para ser um sonho. Como ele pode simplesmente esconder isso por todos esses anos? Eu não podia raciocinar, e a cada passo ele chegava mais perto.

-Potencial? O quer dizer com isso?!- Gritei

-Eu posso te explicar tudo em detalhes se você vier comigo, é só isso que precisa fazer

  Mil pensamentos corriam por mim, mas apenas um deu um nó em meu cérebro, uma pergunta que me arrepiava apenas por pensa-la.

-Mamãe sabia disso?-Perguntei com o coração em mãos, sem coragem para o encara-lo nos olhos.

-Claro que ela sabia, estava ao meu lado por todo o processo- Ele expos fazendo meu estomago se revirar mais- Mas ela não entendia absolutamente nada! Ela tinha medo de você! 

-Medo? De mim?- Senti lagrimas encherem minhas pálpebras enquanto algo em mim se estilhaçava.

-Ela andou pra trás com nossos planos, quis me trair e trair eles! Ela não entendia, não entendia importância do nosso trabalho e estava querendo interferir de todas as formas! Ela não entendia que nosso trabalho tinha uma importância enorme.

   Senti ele se aproximando de mim lentamente, levantou meu queixo e afagou meus cabelos, com seu polegar secou uma lagrima que derramava em meu rosto.

-Eu sei, eu sei como isso deve se difícil de ouvir, e sei que você deve estar confusa agora-Ele tentou tranquilizar- Ela tinha medo do seu potencial, do seu dom, mas eu não, muito pelo contrario, eu acho incrível, uma dadiva! Tudo que eu e esse grupo queremos é o melhor pra todos, vamos quebrar as barreiras do sobrenatural e fazer desse mundo um lugar perfeito. Então se me deixar te ajudar, e vier comigo...Eu quero o seu bem.

 Deixei-me amolecer com suas palavras por um momento.

 Mas a historia não era bem assim, eu sabia.

  Algo me fez voltar ao sonho que tive essa manhã e o incomodo da minha alma falava mais alto, algo no fundo das minhas memorias me faziam recuar ao toque do homem a minha frente, algo nele apita meu sensor de perigo, ele já não me traz segurança.

-Pai? Me responde, mamãe era realmente...insana?

-Ela...como posso dizer isso? Bem, querida, ela quase tentou te matar, você sabia? Depois disso eu fiquei com medo de tê-la por perto, ela poderia realmente ter te matado e...Bem, ela quase cometeu um crime, e ela não poderia sair ilesa disso...

 Meus músculos tencionaram, a adrenalina retornou ao meu corpo. Algumas peças se encaixaram na minha cabeça. Foi quando tomei coragem de expelir aquilo que estava no fundo da minha mente.

-Isso foi um plano seu?

-Do que você sabe?

-Responde

-...Olha, eu sei que isso soa ruim...

  Estremeci, não por medo, mas por uma súbita raiva. Me arranquei bruscamente de seus braços e quando menos percebi ele já estava batendo suas costas na parede. Vi seu cantil cair de seu bolso, a tampa frouxa se abriu e o líquido de dentro se espalhou pelo chão.

 Papai estava perplexo e sem palavras, me olhava de olhos arregalados, e estava ofegante pelo susto.
 Já eu, me encontrava tomada pela raiva.

Avancei em sua direção, fechei meus punhos e entreguei um soco cheio.

-Ela era mesmo louca como você diz, hm?! Ou você apenas inventou isso pra continuar com seus planos sem ser interrompido?

-Thalia! Me escuta!- ele segurou meus punhos juntos- Tudo que eu fiz foi para um bem maior, você esta viva porque eu te salvei daquela mulher! Ela pensava que você era-

-Um demônio? Eu sei!- Vociferei

-O que?

-Confessa! Você a matou! Você fez todo mundo acreditar que ela era doente, assim ela seria contida e não te atrapalharia, confessa!- Me soltei dele mais uma vez e agarrei a gola da sua camisa violentamente.

-Do que você sabe? Thalia!

-Eu sei que você é um mentiroso de merda!- Gritei, e a essa altura ele não reagia, apenas me encarava perplexo- Quer sair como herói da historia? Essas pessoas são assassinas e desumanos que usam essa desculpa pra justificar a carnificina! 

 Eu não me aguentei, já estava em lagrimas e berros. E havia sido apunhalada pelas costas. Traída.

  Atordoada, baixei a guarda brevemente mas foi o suficiente para que ele revidasse, senti o peso do seu corpo contra o meu, logo fui levada ao chão. Imobilizou meus braços e pressionou seu joelho contra meu tronco para me manter no chão.   

-Eles sabiam? Sabiam do meu ''dom''?!-Perguntei, grunhindo e tentando me soltar 

-Sabiam, sabiam de tudo-Ele discorreu irritado- Era incrível Thalia, eles sabiam como usar, você não sabe! É imatura!

-Sabiam usar?! Do que caralhos você ta falando? Sabiam usar assim como sabiam usar crianças para rituais bizarros?

 Ele pareceu confuso por um momento, estava decifrando minha fala.

-Não se faça de idiota, você sabe muito bem! A garota! Usavam pra se comunicar com outro mundo, queriam usar de receptor para um demônio!

  Nesse momento um arrependimento apareceu, eu não devia ter dito o que sabia tanto, agora ele buscará por respostas. 

Por um momento pensei ter visto um sorriso ladino em seus lábios.

-E como era essa garota?- Ele perguntou, sarcástico, como se eu tivesse falado algo muito idiota

-Pequena, magra, pálida, cabelos pretos...Você sabe de que eu estou falando! A garotinha médium! 

 Ele começou a rir, fiquei confusa

-Do que esta rindo?

-Ah Thalia...querida, você esta falando de si mesma? 

 Tudo se encaixou agora

Então é isso? Ele queria me usar para os planos nojentos deles? Fazia parte do acordo? Agora tudo se encaixava, era isso, essa era verdade? Tão cruel assim? Eu mal conseguia olhar em seus olhos, estava enjoada, eu queria vomitar de desgosto. 

 Ele não demonstrou nenhum traço de arrependimento mesmo depois de confessar tanto.

Ao desviar meu olhar, vi uma viga de ferro laranja de ferrugem e sem pensar duas vezes, com minha fúria, fiz o objeto voar e acertar o homem acima de mim. Ele foi jogado ao chão e logo me pus de pé. Segurei a barra de ferro para me defender.

  Ele cambaleou para os lados, tonto, se recuperando aos poucos do impacto. Elevou sua cabeça para mim revelando o sangramento em sua têmpora. Ele poderia ter morrido com o impacto, mas o azarado teve sorte.

Não me conti, mal esperei ele se recompor e já estava pressionando ele contra a parede novamente, com a barra de ferro pressionando seu pescoço. Aquilo doía, em mim, jamais me imaginei nessa posição e minhas lagrimas já não eram mais contidas.

-Então é isso? Queria me usar?

-Eu não faço ideia de como sabe disso...Simplesmente como?- Ele parecia estar entre a confusão e a raiva.

-Responde! 

-Certo certo! Era sim parte do acordo, em troca da minha vida eu entregaria meu primogênito, ninguém nunca adivinharia que você seria assim-Ele se forçava a falar, mesmo lhe faltando a ar- Não é tão ruim quanto pensa, não é tão ruim quanto parece...Você é valiosa.

 Não respondi

-Filha, por favor, eu te imploro-Ele pediu- Não seja burra, pense um pouco, você é a minha peça mais importante e com você o nosso objetivo e toda nossa luta vai valer a pena. As pessoas aos seu redor serão passageiras, mas você, você vai ter um poder imenso em si, usa a porra da cabeça, ''filhota''...Eu sei que você não é idiota.

-Eu nunca vou fazer algo assim

-Acha que sabe o que esta dizendo, mas não sabe! Se acha inteligente e heroica agora, mas não é! É apenas imatura, vai se arrepender...a não ser que venha comigo

-Nem morta

-Vamos ver então

  O movimento foi rápido, mas tudo pareceu lento para mim. Sem que eu percebesse ele rastejou sua mão para o bolso e de lá tirou um isqueiro o qual ligou rapidamente e o jogou para a poça de álcool que seu cantil de whisky havia formado.

  Bom, como o interior daquele moinho era feito de madeira não demorou muito para que as primeiras chamas se erguessem e consumissem o piso. E em pouco tempo as labaredas já estavam por grande parte do lugar.

  Havia fogo se alastrando por toda a  parte e eu não sabia mais por quanto tempo o moinho aguentaria. Frank parecia possesso, a imagem era a de um maníaco em meio as chamas. Muito distante da imagem do pai amoroso e amigável de sempre.

-Você quer nos matar?!-Gritei mas ele não respondeu.

Em desespero, soltei a barra de ferro e corri para os degraus que já estavam começando a incinerar. Mas de súbito senti uma dor imensa em minhas costas, e logo fui ao chão, ele havia me acertado, presumo eu, com a barra de ferro que soltei.

Me xinguei internamente.

-Não vai pra lugar algum, vai ficar aqui até que decida vir comigo de forma pacifica, caso contrario, te levo mesmo assim- Ele puxou meus cabelos, me forçando a encara-lo

-Eu vou morrer se ficar aqui, você precisa de mim viva

-Viva, sim, consciente, talvez. Mas nada me impede de te deixar aleijada se precisar- sua voz áspera falou

  Eu transbordava de repulsa por aquele homem, mas no fundo eu ainda o via como o papai, eu queria sufocar a garganta de Frank, mas não queria machucar o papai. Eu me sentia fraca, incapaz de revidar, eu estava ferida  emocionalmente, eu queria consolo e queria acima de tudo gritar.

  Tentei levantar, minhas costas pulsavam de dor mas me pus de pé. O homem avançou em minha direção para me derrubar novamente, tentou me imobilizar com os braços, desviei tropeçando um pouco e em resposta movi minha mão e o empurrei para uma paredes de pedra. Ele grunhiu de dor e eu avancei mais uma vez.

Algo me impedia de feri-lo com meus poderes, talvez um sentimento dentro de mim.

  Em meio ao incêndio que ficava cada vez maior, nossa disputa ficava cada vez mais fervorosa. As vezes eu acabava por cima, outras ele me persuadia me fazendo cair em desvantagem outra vez.
  Em uma dessas trapaças ele enfim conseguiu me jogar ao chão. A fumaça que já estava por toda parte turvava minha visão e quase me cegava.
Ouvimos um barulho vindo de cima. E foi quando eu senti uma dor imensa de algo sobre mim, me esmagando dolorosamente. Identifiquei como uma viga de madeira pesada e flamejante.

  Berrei ao sentir o material quente queimando minha pele. Uma das piores sensações que o corpo poderia sentir.

  O calor infernal me deixava delirante. Por um momento senti que aquele homem tentasse me tirar dali, mas desistiu no instante seguinte. Através da cortina de fumaça, vi uma sombra escura descendo desesperadamente os degraus, me deixando para trás naquele estado de angústia.

Papai me abandonou, me deixou para morrer, desistiu de me levar com ele.

Esse era o meu destino agora. Queimar até morrer neste lugar.

Meu corpo esquentava, já podia sentir as queimaduras em minha pele arderem de maneira insuportável.

 A fumaça já invadia meu organismo, senti minha garganta queimar junto as minhas narinas. Lagrimas saiam violentamente pelos meus olhos que buscavam por alguém que me salvasse daquele lugar. Mas ninguém viria. Meus sentidos estavam tão confusos que não consegui a concentração o suficiente para tentar mover a madeira, meus esforços eram inúteis. 

 Meu coração doía no peito, a pele de minhas costas ardia em brasa, meus olhos estavam marejados, minha garganta estava quente. 

 E assim encerraria minha vida. Abandonada pela pessoa que com tanto carinho eu chamava de ''número um'', deixada para morrer queimada ali, apunhalada pelas costas.

Como ficarão meus amigos? Quando encontrarem apenas meus ossos aqui?

  Ao menos espero que Sal fique bem quando perceber que não vou voltar pra casa hoje, e que não poderei mais continuar a jornada com ele. Começamos juntos e gostaria de terminar junto a ele, mas isso já seria impossível.
   Espero que ele entenda que ele foi meu único e verdadeiro amor, e que sentirei falta de cada conversa, cada toque, cada abraço e cada beijo.
   Meu amor, como eu gostaria de estar com ele agora, tudo que eu mais quero é meu anjo. Quero sentir seu cheiro e afagar seus cabelos pelo menos uma ultima vez.

Quem sabe em uma outra vida possamos nos encontrar? Eu juro que vou te encontrar, meu amor.

Meu estado consciente já vacilava, a fumaça já estava me  consumindo. Aos poucos tudo foi escurecendo.

E assim tudo se tornou um vazio.


Notas Finais


Aba de comentarios é livre para distribuir odio contra esse cara!
Espero que o cap não tenha ficado confuso.

Obrigado pro ler S2

(Ainda não acabou)


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