História Fragmentos de Um Eu - A noite apagada

Você se lembra?

Eram muitas luzes, o som estava tão alto e minha cabeça doía. Havia uma roda de pessoas ao meu redor, foi então que eu percebi que estava no chão, mas essa percepção não durou por muito tempo. Minha visão começou a escurecer, meus membros ficaram mais leves e eu ouvi sirenes, senti meu corpo ser carregado e eu apaguei completamente.

Isso foi tudo que eu me lembro daquela maldita noite. Não me lembro de como aconteceu, nem com quem eu estava. Não sei se fui atacado, ou se cai, ou se alguém me empurrou. Só existe um enorme branco na minha mente.

Nada, é tudo que eu conseguia responder aos médicos e aos meus pais. É inimaginável a sensação de não se lembrar de nada, quanto mais eu tento, mais afastada a cena fica.

Hoje, faz exatamente uma semana do ocorrido. Recebi alta ontem à noite, meus pais não disseram uma palavra durante a viagem de volta para casa, tentei puxar algum assunto, pedi para me explicarem o que aconteceu naquela noite, mas eles não sabiam, pelo menos disseram que não. Mas eu sei que era mentira, o tom de voz, a desviada no olhar, a mudança na respiração. Tudo dizia que eles estavam mentindo, só não sei o porquê.

Dizem que quando você não se lembra de algo é porque seu inconsciente sabe que você não quer e nem precisa se lembrar, mas eu sinto o contrário, sinto que algo importante aconteceu naquela noite, algo que eu devesse saber.

Mas se eu não me lembro, talvez seja um presente do destino. Talvez se eu me lembrar, isso pode acarretar consequências na minha vida que eu não precise, então, o que for para ser, será. Não é, caro Sr. Destino?

Hoje eu volto para o colégio, me encontrar com meus amigos, ou melhor, com o Leo. Ele foi o único que se importou comigo nesse dias que eu estive ausente, mandou mensagens, veio me visitar e tudo mais.

Sinto saudades da Manu, do Marcos, e isso machuca muito. O fato de ter que vê-los todos os dias e não trocar sequer uma palavra, mas coisas assim acontecem o tempo inteiro. Amigos também podem quebrar seu coração, já dizia a música “I hate u, i Love u”. Foi esse tipo de música que eu andei ouvindo enquanto estive fora, meu único passatempo.

Visto minhas roupas e me despeço da minha mãe, que pergunta se eu realmente estava apto para voltar ao colégio, faço que sim com a cabeça e saio logo para evitar mais perguntas.

Sigo meu caminho até o colégio, o dia estava ensolarado e radiante, a brisa não muito fria tocava meu rosto e o calor do sol esquentava minha pele, parecia o dia perfeito, mas só parecia mesmo.

Chego ao meu destino, passo pelo portão e por sorte, o sinal tocou segundos após a minha entrada, sigo para a sala de aula e me sento em um canto.

Logo depois da minha entrada, Leo passou pela porta e abriu um sorriso de orelha a orelha, colocou a mochila na carteira de trás e me abraçou. Um abraço nostálgico, mas isso é indiferente.

Olho ao redor e vejo que eu estava sendo observado, e não era só por uma pessoa, mas logo desviaram o olhar.

Então, ele começou a falar do quão preocupado ficou quando eu cai.

Eu o interrompi na mesma hora.

 –Leo, do que você esta falando?

–Como assim? A festa, esqueceu?

–Eu não me lembro de nada daquela noite, nada mesmo. Me lembro de acordar no hospital e só isso.

Sua expressão fácil mudou completamente, seu rosto sorridente virou um rosto que aparentava decepção, desgosto e tristeza.

Olhei em seus olhos e perguntei:

–O que aconteceu naquela noite?

–Nada de mais, foi só uma festa idiota, você caiu e bateu a cabeça.

–Você tem certeza que foi só isso que aconteceu?

Ele hesitou em responder, mas logo falou.

–Sim. –Ele disse virando o rosto, evitando contanto visual. –Certeza absoluta.

Tinha algo errado nessa história, algo muito errado.

Lacunas que não foram preenchidas na minha memória, como com que eu fui? Ou por que as pessoas passaram a me olhar e cochichar?

Eu precisava saber o que estava acontecendo, precisava de respostas.

Fotos. Normalmente festa tem muitas fotos, pessoas postam em redes sociais o tempo inteiro.

–Leo, me empresta seu celular? Preciso fazer uma ligação e meu celular descarregou.

Ele fez que sim com a cabeça, ainda com uma feição triste, pegou o celular no bolso e meu entregou.

Pedi permissão para sair e fui liberado, segui pelos corredores vazios até um dos banheiros, certifiquei-me que estava vazio e peguei o celular.

Eu sabia que era errado invadir a privacidade de alguém dessa forma, mas eu estava desesperado.

Desbloqueei o celular e fui ver as fotos, tinha uma pasta em evidencia, com um nome bem sedutor. A pasta foi nomeada de “A melhor noite.”, logo liguei os fatos e entrei na pasta.

Haviam trinta e três fotos, as primeiras eram fotos de um céu estrelado, com coloração misturada de azul e roxo, era realmente lindo, fui passando uma por uma até que as fotos do céu acabaram e uma foto em especial me chamou a atenção, eram pés, calçados por um all-star azul idênticos aos meus, passei mais algumas fotos e me vi de costas, era uma foto minha, naquela mesma noite estrelada calçando aquele mesmo all-star azul.

Havia fotos nossas, parecíamos felizes e as fotos acabaram, eu estava com ele naquela noite e ele mentiu.

Por que ele mentiria?

Eu precisava voltar para a sala de aula, fechei a galeria do celular dele e me deparei com um aplicativo de anotações, e logo me lembrei que ele me disse que tinha um diário no celular, sabia que era errado, mas eu já comecei isso e precisava ir até o final.

Coloquei na anotação daquela noite, e estava escrito o seguinte:

“Essa noite foi mágica, fiz coisas que nunca me imaginei fazendo, com pessoas... Com a pessoa, que eu amo. Sim, eu amo aquele garoto e depois do que aconteceu hoje, minhas esperanças aumentaram ainda mais.”

Ás vezes você apenas precisa aceitar o que aconteceu, sem procurar por muitas respostas, porque ás vezes você acha a resposta, mas para uma pergunta totalmente diferente.