História Game Over - Escolha o personagem

Não queria ir pra casa ainda, lá ela teria que lidar com Jinsoul. Ainda tinha algumas horas até o jantar de aniversário de Haseul e esperava estar recomposta a tempo, mas no momento ela precisava de um tempo e espaço, longe de suas amigas e seus olhares preocupados. No momento ela não queria existir, não queria pensar, não queria ir para lugar algum e ainda assim acabou indo para um de seus refúgios mais antigos, uma Lan House.  

Sooyoung era famosa, de certa forma, mas ainda sim poucos conheciam seu rosto. Talvez mais agora por causa da capa da revista, mas não era como se revistas sobre mulheres na tecnologia fossem de grande distribuição e interesse. E dentro de um desses lugares, ela era como qualquer outro coreano que precisava jogar on-line em uma das internets mais rápidas do mundo. Se não era desenvolvendo jogos, era jogando que ela se distraía. O problema é que ela estava encarando a tela do computador há minutos. Sooyoung tinha fugido daquelas lembranças dolorosas por tanto tempo, que quando a acertou doeu mais do que deveria se ela tivesse lidado com tudo aquilo antes. Não estava brava de verdade com Haseul, mas precisava de um tempo e não ia mentir, sua confiança na amiga fora abalada. Mas se fosse sincera de fato, fazia tempo que ela não confiava de verdade em ninguém. Confiar fazia ela agir impensadamente. Fazia com que fosse mais fácil de ter seus pontos fracos expostos e as pessoas sempre os usavam contra ela. Não era paranoia, ela estava apenas atestando fatos. Tinha aprendido por experiencia.  

Dez anos atrás ela teve o melhor e pior ano da sua vida. Tinham quebrado sua confiança de tantas formas que ela aprendeu a confiar apenas em si mesma. Ela tinha passado por muita coisa enquanto morava em Incheon, tentou uma vida nova em Seul e coisas quase tão ruins quanto haviam acontecido. E agora ela tinha uma segunda chance com a maior responsável dos seus problemas de confiança e amorosos. A questão era, uma segunda chance para que?   

... 

Quando a Ha chegou em casa e tirou os sapatos, foi recebida primeiramente pelo cachorro de Jinsoul, uma bolinha marrom peluda e minúscula. Sooyoung as vezes esquecia que sua amiga e colega de apartamento tinha adotado um cachorro da última vez que ela esteve fora viajando para California. A loira não tinha explicado muito, apenas que ela se sentia sozinha naquela casa e precisava de companhia. Aquela bolinha de pelos gostava de morder suas canelas, mesmo que não doesse.  

-Olá pra você também. - Disse pegando o pequeno no colo, que não se contentou, mordendo o dedo dela.  

-Finalmente você apareceu. - A Jung chegou na sala da entrada, e logo teve o pequeno em seus braços.  

-Toma que o filho é teu. - Sooyoung respondeu.  

-Oi coisinha linda da mãe. - A loira começou a brincar com Bom.  

-Unnie! - Logo escutou a voz de Yeojin, que veio correndo lhe abraçar.  

-Oi criança. - A abraçou de volta.  

-Me chamando de criança, quando eu voltei pra Seul justamente pra ir pra faculdade. - A pequena riu, se separando da mais alta.  

-Eu não acredito, o tempo passa muito rápido.  

Os pais de Haseul tinham se mudado pro Japão uns anos atrás devido aos negócios e Yeojin tinha estudado fora por um tempo, voltando agora com seus vinte anos para a Coreia para fazer faculdade de entretimento, querendo expandir os negócios da família para um novo campo.  

Quando se separou da Jo mais jovem ela viu a mais velha ali atrás, ainda com cara de culpa, e assim que se olharam a amiga começou: 

-Soo, me desculpa, eu vou montar uma coletiva de impressa e negar os boatos, vou falar com o pessoal do marketing e ver como nós podemos reverter isso para boa publicidade e...   

-Tudo bem Haseul. - Interrompeu a amiga. - Eu pesquisei sobre a ideia, foi isso que eu fiz na rua até agora. - Respirou fundo, com sua habitual máscara de indiferença. - A forma como a notícia viralizou, seria burrice se não considerássemos fazer o jogo virar realidade. Aliás, você deveria contatar a agente da Kim, e falar com ela sobre isso. Apresentar os dados sobre os comentários positivos sobre o jogo que ainda nem foi planejado, eu salvei algumas ideias interessantes, tanto fãs do esporte como dos nossos jogos, depois te mando.  

Ela deu um sorriso tranquilizante para a aniversariante. Sooyoung tinha lido a entrevista de Jiwoo para Girl Front e descoberto que a ex-jogadora de baseball que a Jo teve crush durante a escola era a agente da Kim. E deduziu, corretamente, que teria alguma relação no motivo da vice-presidente deixar o projeto passar. Ela sabia o quanto sua amiga tinha aguentado durante todos esses anos de parceria, ela sabia que não era uma pessoa fácil de lidar, então nada mais justo do que ajudar sua amiga enquanto ela ainda analisava o que o destino queria colocando a pitcher em seu caminho novamente.  

Haseul piscou várias vezes, mas por fim se tranquilizou ao ver o sorriso da amiga.  

-Você tem certeza? 

-Tenho sim. - Sorriu maior ainda. - Então, vamos comemorar esse aniversário ou não? 

... 

Ainda naquela semana Wong Kahei, conhecida na Coreia como Vivi, recebeu o primeiro contato da empresa de jogos. A agente achou interessante como quem a contatou foi a Vice Presidente da desenvolvedora de jogos, não era muito comum alguém do topo da hierarquia empresarial fazer esse tipo de primeiro contato, mas ela ficou feliz pelo Loona Games ser diferente. Afinal a mulher na foto do Kakao era muito bonita. Cabelo curto, óculos, um sorriso e face tranquilizadora. Ela era tão bonita e ainda tinha um rosto que passava confiança e serenidade. O que Kahei precisava, considerando de quem ela agenciava a carreira e todas as confusões que sua atleta já tinha se metido. Um projeto publicitário com alguém que parecia tão sério e confiável, veio em ótima hora. Além de que os dados apresentados até o momento pareciam promissores.  

Vivi: Da uma olhada nos jogos do Loona Games para celular e me diz o que você acha de fazer uma parceria com elas.  

Tinha enviado para a atleta.  

Kim Jiwoo, por sua vez, estava passando seus primeiros dias de volta na Coreia tentando ser uma boa garota. Ela era discreta, sua rotina era apenas de casa para os treinos, dos treinos pra casa. Por vezes ia ver suas amigas, outros dias tinha terapia e ela estava seguindo todos os passos à risca. Finalmente estava livre de velhos hábitos. Bom, pelo menos era o que pensava, até ter conhecimento de hábitos mais antigos ainda voltando no seu caminho. 

Tudo começou com uma pesquisa sobre Loona Games no Play Store. O primeiro resultado era “Mahoutokoro”, que parecia uma versão dos jogos de Hogwarts de realidade aumentada e RPG, só que com a escola de magia do Japão como ambiente de fundo. 

A Kim começou a jogar e logo ficou viciada, os gráficos, a jogabilidade. Dava pra ver que foi feito por pessoas que realmente se importavam com mitologia do leste asiático, principalmente nipônica, mas também coreana e chinesa e não feito por britânicos com visão redutiva do que era cultura oriental. O único problema era ter que esperar tanto tempo para ter mais atividades, para concluir missões e continuar a história.  

Então ela foi pro segundo resultado. Era um jogo um pouco mais antigo, lançamento era de 2022. Se chamava Hero e tinha uma narrativa interessante sobre mundo pós-apocalíptico, onde você podia escolher um personagem com super poderes e ir descobrindo mais sobre aquele universo e o que estava acontecendo pela visão do seu personagem. Uma das heroínas se chamava Chuu, e Jiwoo acabou escolhendo ela, afinal aquele era seu user quando estava no ensino médio, por causa da música do A-pink que tinha saído em 2014, MisterChuu. Aquele jogo era diferente, os gráficos eram parecidos com histórias em quadrinhos antigas, era colorido e muito artístico, divertido também. E assim a pitcher passou mais algumas horas perdida naquele novo universo. Quando terminaram suas energias e ela não podia mais ver propagandas pra continuar a narrativa foi para outro.  

Fallen parecia uma história muito mais pessoal, sobre anjos caídos e traição. Você podia ver pelo traço do desenho que era ainda mais conceitual do que os outros. Também era mais triste. A introdução dizia que Lilith havia traído Eva, que deveria cuidar do purgatório como punição. Você tinha que ajudar Eva nos andares do purgatório.  

Todos jogos eram bons, mas aquele... aquele realmente despertou a curiosidade de Jiwoo, que pesquisou sobre a desenvolvedora de jogos no google. Entre os primeiros resultados aparecia uma matéria de uma revista de tecnologia e ciência, Uncover. Na capa desse mês estava a CEO da empresa, Yves. O título era algo sobre a mulher ser a bilionária mais jovem da Coréia. A atleta abriu o link e começou a ler. A presidente da empresa era uma jovem bem sucedida de 27 anos, mas tinha sido bolsista durante o ensino médio. Estudou em uma das melhores universidades de jogos digitais da Coreia do Sul e quando se formou da universidade queria produzir seu próprio jogo, que teve a ideia ainda durante a graduação. Teve a sorte de ter um bom investidor, não precisando ter que vender “Fallen”, mas sim abrindo sua própria empresa em 2020 com uma ex-colega de faculdade. Depois de vários jogos mais comerciais, tinham emplacado de vez com Hero e Mahoutokoro tinha seguido o sucesso. No fim da matéria tinham fotos deslumbrantes da desenvolvedora em um Photoshoot. Roupas brancas em um fundo azul neon, cabelos longos castanho escuro, lábios vermelhos bem preenchidos e um rosto familiar, ainda que a expressão distante fosse novidade.  

E tudo fez sentido, a história do ensino médio, a faculdade, a idade. Também fez sentido que mesmo depois de anos procurando por alguma notícia dela, nunca tinha a reencontrado, ela atendia por um nome diferente agora. Aquele rosto, tão bonito e reconhecível, não importava se fosse agora ou em outra vida. Ha Sooyoung, seu maior vicio estava voltando pra sua rotina, como um velho habito que nunca te deixa de fato.