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quinta-feira
A manhã estava ensolarada, se destacando entre as manhãs nubladas e chuvosas, parecendo iluminar o bom humor de todos que se permitiam tocar o Sol com suas peles coradas.
Mas, embora contente, Mike estava estranhamente nervoso, como dificilmente se sentia. Era um nervosismo que corria dentro de si como seu próprio sangue, podendo ouvir o sentimento em seus ouvidos e senti-lo em sua língua.
Tudo isso por causa de um poema anônimo.
O papel bege estava em sua mão, sentindo seus tremores em suas moléculas de papel, Mike sequer sabia seus nomes.
Precisava encontrar um lugar em que ficaria óbvio para Will, mas não muito óbvio, e também não escondido.
Suspirou alto, ouvindo o chuveiro sendo fechado, e se levantou da cama em um pulo, sentindo seu coração quase lhe deixar o peito como em um desenho animado.
Em dois passos, estava na escrivaninha do Byers, e deixou seu envelope delicado abaixo de um vaso de madeira com erva cidreira e algumas flores pequenas de coloração rosada e amarelada, Will tratava as flores como suas filhas, sempre regando, fazendo questão de deixá-las no Sol e sorrindo pequeno ao vê-las crescer. Era extremamente adorável.
Se virou em um pulo culpado ao ouvir a porta do quarto se abrir, com Will usando um shorts jeans curto com desenhos de canetinha colorida, uma camisa longa listrada e seu costumeiro cardigã, secando seus cabelos castanhos, já usando seu óculos redondo e fofo. Mike sorriu quadrado, ganhando um riso solto do menor.
"Você parece aquelas crianças que foram pegas fazendo algo errado." Comentou, descontraído, buscando sua bolsa ao lado da cama. Seu perfume era igualmente florido, Mike não sabia dizer se era seu perfume natural ou comprado, mas definitivamente pertencia apenas a ele, o seguindo em cada pequeno passo.
"Você me pegou, eu estava prestes a roubar seu livro do Monet." Brincou, e Will arregalou os olhos, sorrindo aliviado ao notar a feição divertida no rosto do garoto.
"Você me assustou de verdade, Mike." O reprovou, mas ele sorria, então estava tudo bem. O Wheeler sorriu em resposta. "Vamos? Temos aula hoje." O lembrou, rindo.
Mike suspirou. "Infelizmente."
"Qual é, Wheeler, não seja cínico."
"Não estou sendo cínico!" Pegou sua bolsa, caminhando para fora ao lado do Byers.
Will riu, parando no corredor, fazendo com que Mike ficasse parado com ele, preso ali. Sua respiração falhou momentaneamente. "Você é um pessimista cínico, admita!"
Mike pousou a mão em seu peito, fingindo estar ofendido.
"Como ousa falar assim de mim, Byers?" Exagerou em sua voz, empinando o nariz, fazendo com que Will risse como uma criança fofa.
O Byers empurrou seus ombros, fazendo com que Mike quase caísse, e saiu correndo porta afora. O Wheeler riu alto, chocado, mas logo retornou a si, correndo atrás de Will pelo corredor, não se importando com os alunos que saíam de seus dormitórios, enquanto gritava o nome do menor, suas risadas se encontrando na distância de seus corpos, e no momento nada importava a não ser eles.
Mike nunca esteve tão feliz. Will nunca riu tanto. E tudo ficaria bem.
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O papel se sentiu sufocado contra o vaso de madeira, mas pôde sentir o Sol lhe tocando no passar do dia, e então o frio costumeiro da tarde adentrando o quarto em que estava. Sua cor mudava junto da posição do Sol brilhante, mas a real diferença em si foi quando a porta se abriu naquela tarde, e um garoto de cabelos castanhos se deitou na cama, conversando tediosamente com as flores.
O papel não entendia suas palavras, era um papel inanimado, afinal de contas.
Logo o garoto se levantou, passando os dedos delicados pelas pétalas das flores, as cheirando de perto, e observando atenciosamente a erva cidreira bem perfumada. Rapidamente, levantou o vaso. O papel, devido ao tempo que passou ali, grudou momentaneamente, caindo no chão ao passo que o garoto se virou para ir à cozinha.
Agora não havia Sol, apenas as sombras escuras que existem embaixo de uma cama, e o poema anônimo ficaria escondido por ali por um bom tempo.
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"Oi, você chegou cedo!" Mike comentou, adentrando a cozinha, onde Will estava, retirando pedaços cortados da erva cidreira de seu vaso e os colocando em uma panela com água quente, preparando um chá. Mike sentiu sua garganta secar. Will estava com o vaso então tinha lido o poema…
O menor levantou o olhar, sorrindo brilhante da forma que sempre fazia Mike perder o ar.
"Não tive a última aula, então pensei em vir para cá ao invés de ficar na grama, sabe? Mais confortável. E, olhe, a erva cidreira que eu plantei já está boa para o chá. Você quer?" Apontou para o vaso como forma de afirmar ainda mais sua fala.
Mike engoliu em seco, forçando sua garganta a voltar ao normal.
"Eu…adoraria."
"Ok!" Sorriu uma última vez, se virando para o fogão novamente, deixando com que Mike voltasse a respirar.
Bem, Will não havia comentado nada sobre o poema, será que Mike deveria puxar o assunto à tona repentinamente? Ou seria muito estranho? Talvez deixá-lo falar quando se sentisse confortável fosse melhor. Ou…ou talvez ele simplesmente não queira falar com Mike sobre, não é como se fossem melhores amigos do nada, certo?
Deixou sua bolsa na sala e escolheu um disco de Chopin, sabendo que Will gostaria, e rapidamente voltou para a cozinha. "Quer ajuda em algo?" Perguntou, se aproximando de Will, que agora peneirava o chá em duas xícaras.
"Sobre o chá, não, já estou terminando, mas…" Levantou o olhar, misturando seus tons castanhos esverdeados com o preto divino de Mike. "Eu estava pensando em terminar de ler Sonho de Uma Noite de Verão hoje…" Corou contra sua fala, enquanto Mike ainda processava o que lhe foi dito. "Merda." Will murmurou, afastando a peneira para a pia, visto que a xícara já estava cheia e ele havia deixado derramar um pouco.
Mike riu, segurando as duas xícaras enquanto Will evitava seu olhar, corado e extremamente envergonhado.
"Claro que podemos terminar hoje. Aliás, eu tenho um livro com outras comédias de Shakespeare, podemos ler A Megera Domada, você já leu?"
Finalmente, o menor levantou o olhar novamente, ainda vermelho como um pimentão, deixando a peneira lavada de lado.
"Nunca li…"
Mike sorriu ladino.
"Hoje é seu dia de sorte."
Se Will ainda não o considerava seu melhor amigo para conversarem sobre poemas, pelo menos ainda podiam ler Shakespeare enquanto bebiam chá. Já era suficiente.
Dessa vez foram para a cama de Mike, procurando o final do Sol que passava pela janela, usando a parede como apoio, bebericavam seus chás enquanto Mike, com a mão que não segurava a xícara, folheava seu livro.
"Aqui!" Sorriu para Will, finalmente encontrando a continuação da peça. "Teseu diz — Manda-o entrar. (Fanfarra de trombetas. Entra Marmelo, fazendo o Prólogo.)"
"Como ele se fantasiou de Prólogo?" Will perguntou, bebendo mais um rápido gole de seu chá. Mike sorriu para ele.
"Essa é a graça das comédias de Shakespeare, essa é uma das cenas mais engraçadas, acho que ele deve ter usado um manto negro ou algo do tipo?"
Will riu, divertido, e se deitou no ombro de Mike novamente, ambos corações frenéticos contra seus peitos.
"Continue, por favor." Pediu, baixinho, ao pé da orelha do Wheeler, que se arrepiou.
"Ok…" Coçou a garganta. "Prólogo diz — Se desagradarmos, é com intenção."
Will ri, e não havia lugar no mundo que Mike preferia estar.
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sexta-feira
Tendo falado sobre poema ou não, Mike não se importava, queria apenas sempre poder soltar seus sentimentos nos papéis que seriam lidos pelo garoto. Por isso, naquela manhã, deixou mais um poema, esse com citações de seus livros favoritos, e dessa vez, deixou o delicado papel na bolsa de Will, rezando para que o garoto o lesse durante alguma aula chata, tendo um motivo para sorrir naquela manhã, porque agora Mike tinha milhares de motivos, todos incluindo o Byers.
Will vestia seu cardigã, dessa vez fechado em seus botões, e sua calça jeans com costuras de girassóis. Havia preparado café para Mike, e chá para si, ambos bebendo enquanto caminhavam até a faculdade naquela manhã cinzenta de outono. Hoje não parecia no clima para falar bastante, como acontecia algumas vezes, mas Mike tinha palavras para dar e vender na ponta de sua língua, e recheou a manhã com seus pensamentos bobos mas que Will gostava tanto de ouvir, observando impressionado o garoto.
Sinceramente, como pôde não ver esse Mike morando consigo por todos esses meses?
"Eu só tinha lido Romeu e Julieta, na realidade, mas depois de Sociedade dos Poetas Mortos eu tive que ler Sonho de Uma Noite de Verão." Finalizou, sorrindo pequeno ao se lembrar do filme.
O menor enrugou a testa, confuso.
"Sociedade dos Poetas Mortos?"
Mike abaixou o olhar, alarmado.
"Você nunca assistiu?"
"Não, é um filme?"
Mike abriu a boca em um "O" perfeito, ganhando uma risada e um empurrãozinho de Will.
"Não faça essa cara chocada, Mike, não é tão impressionante, né?"
"Claro que é! Você é personificação de um fã de Sociedade dos Poetas Mortos, Will."
"Pensei que eu fosse a Primavera."
"Também." Mike sorriu. "Você é a personificação de várias coisas."
Will corou, abaixando o olhar.
Caminharam em silêncio por mais alguns instantes, chegando na esquina do campus.
"Esse…" Engoliu em seco, apertando suas mãos. "Esse mês está tendo reprise de Sociedade dos Poetas Mortos naquele cinema pequeno no centro. Quer…quer assistir comigo?"
Abaixou o olhar, apenas para encontrar Will já o olhando. Mike corou.
"Digo, como você nunca assistiu, é a chance perfeita, mas se não quiser ir comigo e quiser ir com, sei lá, o Jason, não tem problema, foi só uma…"
"Mike." Riu pequeno do nervosismo do garoto. "É claro que eu quero, não se preocupe. Eu trabalho amanhã mas podemos ir no Domingo, que tal?"
"Ok, ok, Domingo, sem problemas."
Will riu mais uma vez, passando pelo portão do campus enquanto o maior o seguia, sentindo nuvens abaixo de seus pés.
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O dormitório estava vazio naquela tarde, e rapidamente Mike faz sua pequena e simples rotina, ouvindo os sons de Mozart enquanto preparava o almoço entre as janelas fechadas, deixando o quente dentro das paredes, o esquentando momentaneamente.
Praticamente dançava na cozinha enquanto ia da geladeira para o fogão para o microondas para a pia para o armário e de novo para a sala, apenas para arrumar o disco, e lá estava novamente, dançando pela cozinha como em uma pista de dança apenas para si, embora não fosse reclamar de ter um baixinho fofo ao seu lado.
Deixou os dois pratos em cima da mesa enquanto ouviu a porta bater, lhe fazendo pular de susto ao passo que Will adentrava a cozinha, seus cabelos levantados, seu cardigã torto e em suas mãos, um papel pardo. Seu rosto brilhava com seu sorriso.
"Oi…?"
"Mike."
"Eu."
Will soltou um gritinho pequeno, suas bochechas corando enquanto Mike sorria. O menor se aproximou e estendeu o papel. Wheeler o aceitou, fingindo não saber do que se tratava. "O que é isso?"
"Um…um poema. Deixaram na minha bolsa hoje." Foi ao lado do Wheeler, relendo consigo, seus braços se tocando, mas nenhum sequer fez questão de se afastar.
"Isso é lindo. Foi o Jason que escreveu?" Perguntou, inocente, devolvendo a carta para Will, que soltou uma mistura de risada e descrença.
"O Jason estuda Educação Física, ele nunca saberia citações de Adoráveis Mulheres ou de Orgulho e Preconceito." Aceitou o papel, ainda sorrindo grande, se afastando só um pouquinho. "Eu acho que não foi ele."
Mike sorriu, provocador, embora estivesse corado. "Então você tem um admirador secreto, Byers?"
O menor corou ainda mais, rindo envergonhado.
Onde poderia imaginar que teria realmente um admirador? Sempre se contentou com palavras genéricas e vazias, os beijos eram bons, mas poemas e flores eram tão mais maravilhosos. Era como nadar em pétalas de rosas, embora nunca houvesse tentado, poderia descrever a sensação com seus dedos desenhistas.
"Oh, você fez o almoço?" Perguntou, finalmente notando os pratos acima da mesa.
"Terminei agora."
Will sorriu pequeno, se sentando enquanto o maior copiava seus movimentos.
Não sabia dizer o que era, as palavras trocadas entre o almoço ainda eram as mesmas, assim como as risadas e as bochechas coradas, mas…algo parecia diferente.
Will o olhava com um brilho diferente no olhar, como se finalmente o visse de verdade. Finalmente estava vendo Mike Wheeler na sua frente, e era uma honra ser visto por Will Byers.
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