Tive a ideia de fazer esse pequeno ensaio, envolvendo o universo Dragon Ball (mais precisamente, a atual saga do mangá de Dragon Ball Super, a saga Granola) depois do lamentável incidente, ocorrido em São Paulo no dia 24 de julho de 2021, no qual a estátua do bandeirante Borba Gato (um homem que viveu entre 1649 a 1718. Ou seja, nos séculos XVII e XVIII) foi incendiada por vândalos encabeçados pelo grupo “Revolução Periférica”.
Tais tipos justificam atos como o incêndio à estátua do Borba Gato por ter participado de bandeiras de caça a índio e a negros. Sendo que isso não é verdade. Borba Gato participava de bandeiras de extração de joias e pedras preciosas, não de caça a indígenas.
O incidente em questão também me lembra vandalismos de monumentos de conquistadores ocorridos no Chile em 2019, durante os protestos contra o governo de Sebastian Piñera. Entre eles um ocorrido na cidade de La Serena, em que a estátua do conquistador espanhol do século XVI Francisco de Aguirre foi derrubada e em seu lugar uma estátua para lá de cafona, que representa uma mulher do povo diaguita (povo indígena do norte do Chile).
Na Internet vejo muito certas pessoas falando que no lugar de monumentos dedicados a figuras históricas como bandeirantes e conquistadores espanhóis deveriam ser erguidos monumentos dedicados a figuras históricas dos povos indígena e negro. Lembro-me de ter visto na Internet coisas como, por exemplo, que no Monte Rushmore deveriam ser homenageados chefes tribais indígenas como Touro Sentado e outros, e não os presidentes americanos lá retratados.
E é ai que está o ponto ao qual quero chegar. Será que em algum momento passou pela cabeça desses estúpidos que acham que devemos derrubar estátuas de bandeirantes, conquistadores e outras figuras eminentes do período colonial ibero-americano para no lugar erguemos estátuas relativas aos povos indígenas que foram massacrados por eles em guerras de conquista, que isso nada mais é que substituir a estátua do Freeza pela estátua do Rei Vegeta, fazendo uma analogia com Dragon Ball?
É mostrado em Dragon Ball que os saiyanos foram levados às portas da extinção pelo Freeza quando o Imperador do Universo jogou a Supernova no Planeta Vegeta (sob ordens de Bills). Poucos foram os sobreviventes, entre eles o príncipe Vegeta, seu tutor Nappa, Raditz, Kakarotto (futuro Son Goku), Broly e seu pai Paragas, entre outros que não estavam no Planeta Vegeta no fatídico momento.
Mas, ao mesmo tempo, antes mesmo dos saiyanos conhecerem e se aliarem ao Rei Cold (pai do Freeza e do Koola), eles exterminaram os tsufurianos que até então eram o povo dominante do planeta em que viviam, que até então se chamava Planeta Plant e depois foi rebatizado como Planeta Vegeta, em honra do Rei Vegeta III (o pai do Vegeta, sogro da Bulma e avô paterno do Trunks e da Bra, sobre o qual dediquei uma história anterior), o soberano que liderou os saiyanos na guerra de extermínio aos tsufurianos.
E depois que se aliaram ao Rei Cold, os saiyanos se tornaram uma espécie de jagunços a serviço primeiro do Rei Cold, e depois de seu filho e sucessor Freeza. Participaram de diversas batalhas ao redor do Universo, limpando os planetas conquistados para que depois fossem vendidos por clientes ricos dentro dos negócios de vendas de planetas do império de Freeza. Entre eles o planeta Kanassa (mostrado no OVA Bardock: o pai de Goku). E isso durou até os saiyanos serem exterminados.
Resumindo a ópera: o conquistado de hoje é o conquistador de outrora.
Os anos se passaram e no GT aparece um vingador tsufuriano chamado Baby, que conduz uma vingança contra os saiyanos por conta do extermínio de seu povo durante a guerra de conquista do Planeta Plant pelos saiyanos. E para isso ele se utiliza do poder dos saiyanos para conduzir sua vingança ao se apossar do corpo de Vegeta. Ou seja, usando da força do inimigo contra ele mesmo.
Mais recentemente, no mangá de Dragon Ball Super, com a conclusão da saga Moro foi iniciada a saga do sobrevivente espacial. Ou se preferirem, a saga Granola. Na qual vemos o personagem de mesmo nome, nativo do Planeta Cereal e protagonista desse presente ensaio, buscar vingança tanto contra os saiyanos quanto contra Freeza por conta do massacre de seu povo. E, pelo que as páginas dos primeiros capítulos dessa saga dão a entender, tal massacre foi conduzido por ninguém menos que Bardock, o pai de Goku e Raditz, sogro de Čiči, avô paterno de Gohan e Goten e bisavô por parte do avô paterno de Pan.
De forma análoga, os indígenas americanos também tiveram seu passado de conquistadores. Ou vocês acham que astecas e incas criaram seus respectivos impérios distribuindo flores aos povos por eles conquistados? Não, a expansão asteca e inca se deu por meio da força das armas, vencendo batalhas contra inimigos, derramando muito sangue e empilhando muitos cadáveres. Tanto que na invasão espanhola ao Império Asteca os tlaxcaltecas, um povo de inimizade de longa data com os astecas, se aliam aos espanhóis liderados por Hernán Cortez.
No caso brasileiro, há o caso dos tupis, que por volta do ano 1000 (ou seja, na mesma época em que os escandinavos, sob a liderança de navegadores como Erik o vermelho e Leif Erikson, iniciaram a colonização da Groenlândia e tentaram estabelecer assentamentos onde hoje é a Terra Nova, na costa oriental do Canadá) iniciam um processo de expansão pela costa brasileira partindo da Amazônia e que nesse ínterim desalojaram para as áreas interioranas os tapuias. E depois que os portugueses chegaram ao Brasil, não raro tais indígenas formavam alianças com o colonizador português e buscavam apoio dos recém-chegados em suas lutas contra outras tribos indígenas.
Segundo a Wikipédia em espanhol, os diaguitas também tiveram seus dias de conquistadores: eles teriam chegado ao norte do Chile por volta dos séculos V e VI e invadiram de forma violenta os territórios do Complexo Las Animas, cujo povo local, após sucumbir aos invasores, com eles se mesclaram nos séculos posteriores.
E a minha proposta com esse ensaio é a seguinte: imaginemos que uma vítima de povos como os tupis, os sioux, os iroqueses, os mapuches e os diaguitas no passado, cuja vida foi ceifada em decorrência de conflitos ocorridos antes mesmo dos europeus chegarem às Américas, ressuscite nos dias de hoje e veja nas ruas de uma importante cidade uma estátua dedicada ao algoz do povo dele. O que ele acharia de tal homenagem? Com certeza, não ia gostar nem um pouco.
Com isso quero mostrar a aqueles que acham que no lugar de movimentos dedicados a figuras históricas como bandeirantes e conquistadores espanhóis que se é errado homenageá-los por conta dos massacres de indígenas e negros ocorridos durante o período colonial (ou seja, pela ótica de direitos humanos que era inexistente nos séculos XVI, XVII e XVIII), talvez seja tão ou mais errado homenagear os indígenas, por exemplo. E que substituir a estátua de bandeirantes e conquistadores espanhóis, para além de ser um ato de apagar a história segundo os valores morais dos dias de hoje e de atentado ao patrimônio público, é o mesmo que no Dragon Ball substituir a estátua do Freeza pela estátua do Rei Vegeta III (que segundo o que o episódio 78 de Dragon Ball Z mostra disse que depois de vencer Freeza iria dominar o universo no lugar dele) ou do Bardock. Ou de qualquer outro saiyano eminente que tomou parte tanto na guerra de conquista do Planeta Plant contra os tsufurianos, quanto nas guerras de conquista interplanetárias que os saiyanos tomaram parte como jagunços a serviço de Freeza. E que depois foi morto por Freeza e/ou seus homens.
Além disso, na Mongólia existem estátuas dedicadas a Čingis Khan, o fundador do Império Mongol (incluindo uma estátua na fachada do Palácio do Governo em Ulan-Bator e uma estátua equestre de 40 metros de altura, a maior estátua equestre do mundo, também em Ulan-Bator), e no Uzbequistão há estátuas dedicadas a outro grande conquistador, Tamerlão, fundador do Império Timúrida (incluindo em Samarkand, que era a capital do Império de Tamerlão e onde ele se encontra enterrado). Ambos, em suas respectivas marchas conquistadoras, empilharam muitos cadáveres. Desde as margens do Mar do Japão às cercanias de Viena e Veneza e de Novgorod a Java.
Pois se é errado os mongóis e povos da Ásia Central dedicarem monumentos àqueles que levaram seus povos à glória e à grandeza por causa dessa questão toda de direitos humanos que era inexistente nos séculos XIII, XIV e XV, não sei mais o que é certo. E digo mais: se disserem aos mongóis ou aos uzbeques que é errado homenagear Čingis Khan ou Tamerlão pelo fato de que eles e os descendentes deles empilharam muitos cadáveres em suas respectivas marchas conquistadores, vão é rir da tua cara e te chamar de imbecil.
Ou, imaginando o seguinte cenário hipotético, dentro do mundo Dragon Ball: o Vegeta não revive ao fim da batalha no planeta Namek depois de ter sido humilhado em combate pelo Freeza e morto. E ai em algum planeta erguem uma homenagem a ele por meio de um monumento. O que os namekianos pensariam a esse respeito? Não iam gostar nem um pouco disso, já que o Vegeta matou muitos deles durante a saga Freeza. Ou mesmo alguém dos povos que ele ajudou a massacrar enquanto ainda trabalhava a serviço de Freeza, antes mesmo da primeira luta contra o Goku.
Resumindo a ópera, parte 2: Como diz o Nelson do canal Casa do Kame, Dragon Ball é cultura. E cultura, entra pela cabeça.
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