História Game Over - Incomum

- Pode entrar. - Abriu espaço para que eu pudesse entrar.

- Com licença.

Nós subimos para o seu quarto, Ben agia um pouco anormal, ao invés dele ir na frente como o de costume, não, ele veio logo atrás de mim. Eu podia sentir que seus olhos estavam em mim, me observando pelas costas.

Isso é muito desconfortável, sinto como se estivesse sendo avaliada de alguma forma.

Quando já estávamos acomodados no quarto, nós conversávamos sobre o conteúdo daquela unidade enquanto ele copiava do meu caderno para o seu. Era muita coisa já que ele tinha perdido uma boa parte das aulas. Porém, ao contrário das outras vezes que falávamos sobre as matérias, ele não demonstrava muito interesse.

Talvez seja culpa de tudo que aconteceu em tão pouco tempo. Sua cabeça deve estar em outro lugar, focada em outras coisas.

- Kessy. - soltou a caneta sobre o caderno.

- O que?

- Você é minha amiga, né?

Eu não entendo onde ele quer chegar perguntando isso, mas balancei a cabeça em afirmação ao que foi dito.

- Tenho quase certeza que os outros já te disseram coisas ruins sobre mim ou te destrataram só por andar comigo... então... por que insistir em alguém como eu?

- Porque me importo contigo, nós somos amigos.

Ele sorriu de uma forma estranha, algo que nunca vi antes, também balbuciou algo que não consegui escutar direito. Ben voltou para a anotação e quando terminou fomos jogar.

O loirinho tá agindo muito estranho hoje.

Em um momento tínhamos que mudar de jogo, então ele se levantou e foi buscar outro cartucho. Ele trouxe aquele.

O encarei confusa, até cheguei a perguntar se aquilo ainda funcionava.

- Disseste que estava curiosa sobre o jogo. Vou te mostrar o que há neste cartucho.

A voz de Ben está seca e estranhamente calma. Eu olhei para a tela, aceitando o controle que me fora estendido por este.

Ele segurou firme antes de o soltar e sentar ao meu lado.

- Estou surpresa que isso funcione. - falei inquieta.

Na outra vez ele nem mesmo quis iniciar direito, parecia estar corrompido de tão ruim que a tela ficou, mas agora... agora parece que acabou de sair da loja. O que raios ele fez pra isso funcionar direito?

- Selecione o file.

Seu nome estava escrito ali na tela mesmo que bugado. Meu corpo inteiro tem uma sensação ruim quanto a isso.

- File? - encarei a tela - Esse negócio aí?

Ele ficou calado, como se estivesse apenas esperando paciente, mantendo o olhar fixo na tela.

- Tem certeza disso? O console não vai queimar ou algo do tipo? Isso tá estranho, Ben. - digo tentando fazê-lo desistir da ideia.

- Você não sofrerá consequências por dar uma olhadinha.

Credo, ele fala como se o jogo fosse me amaldiçoar, que modo estranho de dizer "vai logo". Aliás, nem me respondeu.

- Ahn... - me encolhi querendo passar o controle pra ele. - Isso é estranho... você tá agindo fora do normal.

- Não tem problema, basta que aperte logo, ele vai iniciar normalmente.

Não tô gostando disso, pode responder ao que falo?

O jeito que ele encara esse menu chega a ser aterrorizante, parece estar em transe.

- Contanto que seja você... eu permito que dê uma olhada.

Dito isso seu olhar saiu da tv para mim, ele lentamente virou o rosto na minha direção com um sorriso que ao invés de me tranquilizar, fez o sentimento de inquietação dentro de mim ficar mais forte.

- Ou por acaso está com medo?

- Medo? Eu?

Ele riu abaixando a cabeça.

- Isso é no mínimo cômico. Kessy, a menina corajosa. Ela não teve medo de Jeff the Killer, não temeu Slenderman e não se assustou diante de Sally. Smile.dog? Para ela não passa de um filhote de podle. - ele fez um gesto sutil com o braço esquerdo. - Mas está com medinho de um jogo?

- Do que você tá falando? - me encolhi. - Para com isso, tá me assustando.

- Não precisa se preocupar... será inesquecível, isso eu garanto.

Quando ele voltou a me olhar, suas íris estavam vermelhas como sangue. Ele moveu o corpo na minha direção, levantando as mãos. Ben segurou meu rosto, olhando fundo nos meus olhos.

Esse não é o meu amigo, definitivamente não. Ele é estranho.

De repente um calor inexplicável tomou conta de mim. Minha barriga ficou quente e todo meu corpo foi se aquecendo aos poucos.

- Isso... é só um jogo.

Depois do que o Ben disse, foi como se por alguns segundos eu tivesse estado fora de mim, e quando retornei meu corpo estava sendo tomado por chamas. Contudo, ele ainda não me soltava.

Embora meu corpo estivesse pegando fogo, agora eu não sentia nenhum grau de calor, a única coisa que se fazia presente era o frio de suas mãos.

- Kessy! - Ben diz num tom preocupado.

Eu pisquei algumas vezes e meus olhos se voltaram para a tela desligada. Eu levo a visão até minhas mãos que ainda seguravam desnecessariamente forte o controle.

A sensação de frio ainda está comigo, principalmente no meu rosto. Estou tão...

- Eu te dei e você ficou estática por vários minutos, não respondia a nada! - o garoto veio me tocar, mas eu não quis e me afastei. - Tá tudo bem? O que aconteceu? Parece pálida.

- Por que está desligada? - apontei para a televisão.

- Fiquei com medo. - Ben voltou para o mesmo lugar. - Você ficou quieta e não importava o que fizesse, então achei melhor desligar tudo... Me desculpe. - pelo que? - Na verdade eu nem lembrava desse jogo até aquele dia que você encontrou ele nas minhas coisas... mas... por algum motivo eu senti que era pra deixar você jogar ao invés de mim e por causa disso você ficou assim.

- Tudo bem, Ben. Acho que fiquei ansiosa demais pra jogar então não consegui responder. - sinceramente não faço ideia do que aconteceu.

Aquele... aquele era o Ben? Quero dizer... certamente se parecia com ele, mas o modo como agia estava diferente e seus olhos... Lembrar deles me dá medo. Acho melhor ficar longe desse jogo.

- Eu não devo jogar isso. - lhe entrego o controle. - Toma. Parece importante demais para mim, jogue e depois conte-me sobre ele.

O menino me encarou confuso antes de aceitá-lo.

- Certeza? Você parecia bem interessada.

- Uhum.

Ben Povs:

A Kessy ficou paralisada, mas ao invés de tentar trazê-la de volta eu... observei-a quieto antes de desligar a TV.

Não sabia que ela ficaria daquele jeito, quando testei o Majora's Mask algo estranho também aconteceu... eu tenho um sentimento indescritível por ele e a sensação que tive ao iniciá-lo foi como se algo que perdi tivesse retornado pra mim.

- Conseguiu sentir? - Sally se fez presente.

- Sentir o que?

- Você se aproximou dela mas foi afastado... ela te rejeitou.

- Ela estava assustada, confusa.

- O que será que causou isso?

Não gosto quando ela começa a fazer mistério.

Abaixei a cabeça encarando meus pés. Desde que Kessy saiu, não me levantei ainda.

- Quando foi a minha vez, eu apenas desliguei o console de imediato... alguma coisa estava me alcançando lá de dentro e isso me fez sentir um misto de coisas.

- Oh, isso parece interessante! - diz animada. - O que foi que estava tentando chegar a ti?

Eu fico em silêncio por alguns segundos pensando no que poderia ser. Não era de todo mau, embora estivesse repleto de sentimentos não tão legais

- Emoções.

- Emoções? Que inútil.

Sorrio.

Essa menina é realmente inconveniente, que tipo de resposta foi essa? Mas que seja. No momento tenho outra coisa com a qual devo me preocupar.

Aquilo sem dúvidas era meu. Todas aquelas coisas, não me senti como se fosse rejeitar, muito pelo contrário, estar disposto a aceitar me assustou.

- Mas se isso te fará voltar a ser quem era antes... por que não continuar?

- Quem você supõe que eu seja?

- Um menino solitário... deveria tentar se abrir mais pros outros.

Então é isso o que ela pensa de mim esse tempo todo.

- Eu não sou solitário. Costumava ter muitos amigos há alguns anos.

- E onde eles estão?

- Aconteceu uma coisa já faz muito tempo.

Sally senta do meu lado, pondo a mão no meu ombro direito.

- Quer falar sobre isso? Acho que precisa tirar esse peso dos ombros.

- Eu fiz um ritual... mesmo não querendo.

Consigo lembrar perfeitamente do que aconteceu, estavam todos reunidos e rindo sendo estimulados por aquele estranho.

- Eles não acreditavam nessas coisas, acharam que não passava de uma história daquelas que você conta pra assustar os outros.

Até mesmo a pequena Bell tinha sido cativada pelo homem, ela foi gradualmente se apegando a ele e nos deixando de lado sempre que ele estava por perto.

- Sobre o que era esse ritual?

- Isso não...

[...]

- Ben?

- Que foi?

- Pensei que estivesse no mundo da lua, estava pensando? - confirmo sem ter certeza. - No que? Tava selecionando o que vai me contar? Não precisa se preocupar com essas coisas, para quem eu contaria seus segredos?

- Tinha algo... - não consigo explicar. - meu corpo estava estranho durante o ritual.

- Já tinha sentido isso antes?

Neguei com a cabeça, olhando para Sally.

- Bom... seja lá o que tiver acontecido, isso vem trazendo efeitos que talvez você não queira.