História Garota Mimada (Hiatus) - A Casa é Sua

O toque do meu celular parece um martelo atingindo minha cabeça. Tateio a cama com preguiça até encontrar o aparelho. Tento abrir os olhos, mas estão grudados de rímel e cílios postiços.

-Alooo... – Minha voz é meio grogue e rouca.

-Deixa eu adivinhar. Ressaca? – A voz de Crystal entra em meus ouvidos como unhas arranhando uma lousa. Irritante.

-Claro que não. Dormi pouco – Minto. Levanto indisposta e corro pro banheiro, lambuzando um pedaço de algodão com demaquilante. – Espera um pouco, vou colocar você no viva voz.

-O que está fazendo? – Crystal fala com a boca cheia.

-Tirando a maquiagem. – Resmungo.

-Dormiu de maquiagem de novo? Quer envelhecer mais rápido é?

-Vai brigar comigo mamãe?

-Sua boba. Vê se não se atrasa hoje. É o seu grande primeiro dia.

Meu estômago dá uma revirada descomunal. Sim, era o meu primeiro grande dia.

-Vou tomar um banho...

-Já escolheu o que vai vestir? – A empolgação em Crys era notável. Eu rio.

-Não. Mas não quero ir muito caricata, sabe? Vou usar algo simples e básico. – Vou me despindo lentamente e ligo a torneira da banheira, enquanto procuro pelo aromatizante de jasmim que eu adorava.

-Vê se não demora, hein! Não pode se atrasar hoje!

-Graças a minha amiga que me acorda de madrugada, não irei me atrasar!

-Você me ama, bicth!

-É claro que amo!

Desligo o celular e  entro na banheira, colocando o dedinho do pé primeiro pra ver se a água está quente o suficiente.

Em instantes estou aconchegada na água quentinha e cheirosa. Eu adorava aquilo. As primeiras horas do dia, uma manhã sem agitação e...

No we’re never gonna survive, unless...

Aquele era o toque que eu usava para identificar as ligações da minha chefe. Seal continua a cantar sem parar e eu solto um palavrão.

Engatinho até a mesinha em que meu celular está apoiado, deixando uma poça de água pelo chão e atendo.

-Bom dia, Cassandra!

-Porque ainda não está aqui?

-Ér... Ainda são seis e meia e...

-Não acredito que não está aqui, Gabrieli! Preciso de você já!

-Claro, claro já estou indo e...

-CLICK.

Ah não! Ela desligou na minha cara? Ótimo! Seria um maravilhoso primeiro dia!

Meu banheiro dava acesso ao closet, então me enrolo numa toalha e corro, abrindo as portas duplas e pisando no carpete felpudo rosa enquanto pego várias roupas do cabide e jogo no pufe.

-Pense, Gabi! Rápido! Escolha rápido!

Decido usar uma camisa de seda de gola alta, e uma saia cintura alta com estampa de flores. Era feminino, era minha cara, e era o mais próximo que eu conseguia encontrar no closet.

Ligo a cafeteira e aguardo o café ficar pronto, secando o cabelo com o secador. Só consigo secar a metade do cabelo, pois minha chefe me manda um whatsapp com várias carinhas furiosas.

-Aaaai! – Gemo de frustração e desligo a cafeteira, despejando café na xícara e quase derrubando tudo quando a campainha toca. – Quem é?

Ninguém responde e decido não atender. Pego minha bolsa, jogo a bolsinha de maquiagem dentro, meu celular, e o notebook. A bolsa fica estufada e mal consigo fechar o zíper.

Levo o salto na mão até a porta e quando abro tomo um susto. Uma rosa está no chão, junto a um cartão.

Me esqueço do atraso no mesmo minuto, sorrindo como uma boba ao ver a letra inclinada e fina de David.

Desculpa por ontem, bebê. Tenha um bom dia. D.L

Quase esmago a rosa no peito.

*

-Você é retardada? – Cassandra estava no seu pior humor. Vestida dos pés a cabeça de Valentino, ela parecia uma rainha, cheia de glamour.

-Desculpe, Cassandra! – Entro trotando em sua sala, dando meu melhor sorriso pra ver se ela se acalmava. Claro que não funcionou.

-Você é minha melhor designer, não me faça jogá-la no olho da rua por seus atrasos!

Gostaria de dizer a ela que meu horário só começava ás nove, mas seria inconveniente.

Quando coloco seu café com creme da Starbucks em sua mesa, vejo um quase sorriso em seus finos lábios pintados de vermelho.

-Obrigada. – Ela murmura quase pra si mesma.

Aceno com a cabeça e me dirijo até o atelier, que ao som de Lianne La Havas, já estava tomando seu ritmo e começando bem o dia.

-Bom dia! – Falo andando sobre as peças de roupas jogadas pelo chão – O que houve por aqui?

Billy, assistente júnior da empresa está sentado em meio ás roupas, seu óculos torto no meio da cara.

-Sua chefe está demoníaca hoje! – Ele bufa, irritadíssimo.

-Quer ajuda? – Me agacho e começo a pegar as peças do chão – Eei! Essas peças são minhas!

-Eu sei! Estou tentando achar um... – Ele dá um grito repentino e eu me assusto – Achei! Era esse maldito vestido da linha exclusiva que a Taylor Swift vestiu ontem!

-Taylor Swift vestiu uma criação minha? – Posso sentir que estou flutuando, de tão emocionada.

-Desce das nuvens, anjinho – Billy brinca – Vamos, temos que achar uma modelo perfeita. Você precisa criar mais dessa belezinha, porque a Cassandra acaba de fechar um contrato com a Macys. Querem pelo menos 500 peças dessa.

-Mas é um dos meus designs exclusivos! – Guincho – Eu fiz para...

-Eu sei disso – Billy já está colocando o vestido no manequim – Crie uma versão dele mais acessível ao público.

-Aahnnn – Gemo de frustração, e Billy balança a cabeça em negativa.

-Esse é seu primeiro trabalho oficial! Mova esse bumbum lindo daí e comece a trabalhar!

Reviro os olhos e vou até minha sala. Ainda estava uma bagunça, cheia de caixas, os móveis cobertos por plásticos e papelada espalhada pela mesa.

Solto um suspiro e guardo minha bolsa. Faço um coque no cabelo e começo a arrumar o que posso na sala. Tiro os plásticos que cobrem os móveis, tiro o pó e abro as janelas, organizo as agendas e arrumo minha mesa.

-Oi, garota! – Crystal coloca a cabeça na porta. – Esqueceu da hora do almoço? – Ela passa a mão na barriga dramaticamente – Estou faminta!

Observo com atenção e admiração minha amiga estilosa. Ela está vestindo um inconfundível Dior tomara que caia e um tênis marrom. Seus cabelos longos e negros estão trançados e seus brincos de diamante rosa reluziam em seu rosto.

-Ainda tenho muito a fazer – Observo em meu relógio de pulso que já passava da metade do dia – Mas confesso que também estou faminta.

Ela joga as mãos para o céu encenando dramaticamente e eu a sigo até a portaria.

-Olha só quem está vindo... – Ela fala com sua voz melosa. Olho na direção que Crys olha e meu coração estatela dentro do peito. É Richard.

-E-eu esqueci meu iphone na mesa! - Corro.

-Mas eu vi você colocando na bolsa! – Crystal grita, mas eu já estou entrando em minha sala.

Crystal me segue com a testa lotada de vincos.

-O que foi?

-Olha só! – Minto – Deixei aqui! – Ouço a voz irritante de Richard se afastar e me apresso – Vamos!

*

- O que foi aquilo? – Crystal olha o cardápio fazendo caretas involuntárias – Eu percebi que você estava evitando o gato do Rick! Posso saber por quê?

-Claro que não. Você imagina muita coisa, Crys! – meu rosto trai minha confiança. Começo a enrubescer.

-Ah não! – Suas grandes gemas azuis parecem que vão soltar de órbita – Você transou com ele?

-Claro que não, eca. – Meu coração ricocheteia dentro do peito e eu sinto vontade de vomitar. – Anh, vamos pedir logo?

-Tudo aqui é cheio de gordura... – Ela franze o nariz sendo a francesa fresquinha que era – Acho que vou querer sopa...

-Credo. – Aceno para o garçom e ele chega rápido – Vou querer fritas – Mordo a ponta do dedão enquanto folheio o cardápio – Hambúrguer duplo, quero queijo extra, ok? – O garçom balança a cabeça anotando tudo – E refrigerante de uva... Ah! Quero molho barbecue!

Crys me observa com o queixo lá no chão.

-Quem é você e o que fez com minha amiga?

Tombo a cabeça para trás e dou risada.

-Sou uma garota normal que gosta de comer fritas com queijo. – Falo olhando o cardápio para escolher a sobremesa.

-Você é a amiga mais gostosa que eu tenho! Não pode comer essas coisas! Dieta, lembra?

-Hummm – Mordo os lábios – Será que essa torta de morango é boa? – Pergunto pra ela fingindo que não a ouvi.

-Carboidratos! Calorias! Pneuzinhos! Banha! Isso te lembra alguma coisa? – Crys parece que vai surtar a qualquer momento, suas narinas inflando e a testa brotando gotas admiráveis de suor.

-Acho que você não tá muito bem amiga! Eu divido minhas batatas com você!

Crys fecha a cara e observa abismada o garçom colocar a montanha de carboidratos na mesa.

Dou mordidas astronômicas no hambúrguer, e Crys estreita os olhos com raiva.

-Sabe... – Ela faz um barulho engraçado quando suga a sopa com a colher – Eu achava que estávamos juntas nessa! Duas amigas, designers de moda, lutando para ficar um corpinho bom!

Dou de ombros.

-Tô cansada disso. – Falo tão genuinamente que solto um suspiro cansado.

-Ta vendo esse corpinho aqui? – Ela aponta pra si mesma – nem assim eu consigo um cara gato pra sair! Imagine se eu ficar obesa?

-Pare de ser neurótica, Cryssy! – Mastigo o resto do hambúrguer e lambo a ponta dos dedos – Você é maravilhosa!

-Sou maravilhosa e ainda assim minha vagina não é visitada há meses! – Ela abaixa o tom de voz e se inclina pra mim como se fosse contar um segredo de estado – Gabi! Acho que tenho algum problema!

Dou uma gargalhada. Crys franze a sobrancelha perfeita.

-Não há nenhum problema com você. Talvez só esteja escolhendo demais! Que tal irmos pra balada esse final de semana?

-Tá. – Ela finalmente se dá por vencida e rouba algumas batatas – E aquele amigo do seu irmão? O gostosinho?

-O que tem ele? – Não sei porque, mas não gosto daquele comentário de Crystal.

-Ele está bem? Fico toda molhadinha quando penso nele... Aquele bronzeado... Aquela barriga tanquinho... Aquele cabelo caindo na testa...Uuui!

-Ei! Mais respeito, por favor! – mal reconheço a minha voz e não faço ideia do porquê eu estar tão irritada – Ele não é um pedaço de carne!

-Que seja! – Crystal olha pra cima com expressão de sonhadora – Seria muita sorte tirar meu atraso com um cara desses... – Seus olhos lampejam ameaçadoramente - Ei! Que tal você convidá-lo pra festa da Louis Vuitton? Sei que seu irmão vai!

-Não sei... – Olho pra minhas unhas – Acho que ele não gosta muito dessas festas...

-Ah, para com isso amiga! Eu vejo as fotos dele nas festanças – Crys se abana – Sei que ele adora isso!

-Ele está... – Lembro de nosso encontro e sinto minhas mão formigarem – Ele está diferente agora...

-Qual, é Gabi? Não quer que eu fique com ele? Qual o problema?

-Deixa de ser boba – Desconverso – Tudo bem! Eu vou convidar o cara. - Reviro os olhos.

Crystal comemora e eu xingo mentalmente.

O restante do dia trabalhamos duro na nova coleção para a Macys, que significa um grande reconhecimento. Para mim, que era uma nova designer, era como o Santo Graal da moda.

Dois dias depois, quando chego exausta, com os saltos na mão e os pés descalços, observo uma mudança para o apartamento ao lado do meu.

Fico curiosa olhando aqueles móveis, alguns de aparência rústica e de bom gosto, ambas masculinas e bem primitivas. Uma mesa de madeira maciça chama minha atenção. O dono daqueles móveis de certo tinha muito bom gosto.

-Ooi gatinha! – A voz displicente e levemente arrogante de David Luiz me faz dar um pulo – Tá curiosa com o quê?

Giro o corpo e o vejo escorado numa coluna de gesso. Seus cabelos estão molhados, e ele está vestindo apenas uma bermuda gasta azul.

Meu coração dá um nó de marinheiro, e meu corpo arqueia involuntariamente, sinalizando perigo.

-Que foi? – Sua cara debochada era perfeita para ser estapeada. Com força – Perdeu a fala? Gosta de alguma coisa que vê? – ele dá um sorriso torto e cínico.

-Nã-não. – Viro e volto para minha porta. – O-o que está fazendo aqui? Vai se mudar para o apartamento ao lado? – Minha voz soa estridente e eu pigarreio.

-Seu irmão – Ele fala como se isso respondesse tudo – Ele me pediu para cuidar de você – David revira os olhos cor de âmbar que estavam especialmente reluzentes aquela noite – Sabe como é. Não posso negar um pedido do meu amigo.

-Quer dizer que você vai ficar me vigiando o tempo todo? – minhas bochechas ardem e eu sinto pontos em meu rosto formigarem – Tá falando sério? – Estou tentando aparentar fúria, mas meu coração está comemorando dentro do peito.

-Pois é. – ele masca um chiclete invisível e solta um muxoxo – Venha me visitar quando quiser. – Sua piscadela marota faz minhas pernas bambearem um pouco – a casa é sua!

Entro em casa batendo a porta na cara dele, sem ao menos dar-lhe uma resposta.

Se eu me conhecesse agora, juro que não me reconheceria. Eu havia me fechado por um ano, depois do 4 de Julho. Meu coração se fechou. Como uma cirurgia. Os pontos já estavam cicatrizados, e eu já estava acostumada com a solidão. Mas agora, eu me sentia amedrontada. Eu não podia sair com alguém, eu não podia me apaixonar. Não podia. Ainda mais pelo melhor amigo do meu irmão. O cara que tinha os olhos de raio-x. Que podia enxergar minha alma, se quisesse.

Me jogo na cama  e ligo a tevê. Assisto um capítulo inédito de Scandal e adormeço pensando em como seria viver um grande amor, como a personagem principal.