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História FusionTale - Acidente Irremediável


Escrita por: NekoDLully

Notas do Autor


Yoooo!
Sim, eu ainda estou aqui, espero que até o final com vcs.
em primeiro lugar: VÃO ATÉ AS NOTAS FINAIS PRIMEIRO E PEGUEM A PLAYLIST QUE PREPAREI PARA VCS, É BASICAMENTE PARA O COLAPSO INTEIRO, ENTÃO USEM E ABUSEM. TEM NO YOUTUBE E NO SPOTIFY, ENTAO MESMO OS USUARIOS DO CELULAR VAO PODER ESCUTAR.
com isso resolvido, vamos para o cap.
Aqui começam as merdas, então espero que não me matem até metade do caminho.
Aproveitem!

Capítulo 46 - Acidente Irremediável


FusionTale – Acidente Irremediável

Respirando profundamente, como a sair de debaixo d’água, Frisk acordou.

Seus olhos logo depararam-se com o teto sem graça de seu quarto, uma visão demasiadamente familiar para dizer que não reconhecia toda a situação.

O mundo tinha sido redefinido e agora ela estava de volta ao começo sem qualquer tipo de sequela que não fosse as leves dores remanescentes em seu corpo que logo passariam, talvez sendo mesmo comparadas com o dormir de mau jeito. Ela tinha quase certeza que foi a morte mais tranquila que já teve desde que conseguia se lembrar, mesmo que talvez também pudesse ter sido a mais demorada a se concretizar por completo.

Chegou a gemer um pouco enquanto se erguia, sentindo as juntas estalarem, o pescoço e coluna doloridos ao mesmo tempo que o cansaço de uma noite mal dormida preenchia seu corpo enquanto esforçava-se para manter-se. Foi difícil se arrastar para fora dos cobertores, seu único desejo sendo manter-se deitada, dormir mais um pouco, mas sua mente parecia não estar de acordo, trabalhando a diversos pensamentos por segundo, tentando entrar em um consenso com o que havia acontecido, forçando-a a se levantar, sentar-se na beirada com os pés jogados para fora sobre o chão frio, sentindo o choque com sua pele quente.

Respirando lentamente esperou que os resquícios do reset e save deixassem seu corpo, para que seu subconsciente percebesse que não mais estava na situação anterior e agora estava saudável, curada. Dependendo do ferimento isso poderia durar muito mais do que alguns minutos, talvez mesmo chegando a horas, o corpo a sofrer dores de ferimentos não mais existentes até ajeitar-se a ideia de que, na verdade, eles não estavam mais ali, eles não haviam sido feitos e era apenas, agora, sua mente pregando-lhe peças.

Soltando um suspiro trêmulo Frisk passou a mão pelo rosto, tentando despertar-se por completo e retirar o cansaço de seus olhos.

Ela estava tão cansada.

Mas ela tinha coisas a cuidar, assuntos a tratar, perguntas a solucionar... O tempo poderia dar a falsa ilusão de tranquilidade, mas ela sabia que não era mais do que isso: ilusão. Ela não poderia manter-se parada por muito tempo ou então poderia ser tarde demais para resolver o problema em questão, principalmente o qual, pela primeira vez, ela não viu por completo as consequências que gerou.

O colapso... Tinha que ser aquilo.

Assim como Gaster, Asriel teve uma mudança de pensamento para solucionar determinadas coisas. Apenas que, enquanto Gaster havia arrumado outro ofício para distraí-lo do que parecia um projeto que falharia pela falta de voluntários, Asriel era a necessidade de fazer alguma coisa com a situação aparente de um ente da família.

Frisk não tinha certeza se necessariamente era por ela, afinal Chara também mantinha-se demasiadamente afastada a maior parte dos dias. Era possível que, com Frisk também arrumando outros afazeres, tivesse agravado a visão fragmentada que a família deveria estar transparecendo. Assim como com Gaster, de alguma forma, o colapso fazia com que problemas óbvios tivessem mais foco do que o normal na mentalidade da pessoa, fazendo-a buscar alternativas de solução que no final geravam desastres.

Ainda poderia não entender como ou exatamente o motivo deles acontecerem, mas isso não importava, Frisk deveria manter o foco em impedir que eles acontecessem em primeiro lugar.

O colapso era um desastre. Uma força da natureza disfarçada, uma quebra do equilíbrio gerando caos e desordem remexendo o cronograma que já estava estável para instabilizá-lo.

Frisk talvez não compreendesse isso a fundo, mas não era difícil adivinhar sua essência quando a sentia tão profundamente.

A maior parte do problema nessa situação, diferente da de Gaster, era que dessa vez ela não viu o resultado do problema. Tornou-se mais fácil no primeiro colapso que presenciou as consequências que ele gerou e ainda ter pessoas as quais poderia perguntar como ele supostamente poderia ter acontecido. Com Asriel não foi o caso, Frisk não lembrava de boa parte da antiga linha do tempo depois do acidente, poderiam ter se passado dias ou meses desacordada e nunca saberia.

Asriel e Chara teriam ficado bem? Apenas Frisk se machucou? Ou os três haviam ficado em estado grave naquele acidente? Como deveria impedi-lo de acontecer? Será que apenas agir normalmente, como seu eu feliz e próximo a família, faria o colapso terminar? Poderia ser tão fácil? O de Gaster levou linhas para conseguir arrumar uma solução, esse seria mais fácil?

Deuses isso era tão confuso! E ela estava tão cansada, não pensava que poderia fingir estar bem durante meio ano sem falhar.  

Respirando fundo mais uma vez, Frisk espiou Chara do outro lado do quarto, ainda dormindo soterrada debaixo dos cobertores. Por um instante perguntou-se o que aconteceria se algum deles tivesse saído vivo daquele acidente, como ficaria.

O pensamento a fez estremecer, imaginando-se viva enquanto seus irmãos não estavam mais ao seu lado, não acreditando que realmente seria viver. Poderiam não ser mais tão próximos do que quando eram crianças, mas ainda eram irmãos, eles estavam a seu lado no seu pior, sabiam cada pedaço dela, compartilhavam uma vida com ela. Eles a salvaram das ruas, lhe acolheram como parte da família. Chara a conhecia tão intimamente como ninguém a ponto de poder adivinhar seus pensamentos muitas vezes, como se realmente fossem gêmeas. Asriel tinha tomado perfeitamente o papel de irmão mais velho, incomodando-a quando tudo estava tranquilo, mas sempre a protegendo quando precisava de ajuda.

Estar sem eles... Frisk não queria uma vida assim, não importa o que custaria, ela garantiria que os dois estivessem bem, que estivessem felizes, mesmo que não mais ao seu lado, mas ainda vivos.

Ela poderia fingir um sorriso se era isso que precisasse para Asriel não ter a ideia da viagem e assim evitar a tragédia. Já tinha feito tantas e tantas vezes antes com cada redefinição, por que não mais uma?

Mais disposta do que quando acordou, levantou-se para ir até o banheiro, acreditando que um banho seria o que precisava para renovar seu corpo definitivamente e assim começar mais uma linha do tempo, como diversas vezes antes havia feito.

Tinha um objetivo e já era muito mais do que antes.

Assim ela começou.

Ela sorriu e ela passou mais tempo com sua família. Riu e se divertiu, procurou conciliar a vida na gangue como se realmente estivesse preocupada em voltar para casa, encontrar Asriel e abraça-lo, rindo de suas brincadeiras com Chara, ajudando sua mãe na cozinha enquanto a ouvia dizer seus costumeiros trocadilhos. Trocadilhos esses que Frisk já tinha escutado milhares de vezes antes, mas sempre fazia questão de rir, mostrar que gostava. Procurou sentar-se ao lado de seu pai, talvez com apenas um simples livro em mãos, lendo tranquilamente enquanto ele preocupava-se com o jornal ou mesmo os papeis do trabalho, muitas vezes deixando que ele lhe penteasse os cabelos com carinho, distraidamente, como se ela voltasse a ser a pequena garotinha que ele se recordava.

Fez de tudo até o dia em que Asriel falou sobre a viajem mais uma vez, mostrando que seus esforços não eram efetivos e que estava mais perto de falhar novamente.

Procurou dar as melhores desculpas sem machucar Asriel. Apenas ver seu rosto triste por não poder ir já lhe partia o coração, mas não podia ceder, ela sabia o que resultaria de toda essa ideia. Ela simplesmente não poderia deixar seus irmãos embarcarem nessa viajem no começo do verão.

Porém, não importou o quanto choramingou, o quanto inventou desculpas e mais desculpas, criando problemas aqui e ali para impedir a viajem, não importava o que fizesse parecia que tanto Asriel como Chara estavam determinados a ir até o final com tudo isso. Era desesperador como o tempo parecia se encurtar cada vez mais, tornando-se perigosamente perto da data da viagem e Frisk ainda não tinha arrumado uma maneira de impedi-los. Era novamente uma corrida contra o tempo, apenas que dessa vez era a vida de sua família em jogo, não mais terceiros, por mais que apreciasse Gaster, ele nunca teria o mesmo peso que seus irmãos em sua vida, mais do que nunca Frisk deveria fazer isso certo!

Era seu trabalho! Ela sabia o que ia acontecer, era sua obrigação concertar! Por que ela não podia concertar?!

Na noite antes da viagem Frisk tomou seu tempo para um passeio ao redor da cidade, observando cada prédio com desinteresse, perguntando-se se alguma coisa nessa cidade os impedia de sair. Era como estar de volta ao underground, com uma barreira ao redor dizendo que deveriam ficar, que estavam presos para sempre. Era diferente, no entanto, menos física, menos visível, mais devastadora. Ela não os impedia necessariamente de sair, mas os castigava se tentassem.

Cada vez que ela tentou, acabou por voltar, tantas linhas tão rapidamente redefinidas apenas porque ela tinha pisado nas fronteiras da cidade com o mundo exterior. E agora seus irmãos iriam sofrer por tentarem dar um tempo daqui, por tentarem se divertir.

Não era justo.

Ela não sabia em qual momento topou com Sans em seu caminho. Tão previsível, sempre acabava por ser ele a encontra-la de algum jeito. Talvez fossem a ligação de suas almas, talvez magia, talvez destino ou talvez uma simples coincidência cruel, não importava, a questão era que ele estava ali e agora e ela apenas precisava... Apenas precisava de alguma coisa, não sabia o que ainda.

Então deixou-se envolver por ele, chorando o desespero que não mais podia segurar, o desamparo e a frustração, chorando suas falhas e sua culpa, colocando tudo para fora em soluços e gritos estrangulados, pedidos de ajuda que não poderiam ser pronunciados. Deixou que ele a abraçasse, a consolasse com confusão, tentando segurá-la em seu momento de fraqueza, o momento que toda a farsa caia e ela apenas mostrava o quão frágil e incapaz estava se sentido durante todo o tempo. Provavelmente sem compreender, ele manteve-se ali, segurando-a, ainda assim sem questionar, sem falar, deixando que ela desabafasse em lágrimas até se sentir confortável, até dormir, ainda em prantos.

Se ela despertou em seu quarto no dia seguinte para ver seus irmãos partirem em sua viagem, ninguém precisava saber como. Ela sentia-se mais leve, talvez um pouco mais preparada, ainda assim temerosa.

Rezou, durante todo o momento de despedida, que a falta de sua presença no carro pudesse causar alguma alteração. Desejou com todas as suas forças que seja o que aconteceu na linha anterior, que ela tinha sido a mais prejudicada e agora, mesmo que o acidente realmente viesse a acontecer, seus irmãos não seriam muito afetados. Ela desejou e orou com tanta força que por um instante quase acreditou, quase confiou.

Confiou que nada aconteceria, que eles voltariam, que tudo ficaria bem.

...

Mas não ficou.

O acidente ainda aconteceu, Asriel estava morto e Chara tinha sido deixada para trás com leves escoriações. A família estava devastada e o mundo parecia ter perdido suas cores.

Frisk abraçou sua irmã. Segurou-a com tanta força, como se procurasse retirar a tristeza que ela provavelmente estaria sentindo, perdendo Asriel mais uma vez depois que tudo parecesse estar indo tão bem. Sabia o quanto ela o valoriza, como ele era importante e essencial para ela, como se fosse o ar que respirava.

E Frisk não poderia nem ao menos começar a pensar na dor que ela estaria sentindo agora. Não poderia nem ao menos chegar perto da superfície do que talvez ela estivesse achando que fosse pior, o desamparo de ter perdido quem amava mais uma vez ou saber que estavam juntos no momento, que onde ele faleceu ela havia se mantido viva com quase nenhuma consequência. O peso que isso deveria estar sendo para sua mente e para sua alma... Definitivamente não poderia nem ao menos chegar perto de imaginar o que era.

O funeral foi apenas na semana seguinte ao acidente, o fato ainda difícil de engolir, a casa recaindo em um silêncio de luto doloroso durante todos esses dias de preparação. Frisk ainda poderia ouvir o choro de sua mãe por trás das paredes, lamentando nos braços de seu pai a perda de seu filho.... Seu único filho.

Frisk e Chara poderiam ter sido adotadas e consideradas suas filhas, mas elas sabiam que Asriel era... Especial. Ele era nascido dos dois, era parte deles. Um pedaço que agora havia ido embora e Frisk não poderia facilmente voltar, forçada a esperar para tentar concertar o estrago.

Mas nenhum deles sabia, forçados a sofrer a perda como se fosse para frente, diferente dela que teria que apenas... Esperar e rezar que pudesse ser capaz de fazer corretamente da próxima vez.

Chara não falava nada. Não mais chorava desde o dia em que a notícia havia sido dada. Sua quietude sendo tão atípica de sua pessoa que começou a assustar Frisk.

Às vezes tinha a impressão que ela a observava. De uma forma tão profunda e possessiva que passava calafrios por sua espinha, como se fosse algo precioso, como se fosse a única âncora que lhe restava para manter-se inteira, para seguir em frente. Era difícil de explicar como se sentia, como via. Algo havia mudado em Chara que Frisk não conseguia explicar, assemelhando-se muito a como era de volta a seu mundo, de volta aos tempos que lutavam pelo poder.

A ideia não foi nem um pouco agradável.

Teve momentos que pensou sentir o empurrão no poder, como se Chara estivesse tentando entrar no menu com tanta força, com tanta determinação, que mesmo Frisk poderia sentir dessa vez. Ainda assim, por mais que lutasse, por mais que forçasse, a porta não se abria, insistia em manter-se fechada para elas e impedindo o único alívio que poderiam ter para essa situação.

No dia do enterro Frisk desejou que estivesse chovendo. Desejou que o mundo escolhesse um clichê e tudo ficasse cinza e escuro, que a água caísse em pancadas fortes e pesadas. Desejou que o mundo parasse, não parecia certo que continuasse andando, não parecia certo que as cores continuassem a luzir como deveriam sem Asriel ali, bem no dia em que finalmente tornariam gravado em pedra sua perda, o fato que ele não mais estaria ali.

Observou ao seu redor, vendo os amigos e família espalhando-se pelo espaço reservado, a tristeza apoderando-se da atmosfera a tornando pesada, difícil de respirar. Às vezes Frisk pensava que realmente não deveria, que seus pulmões realmente deveriam parar, mas eles ainda continuavam puxando cada vez mais fundo o oxigênio para seu sistema, em grandes bocadas pesadas, quase como se estivesse na verdade respirando chumbo e não ar.

Ainda assim o céu brilhava em um dia claro, a grama do cemitério estava em um verde vivo, a cidade se movia como sempre, nada de diferente parecia ter acontecendo. E mesmo que parecesse tão errado, ainda aparentava se encaixar tão bem.

Asriel sempre foi uma pessoa alegre, uma pessoa que a inocência só poderia ser comparada ao que Frisk tinha no começo. Era tão típico que mesmo no dia de seu enterro tudo fosse apenas... Claro, brilhante, feliz...

- Ei... – Frisk subiu o olhar, olhos injetados de sangue por chorar, olheiras debaixo dos olhos pelas noites de pesadelo intensificados, a pele tendo empalidecido como se estivesse a ficar doente. Tudo parecia ter caído em seus ombros depois do acidente, a realidade da tragédia finalmente alcançando-a quando percebeu o que provavelmente aconteceu na linha do tempo anterior. A culpa por não ter impedido dilacerando-a por dentro.

Sans estava agora a seu lado, pequeno sorriso triste em seu rosto, o terno preto que usava destacando sua pele pálida e o cabelo branco. Ele parecia triste e apreensivo, cauteloso até. Frisk poderia imaginar o motivo, mas estava cansada demais para ter qualquer reação para ajudar.

- Eu não vou perguntar se você está bem, seria ridículo para perguntar algo assim, eu sei que você não está. Não sei como eu ficaria em sua situação. – ele começou, uma mão hesitante sendo posta em seu braço, tocando-a em um leve sinal de apoio, olhos azuis atentos nunca deixando seu rosto, mesmo que ela não o estivesse encarando de volta. – Apenas quero que saiba que sei o que está passando e precisando de qualquer coisa, qualquer um de vocês, é só pedir.

Era compreensível que Sans soubesse a dor do luto. Ele sabia o que era perder uma mãe, um parente, o que era se sentir desamparado e desejoso por concertar o que havia sido quebrado, perdido sem saber para onde correr, o que mais deveria fazer. Mas ainda era diferente. Sans perdeu a mãe, Frisk perdeu o irmão. Apesar de bem próximos os sentimentos ainda seriam diferentes, as dores seriam diferentes.

Para não dizer do peso a mais que Frisk carregava sabendo das redefinições, lembrando-se do desastre e ainda não conseguindo evitar que acontecesse. Sabendo que tinha o poder, a capacidade de retornar e concertar, tornar tudo feliz novamente, como deveria ter sido desde o começo. Ela lembrava-se de todas as outras linhas em que Asriel viveu e cresceu para se tornar forte, cresceu para admitir seu relacionamento com Chara, cresceu para continuar a avançar na faculdade com o esforço de um vencedor, cresceu para conquistar seus sonhos passo a passo... Cresceu para viver.

Frisk lembrava-se disso. Lembrava-se tão perfeitamente bem que parecia uma brincadeira de mau gosto.

Ela havia tirado isso dela. Ela havia lhe tirado o futuro.

Se ela tivesse aprendido como controlar seu próprio poder. Se ela tivesse descoberto mais cedo como impedir os resets. Se ela tivesse se esforçado mais. Se ela tivesse tentado mais.

A culpa era dela de tudo isso ter acontecido. Dela e apenas dela.

- Apenas... Não sei o que deveria fazer agora. – resmungou, a voz rouca e engasgada, talvez pelas lágrimas, pelos gritos e soluços, talvez pelo mal uso ou talvez pela própria dor, não importava. Nada importava. Seus olhos voltaram-se para a lápide enterrada, o nome de seu irmão marcado sobre ela. Isso tinha que ser um pesadelo.

- Você segue em frente. – parecia tão simples, uma frase tão fácil de se falar, mas tão difícil de fazer.

Como aceitar que alguém não estaria mais do seu lado? Frisk poderia muito bem arcar com sua própria morte, já tinha feito várias vezes antes, mas ela não sabia como arcar com a dos outros.

- Como?

- Um passo de cada vez. No começo... No começo é insuportável, você ainda sente a presença ali, sente que tudo isso ainda não passa de um sonho ruim, para então ter a dura realidade na frente. Mas com o tempo... Com o tempo a dor se tona mais fácil de lidar. Eu não vou dizer que desaparece, mas você aprende a viver de novo.

- Eu não sei se consigo. Não sei se posso. Não... Não acho que sou forte o suficiente para isso. – suas mãos tremeram, os olhos voltaram a arder, mas nenhuma lágrima desceu. Ela se perguntou se ainda tinha alguma em seu corpo para poder liberar ou se já tinha secado depois de tanto lamentar.

Mãos grandes tomaram-lhe o rosto, guiando-o para encarar os olhos azuis os quais queimavam em certeza, em apoio, em simpatia e compaixão. Ele não sentia pena, ela não viu isso nele. O breve pensamento de que isso se deve a própria experiência, a ver olhares de pena em sua direção o faziam saber que não era o sentimento que uma pessoa em seu estado queria receber.

- Você sabe eu isso não é verdade. Você sabe que é forte o suficiente para encarar qualquer coisa. Eu sei que você é forte o suficiente para enfrentar qualquer coisa. Seu irmão também sabia disso. Ele sabia que você poderia passar por isso, assim como minha mãe sabia que Gaster, eu e Pap podíamos lidar com as coisas sem ela. Quem está na minha frente agora não é você e você tem que sair disso. – puxando-a para um abraço apertado, Sans enrolou os braços bem forte ao redor de seus ombros, corpo bem próximo ao dela, envolvendo-a de tal maneira que o mundo parecia permanecer do lado de fora e ela poderia... Ela não precisaria mais se esconder. Parecia muito a vez que se encontraram na rua, um dia antes do acidente. – Eu sei que dói, Sweetheart. Eu sei que você quer desistir, mas confie em mim, isso não vai ajudar. Vai ser difícil continuar agora, mas vai ficar melhor, eu prometo que vai.

- C-como pode saber? – lamuriou, sua voz arranhada e baixa, um sussurro engasgado, as lágrimas voltando a escorrer por sua bochecha enquanto escondia o rosto em seu ombro, mãos agarrando desesperadamente seu terno como se sua vida dependesse disso, ancorando-se nele, apoiando-se a ele e a confiança que ele lhe passava, desejando nada mais do que acreditar no que ele dizia.

- Porque você não está sozinha. – sua respiração engasgou-se com um soluço com essas palavras, sussurradas carinhosamente em seus cabelos enquanto dedos longos os penteavam com carinho. Suas mãos se aperaram com mais força, seu corpo insistindo para estar mais perto, procurando a segurança e a certeza que ele transmitia. – Não cometa esse mesmo. Não faça como eu que decidiu lutar sozinho, você não é assim. Existem pessoa aqui que amam você e fariam de tudo para te ajudar com tudo isso, você apenas tem que deixar. Acreditar que pode ser melhor, que eles podem ajudar a passar por isso. Por favor, deixe-me ajudar.

Frisk fungou, deixando-se consolar, deixando-se embalar.

Ela havia esquecido... Depois de tantas linhas tendo que aguentar o fardo da memória sozinha, ela esqueceu que existiam pessoas que poderiam segurá-la se ela caísse, que poderiam ajudar, que ela poderia confiar. Ela esqueceu que não precisava lutar todas as batalhas sozinha e que poderia pedir ajudar de vez em quando.

Ela esquece que era permitido ser fraca algumas vezes. Que ela era humana e nem sempre venceria, não sozinha.

Demorou-se ainda um tempo nos braços de Sans, absorvendo o apoio e conforto que ele havia lhe brindado antes de saltar para Mettaton que se aproximou tímido, cauteloso, tão diferente de sua personalidade, abrindo os braços para ela entrar, fato que não recusou. Pap não estava muito atrás, envolvendo-a junto com seu namorado em um abraço de consolação, de apoio.

Seus olhos dourados percorreram ao redor, ainda vermelhos e inchados, bochechas coradas e molhadas por chorar, garganta apertada e crua, vendo como seus amigos, sua família a rodeava com carinho, afastando a tristeza que antes era insuportável, aquecendo-a como um cobertor em tempos de frio.

Um sorriso abriu-se em sua face e ela sentiu-se melhor, mais confiante, sua determinação voltando a queimar como deveria, coração inchando alegremente.

Ela poderia passar por isso, ela poderia fazer isso, ela só tinha que continuar acreditando nas pessoas as quais continuam a enviar determinação em seu sistema.

Tudo ficaria bem.

E talvez se tivesse prestado mais atenção. Olhado envolta com mais cautela, procurado o que mais ninguém esperava, ela poderia ter premeditado o que realmente foi a consequência desse colapso em questão.

Afinal, mesmo com Gaster, não foi simplesmente seu sumiço a única repercussão durante o colapso, mas sim a quebra de Sans uma e outra vez em cada momento que acontecia, seu desamparo e arrependimento, o peso da realidade que não poderia ser retornada.

Se Frisk não estivesse ao seu lado em cada um desses momentos, o que teria acontecido com ele? Teria sucumbido a perda de outro de seus pais? Devorado pelos arrependimentos de sua vida? Frisk nunca o deixou sentir-se sozinho o suficiente para cair.

Portanto não era apenas os acontecimentos imediatos que tornavam o colapso tão perigoso, mas as consequências que geravam depois. Uma mente que se quebrava mais que as outras, afundando em um poço sem volta.

Se Frisk tivesse olhado mais ao redor, se tivesse prestado mais atenção, teria visto como Chara a estava encarando naquele momento? Teria pressentido o perigo?

Chara observou toda a situação se desenrolar de um canto qualquer do lugar, ignorando todos os múrmuros de pêsames direcionados a ela, olhos atentos e focados em Frisk durante todo o momento, recusando-se a observar a lapide. Observou com atenção quando Sans se aproximou, cada conversa e interação com sua irmã, suas mãos apertadas em torno de seus braços cruzados, unhas arranhando a pele em um reflexo de sua fúria mal controlada, porém bem disfarçada.

As vozes cantavam mais alto em sua cabeça, os sentimentos avassaladores nunca sendo tão poderosos, tão insuportáveis, tão tentadores. Elas resmungavam e exigiam coisas que Chara não poderia mais identificar se eram realmente do seu querer ou não, perdida em um redemoinho de pensamentos, de emoções, de uma argamassa insuportável de loucura e desespero que apenas desejavam pular para fora em uma explosão de proporções inimagináveis.

E tudo se concentrava apenas em Frisk.  

Frisk era sua. Sua irmã, sua companheira, sua âncora. Dividiram tudo antes de chegar aqui. Chara a conhecia melhor do qualquer um nesse patético mundo, a cuidou muito mais do que qualquer outro. Foi Chara que a manteve viva no subterrâneo, foi Chara que a ajudou quando não poderia ler as escritas dos monstros, foi ela que lhe deu dicas para passar das dificuldades, foi ela que lhe deu o resto da determinação necessária para controlar o tempo, foi ela que sempre ficou de olho em Frisk na escola, foi ela que sempre manteve aqueles com más intensões longe quando ninguém estava olhando, foi ela que guardou e cuidou de Frisk. Chara tinha todo o direito de tê-la, de mantê-la, porque Chara precisava de Frisk, precisava para fazer as vozes se silenciarem, para sentir-se no controle mais uma vez.

Aquelas pessoas não a tirariam dela, o mundo não a tiraria de Chara. Precisava mantê-la longe disso, precisava tornar tudo seguro para ela ou seria o mesmo que aconteceu com Asriel e Chara não permitiria isso. Mas como? Esconder-se não era uma opção, os humanos eram ardilosos, cruéis e facilmente poderiam profanar qualquer esconderijo. Manter Frisk por perto seria necessário, mas como fazê-lo sem que outros tentassem toma-la de suas mãos? Precisava destruir tudo, precisava ser mais forte, precisava de mais LOVE para não deixar nada nem ninguém tocar no que era seu, no único que lhe restava

Isso! Isso! Chara destruiria o mundo, assim ele não poderia tocar em sua irmã, não poderia tirá-la dela.

Ninguém era confiável, ninguém deveria ser deixado perto dela, Chara terminaria com tudo e todos antes de fazer qualquer coisa, não seria como Asriel, nunca mais.

As vozes entraram em um clamor estonteante, enchendo-a de euforia e ansiedade, o desejo por sangue e LOVE aumentando em suas veias. Ainda assim, ela sabia que não deveria se apressar, agir precipitadamente não ajudaria, precisava levar seu tempo, bolar seu plano, ainda que fosse um que pudesse ser posto em prática ainda naquele dia.

Ignorando as vozes apressadas em seus ouvidos, instigando-a a agir, Chara esperou o final do funeral, arrastando-se para casa junto de sua família, silenciosa, atenta. Observou como Frisk abraçava apertado cada um de seus pais, olhos vermelhos avaliando a interação, cenho se franzindo com o pensamento de como Asgore e Toriel falharam em protege-los, como a função dos pais deveriam ser, e como mereciam ser castigados por isso, assim como não deveriam ter o direito de tocar Frisk novamente, não deveriam ter o direito de estar perto dela se não pudessem protege-la.

Eles são um perigo para Frisk, um perigo tão próximo a ela que deveriam ser eliminados primeiro.

Sim, sim. Isso faria. Toriel e Asgore seriam os primeiros a ir, Chara garantiria isso.

Esperou que Frisk dirigisse a seu quarto, alegando cansaço.

Chara sabia que não poderia fazer nada com sua irmã ao redor. Ela era astuta e a conhecia tão bem quanto Chara se conhecia, assim como o inverso também era verdadeiro. Era por esse conhecimento que ela sabia que Frisk nunca compreenderia o que estava fazendo, ela não poderia ver o quadro maior, ela sempre foi limitada a sua moral tão frágil, Chara não era assim. Não sabia se seus poderes do tempo ainda estavam funcionando, não sabia se poderia depender deles como tantas vezes tinha feito antes. Se Frisk se interpusesse no caminho, como esperava que ela fizesse, então todo o ponto para fazer o que iria fazer não existiria.

Garantindo que Frisk não estaria lá, Chara esgueirou-se para a cozinha.

Precisava de armas. Armas afiadas o suficiente para cortar o osso, fortes o suficiente para transpassar qualquer camada de roupa que estivesse no caminho. Se queria destruir o mundo, por mais que fosse tentador usar de suas mãos vazias, não era estúpida, sabia que ter um equipamento seria muito mais garantido do que sem. E nenhum lugar melhor para encontrar a melhor arma que poderia pedir se não na cozinha.

Seus olhos vagaram pelo cômodo até encontrar a gaveta distante e esquecida nos cantos dos armários do lugar.

Sempre acreditou que o melhor lugar para se esconder qualquer objeto era no mais óbvio que poderia se encontrar. O lugar de facas era na cozinha então, se qualquer um achasse o conjunto que comprou não muito tempo atrás, não existiriam suspeitas. Para não dizer que, como a gaveta era distante e relativamente escondia, apenas a encontraria se estivesse realmente procurando ou soubesse exatamente onde olhar. Um perfeito lugar para se manter uma arma.

Retirando a bolsa de dentro da gaveta observou com ansiedade seu conteúdo, corpo tremendo em antecipação.

A faca brilhava, totalmente imaculada de qualquer tipo de uso, seu cabo longo ligeiramente curvado tinha o encaixe para todos os dedos, feito de madeira com detalhes circulares em metal.  A lâmina não era muito diferente da de uma faca de açougue normal, bem amolada com um pouco mais do que sete ou oito polegadas de comprimento.

Ainda na loja havia testado seu balanço, a forma como se encaixava em sua mão, como era seu manuseio e já lá encantou-se com a facilidade e leveza que era usá-la, deslizando com facilidade pelo ar em perfeita sincronia com seus movimentos, quase como uma extensão de seu braço.

Seria a arma perfeita.

Em passos silenciosos dirigiu-se para a sala, ouvindo como o som da televisão ligada reverberava pelo resto da casa quieta. Seus olhos concentraram-se na cabeça de seus pais destacadas no assento do sofá, lado a lado um do outro, tão alheios ao seu arredor, tão confortáveis com a segurança de sua casa que apenas tornavam seu trabalho mil vezes mais fácil.

Aproveitou o som do aparelho eletrônico para se aproximar sem revelar sua presença, arma erguida pronta para fazer seu trabalho.

Vendo-se perto o suficiente, quase não respirando em excitação, desceu a faca em um movimento fluido, cortando o ar com precisão, perfurando o pescoço de Asgore desde o lado esquerdo. Foi rápido, as cordas vocais foram cortadas a meio caminho impedindo o grito, apesar que Chara acreditava que, ainda que não fosse o caso, ele não poderia dizer uma palavra com o sangue em sua traqueia enchendo seus pulmões e sua boca. Sua faca afundou até o talo, vermelho espirrando pelo sofá, por sua mão e braço, até mesmo um pouco em seu rosto, ao ponto da ponta aparecer ao outro lado.

Sem esperar a reação de Toriel, lenta de mais para raciocinar o que estava acontecendo, Chara moveu o braço mais uma vez, a faca acompanhando o movimento, já retirada da carne de Asgore, cortando com perfeição o pescoço exposto sem qualquer problema, a carne dividindo-se em sua passagem, sangue novamente sendo jorrado ao ponto e embeber todo o sofá e cair sobre o chão.

Os olhos de Toriel estavam arregalados em sua direção, mãos inutilmente correndo para tapar a ferida que era profunda de mais para ter algum tipo de concerto, sons incoerentes escapando de sua boca repleta de seu próprio sangue antes de cair inerte ao lado de seu marido, corpos moribundos de olhares vazios presos em uma expressão de surpresa e horror.

Chara sentiu a satisfação, seu LOVE aumentando em proporções agradáveis, enchendo seu corpo de um poder satisfatório. As mãos gosmentas em sangue pegajoso, não completamente líquido, mas nunca sólido, escorregando entre seus dedos enquanto apertava o cabo da faca com mais força, sorriso insano desenhando-se em suas feições, destacando-se no vermelho que agora manchava sua pele pálida.

Como era esperado ambos os corpos agora jogados sobre o sofá eram fortes, em suas vidas eles foram grandes usuários de poder e magia que facilmente se sobrepunham a outros, igual sua contraparte monstro do universo que Chara havia vindo. Chefes, líderes, eles eram um bom começo para o que pretendia seguir.

Mas ainda não era o suficiente. Chara sabia que não era.

Nesse mundo todos eram humanos, com corpos fortes e complicados de morrer, eles tinham magia para torna-los ainda mais perigosos e boa parte também era muito capaz de possuir LOVE, seja por apenas violência típica ou mesmo por já terem cometido algum assassinato. Ela não era estúpida em pensar que não existiriam pessoas mais fortes do que ela ao redor do mundo, diferente de quando destruir tudo em seu mundo.

Em seu universo os humanos esqueceram como usar da magia, esqueceram sobre LOVE, sobre monstros, sobre tudo. Foi muito fácil para uma Chara recheada do poder de monstros destruídos começar seu reinado de terror em humanos ignorantes. Mas dessa vez... Dessa vez os humanos eram mais preparados e Chara não poderia enfrentar criaturas com magias poderosas repletas de LOVE sendo que ela mesma não as possuía. Ela já tinha visto o resultado, ela sabia o estrago que faria.

As cicatrizes de seus encontros com Sans nesse universo deveriam ser prova o suficiente para ela.

Precisava de um plano. Alguma coisa que a tornasse mais poderosa do que já era. Mas o que? Acumular LOVE daria muito trabalho e arriscaria a chance se por um acaso seu poder de voltas no tempo não estivesse funcionando e ela morresse ao meio do caminho...

...

Seu pai não tinha alguns planos sobre pesquisas sobre magia? Boatos corriam por toda a cidade, mas nenhum deles foi comprovado verdade ou não. Até então Chara não teve interesse em olhar, mas agora... Não faria mal dar uma espiada.

Poderia ter alguma coisa útil afinal.

Frisk, em seu quarto, alheia a qualquer tipo de acontecimento que pudesse suceder por detrás da porta fechada, encarou as próprias mãos com o cenho franzido.

Questionou-se agora o que poderia estar barrando sua entrada para o menu. Inicialmente acreditava era algum tipo de mau funcionamento ou qualquer coisa parecida, mas agora... Agora ela percebia, ao forçar sua entrada uma e outra vez, que mais parecia como deparar-se com uma porta trancada por dentro e Frisk tinha sido mantido de fora.

Poderia ser por causa da pessoa que estivesse dando os resets? Mas como ela tinha entrado lá em primeiro lugar? Frisk sabia que o único caminho alternativo seria pelo vazio, mas apenas existiam dois jeitos de chegar até lá: Um pelo experimento de Gaster que não mais tinha sido feito depois que o segundo colapso foi concertado, para não dizer que era em um momento onde os resets já estavam em andamento. O segundo era através da morte, quando a alma era enviada de volta ao vazio e deteriorada por ele, como Frisk aprendeu depois de ter ido para lá.

Poderia ser alguém já morto? Mas isso não fazia sentido, a pessoa a conhecia, como poderia estar morta?

Talvez... Tivesse morrido em algum momento do andar do cronograma e era isso que queria que Frisk mudasse? Era isso que quisesse que fizesse certo? Mas, novamente, Frisk não se recordava de ninguém que conhecesse que tivesse morrido em outras linhas do tempo, para não dizer que os resets aconteciam de forma tão aleatória que não se encaixava em qualquer padrão de mortes contínuas.

Isso tudo era tão confuso! Por que essa pessoa estava fazendo isso? O que Frisk fez a ela para merecer tal sofrimento? Por que essa pessoa não poderia... Não poderia pelo menos voltar para salvar Asriel? Ele não tinha nada haver com tudo isso, porque manter um acontecimento tão ruim? Não lhe importava?

Frisk estava cansada. Do que adiantava ter um poder como o de controle do tempo se não pudesse usá-lo para ajudar quando realmente precisava?

Deuses isso era frustrante.

O som distante e fugaz de algo sendo derrubado fora de seu quarto a retirou de seus pensamentos. Chagou a pensar eu não era nada, afinal, não era como se barulhos estranhos não acontecessem de vez em quando. Seus pais estavam em casa e Chara também, era natural que algum deles tivesse produzido o barulho, mas uma sensação estranha se afundou em seu estômago, o calafrio a subir por sua espinha ao ponto de força-la a prender a respiração enquanto encarava sua porta fechada.

Suas pernas tremeram, em um impasse se deveria se erguer ou se manter no lugar. Um medo de gelar o sangue tomou conta de seus nervos, como uma presença a envolve-la, sua alma chacoalhando dentro de seu peito, o toque quase desaparecido do vazio, da anti-magia, voltando a tornar-se evidente, envolvendo sua alma com uma mão firme e gelada, apertada.

Que sensação era essa?

Forçando-se a levantar, com passos hesitantes e cautelosos, caminhando até sua porta, encarando-a como se de um monstro se tratasse. Seus olhos recaíram na maçaneta, parada apenas a esperar eu a girasse, que movesse a porta.

Não entendia porque seu coração batia tão rápido, a hesitação que tinha. O silêncio agora era alto, era ensurdecedor e a fazia suar frio. A antecipação, o sentimento em seu estômago, a ansiedade do momento, tudo se misturava e tornava mais intenso, mais real, como um filme de terror pronto a sair da tela de sua televisão para tornar-se realidade.

Respirando fundo, juntou toda a determinação que tinha e deu um passo a frente, mão apertada na maçaneta, girando-a com rapidez antes que pudesse dar para trás, abrindo a porta e se pondo para o corredor.

Ainda em silêncio.

Com a respiração presa, o coração saltando a mil, Frisk olhou ao redor, não notando nada de diferente a não ser a pressão escura que se alastrava, quase devorando tudo ao seu redor. Mas poderia muito bem ser sua fértil imaginação, depois do tumor Frisk começava a duvidar de como tudo parecia ao seu redor.

Caminhando para a sala primeiro, sabendo que provavelmente era onde seus pais estavam, começou a escutar o fraco, quase surdo som da televisão ligada. Porém, diferente do que pensou que poderia sentir ao quebrar o silêncio, foi ainda pior do que antes. Todos os seus instintos gritando para correr, para fugir, sair dali o quanto antes, mas ignorou.

Talvez não devesse ter ignorado.

A preocupação com seus pais cresceu, o sentimento de que algo estava errado, algo estava acontecendo, se intensificando para o insuportável, porém não conseguia forçar-se a ir mais rápido. Passo após passo, aproximando-se do sofá, observando a cabeça de seus pais caída desajeitadamente uma sobre a outra, muito para baixo do que deveriam no sofá.

Estariam dormindo? Em uma posição tão desconfortável?

- Mãe? Pai? – mais perto e mais perto, um cheiro estranho tomava o lugar, Frisk tinha a ligeira impressão de se conhecido, familiar, mas não conseguia colocar o dedo no que a lembrava. Não era agradável, mas também não era forte.

Sua respiração engasgou quando conseguiu observar por cima do sofá, encontrando-se com o olhar arregalado de seus pais, a pele já pálida e fria tão embebida em sangue que ainda lentamente gotejava que forçou seu estômago a embrulhar-se e revirar, pronto para jogar o pouco que tinha comido para fora. Seus passos tropeçaram para trás, finalmente tendo lembrada da onde tinha sentido o cheiro, um que já sentiu tantas e tantas vezes antes quando próxima a sua própria morte.

O cheiro de sangue.

Não conseguiu respirar, seus passos tropeçaram e jogaram-na no chão, mãos sobre a boca, sem saber o que deveria fazer, o que deveria pensar...

Como?

- Ah! Você não deveria ter visto isso. Não deveria ter saído do seu quarto tão cedo Frisky. – olhos dourados subiram para encontrar-se com os vermelhos, muito mais escuros e ainda assim mais brilhantes do que se recordava. Chara estava na entrada do corredor para os quartos, olhos vazios e repletos de loucura, pele ainda manchada de sangue, faca em uma mão e papeis em outra.

Era óbvio o que aconteceu, todas as evidências eram irrefutáveis. Ainda assim... Era difícil engolir.

- Você... Você fez isso. – sussurrou, quase temerosa, como se dizer em voz alta concretizaria o já evidente. Seus olhos subiram novamente para Chara e então voltaram para seus pais e novamente para ela. Suplica brilhando no dourado. – Por que?

- Eles são incapazes, eles não podem proteger ninguém, não podem nos proteger, então não cumprem sua função. E se não cumprem sua função não devem viver. – Chara simplesmente respondeu, seu rosto nunca mudando, a leveza como falava da situação trazendo mais enjoos para Frisk.

- Isso é loucura, Chara. Você sabe disso.

- É? E daí? Você não entenderia, Frisk. Sempre foi tão ingênua. – ela se aproximou, ajoelhando-se a sua frente, encarando-a com olhos vermelhos insanos. Porém não existia malicia direcionada a Frisk, nada além de uma estranha possessividade. Era difícil dizer. Frisk não conhecia essa Chara. – Esse mundo é perigoso, ele deve ser destruído ou ele vai nos destruir. Não vou permitir que isso aconteça.

- Chara, o que aconteceu com Asriel... Foi um acidente, ninguém poderia ter feito nada, não foi culpa de ninguém.

- A culpa foi desse mundo. Se esse mundo não existisse ele não estaria morto agora. Eu vou destruí-lo então você não será devorada por ele também. – os dedos pálidos e pegajosos de sangue foram até Frisk, provavelmente na pretensão de tocar seu rosto, mas ela recuou, medo em seus olhos. O rosto de Chara caiu com a constatação, sua mão recuando novamente, suspiro pesado escapando de seus lábios enquanto se levantava. – Eu sabia que você não entenderia Frisk, mas é para o seu bem.

Frisk negou, não entendo de onde tudo isso tinha vindo, o que Chara queria dizer, nada disso fazia sentido. Ela também sofria por Asriel, mas algo assim...

O movimento dos papeis chamou sua atenção, as pequenas letras pouco visíveis de onde estava, manchadas em vermelhas aqui ou ali, mas ainda o suficientemente perto para que Frisk pudesse identificar o que era. Ela conhecia aquele papel e um medo ainda mais profundo afundou em seu peito.

- Esses... Esses não são os planos do projeto que papai estava investindo com Gaster? O que você está fazendo com eles? O que você...

 Antes que pudesse terminar o mundo tornou-se escuro. 


Notas Finais


https://www.youtube.com/playlist?list=PLIEQ4KYvFP3fUeMAEzwHEy49bzUmU0aX8
Spotify - https://open.spotify.com/user/missbaby_doll/playlist/0eeWYmSYGOUXQZCrBRcpDX?si=Be47CiDhTSuj5EGFTrMK5g
Lembra que reclamaram comigo do final do outro? Pois é.
Semana que vem tem mais, espero que tenham gostado do cap.
Obrigada por ler e até a próxima!


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