1. Spirit Fanfics >
  2. Growing Up >
  3. Do céu ao inferno

História Growing Up - Do céu ao inferno


Escrita por: QuaaseGay

Notas do Autor


CHEGAAAAAAAAAAAAAAYY

Como estão anjos lindos? A rainha e soberana do universo AOB está de volta para encerrar esta fanfic. Mas não sem alguns avisos iniciais. Sei que estão ansiosos para a história, mas é importante que leiam os seguintes avisos:

1. O capítulo tem cenas FORTES, então leia com cuidado e lembre-se de que a história não tem compromisso nenhum com a realidade.

2. Pensem no que irão comentar, lembre-se que o coleguinha ao lado também lê o que você comenta, então tenham responsabilidade.

3. Eu dividi o capítulo em parte A e parte B. A segunda parte, a definitiva que irá encerrar a história sai depois do fim de semana. Então antes de partir pra cima de mim, segura a tua onda até o fim da história.

4. Os flashbacks estão em itálico.

Sem mais delongas, vamos ao que interessa!

Capítulo 46 - Do céu ao inferno


Narrador

A Las Vegas strip estava cheia. Pessoas saíam para comemorar, para afogar mágoas ou apenas para caminhar. Turistas andavam ao longo de toda a avenida, admirando o show de luzes e fotografando tudo que lhes agradava. Não precisavam ir à um show, a cidade já era o espetáculo.

Carros caros entravam e saíam dos hotéis de luxo e casas noturnas cujo local é somente para convidados. Pessoas bem vestidas faziam contraste contra aquelas que usavam apenas jeans e a camisa do Vegas Golden Knights.

A réplica da estátua da liberdade do Hotel New York também trajava a Jersey do time. O jogo desta noite era contra San Jose Sharks, ambos formavam a maior rivalidade da NHL. A vitória daria ao vencedor a primeira posição na tabela. Um jogo importante, para uma noite importante.

Muito importante.

Olhando o brilho das luzes, você pode acabar deixando passar detalhes. A popular “Sin City” rouba toda a atenção do estado de Nevada e consequentemente, esconde inúmeras coisas por baixo de suas atrações.

E este, é o Caos. Ninguém repara nele, porque não faz barulho. Não pisca luzes e tampouco possui glamour. Ele não precisa de nada disso, vai silenciosamente criando grandes proporções e só nos damos conta quando ele já está imenso.

Mas isso não importa, não é o que todos querem ver. Por que quem vai visitar o estado de Nevada, não vai lá para ver outras cidades, muito menos as que são consideradas fantasmas.

Como Columbus.

Localizada no alto do estado, era conhecida como Cidade do Céu unicamente por sua localização geográfica. Lendas contam que se subir no mais alto ponto de Columbus, é capaz de ver até o final do México. Antes fora uma grande metrópole, tão imensa quanto New York.

E então a Grande Chacina ocorreu e milhares de pessoas morreram para dar início a nova raça. Crianças foram arrancadas dos braços de suas mães e mulheres jovens foram forçadas a engravidar para que seus embriões pudessem ser modificados geneticamente com o código Alpha ou Omega.

Passado todo sofrimento, a cidade – que era um dos maiores polos de genética e mutação do mundo – foi fechada e seu passado sombrio, esquecido junto com ela. Alguns médiuns dizem poder ver os espíritos das crianças órfãs vagando por lá, outros dizem ouvir o choro desesperados das mulheres. Entretanto, para os que não possuem medo de morrer lá, isso são apenas lendas.

Não é uma coincidência que fora escolhida para ser o ponto de largada do percurso da Highway To Hell. É literalmente uma descida, não só geograficamente, mas também do “céu” para o “inferno” que era a popular “sin city”. A highway to hell tinha a sua linha de chegada na entrada de Las Vegas.

“Inferno.” Austin pensou consigo mesmo.

- Ele não vai aparecer. – Falou em voz alta. – Bruce não é idiota e esse plano fracassou.

- Não sei por que eles não quiseram mudar a tática! – Caleb Waters completou. – Está na cara que vai dar tudo errado.

- Realmente não sabe o motivo? – Jace, que terminava de montar um cubo mágico, indagou. – Pensei que tivesse ficado óbvio para todos que o Diretor Lemieux está do lado de Bruce.

- Como consegue montar isso em três m- Caleb começou e foi interrompido pelo grito do colega.

- SÓ O QUE FALTAVA! – Austin deu um soco na mesa de madeira que ficava no centro da sala. – AQUELE FODIDO VAI SE SAFAR!

- Isso explica ele ter banido a Victoria da operação! – Chad explodiu. – Estamos indo para o abate por nada!

O alfa negro fervilhava de ódio, só então realmente se dando conta do quão ruim será para todos o fracasso deste plano. Eles não estavam ali para ajudar o FBI, apenas para despistarem a atenção. Toda a operação era uma fachada. Levantou-se da poltrona e passou as mãos pela cabeça até a nuca.

- Isso e também o fato dela quase ter matado Lauren ao explodir o dispositivo de Machine. – Caleb bufou. – Ainda não acredito que aquele fodido fez aquilo com a gente.

- Ele era o mais assustado. – Jace jogava o cubo montado para cima com a mão esquerda e pegava com a direita. – Não deve ter sido difícil para Bruce o manipular. Com certeza ele fez o cara pensar que só teria chance de sobreviver se mudasse de lado.

- Não justifica merda nenhuma! – Austin se exaltou. – Todos aqui temos medo. Eu sou o que mais tem medo aqui! E nem por isso fiz a bosta que ele fez.

- Não disse que justifica. – O loiro respondeu, com calma. – Mas explica.

- Foda-se, não sinto pena nenhuma. – O outro retrucou. – E como você consegue ficar tão calmo?

Só então Sherwood parou de jogar o objeto e o apoiou sobre a mesinha. Fitou os colegas de equipe e deu de ombros, antes de levantar e esticar as costas.

- Apenas sei que ele vai aparecer. – Suspirou. – Ele tem contas para acertar comigo.

- Por que você tá aqui? – Chad falou, cruzando os braços e tendo os olhos heterocromáticos sobre si. – Não vem com esse papo de que foi pego pelo FBI, isso não vai colar comigo. Você passou anos com a Interpol e a Scotland Yard atrás de você. Ninguém nunca foi capaz de seguir seu rastro. Aí, você chega aqui e em dois dias é pego?

- Eu me distraí. – Jace deu de ombros mais uma vez.

- Sei.

- Fala a verdade. – Waters exigiu.

- Vocês nunca foram meus amigos, nem mesmo colegas. – Riu. – Agora querem me exigir verdades?

- Você não vai ser preso, não é? – Chad riu, irônico. – Já tem um plano para se safar.

- Ei! – Mahone chamou a atenção de todos. – Você nunca vai pegar perpétua, só se for muito burro! Você é a porra do líder! Sabe demais sobre inúmeras gangues, certeza que fez um acordo.

- Que acordo? – Jace riu, cínico. – O de delatar todo mundo? Quanto tempo eu sobrevivo na cadeia? E se um dia eu chegue a sair, quantos sobrevivo na rua? Um líder não delata seus companheiros.

- Mas pode denunciar os rivais! – Chad falou. – Seria até bom para você, poder se livrar de obstáculos.

Jace tinha uma enorme vontade de rir, a especulação era engraçada. Eles realmente acreditavam que ele tinha um plano mirabolante para se safar do seu destino. Como uma fuga da prisão, ou quem sabe forjar a própria morte.

- Já ouviram aquele ditado “Enquanto não matar o último lobo, as ovelhas nunca terão paz”? – O loirou cruzou os braços. – Vocês são tolos que acham que pegar o líder, ou prender parte da gangue, faz com que ela acabe. É por isso que o FBI existe, por isso que a polícia e o exército existe. A guerra não acaba nunca.

A sala caiu em silêncio, eles sabiam que o alfa não diria nada sobre seus planos. Até mesmo por que, ele não tinha um. Nunca tinha e isso era algo que deixava Camila louca na época que estavam juntos. Jace nunca planejava absolutamente nada, vivia um dia de cada vez.

Claro que, quando se trata de ser negociante em uma facção imensa, alguns planos precisam ser feitos. Ele sempre foi bom nisso. Era estrategista desde criança, sempre foi bom em lógica, números e excelente aluno mesmo sem se esforçar nem um pouco para isso. Gostava de ler livros com grandes reflexões e complexos, mas que o ajudavam entender mais sobre guerra, crime e hierarquia. Essas habilidades o fizeram líder.

Ele não se orgulhava, quer dizer, antes sim..., mas agora, não. Ver Nathan foi como um despertar. Os olhos do menino foram como telas que mostraram sua vida por outro ângulo. Um no qual ele não queria que o filho vivesse.

Jace nunca teve a intenção de ser criminoso, sabia que seus pais não queriam esse tipo de vida para ele. Mas então, em uma noite, eles não voltaram para casa. Não estavam mais lá e o alfa se viu sem rumo e sem chão.

Algumas feridas dão muito trabalho para serem fechadas. Podemos até viver bem com elas, mas sempre estarão lá porque não é todo mundo que tem a capacidade de se curar sozinho e claro, também não é todo mundo que busca ajuda para isso. Algumas pessoas preferem simplesmente ignorar suas feridas e foi isso que Sherwood fez.

O garoto que perdeu os pais nunca foi embora de dentro de si, mesmo que os anos tenham passado. Aquele machucado ainda sangrava e ele nunca foi capaz de se curar. Acabou por se tornar alguém muito bom em ignorar os próprios sentimentos, tanto os bons quanto os ruins.

Não queria entrar em uma gangue, seu plano era só conseguir dinheiro suficiente para voltar ao país e resgatar sua família. Tudo que ele queria era poder competir com Bruce de igual para igual. Mas então ocorreu uma proposta para ser piloto de fuga. Apenas isso. O piloto.

E então ele foi ficando melhor nisso, passou a levar os líderes para negociar e então virou o negociante e quando se viu, já era líder e estava envolvido nisso até o pescoço. Metáfora batida, mas foi como uma bola de neve.

Que desceu ladeira abaixo, cada vez mais rápido, cada vez mais baixo. Até bater com força em uma rocha. Nathan.

Ele realmente havia se distraído naquele dia. Havia visto Nate pela primeira vez no Sunset Park, com uma moça e um outro garoto e não parou de pensar nele desde então. Seu filho estava realmente grande, era alto para um garoto da idade dele. Muito veloz e muito forte também e bem magro, como Camila e ele costumavam ser quando mais novos.

Os olhos castanhos do alfa menor, cheios de raiva pela aproximação dele com sua mãe, foram os responsáveis por despertar em Jace, algo que há muito tempo ele já não parava para prestar atenção.

Foi como se sua mente berrasse “QUE MERDA VOCÊ ESTÁ FAZENDO, SHERWOOD?”

E então se deu conta de tudo. Não havia mais tempo. Ele havia perdido tudo, Camila, Nathan e parte da vida, apenas alimentando o ódio por Bruce e o sofrimento pela morte dos pais. A ômega sempre tentou conversar com ele sobre suas dores, mas era sempre negada.

Foi pensando no passado que ele se deu conta de que não fora Camila que se afastou dele e muito menos Lauren havia sido responsável pelo afastamento do casal. O culpado era ele. Jace afastou a ômega aos poucos, sem perceber... Até que fosse tarde demais.

O alfa caminhou até a janela, o céu já havia escurecido e as estrelas caíam como uma chuva de prata sobre o manto magnificamente preto. Desejou ver seu filhote mais uma vez, ver aquele sorriso simples com os dentinhos separados e quem sabe tocar mais uma música no violão com ele.

Seu coração apertou ao lembrar de seu pai. Senhor Sherwood amaria seu neto e ensinaria a jogar bola na praia, a surfar e claro, um dia ele chamaria o alfinha para consertar um carro velho. Que nem precisaria de conserto, mas ele desmontaria o veículo inteiro apenas para ensinar Nate, como havia feito com Jace.

No fim da tarde quente de Miami, sua mãe já teria preparado bolo, cookies, donuts e inúmeros salgados para o pequeno, e daria um beijo em sua testa, dizendo o quanto ela o amava. Da mesma forma que fez com seu filho em todos aqueles 17 anos.

O alfa prendeu o choro na garganta, sentindo a saudade sufocar seu peito em um aperto vil. Daria tudo para ter tido mais tempo com eles. Tempo. Deu a Nate tudo que pôde naquela semana. Ensinou violão, contou sua história e não mentiu. Pela primeira vez em muito tempo, ele não mentiu para alguém ao falar de si mesmo.

Aproveitou o tempo, a segunda chance e aceitou o que não podia mais mudar. Mostrou para seu filho que mesmo com uma série de erros, ainda é possível se redimir e evoluir.

Ele não sabia, mas Nathan havia aprendido isso.

Ele não sabia, mas Nathan entendia.

Nathan o amava com o coração puro de uma criança que é capaz de olhar por cima do julgamento. E talvez fosse apenas isso que “Jas” levaria consigo para toda a eternidade, os que mais possuem dificuldade para amar, são os que mais precisam de amor.

Nathan o amou. E ele aprendeu a amar.

- Hey! – Chad o chamou. – Vamos, está na hora.

[...]

Trajava uma camisa do Golden Knights branca e calça jeans. O cabelo verde solto esvoaçava com a leve brisa fresca de Columbus. Já anoitecia quando a alfa chegou e cortou todo o caminho para o ponto escuro que não fazia parte do percurso escolhido para o “evento”.

Quando ainda estava em Las Vegas, se misturou com facilidade por entre os torcedores do time de hóquei usando a jersey chumbo do time. A cidade lotada e ansiosa pelo jogo, colaborou para que acabasse despistando os agentes que ela sabia estarem em sua cola desde o instante que havia deixado a sede do FBI, após ser expulsa da operação por “Imprudência”.

Ela serrou o maxilar ao ouvir as palavras do Diretor Lemieux, quem era ele para falar de prudência, ética ou respeito pelas missões do governo? Ainda mais ele, que estava envolvido em centenas de operações fraudulentas?  

Depois de se livrar dos agentes que a perseguiam, Victoria voltou para sua casa apenas para pegar dois envelopes. Cada um continha um pendrive que desmascarava todas as operações de Lemieux e seus colaboradores, com documentos e fotos. Os dados iam de prefeitos e governadores, agentes e policiais, até Bruce e usuários químicos.

A alfa passou a investigar tudo e todos depois que descobriu a ligação de um agente com a morte de Diane. Foi por meio desse agente chamado Joe Thornton, alfa de 41 anos, que Bruce descobriu da existência de sua ômega.

Então ela tingiu o cabelo, tirou todos seus piercing, colocou a Jersey branca do time de Las Vegas e uma calça jeans. Saiu para o sol escaldante com os envelopes bem seguros em sua mochila preta e uma identidade falsa, os demais documentos importantes, haviam sido deixados com outra pessoa.

Antes de deixar a “sin city” para trás, passou em um lugar importante para pegar algo que seria necessário e só então, finalmente, seguiu para o local da Highway to Hell.

Quando estava no meio do caminho para Columbus, fez questão de enviar os dois arquivos. Um para a segurança nacional e outro para CNN. Chegariam dois dias depois da operação e se a mídia resolver censurar, outra cópia estava no drive de Tom, que soltaria a bomba de algum lugar bem longe dos EUA.

Estacionou seu carro em um beco escuro, perto de um grande galpão com visão da rua, que tinha baixa iluminação e checou suas armas, tudo estava em ordem. Então finalmente ligou sua tela digital e deixou que o software programado por Tom Holland fizesse o trabalho. Imediatamente ela localizou Lauren, Bruce, Benny e todos os integrantes da equipe de Jace.

- Ele realmente fez um bom trabalho. – Falou para si mesma, lembrando do ômega.

- Já consegui hackear todo o sistema do carro que você trouxe e programei de acordo com o que você pediu. Você controla todos os carros agora e tem como projetar a sua tela para o outro... – Ela ergueu uma sobrancelha. – Sem que o outro veja. – O nerd acrescentou, animado. – É realmente um dos meus melhores trabalhos! Quer testar?

- Claro. – Puxou outra cadeira e sentou-se ao lado do ômega, que ficou arrepiado. Ele tinha um crush “secreto” da alfa tatuada com cara de má. – Você pode hackear o sistema de qualquer carro na cidade... Olha este! Está se movendo na Strip, um botão e ele dá de cara com o muro, que tal?

- Não. – Ela respondeu, ainda olhando a tela do computador, para a frustração de Tom. – Eu falei que tinha deixado um dos carros para trás, você pode trazê-lo até aqui?

- Com certeza. – Ele apertou uma tecla do tablet. – Essa aqui copia a trajetória que você escolher, agora é só selecionar o carro que você veio, selecionar as trajetórias... Esse carro não saía muito da garagem, né? – Ele comentou, mas ela não respondeu. – UAU! Blue Diamond road? O que foi fazer tão longe?

- Precisava de um local seguro. – Vic respondeu, não que tivesse que satisfazer a curiosidade do garoto, mas como ele estava tendo uma pequena queda por ela, quis trata-lo com o mínimo de humanidade. Não muito para fazê-lo desenvolver sentimentos, mas também não a ponto de machucá-lo com hostilidade.

- Ah sim, Southwest Ridge é no meio do deserto... faz sentido. Em meia hora ele estará aqui. – Tom tamborilou os dedos na mesa. – Bom, cada tecla tem seu comando específico e...

O mais novo passou uns vinte minutos explicando todas as funções e sanando as dúvidas da mulher, como nada estava errado, ela deu a relação deles por encerrada e entregou uma mochila com três milhões de dólares para o ômega, junto com três identidades falsas e passaportes de países diferentes.

E talvez, só talvez, ela tenha apagado alguns registros da ficha criminal do rapaz de todos os bancos de dados do governo, mas isso nem ele sabia.

- Talvez um dia a gente se esbarre nesse mundo. – Ele falou com um sorriso carinhoso. – Seja feliz.

- Você também, rapaz. Cuide-se.

- Te digo o mesmo. – Ele disse baixinho, com as bochechas corando, antes de limpar a garganta e acenar.

Depois foi preciso apenas alterar os velocímetros e devolver os carros, Bruce jamais saberia que seus bebês preciosos agora trabalham para outra pessoa. E mesmo que ele resolvesse mudar os carros, o software seria o mesmo.  

O sorriso juvenil de Tom Holland deixou a alfa com lembranças nada boas. Ele também havia crescido em um orfanato militar no Michigan, mas conseguiu fugir e desde então, o FBI e as Forças Armadas caçavam o garoto. O setor dele era mais voltado para Inteligência cibernética do que militarismo, e o rapaz desde sempre foi excelente nisso. Não era o tipo de órfão que eles queriam perder.

No caso de instituições assim, a burocracia para adoção é imensa, fazendo muitos casais desistirem e procurarem outros lares para adotar. Por sorte, ela foi a primeira a encontrá-lo. O pagamento e as identidades o ajudariam sumir no mundo, pelo menos uma alma vinda desses lugares, ela conseguiu salvar.

Victoria odiava os orfanatos militares.

Ser criado para a guerra significa ser desumanizado ao longo do tempo. Com a evolução da espécie, os laços de amor ficaram mais fortes e isso sempre foi desvantagem para a militarização. Um soldado precisa ser frio e calculista, precisa proteger os seus e matar quem estiver do outro lado. Não importa se são homens, mulheres, crianças ou idosos. Se estão do outro lado e representam ameaça, então são inimigos.

Victoria matou pessoas em suas missões, mesmo ainda sendo jovem. E honestamente, nunca sentiu remorso por isso. E como sentira? Foi ensinada a ser assim. Ela estava pronta para assumir a responsabilidade por cada tiro dado, afinal estava apenas cumprindo seu dever.

Mas conhecer Diane trouxe a humanidade de volta a si em poucos segundos. Os castanhos que brilhavam em raiva no primeiro encontro delas foram os mesmos que hipnotizaram os da alfa e a lembrou de que o amor ainda existia e era a força mais poderosa do mundo.

- Você é a hóspede do quarto 632? – Falou brava para a alfa.

Vic parou um instante, apenas para olhar a baixinha invocada que falava com ela em tom irritado. Era linda. A linha do queixo era reta e delicada, os lábios cheios e o nariz fino deixavam o rosto da mulher em perfeita harmonia.

- Eu te fiz uma pergunta. – Insistiu.

- Ah! – A alfa balançou a cabeça, saindo de sua hipnose. – Uh, sim, sou eu.

- Eu vou te dar uma surra! – Virou um tapa forte no braço da outra, que se afastou assustada. – Não sou paga para consertar estragos, sou paga para limpar e arrumar! Você deixou aquele quarto uma zona! Quebrou pratos, abajur, rasgou as cortinas e os lençóis!

Diane dava mais tapas no braço de Vic, que apenas se afastava e se defendia. As outras pessoas do cassino que estavam perto dos caça níqueis, pararam um pouco de puxar suas alavancas para olhar a cômica interação.

A agente sentia vontade de rir de toda a raiva da menor, cujos tapas não faziam sequer cócegas, mas a mulher sabia que dar risada deixaria sua “agressora” ainda mais furiosa.

- Ei! Okay! – A alfa tentou argumentar. – Eu pago os danos!

- Ah, paga? – A baixinha falou indignada. – Com vocês ricos é sempre assim! Não possuem nenhum respeito pelo trabalho dos outros porque o dinheiro de vocês paga tudo, certo? Você deixou três camisinhas usadas jogadas pelo chão! Três! – Ela fez o número com os dedos, gesticulando. - Como se eu tivesse a obrigação de limpar qualquer nojeira que você faz, porque afinal, eu sou só a arrumadeira, a empregada, cuja qual você não precisa ter nenhuma consideração, porque afinal de contas, é pra isso que sou paga, certo?

A alfa deu um passo para trás, só então parando para pensar naquele tipo de coisa. Victoria sempre teve quem limpasse suas coisas depois que passou a morar sozinha. Seu apartamento era pequeno e o salário, mesmo que ainda baixo, dava para pagar uma simpática senhora que limpava seus aposentos uma vez por semana.

E bom, foi ensinada a manter tudo em ordem. Mas ontem a noite estava alterada, com três ômegas lindas e muita bebida alcoólica. Ela havia ganhado muito dinheiro com a corrida, queria gastar um pouco e curtir a vida sem se lembrar que era uma infiltrada.

- Eu sinto muito! – Falou de coração, mas não foi, nem de longe, o que a ômega queria ouvir.

- Você pode enfiar seu “sinto muito” no mesmo lugar que enfiou a noção ontem à noite, no seu rabo!

E pronto, o chefe dela chegou bem na hora que havia soltado aquela frase. Para uma hóspede. Uma hóspede que estava pagando caro em uma suíte presidencial. Em um dos maiores hotéis cassinos de Las Vegas.

- Você me odiou tanto aquele dia, não é? – Falou para si mesma, no escuro do carro. – Lembrando dele, nem parece que nos amamos tanto.

A memoria da agente era incrível. Conseguia se lembrar daquele dia com imensa riqueza de detalhes, até mesmo do perfume que a ômega usava. Sentiu as primeiras lágrimas se formarem em seus olhos e a dor em seu peito acentuar.

- Você quer que seja menino ou menina? Ômega ou alfa? – Ela sussurrou baixinho para a mulher tatuada, que estava deitada sob seu corpo, depois de mais uma longa noite de amor.

- Quero que seja parecido com você. – Ela falou e beijou o nariz de sua companheira de alma. – Quero que tenha seus olhos, seu queixo, seus cabelos.

- Quer que eu acredite que não tem uma preferência? – Ela revirou os olhos.

- O que você prefere? – A alfa devolveu a pergunta, acariciando as costas da amada.

- Uma menina. Que tenha os seus olhos, mas o meu cabelo, porque o meu cabelo é mais bonito.

A alfa deixou escapar um soluço, naquela escuridão da noite, somente o silêncio a ouviu chorar. As lágrimas rolaram por suas bochechas e caíram em sua calça jeans, molhando o tecido firme. O nascimento de Eileen fora um dos momentos mais lindos de sua vida, sua mulher sorria e tudo era perfeito. Sentia um prazer imenso em cuidar da filhotinha para que a ômega pudesse realizar o sonho de estudar, elas estavam seguindo a vida juntas.

Até que os sorrisos sumiram, os bons momentos se esgotaram e seu peito rachou em milhões de pedaços fazendo uma bagunça e sujeira que ela não tinha vontade de limpar. O amor adoeceu e se transformou em ódio.

E esse sentimento estava corroendo-a pouco a pouco, já teria feito uma enorme besteira se Eileen não existisse, se Anne não tivesse entrado em sua vida. A recém formada em culinária que a ajudou com a bebê nos primeiros anos de vida e que com o tempo, conseguiu entrar no coração da alfa e aliviar muito dos sentimentos ruins que corriam dentro dela.

Victoria protegia sua família como uma loba protege seus filhotes. Ela mataria qualquer um que ousasse se aproximar para feri-los. E por isso ela não tinha paz, não conseguia dormir sabendo que Bruce ainda estava vivo, tinha pesadelos, passava noites em claro e sempre se esforçando para estar cinco passos à frente de todos.

Não conversava sobre isso com Anne, soldados não falam muito de sentimentos e também não queria assustar sua mulher ou fazê-la sentir que amava mais Diane do que ela. Isso não era verdade, a razão pela qual a alfa não deixava a outra ômega ir, era única e simplesmente porque ainda não havia feito justiça para ela.

Todos temos fantasmas. O de Victoria VanHesler, era sofrer pelos que já foram. Seu país, sua cultura, seu idioma, seus pais... Sua primeira ômega. O que a assombrava não eram as pessoas que matou e sim aquelas que ela não conseguiu salvar. 

Pensar em quem não teve oportunidade de proteger a aterrorizava, pois a lembrava de como fracassou. E se ela fracassasse hoje, sua família não viveria em paz.

Ela mudou a marcha e no mesmo instante sentiu o carro mais leve. Trevor passou por si como um foguete, deixando-a em último lugar. Mas Vic não desistiu, apertou o pé no acelerador, fazendo o velocímetro girar enlouquecido e o motor rugir sob o capô, pedindo mais.

Assim que virou a esquina, sentiu seu coração sofrer a primeira pontada. Ignorou e seguiu em frente, apertando a borboleta atrás do volante e aumentando a marcha. Desviava dos carros com habilidade, não queria matar um civil.

Novamente a dor em seu coração se fez presente e a falta de ar a fez tossir e pigarrear pra limpar a garganta. Atravessou a avenida como um raio atravessa o ar, novamente pressionando a borboleta e ignorando as dores estranhas em seu corpo.

Até que sua visão nublou totalmente, fazendo-a balançar o volante e o veículo realizar um zigue-zague na pista. Pisou no freio com força, obrigando o carro interromper sua fúria e abriu a porta, desesperada por ar, sufocando, levando a mão ao pescoço e caindo no chão em puro desespero.

Seu coração doía e sua mente só reproduzia o rosto de sua ômega, urrando o nome de Diane em puro sofrimento. De sua boca, não saía nenhuma palavra, a falta de ar empurrava seus gritos para dentro da garganta.

Foi assim que ela soube.

Apenas soube.

Os olhos totalmente pretos choravam pesadas lágrimas, seu corpo agonizava no asfalto morno de uma noite quente. O caos, silencioso, se camuflou na alegria, nas luzes, no espetáculo e não a deixou ver o que estava acontecendo e ela não o notou, até que fosse tarde demais.

Sua ômega havia partido e ela não pôde fazer nada.

- Eu vou matar aquele desgraçado. – Sussurrou, o ódio vazando de seu corpo por cada poro. – Vou matá-lo. – Apertou as mãos no volante. - Eu juro Diane, eu vou mata-lo!

Observou os pontos na tela que reproduzia o mapa e arqueou uma sobrancelha, a Smoke não havia falado sobre aquilo. Ela não tinha passado orientação nenhuma para uma prova com três largadas diferentes.

Observou Jace e Chad no portão três, enquanto Caleb estava no um e Austin no dois. Eram três inícios diferentes e obviamente, com percursos diferentes, mas todos acabariam na avenida principal, que cortava o deserto. Lauren havia caído no portão três também, já Bruce, obviamente, não havia chegado ainda e estava a uns quinze minutos de distância do local das largadas.

- Eles mudaram toda a prova... Que cretinos... – Disse ao secar as lágrimas e apertar o botão que dava a rota de todos os carros que seu programa tinha selecionado.

Smoke havia avisado que eles mudavam algo a cada edição, para dar mais entretenimento e fazer o dinheiro rodar. Mas ela nunca chegou a pensar que fariam uma alteração tão grande. Notou também que essa prova era mais curta, com apenas quatro horas de percurso. Cinco quilômetros depois de sair da caverna, já era a linha de chegada.

- Bem na entrada de Las Vegas. – Sussurrou. – Vamos do céu ao inferno, literalmente.

Ligou o carro e olhou rapidamente para o único ponto de intersecção que achou entre as rotas das duas pessoas que precisava prestar mais atenção, então decidiu-se por um lugar próximo dali. Chegou a tempo de esconder o carro em um beco, antes que um dos veículos do evento a visse.

Por sorte, o lugar ficava bem ao lado de uma antiga igreja com tijolos grandes que – com a baixa iluminação – pareciam amarelados. Uma porta em arco feita de ferro e madeira, lembrava os mais antigos castelos.

Agora era só esperar.

[...]

Lauren caminhava ao lado de Bruce com dificuldades por conta das correntes que prendiam seus pés. Apesar das marcas roxas em seu tronco e a pancada em sua cabeça, não sentia mais dor alguma. Buscava concentrar suas forças em se manter calma.

Um dos comparsas do homem alto fez um curativo melhor em sua cabeça após o banho, livrando seu corpo do sangue que escorria do local. Também enfiaram em sua garganta um líquido transparente viscoso e horrivelmente doce, que fez desaparecer as dores musculares devido aos golpes fortes que levou.

Vestia agora uma calça de algodão preta, justa e confortável, seus pés estavam calçados com botas de couro e solas antiderrapantes. O agasalho, também preto, não tinha nenhuma estampa além de uma pequena libélula no canto esquerdo, desenhada em linhas brancas.  

Já que não usaria capacete e nenhum equipamento de segurança além de luvas, optou por prender os cabelos em um rabo firme, assim não teria problemas com as madeixas nos olhos. Suas mãos não suavam sob o tecido, estranhamente, não estava ansiosa ou nervosa para correr.  

Em seu corpo, passava uma tranquila sensação de familiaridade. Gostava de correr e mais do que isso, era viciada na adrenalina. Carros e velocidade eram suas paixões, nunca conseguiu encontrar em outras coisas a mesma sensação de liberdade que a corrida lhe dava.  

Sentou-se no banco de trás, no lado esquerdo e mirou a escuridão afora. Tentou ajustar-se, mas as algemas em suas mãos estavam presas por uma corrente que ligava diretamente as algemas que estavam em seus pés e isso não a permitia mobilidade suficiente.

Evitou pensar em sua família, sabia que abalaria sua confiança e não precisava disso. Concentrou-se apenas no seu dever e como sempre, fez um exercício de visualização durante o tempo em que esteve no carro ao lado dos demais alfas.

Fechou os olhos e mentalizou a si mesma correndo, mudando as marchas e realmente conseguiu sentir o motor potente do carro em fúria, os pneus queimando o asfalto, a poeira levantando. Sentiu-se viva e a adrenalina arrepiou os pelos de seus braços, até ter que voltar para a realidade e descer do veículo, ao lado do chefe. 

Haviam andado por um estacionamento subterrâneo mal iluminado até encontrar uma SUV preta, com dois homens de pele bronzeada que Lauren presumiu serem latinos. Usavam roupas folgadas com estampas de flores bem coloridas que disfarçavam bem as armas por baixo. 

O local era parcialmente iluminado e silencioso, curiosamente sem cheiro algum. Apenas empoeirado com a areia que o deserto insistia em empurrar para dentro. Observou as pegadas que suas botas deixavam no chão enquanto seguia os passos do “líder” até próximo dos desconhecidos. 

- Abra. - O alfa falou em sua voz de comando. 

O mais alto abriu o porta-malas da SUV e a alfa fez um esforço imenso para conter a expressão de surpresa. Havia muitas embalagens de pó branco, mas o que chamou sua atenção, foi a maleta prateada com cadeado que estava ao lado. Tudo perfeitamente organizado e com o cheiro totalmente mascarado.

- As embaladas em pacotes marrons são as que vão para as ruas. - O latino menor falou, com seu inglês carregado de sotaque. Tinha tatuagens avulsas por todo o braço esquerdo e uma aranha na mão direita. - Os brancos, é a droga mais pura, como já sabe. 

- Perfeito. - Bruce caminhou para mais perto do veículo e pegou um pacote branco, antes de virar-se para a alfa acorrentada. - A droga pura, pequena, é só para os que pagam mais. Donos de hotéis cassinos, magnatas, políticos. A que vai para as ruas, é uma substância de preço acessível e misturada, mas ainda assim, é da boa. O papai aqui não vende porcaria. 

- E aqui, estão as armas. - O homem alto de camisa floral vermelha resmungou, erguendo o tampo falso e revelando um verdadeiro arsenal com inúmeras munições. O armamento estava novo e brilhante, inúmeras pistolas, M16 e até uma metralhadora estava cuidadosamente encaixada ao lado dos pentes de recarga. - Mas a mercadoria mais valiosa, está aqui. - E então puxou a maleta prata.  

Bruce aproximou-se e após devolver o pacote, colocou sua digital no sensor do cadeado que logo foi destrancado. A alfa espiou curiosamente e viu várias seringas, ampolas e pinos, algumas com um líquido, outras com um pó. 

- Isso, criança, se chama Escopolamina. É de uma planta colombiana. - A mulher tentou mover os braços e fez as correntes tilintar. - Pode ser feita em laboratório, mas essa aqui, é original. Extraída diretamente da planta. É chamada de droga zumbi. 

- E o que ela faz? - Não fingiu a curiosidade, queria saber do que se tratava e por qual motivo era tão importante a ponto de fazê-lo arriscar a própria liberdade.  

Ele sorriu de forma sádica e pegou uma ampola em seus grossos dedos. Discretamente, Lauren mordeu o lábio inferior e afastou um passo, enquanto o alfa ainda estava com os olhos presos no pequeno recipiente cheio de um pó branco levemente brilhante.  

O homem de dois metros de altura andou descontraidamente, levando a ampola um pouco mais alto do que seus olhos a fim de a observar contra uma das escassas lâmpadas. A morena de olhos verdes o fitava atenta, mas os três caras que a acompanharam até ali não tiveram a mesma desconfiança. 

Em um movimento rápido, o polegar destravou a pequena ponta e o pó foi jogado no rosto de Nick Tiger - um dos capangas de Bruce - que tossiu e afastou-se, tentando tirar a fina poeira de seu nariz. Todos se afastaram do alfa, Lauren também arriscou uns passos para trás, enquanto o cara alto e careca dava risada do que tinha feito. 

O alfa que havia sido atingido, tossiu mais algumas vezes e limpou a camiseta preta dos vestígios brancos, fazendo suas pulseiras metálicas soarem o característico barulho. Não possuía mais que vinte e dois anos e apesar das tatuagens e da cicatriz imensa em seu rosto, ainda tinha a aparência de garoto. Ajeitou-se novamente e bateu as mãos na calça marrom cheia de bolsos, antes de fitar Bruce com uma carranca.

- Iiih… - Ela ouviu um dos latinos resmungar e olhar para baixo, claramente dando sinal que queria sair daqui. Aquilo a pôs alerta e despertou um pouco de medo em seu coração.

- Tiger. - Bruce o chamou, utilizando sua voz de comando. - Você dará três passos para trás, colocará sua arma em sua boca e vai disparar. 

Lauren franziu o cenho em estranha surpresa com as palavras ouvidas, mas arregalou os olhos assim que notou como os azuis do garoto estavam opacos e completamente hipnotizados. As pupilas dele começaram a dilatar e ela achou que o mesmo sucumbiria, mas não aconteceu. 

Nick calmamente levou as mãos para trás de seu corpo, puxando a arma. Ele sabia o que estava fazendo e sabia que iria morrer, sua mente berrava para não obedecer, implorava para que jogasse a arma no chão e fugisse. Mas o seu corpo não obedecia a sua vontade, apenas seguia mecanicamente a ordem. O barulho do engatilhar ecoou e o mesmo fez o movimento de levar o metal frio até seus lábios, ajeitando o cano dentro da boca. 

- Quê? - A alfa praticamente berrou. - NÃO! Tiger, não! - Tentou correr na direção do homem, mas as correntes não permitiam esse movimento, sentiu os joelhos se chocarem contra o chão sujo, seguido dos cotovelos.

- Não dispare ainda. - Bruce falou e virou-se para Lauren, que tentava se levantar sozinha. - É incrível, não é? 

- Seu doente! - Lauren gritou, tentando levantar-se rapidamente e precisou ser ajudada para voltar a ficar em pé. - Ele é um garoto!  

- Você não tem mais de vinte anos também, considera-se uma garota ainda? - O sorriso divertido do alfa a fez querer chorar de pavor, parecia ter voltado a ser aquela criança com medo e com raiva. - Agora, Nick. 

- NÃO! - Berrou e tentou novamente correr, mas foi segurada por alguém que evitou sua queda.

O barulho alto do disparo ecoou por todo o local, abafando o grito da mulher e o sangue espirrou no chão sujo, antes do baque surdo do corpo. A fina camada de areia levantou-se quando Tiger atingiu o chão e ela sentiu o estômago embrulhar com o cheiro férreo ao ver o líquido vermelho espalhando-se e misturando com os grãos, formando uma poça espessa ao redor da cabeça.

Seus olhos se arregalaram diante da cena horrenda que havia presenciado e que nunca esqueceria. O coração pulava do peito diante do horror e não conseguiu lutar contra o medo que agora estava a flor da pele. Sentiu seu corpo ser finalmente solto e cambaleou levemente, ainda zonza com o acontecido. 

- A escopolamina inibe a vontade do indivíduo, criança, afetando a função da memória e do comportamento. - A voz tranquila era um baixo zumbido perto do barulho em sua mente, Lauren ainda fitava o homem morto. - Bloqueia alguns neurotransmissores e faz com que o afetado siga mecanicamente as ordens que lhe são dadas.  

Sentiu as lágrimas quentes escorrerem por suas bochechas, não queria demonstrar fraqueza, mas não era tão insensível ao ponto de ver alguém tirar a própria vida na sua frente e não sentir nada. Os olhos de Nick ainda abertos não estavam tão diferentes de como estavam minutos antes, sem vida, sem vontade própria. Ela balançou a cabeça, lamentando sozinha pela morte do outro.

Na sua cabeça, viu a si mesma e o destino que poderia ter tido se por acaso o alfa não tivesse planos maiores para ela. E mais ainda, sua mente - cruel como só nossa mente pode ser - fez questão de mostrar Nathan nessa situação e a dor que sentiu foi milhões de vezes mais forte do que os socos que havia levado. 

- É perfeita. - Bruce continuou. - Uma dose dessas é capaz de intoxicar um adulto, mais do que isso, é morte. Imagina o estrago que faz em uma criança de sete anos. 

Lauren trincou o maxilar com a ameaça, um desejo assassino passou a morder com raiva suas veias e ela nunca havia sentido tanto ódio em sua vida. Os verdes sumiram e deram lugar ao preto, seu rosnado foi tão alto e ameaçador que colocou em alerta os demais alfas que rapidamente levaram as mãos às armas. 

Começou pelos pulsos, a corrente que prendia uma argola a outra começou a ceder até arrebentar e finalmente com as mãos livres, conseguiu acertar o queixo de Colby, o primeiro alfa que tentou controlá-la. Benny logo a segurou por trás e Bruce riu ao vê-la se debater nos braços de seu ajudante.

- Pode soltá-la, Benny. - O alfa falou. - Deixe que ela extravase essa raiva. Livre-a das correntes, Lauren é uma boa menina e sabe que não é inteligente me atacar.

O outro a soltou com um empurrão, jogando-a no chão com força. Colby ainda tinha a mão direita em seu queixo quando pegou a arma de Tiger e a colocou em suas costas, junto com a sua.  

Todos os olhos estavam em Lauren, que se levantou devagar por conta da corrente em seus pés. Ela mesma levou as mãos até elas e com um puxão firme, libertou seus tornozelos. Os olhos ameaçadores ainda pretos varreram o ambiente, vendo as armas que todos ali possuíam. Não era uma boa ideia atacar agora, entretanto, seu Alpha Interior recusou-se a dar lugar a Conscient novamente.  

A alfa permaneceu parada, notando todos seus sentidos aguçados. Foi como se o estacionamento tivesse ganhado vida. Foi capaz de ouvir o barulho da areia se arrastando com o vento, as respirações aceleradas do local, os motores de carros ao longe e até o canto de gafanhotos nas pequenas vegetações de fora. E infelizmente, o cheiro de sangue tornou-se ainda mais forte.

A visão estava mais precisa e até as partes escuras e mal iluminadas, ela era capaz de enxergar com riqueza de detalhes. Focou seu olhar em Bruce, o alfa mais ameaçador e deixou que seus outros sentidos e visão periférica cuidasse dos demais. 

- Como pôde ver, basta soprar no rosto do indivíduo que ele fará absolutamente tudo que lhe for ordenado. - Ele continuou seu discurso após o silêncio de Lauren. - E no fim, caso sobreviva, não se lembrará de nada. A mente fica em branco. Ah, em casos de sobrevivência, há sequelas. - Guardou tudo na maleta e a trancou. - Demência, psicose, estresse pós-traumático.  

- Também pode ser usada pela indústria farmacêutica como princípio ativo de diversos medicamentos. Por isso ela é tão valiosa. - Benny completou a informação. - O carregamento confere, chefe?

- Claro, depois da bélica a que mais ganha dinheiro é a indústria farmacêutica. O tráfico é bem mais lucrativo, mas a gente ainda não chama de indústria. - Brincou, fazendo os outros darem risada. - Está tudo em ordem, podem seguir para o local marcado. - Bruce deu o comando e Lauren se viu obrigada a morder a língua. - Você não tem ideia do quanto ela é valiosa e do quanto estão dispostos a pagar. Sou o primeiro a ter Escopolamina em solo estadunidense.

“E logo, serei o único.” - O pensamento ecoou em sua mente egocêntrica.  

Jauregui sentiu vontade de contar à Benny que estava indo para uma emboscada, mas não abriu a boca. Os latinos que dirigiam a SUV preta partiram após passarem o carregamento para outro carro e o parceiro de Bruce logo os seguiu com um dos Koenigsegg. 

Ela estranhou ver o outro sair em um dos gêmeos, podia jurar que correria em um deles. 

- Você, Colby. - Apontou para o alfa atrás da mulher. - Vai acompanhar Lauren até a largada. Já chamei o Hank para sumir com esse corpo.  

- Achei que iríamos usar os gêmeos. - Conseguiu encontrar sua voz e fitou o outro veículo que ficou parado na entrada, eles haviam vindo neles.  

O alfa fitou o outro Koenigsegg e depois voltou a olhá-la. Lauren limpou as lágrimas que estavam em suas bochechas, os verdes voltando a tomar seus olhos, evidenciando que a maior parte de sua raiva havia passado. 

- E iremos. - Riu. - Você subestima minha inteligência, eu não colocaria carros que todos conhecem pra correr. Mas o que faz os gêmeos serem os gêmeos, foram instalados em outros veículos, bem como os motores.  

- Tivemos esse cuidado. - Colby falou orgulhoso. - Nossos carros foram reforçados para aguentar pancadas. Estão preparados para a highway to hell. 

Era um homem alto, apesar de um pouco mais baixo que Bruce. A pele negra brilhava com o suor e a baixa iluminação, o que era curioso, pois para Lauren o clima estava fresco, Camila diria gelado se estivesse presente. Os músculos dele eram grandes e bem definidos, a regata não os escondia e a calça militar fez a alfa lembrar-se de Matts.

- Nossos? - Ela questionou, erguendo a sobrancelha.  

- Colby irá para a corrida com você em outro carro. - Fez sinal para que o seguissem e começou a andar.  

O alfa jogou uma chave que foi apanhada no ar, Lauren não demorou a soltar as “pulseiras” que as algemas haviam deixado quando as correntes foram rompidas com sua força. Ela afagou os pulsos, observando as marcas vermelhas para só então abaixar e tirar as que estavam envolta de seus tornozelos.

Subiram até o piso 1 e lá ela encontrou um Dodge Challenger SRT Demon amarelo com toda a parte de cima em preto fosco. Logo ao lado, estava um Nissan GT-R Nismo, branco com detalhes vermelhos nas rodas. Sentiu seu coração bater mais forte, dessa vez de pura adrenalina, os carros eram impressionantes.

- Pega. - Agarrou no ar a chave que foi jogada. - Você vai no Dodge da esquerda, é o gêmeo dois. Colby irá no Nissan, ele ficará na sua cola só pra garantir que não vai sair da linha. 

- Eu não vou sair da linha. - Murmurou, sentindo o rosnado se formar em sua garganta e já começou a pensar em como faria para se livrar do alfa.

- Há um carro que eu quero que você siga. Um Koenigsegg Agera R preto e vermelho. É um dos meus, não o perca de vista.  

- Por que está falando isso apenas para mim? - Questionou, notando que Colby já estava em seu respectivo carro.  

- Porque eu te conheço muito bem e sei que já está pensando em uma forma de despistar meu parceiro. - Sorriu de canto. - E eu, tendo lhe treinado, sei que não vai ter dificuldade em fazer isso. 

- Então por que está mandando-o me seguir? 

- Por que é assim que eu quero.  

A alfa bufou e ensaiou o primeiro passo, sendo agarrada com força pelo braço. Sentiu dor, mas não ousou manifestá-la, enquanto por obrigação, encarava os olhos de Bruce. Os castanhos dele eram bem escuros, quase pretos e sua expressão estava mais ameaçadora do que nunca. 

- Agora que sabe que tipo de coisa eu tenho acesso e do que sou capaz, pense bem no que vai fazer. - Sua voz soou de uma forma calma e doentia, a ponto de fazer a mulher engolir seco.

Soltou-se bruscamente do aperto e caminhou a passos largos para seu carro. Respirou fundo ao sentar-se no confortável banco de couro e olhou para os cilindros de nitrox ao seu lado, no lugar onde deveria ficar o carona.  

Não havia nada dentro do Dodge além de seu banco, motor e chassi. Normal, carros de corrida não podiam ter peso inútil e ficou feliz de pelo menos ter um carro adaptado para o percurso. Sabia que não iria muito longe com o Koenigsegg luxuoso, ter apenas potência não serve de muita coisa em distâncias muito longas. 

Ela sempre preferiu Dodges, de qualquer maneira. Olhou o painel que pelo visto, não tiveram tempo de adaptar, ainda estava tradicionalmente à maneira da marca. Continha uma tela digital relativamente grande, havia três pequenas lentes, uma para mostrar a voltagem da bateria, outra para a pressão do óleo e a última, temperatura externa.  

Lauren deslizou o dedo indicador pelo volante preto, notando os dois botões do nitrox e do turbo compressor. Atrás do volante, erguia-se duas estruturas de ferro preto uma de cada lado. Era a borboleta, a asa da direita subia marcha e a da esquerda, servia para reduzir. 

- Pelo menos não precisarei tirar as mãos do volante para mudar de marcha. - Sussurrou baixinho e só então reparou na barra de ferro vertical. - Ah não. Vai pra puta que pariu! Bruce! - Gritou ao sair do carro.  

O alfa já estava quase deixando o piso para voltar ao andar térreo, onde estava seu carro. O grito de Lauren ecoou para todo o estacionamento e o fez parar, virando a cabeça para trás por cima de seu ombro. 

- O que foi agora, pequena?  

- Que porra! - Ela gritou, aproximando-se mais do homem, teria o xingado por chamá-la de “pequena”, mas estava irritada demais para se importar com apelidos. - Você colocou a droga de um freio de mão hidráulico?  

Ele voltou-se totalmente para ela e franziu o cenho, não entendendo a reclamação, afinal, aquele tipo de freio era melhor para um carro de corrida daquele porte. Muito mais ao alcance das mãos do que o outro comum.

- Sim? - Deu risada. - Qual o problema? 

- O problema é que eu não estou familiarizada com isso. Meus carros seguem os padrões antigos. - Cruzou os braços. - Eu não gosto desse freio e não sei usá-lo. 

- Azar. É o único carro. - Ele deu de ombros, dando-lhe as costas. - E pare de tomar meu tempo com isso. 

- EU NÃO SEI DIRIGIR CARROS ASSIM! - Gritou, mas o alfa não se deu ao trabalho de olhar para trás, muito menos de dar uma resposta. 

Lauren passou as mãos pelos cabelos, sentindo seu nervosismo triplicar diante disso. Já não sabia nada sobre a corrida, agora seria obrigada a dirigir um carro com dispositivos que ela não estava acostumada.

- Hey! - Olhou para trás, vendo Colby se aproximar. - Precisamos ir.  

Ela respirou fundo para não gritar de raiva, os únicos carros que tinham isso na Hot Rod eram os de Austin, pois o mesmo disputava percursos e para ele era vantajoso não precisar afastar a mão do volante por um longo tempo. E apenas alguns de Caleb também, pois o loiro gostava de tecnologia, inovações e também participava de shows de drift algumas vezes.

Lauren nunca gostou de nada disso, nem de borboletas e muito menos de freio de mão hidráulico. Carro para ela era o rústico, com câmbio manual, pedal de embreagem, freio horizontal logo atrás do câmbio, dar a partida colocando a chave na ignição. 

Carros com esses apetrechos e que dão partida apenas apertando o botão, possuem sensores de colisão, câmera de ré e freio de mão automático, não passavam de frescuras. Coisas feitas apenas para aqueles que não sabem dirigir muito bem.

Sentou-se mais uma vez no banco concha, específico para corridas e olhou a estrutura vertical de ferro vermelha, que começava no câmbio semi automático e subia verticalmente até a altura do volante. Negou com a cabeça e pensou nas dificuldades que teria com aquele tipo de freio, em seguida, olhou as borboletas pensando que com elas seria mais fácil se acostumar durante a corrida.

Ela desceu do carro após apertar a alavanca embaixo do volante, abrindo a tampa fosca do capô. Não era otária para voltar a confiar em Bruce, então analisou o motor para se certificar que nada estava errado.  

- Pode emprestar a lanterna do seu celular? - O alfa revirou os olhos e tirou de dentro do veículo uma lanterna pequena de luz forte. - Agradeço. 

Olhou mais a fundo o motor, agora com a ajuda da iluminação. Ignorando a sujeira do chão, enfiou-se embaixo do carro, apenas para se certificar de que nada havia sido sabotado. Apesar do outro estar apressando-a, Lauren avaliou tudo com calma e perícia.  

- Tudo certo. - Sussurrou para si mesma. 

Levantou-se do chão e bateu em sua bunda, ombros e costas, tirando um pouco da sujeira em suas roupas. Fechou o capô e devolveu a lanterna para Colby, que correu de volta para o Nissan.  

Jauregui entrou no carro e fechou a porta soltando um longo suspiro. Quando as coisas são, elas simplesmente são e não há nada que possamos fazer. Lauren fez tudo que pode para evitar correr a Highway To Hell e olha onde se encontrava agora.  

Ajeitou a posição do banco concha e acomodou-se, colocando o cinto amarelo específico para corridas que faziam um x em seu tronco quando estavam presos.  

- Esse banco é confortável pra caralho! - Surpreendeu-se. - Porra… - Remexeu-se um pouco, alinhando sua coluna. - Os próximos esportivos que eu conseguir, colocarei esses bancos. 

“Ah pronto, vai concordar com Austin e Caleb agora?” - A voz sarcástica em sua cabeça fez questão de falar. – “Só faltava, colocar um banco concha em um impala 67.”

“Claro que não. Os clássicos continuam com os clássicos, mas meu Charger Vault ficaria legal com esses bancos.” - Respondeu a si mesma, em uma discussão com sua própria mente.

A buzina de Colby a assustou e a fez dar aquela argumentação ridícula por encerrada. Só então deu a partida e puxou o freio de mão, começando a andar com o carro. Tomou o cuidado de ir devagar só para testar a borboleta. Como era de imaginar, bater levemente os dedos na asa direita fazia a marcha subir e asa esquerda, reduzir.  

Desceu a rampa atrás do Nissan e logo ambos estavam nas ruas desertas e sem nenhuma iluminação além da chuva prata que a lua proporcionava. As ruas escuras e o céu estrelado deram a alfa uma estranha sensação de paz. Não pôde negar que uma parte sua estava feliz demais por estar de frente com o volante mais uma vez, amava ser piloto, era aquilo que dava vida a ela. 

Suas mãos deslizavam com facilidade pelo material, fazendo curvas suaves e o tremor do veículo era um conforto seguro para seu corpo que agora estava tranquilo. Amava correr e naquele momento, concluiu que não conseguiria separar-se daquilo que a completava.  

Claro que Camila apareceu em sua mente, sua ômega não gostava dos riscos. Mas talvez tivesse chance se começasse uma carreira profissional, poderia correr em arrancadas, só precisaria de um carro bom para iniciar. E sendo em um ambiente controlado, seria mais fácil ter o apoio da mulher que tanto ama.  

Não queria abrir mão da adrenalina que a velocidade proporciona, mas também estava fora de cogitação dispensar sua nova família. Por que ela tinha que escolher entre um e outro? Por que Camila não podia escolher ficar do lado dela? De qualquer forma, obrigou sua mente deixar esses questionamentos de lado.

A lerdeza do carro da frente começou a ser um incômodo. Pisou mais firme no acelerador e sentiu seu corpo ser jogado para trás, o conta giros pirou e logo ela passou as marchas e, sem dificuldade, ultrapassou Colby. 

O alfa, com medo de perder de a garota de vista, também acelerou. Lauren deu risada do desespero do outro e continuou subindo a velocidade. O Dodge voou pelo asfalto reto, cortando o ar como uma faca pontiaguda. O calor dentro do veículo começou a aumentar, então ela ligou o ar condicionado. 

Sentiu-se contente por Bruce não ter tirado isso. Veículos para corridas que possuem um sistema de refrigeração do ambiente era um “luxo”. Positivo, visto que reduzia o calor que o motor produzia e também evitava que os vidros embasassem.  

- Lento demais, Colby. - Comentou, observando o Nissan pelo espelho retrovisor.  

Não demorou muito para avistar uma placa que indicava o caminho para o local da corrida. Sorriu para a curva e olhou rapidamente o freio de mão hidráulico, era o local exato para testar bem seu novo “parceiro” de corrida. 

- Vamos lá, se passar no teste, te coloco em um dos meus. - Falou para o cabo de ferro vermelho. 

Acelerou ainda mais e jogou o carro para o canto da pista, quase tirando-o do asfalto, depois tirou o pé do acelerador e torceu o volante para a direita, puxando rapidamente o freio. A tração traseira fez seu trabalho e cantou os pneus. 

O Dodge realizou um giro de trezentos e sessenta graus, antes dela voltar a acelerar e puxar novamente o freio, mantendo o veículo de lado com a traseira mais à frente do carro. Foi dessa forma que ela entrou na curva e fez a volta com perfeição, conseguindo emendar o cavalo de pau no drift.

- ISSO PORRA!!!! - Gritou sozinha, sentindo seu corpo todo se arrepiar diante do que tinha acabado de fazer. - CARALHO EU SOU MUITO FODA!!! - Seu peito subia e descia com a adrenalina agitando seu sangue. - Eu acabei de mandar um trezentos e sessenta e entrar na curva com drift back entry… - Sua voz saiu baixa e engasgada por conta da respiração ofegante. - CHUPA MINHA PICA ROSADA CALEB WATERS! 

Desejou como nunca que seu amigo tivesse visto isso, sabia que o mesmo não iria acreditar quando ela contasse. Foi nesse momento que toda a euforia se desfez, lembrar de seus amigos a fez sentir-se tão mal que só se lembrou de Colby quando o mesmo passou por ela.  

Uma placa enferrujada escrito “Columbus” estava solitária ao lado da avenida que dirigia, indicando que agora haviam entrado definitivamente na maior cidade fantasma do estado de Nevada.  

- Espero encontrar vocês aqui… - Deixou que as palavras saíssem de sua boca, mesmo sabendo que nenhum de seus amigos ouviria. - Por favor, não morram. Vocês são importantes para mim e eu sinto muito não poder tê-los salvado.  

Sua garganta apertou com a vontade de chorar e em instantes se transportou para o tempo antes de tudo isso. Quando eles trouxeram uma kombi remendada e tiveram que empurrá-la por estar sem motor, Lauren lembrava-se de ter apelidado o veículo de latinha de refrigerante velha.  

Sentiu falta das risadas, das músicas em alto volume e até das brigas para ver como iriam colocar o motor x no carro y. Sentiu falta de todos eles, até de Machine. As coisas eram mais simples naquele tempo, em poucos meses tudo virou e agora, aqui estavam. 

- Eu teria salvado todos vocês se eu soubesse o que estava para acontecer. - Sussurrou. 

Uma lágrima escorreu e foi rapidamente secada, não era mais o momento para lamentações e muito menos para recordações antigas.

As construções da “cidade do céu” ainda estavam incrivelmente inteiras, casas, prédios, lojas apenas com vidros quebrados e algumas pichações. A cidade ainda estava em condições de habitação, mas as pessoas não queriam viver aqui. 

Em sua frente agora, subia um enorme arco de ferro preto e dourado por conta da ferrugem. No alto dele, estava escrito o nome da corrida e o barulho de gente e música começou a se fazer presente. Alguns carros tunados estavam parados nos acostamentos com os capôs abertos para quem quisesse admirar. Havia gente enchendo a cara, fumando, ômegas usando roupas provocantes e alfas se metendo em brigas. 

Seguiu Colby até o local onde a música alta explodia em inúmeras caixas de som, o odor forte de alfa entrou em suas vias respiratórias quando abaixou o vidro e isso a fez lembrar de como era estar novamente nas ruas.  

Apesar de ter bastante gente, tudo estava organizado de forma que eles chegaram rapidamente na fila para a confirmação de inscrição. Viu o alfa do Nissan discutir com um homem alto e magrelo, que usava a camisa do evento, não demorou muito e o Nismo seguiu caminho para a esquerda, afastando-se.

- Crachá de identificação. - Assustou-se com um homem alto e forte de pele negra que estava com um celular em sua mão, sua voz de alfa era tão grave que quase a intimidou. 

- Também sou fã do Golden Knights. Max Pacioretty está fazendo uma temporada incrível. - Lauren apontou para a camisa que o outro vestia, buscando esconder o nervosismo repentino. - Aqui está. Falando nisso, quanto foi o placar do jogo hoje? - Puxou o fio que prendia o crachá no espelho retrovisor.  

- Cinco a três para nós. – Ele sorriu largo e ela fez o mesmo. Se perguntou se Nate havia conseguido ver o jogo. - Dragonfly, número 0600727. - Checou as informações rapidamente. - Portão três, décima quinta posição, Dodge Challenger SRT. - O cara falou, depois de ler o QR code. - Seu veículo tem arpões?  

- Uh… Não? - Respondeu com incerteza, ela nem sabia direito o que isso significava.

O alfa ergueu uma sobrancelha, não acreditando nas palavras da mulher e abaixou. Lauren espiou pela janela aberta, apenas encontrando o cara estirado no chão olhando embaixo de seu carro. 

- Realmente não tem. - Falou após erguer-se e limpar a camisa do time rapidamente. - Então me diz quais são suas armas. 

- Uh… Eu não tenho uma arma. - Ela deu de ombros, observando a reação incrédula do homem em sua frente. - Pra quê eu teria uma arma? 

-  Para disparar nos pneus dos seus adversários. - Explicou. - Não é permitido matar com tiros. Lançador de transmissores mecânicos? 

“Não é permitido matar com tiros, apenas capotando carros.” - A mente de Lauren ironizou. 

- Nem sei o que é isso. - Respondeu, concentrando-se na conversa. 

- É uma espécie de arma que dispara um dispositivo que dá curto circuito no motor. - O homem explicou, achando muito estranho a competidora em sua frente.

- Tenho não. - Deu de ombros, ainda segurando o volante.

- Garota, você tem noção da onde você está, não é? 

Lauren parou para pensar sobre o fato de se encontrar em uma corrida mortal, onde aparentemente as pessoas atiram umas nas outras e lançam arpões nos carros adversários, além de ter muitos casos de batidas e explosões.  

E tudo isso por que um cara de ego ferido não é capaz de aceitar as escolhas de outras pessoas e não suporta ver seus planos para sua “pupila” serem fracassados por uma ômega e uma criança.

- Não. - Foi o que respondeu por fim. 

“Essa aí não vai durar uma hora nessa corrida.” - O homem pensou com pesar. 

- Olha só… - Olhou para os lados antes de debruçar na porta amarela. - Como você é torcedora do Golden Knights e eu sou um fanático pelo time, vou te ajudar. - Ela assentiu, agradecida. - Muitas coisas mudaram no percurso deste ano. Então esquece tudo que foi lhe falado, não vai adiantar. 

- Não me falaram nada. – Respondeu rapidamente.

- Eu queria muito te perguntar por que caralho você está aqui, mas não tem tempo. - Olhou novamente para os lados. - A corrida está dividida em três partes, a cidade, a avenida que corta o deserto da Grande Bacia e por fim, a caverna que fica ao pé da Serra Nevada, passando lá, já vai cair na principal que leva até Las Vegas. A entrada da Sin City é a linha de chegada. 

- Cidade, Avenida, Caverna, Las Vegas. - Repetiu para si mesma.

- Durante a cidade, recomendo seguir a rota do GPS e ter cuidado! Cada carro possui uma rota diferente em Columbus justamente para fazer vocês se perderem, pode acabar colidindo com alguém sem querer. 

- Pera aí, GPS? - Ele revirou os olhos, antes de checar os lados. 

- Sim, caralho! Liga a porra do GPS! - Lauren imediatamente mexeu no painel do carro e selecionou a função. - Aí esse aplicativo aí, seleciona ele. - Ela obedeceu. - Coloque as coordenadas do crachá. Pronto. Vai carregar o mapa. 

- Valeu por isso, eu realmente não tinha a menor ideia.  

- Claro que não, se chegou até aqui sem armas, definitivamente não tem noção nenhuma de onde está. – Ele bufou. - Agora, presta atenção. Os drones acompanham os que avançam mais, se ficar para trás, desiste! Não iremos monitorar o que acontece contigo sem as transmissões. – Puxou do cinto um pequeno revólver vermelho, onde tinha vários pendurados. – Este é o seu sinalizador. Ficou muito para trás, ou simplesmente quer desistir, aponta pra cima e espera nossos staffs, seu carro vai desaparecer do gps dos outros. 

- Entendido. – Pegou o sinalizador e o guardou cuidadosamente no porta luvas.

- Fique atenta a sua cor se chegar na caverna. – “Se” e não “quando”. Percebeu a escolha de palavras, mas não disse nada. - Lá dentro é um labirinto, a transmissão pode falhar e o GPS vai cair. Todos os caminhos são mapeados por cores. Se não seguir sua cor, não sairá de lá.

O homem não acreditava que Lauren chegaria tão longe, mas mesmo assim, passou as informações que podia para ajudá-la. Nunca se sabe quando um azarão pode ser o vencedor, seu próprio Golden Knights era o azarão na temporada de estréia e ainda assim, chegou a disputar a final.   

- Entendido.  

- Certo. - Ele se afastou. - Assim que sair daqui, fecha o vidro e não abre mais. Seu carro é blindado, né? 

- Uh… - A alfa o olhou com incerteza.

- Puta que pariu, por que caralho você está aqui? - O homem tirou a arma de suas costas e atirou na porta de trás do carro, fazendo um barulho alto e chamando a atenção dos que estavam por perto.  

- Tá louco?!?! - Lauren gritou assustada e tirou o cinto para colocar uma parte do corpo para fora e ver o estrago. 

O que ela não viu, era que o supervisor do alfa estava estranhando o tempo em que ela estava parada ali e Jamall - o staff que passava dicas para Lauren - precisava ter uma atitude bruta para fazê-lo deixar de lado a desconfiança. Deu certo, o homem pensou se tratar de mais um participante querendo criar tumulto e voltou para a fiscalização. 

- É blindado, pelo menos isso. - Ele falou olhando para o outro homem e depois voltou a fitá-la. - Agora vai pra sua posição, é a décima quinta e o portão três é virando à direita. - Ele negou com a cabeça, antes de colocar as mãos na cintura. - E boa sorte, vai precisar.  

Virou o volante e seguiu na direção oposta à de Colby, não sabia o motivo de terem sido separados, mas sentiu alívio, um problema a menos. Sua perna direita começou a pular, indicando o nervosismo, não estava mesmo preparada para essa corrida.

Não sabia que necessitava de tanto armamento para participar e o alívio de ter recebido algumas dicas não foi suficiente para ficar mais calma. Observou as pessoas que andavam pelo local, pilotos que já tinham seus carros estacionados nas posições, eles não conversavam, apenas olhavam uns para os outros. 

Parou seu Dodge no lugar correto e ficou apenas respirando fundo, buscando acalmar seu coração. Chegou a pensar que saberia lidar com isso, mas o processo para entrar a deixou nervosa, não era com esse tipo de corrida que estava acostumada.

Lauren

Fitei o fio que corria de um poste ao outro, com dois semáforos amarelos. A luz vermelha acendeu, indicando que o evento teria início. Os pilotos que estavam do lado de fora de seus carros entraram e as pessoas ao redor mergulharam no silêncio da expectativa.

Respirei fundo e imaginei minha família. Eu estava aliviada por não sentir Camila, isso indicava que ela estava bem longe. Meu pai havia conseguido tirá-la do estado e com isso em mente, concentrei-me no que precisava fazer.

Fechei os olhos e inspirei, tocando o volante com os dedos cobertos pela luva preta. A borracha antiderrapante aderiu perfeitamente, dando-me firmeza. Posicionei meu pé no pedal de aceleração, sentindo a bota firmar sobre ele e só então abri os olhos e soltei o ar.

- Hora de ser piloto, Jauregui.

Afundei no banco confortável e dei a partida, aquecendo o motor. A fera que havia dentro do capô rugiu furiosa, preparada para saltar e avançar em toda sua potência. O tremor do veículo passou por todo meu corpo e a adrenalina caiu em minha corrente sanguínea como um veneno poderoso e novamente, fechei os olhos e mentalizei.

Minha mente começou a transmitir minhas memórias como um filme, todos os momentos de todas as minhas corridas por Las Vegas.

O contraste de cores de Columbus era escuro, somente as ruas estavam iluminadas e ainda assim, não era tão claro. A aparência deste lugar faz jus à sua fama. Frio, escuro, assustador e sem vida. A cidade fantasma parecia desperta esta noite e disposta a levar algumas almas consigo, como já havia feito antes.

A ponta dos meus dedos passou pela asa da borboleta, segunda marcha.

Em contramão, Las Vegas, conhecida por suas cores e vida, em nada se parecia com a metrópole esquecida. Lembrei-me dos poucos momentos em que participei de provas com percursos, a forma que descíamos a Strip em velocidade, passando por entre os carros de passeio.

A parte do MGM próximo da Réplica da Estátua da Liberdade - que hoje com certeza estava vestida com o uniforme do VGK - acabava em uma encruzilhada desafiante, que podia causar graves acidentes. Corríamos por eles com agilidade, eu fazia em dupla com Austin e pensei se ele agora também estava lembrando desses momentos.

Deslizei minhas mãos pelo volante parado, como se estivesse virando-o e segurei o freio de mão hidráulico.

Quase sofri um acidente embaixo da torre Eiffel, pois o show dos chafarizes tirou um pouco a minha concentração do volante. A roda gigante que mesmo passando a vida inteira aqui, eu nunca havia ido e seria um lugar perfeito para levar Camila, a ômega gostaria de ver toda a cidade do alto.

Pisei no acelerador e soltei rapidamente, a vibração forte do motor fez um auto barulho, mas não abri meus olhos. Continuei a pensar na cidade do pecado, em suas curvas, luzes... e luxo.

Eu sempre amei Las Vegas e tudo que ela representava, os cassinos, os hotéis, o Flamingo com seu rosa chamativo, o Hilton Grand Vacations e seus quartos luxuosos. Costumava dizer que Vegas era a amante perfeita, naturalmente bela durante o dia e sensualmente produzida durante a noite.

Como Camila.

Acho que ficaria mais tranquila se estivéssemos correndo lá, na principal. Eu conhecia cada metro de asfalto da Strip, mas não conhecia mais nada sobre o restante do estado. E não importa onde eu vivesse, lugar nenhum no mundo seria melhor que aquela cidade.

Fiz disso minha âncora. Eu só precisava correr de volta para Las Vegas, onde eu conhecia tudo. Precisava voltar para Paradise Valley, para Mirasol, para o Sunset Park e a Tropical Smoothie Cafe. Lugares conhecidos e familiares, locais importantes que me trouxeram coisas boas.

Abri os olhos e respirei bem fundo, soltando devagar. Era hora de fazer o que eu fazia de melhor. Correr.

Olhei novamente para os dois faróis, a luz vermelha ainda estava acesa. Desprendi o cinto e rapidamente tirei meu agasalho, afivelando-me novamente. Fitei as tatuagens em meus braços, as caveiras e as rosas. Tudo que eu mais acreditava estava gravado em minha pele, paixão pela vida e a aceitação da morte. Era o fato de eu saber que não iria durar para sempre, que me fazia ainda mais apaixonada por viver.

Sorri com a lembrança de Camila e eu disputando uma corrida, ela com os cabelos ao vento naquele dodge sem teto, Nathan correndo para mim e comemorando sua vitória no bets. E nós três naquele parque de diversões.

E por um segundo, me senti feliz de estar aqui, diante de tudo isso.

Todos na vida passamos por uma provação, certo? Se era aqui que eu tinha que estar, então faria valer minha presença. Prefiro morrer aos vinte um fazendo o que amo, do que aos noventa arrependida de não ter vivido como eu queria.

Eu fiz amigos verdadeiros, aprendi a amar, me apaixonei loucamente, levei minha oficina a SEMA, tive a chance de perdoar a mim mesma, tive a oportunidade de reconhecer erros e a desconstruir muitos de meus pensamentos.

Vi alguém que errou muito tentando desesperadamente consertar suas cagadas sem ter tempo suficiente para isso.

Vi uma pessoa machucada se curar e se permitir, aprendi com uma criança o verdadeiro significado da gentileza.

Uma grande bagagem para uma garota de 21 anos. Se eu tiver que me unir à “Força” hoje, então tudo bem. Meus pais nunca abandonariam Camila e Nathan, eles estariam seguros. Las Vegas continuaria sendo a melhor cidade do mundo e eu? Eu estaria bem. Com toda certeza.

“Eu estou preparada para o que vier.”

Meu pé afundou no acelerador, os pneus rodaram, queimando a borracha no asfalto assim que a luz verde brilhou. Como uma besta faminta, meu Dodge se projetou para frente babando em busca de sua primeira presa. O velocímetro girou ensandecido e a frente do carro levantou, antes de cair no chão balançando todo o veículo.

Senti meu Alpha Interior tomando conta de meu corpo e em instantes, eu conseguia ouvir todos os sons, ver com riqueza de detalhes cada sombra que a iluminação não cobria e o cheiro de borracha queimada ultrapassou os vidros e invadiu meu olfato.

Pressionei a borboleta, subindo de marcha e jogando o carro para a direita, ultrapassando o Corvette que estava em minha frente. A velocidade aumentava conforme meu aperto no pedal, meus olhos caiam nos espelhos, atentos a qualquer possível colisão.

Atrás de mim, uma Ferrari vermelha clássica se aproximava tão feroz quanto meu carro. Joguei para a esquerda, fechando a passagem em sua cara para logo em seguida, acelerar ainda mais. As construções passavam por nós como borrões e o asfalto era engolido pelos motores potentes dos corredores.

Em minha frente, um Mustang Shelby cor de chumbo atrasava meu desempenho e não facilitava minha ultrapassagem. Ele jogava para o mesmo lado que eu e além disso, ainda tinha que prestar atenção no carrinho vermelho atrás.

“Agora entendo porque as colisões são permitidas.”

Minha vida seria muito mais fácil se eu pudesse bater na traseira dele e fazê-lo rodar para longe do meu caminho. Tenho certeza que o motorista da Ferrari pensava o mesmo e isso me fez dar risada.

O carro mais adiante do Mustang era um eclipse skyline prata com detalhes em azul e já estava bem à frente. Uma boa distância, isso porque ainda estávamos no início do percurso. E então entendi que o piloto em minha frente estava atrasando quem vinha atrás, ou para dar vantagem para o colega, ou com o objetivo de recuperar o tempo mais tarde.

“Que ódio, era para eu estar disputando espaço com aquele eclipse!”

Mais uma vez, joguei o carro para a esquerda e quando o Mustang me seguiu, rapidamente mudei de trajetória. Eu ia conseguir ultrapassá-lo, mas o corno do carrinho vermelho me atrapalhou e novamente, acabei ficando na mesma, atrás do meu adversário.

A velocidade subia com a mesma facilidade que os meus batimentos sanguíneos, meus pulmões se enchiam de ar e esvaziavam. Eu contava as respirações para não me irritar, era o momento da razão, emoções precisam ficar de fora em competições.

- Sete primeiros quilômetros completados, colisões são permitidas. -  A voz feminina do GPS mal tinha terminado de falar, eu já tinha jogado o carro para a esquerda e puxado o freio de mão.

O Dodge executou um perfeito cavalo de pau, dando com a traseira na frente do Mustang que ao perder a direção, chocou-se com a Ferrari que vinha atrás. Espiei pelo retrovisor o caos que havia causado em todos que vinham atrás e não evitei sorrir, negando com a cabeça.

- Amadores.

Pressionei a borboleta e aumentei novamente a marcha, o barulho no motor era música e a melodia ficava cada vez melhor. Como aquele ritmo viciante que vai crescendo e crescendo e crescendo. Você espera ansiosamente pelo drop e até que o som explode nas caixas.

A diferença, é que o carro não chega no drop, então ficamos nessa eterna expectativa. É dessa sensação que nós, pilotos, nos alimentamos.

Não demorou para o Skyline aparecer em minha frente e equiparamos a velocidade, os dois correndo lado a lado. Não me dei ao trabalho de olhar para o lado, concentrando-me apenas em seguir a avenida principal de Columbus.

Em algum lugar houve uma explosão e o barulho alto provocou uma pontada em meus ouvidos. A noite que estava parcialmente iluminada foi coberta com um rápido clarão e não demorou muito para que o cheiro de queimado chegasse em minhas vias respiratórias.

Em nossa frente, já descendo a grande avenida, estavam um SSC Ultimate Aero Twin Turbo - escolha curiosa para esta corrida - e um Hennessey Venom GT Spyder. Passamos por um 9ff GT9 que estava com as quatro rodas para cima e o piloto sentado ao lado, parecia ferido.

- Faça a conversão à esquerda na próxima rua a trezentos metros. – A voz robótica soou.

- Quê? – Mal tive tempo de raciocinar e já havia chegado, girei o volante na rua que a rota mandava e olhei para o retrovisor, o Skyline foi mandado virar à direita.

Segui rapidamente pela rua mal iluminada e muito mal asfaltada, meu veículo dava solavancos com os buracos, mas não diminuí a velocidade para passar por eles. Mudei a marcha e acelerei ainda mais, sentindo o motor vibrar e as ondas passarem pelo meu corpo, aumentando ainda mais a adrenalina em meu sangue.

Quando passava o cruzamento, um Porsche 911 turbo quase acertou em cheio a lateral do meu Dodge, ele estava descendo em alta velocidade quando atravessei. O susto que levei foi tão grande, que cheguei a fechar os olhos, esperando o impacto que não veio.

- Vire à direita na próxima rua, a duzentos metros.

- Mas que caralho, avisa com antecedência! – Puxei o freio de mão e fui obrigada a realizar um drift em uma curva de noventa graus. Por muito pouco não enchi a traseira do carro em um muro, logo ajeitei a posição e pisei novamente no acelerador.

Minha velocidade era tão alta, que quando o GPS avisava o caminho, eu já estava onde era para fazer a conversão. Desci a rua e com a ladeira, o motor pegou embalo aumentando a aceleração. Novamente, quase sofro um acidente e foi por pouco que não acertei em cheio um Dodge Hellcat vermelho.

Olhei rapidamente para a tela no painel e memorizei onde eu viraria depois, me preparando antecipadamente. Assim que passei outro cruzamento, um Bentley Continental se juntou a mim, emparelhando-se.

Virei rapidamente minha cabeça para me dar conta de sua presença e logo senti o impacto. Torci o volante, empurrando-o para o outro lado, colando os dois carros no meio da pista. Ele jogava o carro para cima de mim, em reposta, eu jogava o meu em cima dele.

Olhei para o chão assim que ouvi um barulho e cinco brilhos me mostraram o que estava acontecendo ali. Havia uma espécie de garras metálicas que prendiam o assoalho com dedos de ferro, segurando-o por baixo.

“Um arpão.”

- Merda. – Xinguei baixinho, revezando meu olhar para o chão do carro e para o percurso.

- Faça a próxima conversão à direita.

- Eu sei, caralho!

Se ele virasse para o outro lado, arrancaria uma parte do meu carro e poderia levar meus dois cilindros de nitrox, se eu freasse, eu foderia o carro dele, mas perderia a velocidade e seria presa fácil para qualquer outro que passasse ali.

Olhei mais uma vez para o local onde meu carro estava preso, ainda segurando o volante contra o veículo adversário. Um pequeno traço de iluminação foi o suficiente para minha visão pegar o detalhe no assoalho.

- Recalculando rota. – O GPS falou quando eu não virei. – Vire à direita, depois vire à esquerda na Emigrant Pass Road.

Ele foi soldado de forma leve, então meu nitrox estava protegido de qualquer forma. Eu não sabia nada sobre essas corridas, mas Bruce sabia e claro que pensou na hipótese de um arpão atingir aquele lugar. Soltei o cinto e coloquei o pé esquerdo sobre o acelerador e segurei o volante com uma mão.

Ergui a perna direita e dei um forte pisão no assoalho, enquanto ainda mantinha a disputa por espaço. Olhei rapidamente para onde estava indo e novamente forcei meu pé contra o chão, repeti sistematicamente até começar a soltar. A rua estava afunilando e meu adversário empurrou meu carro com mais força fazendo-me perder o equilíbrio.

Novamente, organizei-me e pisei o mais forte que conseguia, soltando totalmente o assoalho. No mesmo instante, verti o volante para a direita e o empurrei, fazendo-o ficar atrás de mim. Voltei para meu local e não me importei em colocar o cinto novamente.

Minhas mãos tremiam um pouco por conta do nervosismo e meu cérebro tentava se reprogramar rapidamente. Olhei no retrovisor, aquele filho da puta não iria desistir. Antes que eu pudesse pensar do que fazer, avistei no próximo cruzamento, um Koenigsegg Agera preto e vermelho.

“Há um carro que eu quero que você siga. Um Koenigsegg Agera R preto e vermelho. É um dos meus, não o perca de vista.”  

- Vire à direita. – O GPS falou.

Imediatamente fiz a conversão e segui o carro, ele estava muito mais rápido que eu, então tive ativei o turbo compressor. Meu corpo foi jogado para trás e o Dodge avançou o asfalto em alta velocidade.

- Vire à direita na próxima conversão.

Em pouco tempo eu já estava perto dele, ele ainda uns cinco segundos à frente. Puxei o freio de mão e converti à esquerda atrás dele, bem no mesmo momento em que meu GPS havia me dado outra ordem.

- Recalculando rota.

Descemos a avenida principal de Columbus em alta velocidade, ele sempre adiante. Um carro amarelo desceu duas ruas em nossa frente fazendo um drift para entrar. Com uma habilidade incrível, o veículo preto desviou e deixou-me atrás do Camaro.

Novamente, olhando para o retrovisor, o Bentley Continental seguia atrás de mim. Tirei o pé do acelerador apenas para dar a ele certa vantagem para se aproximar e colei no Camaro. Não pensei muito e encostei minha roda esquerda dianteira, na roda direita traseira. O veículo perdeu um pouco da direção, suficiente para eu ultrapassá-lo, mas antes que eu conseguisse completar a manobra, senti o impacto atrás e o Dodge rodou, cantando os pneus.

Imediatamente puxei o freio hidráulico e acelerei, conseguindo sair do cavalo de pau e voltar a acelerar sem danificar o carro. Minha ideia deu muito errado e eu acabei atrás do Bentley que se emparelhou com o outro amarelo e fechou a pista para mim.

- Recalculando rota.

- Perdi a paciência. – Falei entredentes, a porra do GPS não parava de recalcular a porra da rota e ficava avisando que meu percurso estava incorreto.

Encostei no Camaro novamente e enchi a traseira do carro, afundando a lataria. Foda-se meu Dodge também.

Com o contato brusco, rapidamente girei o volante e bati novamente, agora um pouco mais na lateral e dessa vez ficou ruim para ele, que subiu em uma mureta e capotou. Puxei o freio de mão, derrapando e cantando os pneus para desviar do veículo que voou por cima de mim e caiu em cima do Bentley, pegando fogo rapidamente.

- Vire à esquerda.

Não me preocupei em olhar para trás, obedeci e passei meus olhos por todos os lados, novamente pelo Agera R e não o encontrando. Fui apenas seguindo as ordens do GPS e desviando de alguns carros que apareciam, mais interessados em fazer a porra da corrida do que colidir seus veículos contra o meu.

Acabei em um túnel iluminado com uma luz fraca, com uma cor feia bem esquisita e uma faixa branca na parede. O Dodge avançou rapidamente por ele e eu torci o volante no final, tirando o pé e puxando o freio para realizar um drif.  

Desci as marchas rapidamente quando o carro perdeu força ao sair do drift e voltei a subir conforme o motor pedia. Caí em uma rua estreita e bem escura, por algum motivo, tive a sensação de estar subindo ainda mais, ao invés de descer Columbus até a avenida que me tiraria da cidade.

- Twin Two. – Outra voz soou pelo carro. – Connected.

Não me importei, sabia que se tratava de Bruce e logo ele não demoraria a me encontrar. Continuei o percurso, olhando para os lados em busca do carro que eu havia perdido de vista. Desvei de uma batida forte em no cruzamento, até fogo havia ali e eu podia jurar que era um corpo jogado no canto escuro da esquina.

Pisei no acelerador e voltei a subir a borboleta, passando em uma ponte com murada amarela, bem ampla e espaçosa. Aproveitei e ativei novamente o turbo compressor, o motor recebeu mais ar e consequentemente, aumentou a combustão. A reação se transformou em velocidade e logo eu havia passado por toda extensão, chegando em uma rua com iluminação rala.

O GPS estava estranhamente calado, mostrando na tela o caminho, mas sem dizer nada. Fui seguindo as linhas verdes que traçavam o percurso e encontrei o Agera R um pouco à frente. Ativei o nitro e consegui me aproximar bastante, quase emparelhando com ele.

O piloto acelerou mais quando chegamos na descida, que terminava em um balão.

- Faça a rotatória.

- Ah, aí está sua voz. – Resmunguei.

- Segunda saída.

O maluco ao meu lado aumentou a velocidade ao invés de reduzir e entrou no balão cantando pneu e soltando fumaça. Não fiquei atrás e fiz o mesmo, convertendo tudo para a esquerda e puxando o freio de mão rapidamente, sem tirar totalmente o pé.

Então o Agera R converteu para a esquerda, mudando de rapidamente a posição do carro e entrando perfeitamente da segunda saída. Ele logo recuperou a velocidade, pois não havia reduzido demais e tampouco havia parado de acelerar durante a execução da manobra, tomando novamente uma vantagem sobre mim.

- Ok, impressionante. – Observei. – Suicida, mas impressionante.

Em um dado momento, não sabia mais se eu estava o seguindo ou se nossas rotas eram a mesma, pois meu GPS sempre me mandava exatamente para onde ele ia. Passamos rapidamente por um cruzamento que marcava o início de uma longa pista.

Aceleramos ainda mais nossos carros e ficamos lado a lado. Ora sua frente me passava, ora eu passava. Fomos subindo a marcha como loucos, fazendo a velocidade aumentar e o barulho dos nossos carros eram os únicos a serem ouvidos.

Não havia absolutamente nenhum drone, as luzes estavam ficando mais escassas e por algum motivo, senti meu Alpha Interior deixar meu corpo e logo meus sentidos voltaram ao estado normal.

Eu afundava a bota no acelerador, meu instinto competitivo querendo ultrapassá-lo de qualquer forma. Ajeitei meu corpo e acomodei a coluna no banco concha e apertei com o polegar o botão do nitro.

Meu Dodge acelerou tanto que praticamente entrei em um portal, não conseguindo ver nada ao redor e assim que os 10s passaram, vi a porra do Agera rasgar o ar ao meu lado e terminando a pista na minha frente.

- Filho da puta. – Bufei e corri atrás dele, conseguindo me aproximar um pouco, mas não o suficiente para emparelhar e muito menos ultrapassar.

Passamos por alguns pontos onde a iluminação era forte e talvez tenhamos voltado para o percurso, até sairmos novamente e voltarmos para as mesmas ruas mal iluminadas.

- Pequena? – Ouvi a voz de Bruce e não me surpreendi por aquilo, os gêmeos tinham esta função que permitia a comunicação entre os pilotos.

- Para de me chamar assim. Já sabe onde estou?

- Sim, você conseguiu encontrar o carro que eu mandei? Esses filhos da puta mudaram todas as regras dessa corrida.

- Consegui, estou seguindo-o. Deu certo seu plano?

Ele ficou em silêncio por um tempo e por algum motivo, sabia que tudo havia dado certo. Mesmo que ele não falasse, eu tinha certeza que havia sido bem sucedido.

- Não o perca de vista. – Sua ordem soou ameaçadora. – Estou a caminho.

Logo o carro preto fez uma súbita curva para a direita e eu, em alta velocidade, passei reto. Bati as mãos no volante e olhei o retrovisor. Puxei o freio de mão com força e obriguei o carro a dar meia volta, entrando no mesmo lugar que o outro.

A rua pessimamente iluminada não me deixava ver muita coisa, até que o mesmo virou bruscamente em uma igreja antiga e parou. Imaginando que o mesmo também estivesse em comunicação com Bruce, desliguei meu carro também.

Fiquei com receio de sair até ver a porta do outro carro ser aberta e um homem alto e loiro sair. Usava uma bandana preta de caveira que cobria do nariz até o pescoço, com jaqueta de couro preta e calça jeans da mesma cor. A mandíbula do crânio desenhado no tecido formava o desenho da parte debaixo de sua cabeça e só então o reconheci.

- Jace! – Soltei como um fôlego e abri a porta do carro para descer. – Jace! – Gritei novamente.

- Lauren? – O vi tirar as mãos das costas rapidamente. – Que susto do caralho, achei que era alguém que pretendia me matar. Como você está? – Ele se aproximou. – Se machucou?

- Não... Já o meu carro... – Olhamos para o Dodge que tinha seu lado esquerdo todo arranhado e mais alguns amassados.

- Caralho! Pegaram pesado com você...

- Como que o teu carro não sofreu nenhum arranhão? – Forcei um pouco a vista para ver no escuro, pelo menos o lado direito estava intacto.

- Larguei em primeiro e nenhum deles conseguiu me pegar. – O alfa deu de ombros.

Fiquei surpresa, confesso. Mesmo com a vantagem de estar na ponta, ele ainda teve que desviar de muitos carros e batidas quando cada um seguiu para um lado.  

- Como veio parar aqui? – Perguntei.

- Não sei ao certo. – Ele coçou a cabeça e só então puxou a bandana para o pescoço. – Fui seguindo o GPS que ficou quieto depois de um tempo e então meu carro simplesmente fez duas curvas sozinho e morreu. Ia abrir o capô, mas você apareceu e parou também, então fiquei com receio de sair. 

- E os outros? – Olhei em seus olhos. Eles eram diferentes, um era todo azul e o outro, a metade superior era azul e a inferior, castanha. – Chad? Cal? Austin?

Ele pressionou os lábios e engoliu seco, em seguida, olhou para o chão.

- Não... Jace! Não! – Falei, já sentindo o choro apertar minha garganta. – Jace, me fala o que aconteceu! Agora!

- Eu não sei de Caleb. – Respondeu. – Ele simplesmente parou de responder. Austin já saiu da cidade. Bateu o carro e ativou o sinalizador.

- E Chad?

O silêncio ficou tão alto que praticamente machucou minhas orelhas. Não havia um barulho sequer enquanto o homem fitava o chão e negava com a cabeça. Eu sabia. Mas não queria acreditar, então o esperei falar.

- Eu o mandei ficar perto de mim. – O alfa bufou e rosnou. – Eu o mandei não seguir o GPS e ficar perto, mas teimoso como uma mula... – Ele passou as mãos pelos cabelos. - Disse que seria melhor se nos separássemos para que ele não me atrasasse. Eu não sei o que se passou na cabeça dele, mas de repente todos os carros se separaram e cada um foi pra um lado... Eu só ouvi a explosão, foi muito perto, o chão chegou a tremer e eu ouvi pelo rádio também... – Meus olhos se encheram de lágrimas. – Ele parou de responder.

Chad não era piloto. Corria somente quando precisássemos de substituto. Seu amor era consertar, montar e até pintar os carros. Não era louco por velocidade. O alfa era o meu irmão mais velho, me ensinou muito e sempre teve muito carinho por mim.

- O plano era todos ficarem juntos. – As lágrimas começaram a se formar e eu senti meu lábio inferior tremer. – Mas eles nos separaram totalmente logo nas largadas e... Caleb e eu não conseguimos nos encontrar por conta da bagunça que foi quando cada carro foi para um lado, Austin se acidentou logo no início...

A dor em meu peito se fez mais forte e não demorou para que lágrimas escorressem por minhas bochechas. Eles eram meus amigos e eu escolhi Camila e Nathan. Não me arrependia, mas a culpa de não os ter protegido falou mais alto naquele instante.

Eles eram meus amigos. Eles também eram família. E agora um dos meus se foi.

O sofrimento que esmagava meu coração se transformou em pura raiva e apertei os punhos tão forte que os dedos ficaram doloridos quando soltei. Nunca em toda a minha vida eu havia sentido tanto ódio.

Chad estava morto. Um dos meus amigos havia partido sem ao menos uma despedida. Minha família corria risco, eu corria risco, a família de Victoria também. Quantas pessoas são ameaçadas por ele? Quantas vidas são tiradas todos os dias por conta das ações dele?

Completamente cega por um sentimento horrível que oxidava meu sangue a cada segundo, comecei a andar em direção à porta daquela igreja abandonada. Não sei muito bem o motivo de estar indo para lá, apenas seguia a intuição do meu Alpha Interior.

- Lauren? – O ouvi chamar atrás de mim. – Lauren! Onde vai? Pra quê entrar aí?

A porta tinha o formato arredondado, como daqueles castelos antigos, com pedras encaixadas ao redor. Dei o primeiro empurrão conta a estrutura de madeira e metal, mas de nada adiantou. Era pesada e mesmo com o passar dos anos, continuava bem firme.

Logo senti sua presença ao meu lado e juntos forçamos passagem. Precisou de mais alguns empurrões até que a mesma cedesse e só então, descemos os degraus de madeira lisas e um tanto escorregadias.

A estrutura estalava e bambeava com nosso peso, evidenciando o quão velho e acabado aquele lugar estava. As paredes por dentro também eram as mesmas pedras laranjas, sem nenhum revestimento, o que deixava o ambiente mais frio e fantasmagórico.

Quanto mais descíamos, mais escuro ficava e nós quase caímos quando um dos degraus cedeu completamente. Aquele lugar era tudo, menos uma igreja. Chegamos em um espaço bem amplo, como um galpão. Acima de nós, havia uma estrutura de ferro que contornava todo o espaço e era acessado por meio de uma escada vertical fixada na parede, como um segundo andar.

De lá de cima, dava para ver a enorme gaiola que havia no centro, suas grades corriam na vertical e horizontal, formando pequenos quadradinhos. No mesmo instante imaginei aqueles rinques de lutas. O andar de cima era a arquibancada, que permitia uma visão privilegiada do que acontecia dentro das grades. Ao lado da estrutura de ferro enferrujado, espalhadas e reviradas pelo chão, haviam várias... Macas? Camas? De alumínio ou ferro, uma delas tinha as algemas de couro e ferro iluminadas pela lua.

Olhei para o canto esquerdo e consegui ver que havia uma sala ali, cujo o vidro empoeirado tinha uma enorme cratera no centro, provavelmente causado por uma cadeira, ou como se alguém tivesse sido jogado ali e atravessado o vidro.

- Que lugar é esse? – Ouvi o alfa falar baixinho. – Sente o leve cheiro? Parece produto químico. Formol?

- Sim. – Era fraco, mas o suficiente para ser notado. Horrível. – Clorofórmio também. E alguns ácidos.

Levantei a cabeça apenas para ver as janelas sem vidros no alto, perto do teto. A luz da lua entrava e iluminava somente alguns pontos do local. Abaixo da estrutura de ferro, era um completo breu. Havia uma silhueta ali, meu cérebro demorou para reconhecer uma mesa virada.

- Ei, olha isso! – Voltei-me para Jace, que agora também tinha seus olhos completamente pretos e iluminava um pouco mais o local com um isqueiro.

Ele mostrava uma série de mesas, todas empurradas para um lado só. Algumas máquinas estavam ali, com fios jogados e espalhados pelo chão. Perto delas, um falho filete de luz iluminava a ponta de uma prateleira, havia alguns vidros tampados e empoeirados nela.

Um leve estalo soou quando me aproximei, havia vidro sob meus pés, frágeis e pequenos.

- Isso aqui é um antigo laboratório. – Falei, notando o tubo de ensaio que eu havia pisado.

Trocamos olhares quando ouvimos passos nas escadas. Eu e Jace mergulhamos na escuridão e ficamos atrás de um dos grandes aparelhos, esperando para ver quem mais estava se juntando a nós. Não demorou muito para que a pessoa descesse todos os degraus e não evitei apertar as mãos quando reconheci o cheiro. Mordi o lábio até tirar sangue para não rosnar.

- Sei que são crianças, mas brincar de esconde-esconde uma hora dessas? – Brincou sarcástico. – Apareçam. Lauren, pequena. Sei que está sangrando, seus pontos abriram?

Eu ia dar um passo à frente morrendo de ódio, tanto pelo apelido, como por lembrar da surra que havia levado. Mas assim que projetei meu corpo, senti o braço de Jace me impedindo de avançar.

- Será assim, então? – O alfa alto voltou a falar depois de um longo silêncio. - Tudo bem. Jace, temos assuntos para acertar. Então que tal deixar de ser covarde só para variar e vir me enfrentar?

O alfa ao meu lado sequer rosnou para a provocação, então obriguei-me a permanecer no lugar, seria mais fácil atacá-lo se ele não soubesse de onde viriam os golpes.

Novamente passos foram ouvidos, ele estava do outro lado do galpão. Ouvimos a arma ser engatilhada e o barulho de seus pés ficaram mais leves. Logo um pedaço de vidro foi jogado contra uma parede e outros mais foram quebrados também. O cheiro forte de formol se fez presente e o odor ali dentro ficou quase insuportável, comecei a respirar pela boca.

O forte odor estava machucando meu nariz, ressecando tudo por dentro e provocando ardência em meus olhos. Tentei coçá-los, mas Jace me impediu novamente, então os fechei com força. Agora não dava para saber onde Bruce estava, nem pelos passos e nem pelo cheiro. Tudo caiu em silêncio e a escuridão não era mais uma vantagem.

Sentia meu coração batendo com força no peito. A sombra somava-se a ausência de som daquele lugar macabro e a expectativa do que poderia acontecer atiçava meu sistema nervoso, que me deixava ansiosa. Eu tentava inutilmente me concentrar nos baixos sons, mas além de minha audição não captar nada, aquele fedor de formol estava realmente me incomodando.  

Clik...click...creck

“O mesmo vidro fino que eu pisei!”

Bastou-me pensar isso para que Jace avançasse com ferocidade para cima do outro. Um disparo foi feito e eu obriguei meus olhos a abrirem. Os alfas rolavam pelo chão em uma briga violenta e não demorou para o cheiro de sangue se misturar ao ambiente.

Eu ainda não enxergava direito, uma prateleira foi derrubada e milhares de frascos antigos se abriram, liberando odores horríveis no local já mal cheiroso. Os dois rosnavam alto e trocavam socos até que Bruce conseguiu imobilizar Jace, apertando seu pescoço.

Ainda sentindo minha garganta queimar em carne viva, corri até eles me guiando mais pelos sons do que por minha visão de Alpha e pulei em cima do homem, rolando com ele pelo chão e derrubando outra prateleira quando minhas costas bateram na estrutura.

Vi quando seu punho desceu em direção ao meu rosto e esquivei, revidando o golpe e acertando em cheio seu nariz que já estava machucado. Jace o tirou de cima de mim e socou seu estômago, recebendo um no rosto no contragolpe.

Levantei-me rapidamente e acertei a parte de trás dos joelhos de Bruce, o alfa caiu ajoelhado e o loiro acertou um forte chute em sua cabeça. Nos afastamos enquanto Bruce cuspia sangue e tentava se apoiar nos braços, todos ofegantes e em busca de ar.

O fedor pútrido do local embrulhava meu estômago, mas a raiva que ainda sentia se sobrepunha a tudo. Vê-lo no chão deu-me uma sensação imensa de prazer. De canto de olho, vi Jace tatear suas costas, procurando sua arma que eu sabia que ele tinha. Soltou um resmungo, ele havia perdido enquanto rolava pelo chão com Bruce.

- Perdeu sua arma também? – O alfa cuspiu duas vezes, a sombra ainda o envolvia e minha visão captava sua silhueta. – Eu perdi a minha quando você me desarmou, então acho que é justo.

- Você não sabe o que é justiça.

Olhei ao redor, buscando uma forma de clarear o ambiente. Havia um pequeno galão no canto que podia ser de gasolina, mas não dava para ler o rótulo. Ao meu lado, Jace rosnava alto e mostrava os dentes, de forma ameaçadora.

- E você sabe? Tentou matar Lauren e não pagou por isso.

- Fui forçado a deixar minha família para trás e levei três tiros na barriga. – Jace rosnou, suas palavras pingavam ódio. – Passei anos pagando por isso e vou pagar ainda mais na cadeia.

Fitei o alfa ao meu lado, eu conseguia perceber que ele estava irritado tanto quanto eu. Senti os pelos de minha nuca eriçar e fechei as mãos em punhos para que elas parassem de tremer, tamanha era a minha raiva.

- É Lauren? – Voltei meu olhar para o alfa que agora estava apoiado em um joelho e tentava se segurar na parede para se pôr de pé. – Vai se voltar contra quem te ensinou tudo, para ficar ao lado do cara que tentou te matar?

- Não vai conseguir me jogar contra ele, Bruce. – Minha voz de alfa saiu forte e alta, de uma forma que eu mesma nunca tinha ouvido. - Tenho meus princípios bem claros aqui.  

- Seus princípios são um monte de lixo, igual a puta que você fode e-

Não o deixei terminar de falar, avancei em cima dele com todo ódio que havia em meu corpo. Esmaguei seu corpo na parede com uma força que não sabia que tinha e ele rosnou para mim mostrando seus dentes vermelhos de sangue. Fiz o mesmo, meus lábios se espaçaram, mostrando meus dentes e minhas unhas cravaram na pele de seu pescoço.

Meu pulmão perdeu o ar quando senti seu soco acertar minha barriga e minha mão perdeu a força em seu pescoço, mas não o deixei escapar, agarrando a gola de sua blusa e usando a mão livre para revidar o golpe.

Caímos e mais uma vez, eu acertei seu rosto para logo rolarmos e ele acertar um forte soco acima do meu olho antes de levantar meu corpo e me empurrar contra o chão. Minhas costas atingiram com força a superfície dura e minha cabeça latejou com o impacto, embaçando minha vista.

O sangue que saiu de meu supercílio e escorreu em meu olho direito no momento em que acertei meu joelho em seu abdômen e tentei tirá-lo de cima de mim. Mais uma vez, levei um soco forte, dessa vez em meu olho esquerdo. Então coloquei meus braços sobre a cabeça, protegendo-me um pouco do próximo golpe que desceu firme contra meus ossos, até que o ambiente clareou e aqueceu.

“Fogo.”

Rapidamente meus olhos caíram em uma barra de ferro perto de nós e estiquei o braço para pega-lo. Acertei a cabeça de Bruce antes que o mesmo tivesse a chance de me machucar novamente, ele se levantou cambaleou apoiando-se nas grades da gaiola. Virei-me de lado para tentar levantar e vi quando Jace atirou sua jaqueta contra o rosto do alfa mais velho.

O tempo que o homem levou para tirá-la da frente foi suficiente para que Sherwood pudesse chutá-lo com força na barriga. Bruce caiu de lado com um baque surdo e o loiro começou a desferir inúmeros chutes e socos pelo corpo do adversário.

Minha cabeça girava e minha visão um pouco embaçada logo começou a voltar ao normal. Um latão não muito longe dali pegava fogo e fazia uma enorme chama. De alguma forma, Jace conseguiu clarear todo o ambiente.

Virei-me de barriga para baixo e busquei o ar, que entrou queimando minha garganta. O cheiro de sangue agora era tão forte quanto o de formol e ainda havia algo mais que fora espalhado quando a segunda prateleira veio abaixo. Clorofórmio?

Ainda ouvindo a surra que Jace dava no outro, apoiei-me nos dois braços e tentei levantar, para logo sentir duas mãos me puxando para cima e me colocando sobre meus pés. Jace passou meu braço por sobre seus ombros e levou-me até uma das mesas viradas, me colocou sentada no chão com as costas apoiadas na superfície lisa e metálica.

Meu corpo todo doía e o sangue ainda escorria por meus olhos. O alfa tirou a bandana de seu pescoço e apertou-a contra meu supercílio.

- Vou disparar o sinalizador. – Ele falou ofegante e coçou os olhos. Seu quebrado nariz sangrava e o lábio inferior estava partido, fora o grande roxo em seu maxilar. – Fique aqui e-

O barulho fraco de algo sendo perfurado cortou o silêncio. Os olhos de Jace piscaram e sua boca expeliu uma grande quantidade de sangue.

- JACE! – Gritei, arranhando mais minha garganta e segurei seu rosto. – JACE! – Gritei mais uma vez e mais uma vez o mesmo barulho, que fez o corpo do alfa vir em minha direção e depois se afastar.

O corpo do loiro caiu para o lado e Bruce surgiu detrás dele, sorrindo, com a lâmina pontiaguda em suas mãos.

- JACE! – Arrastei-me até sua cabeça e a coloquei sobre meu colo. – JACE, POR FAVOR! VOCÊ TEM UM FILHO PARA VER CRESCER! – Dei tapas em seu rosto, obrigando-o a abrir os olhos. – JACE, NATHAN VAI TE DAR UMA CAMISA DO GOLDEN KNIGHTS, VOCÊ PRECISA ESTAR VIVO PARA RECEBÊ-LA! – Berrei com o alfa, mas ele apenas me olhava, piscando levemente. – NÃO SE ATREVA A MORRER AGORA SEU FILHO DA PUTA! VOCÊ VOLTOU SÓ PRA MORRER? VAI SE FODER SHERWOOD NÃO É PARA MORRER, PORRA!

Eu não pensava em mais nada, só nele e em como Nathan se sentiria ao saber. Eu só queria que ele soubesse que eu nunca quis aquele destino para ele. Ainda que ele tenha aprontado comigo, com Camila e com Nathan, nenhum de nós o queria morto. Ainda havia espaço no mundo para Sherwood, ainda havia espaço na vida do filhote dele e com toda certeza, o alfinha sentiria muito orgulho de seu pai, sabendo que ele mudou, que evoluiu e buscou ser melhor.

Mas para ele se tornar melhor e realmente se reabilitado, ele precisava estar vivo.

- JACE, SEU FODIDO, NÃO SE ATREVA! – Minhas lágrimas escorreram e caíram em sua testa.

- E-esta tu-tudo bem... – Sua voz saiu sem força e um pequeno sorriso se formou em seus lábios.

- NÃO ESTÁ NADA BEM, CARALHO! – Gritei em sua cara. – Eu não quero isso! Eu não quero que morra! Você tem um filho, Jace!

- Na-nate vai fi-car... bem... – Sussurrou. – Eu vo-ou ficar... bem. Vo-vou ficar, com...

- Pare de falar, precisa poupar suas forças! – Solucei, olhando o sangue que saía de suas costas e tentei erguer mais seu corpo para que pudesse estancar a ferida.

- Com... meus pais. Vou ficar com eles... – Falou, cansado. Ele parecia muito cansado. – Sis-into f-falta deles.

- CALA A BOCA PORRA! – Olhei para seus olhos diferentes e ele deu um leve sorriso. – Seu fodido de merda, não se atreva! E-eu sinto muito, Jace! Eu nunca quis isso! Eu nunca quis nada disso!

- Hey, Laur... – Sussurrou, sua voz cada vez mais fraca. – Eu ganhei... a nossa última corrida.

Foi impossível não rir

- É, seu idiota. – Foi impossível não rir e ele sorriu comigo. – Você venceu.

O sangue saía de seu corpo e como isso meu desespero aumentou. Não tinha como parar o sangramento e eu sabia, sabia que ele não ia sobreviver. O líquido vermelho escorria e a cada gota, levava mais da vida do alfa.

- Cuida deles. – Olhou em meus olhos e suspirou. Suas írises diferentes brilharam em alegria, antes de perderem a vida.

Ele havia partido. Sua expressão estava calma, como se tivesse de fato, partido em paz. O soluço escapou de minha garganta e minhas lágrimas caíram contra seu rosto sereno, mas dentro de mim, não havia nada de calmo. Ao contrário, minhas mãos tremiam sem parar e a dor em meu corpo que já era grande, triplicou.

Ouvi uma risadinha e fitei Bruce, sentado em nossa frente, com o nariz deslocado e o rosto coberto de sangue pelos dois supercílios e os lábios partidos. Ele respirava com muita dificuldade e uma de suas mãos estavam segurando as costelas.

- Já acabaram? – Falou sarcástico.

Com cuidado, coloquei a cabeça de Jace no chão e varri o local com o olhar. Encontrei a uma pistola jogada perto do local onde estávamos escondidos e olhei rapidamente para Bruce, que também havia avistado o objeto metálico.

Corri até a arma semiautomática que estava um pouco mais distante, sentindo meus olhos arderem mais por ela estar no meio de uma poça de formol. Peguei com minhas luvas sujas de sangue e engatilhei.

Com pressa e ódio, cheguei até Bruce que agora apoiava suas costas na mesa, ao lado dos pés do alfa que ele havia matado. Ele sequer havia tentado correr até a pistola, com certeza estava muito mais machucado do que eu.

Parei de pé em sua frente, sentindo minhas costas e pernas doerem e apontei a arma para sua cabeça. Minha mão tremia levemente enquanto meus olhos fitavam os seus. Toda a raiva passava por minha corrente sanguínea, dando choque por todo meu corpo.

- Atire. – Desafiou. – Eu sei que é isso que quer.

E ele tinha razão, tudo que eu queria era abrir seu crânio e espalhar seu cérebro por aquele tampo de metal. Eu queria vê-lo morto porque parte de mim achava que era justo. Ele me manipulou o tempo inteiro, ameaçou Camila e Nathan, matou a ômega de Victoria, matou Jace.

Não era possível que um ser desses não merecesse a morte! Ele não merece viver! Não merece cadeia! Todas as punições da Terra parecem pouco para ele! Não era justo que Jace, que havia buscado ser melhor, que havia voltado para seu filho, agora esteja morto enquanto esse fodido de merda ainda respira!

- Você merece morrer. – Falei, ainda com a voz embargada. – Você é odioso! Você me manipulou esse tempo inteiro! E a troco de quê?

- Não se faça de burra. – Falou baixo e sorriu. – Você é a herdeira da Jauregui Motors, tem ideia do quanto de coisas eu poderia contrabandear? Eu seria o dono dos Estados Unidos. Ainda mais agora que tenho o controle das maiores organizações criminosas do país. E depois, na velhice, eu morreria em paz sabendo que meu legado estaria em boas mãos. Você sempre teve uma inclinação para o crime e sabe disso.

- Você é um egocêntrico de merda! – Aproximei mais o cano da arma em direção a sua cabeça. – Tudo em busca de poder! Nojento! Você se privou de ter uma família e tentou privar todos os outros!

- Família. – Ele riu sarcástico. – Família é algo que não existe. Sabe onde eu nasci? Em um quarto minúsculo, onde meu pai prendia minha mãe.

Aquilo me fez vacilar um pouco e buscar em seus olhos se aquela história era realmente verdade.

- Quando meu pai viu que eu era homem e alfa, logo me tirou da minha mãe e cuidou da minha criação. – Ele suspirou, ajeitando o corpo e gemendo de dor por conta de sua costela. – Um dia, quando tinha oito anos, minha mãe tentou escapar e eu o vi bater nela e a estupra-la no sofá da sala.

Aquilo me embrulhou o estômago mais do que o cheiro horrível do ambiente, mas ele não parecia nem um pouco abalado por falar disso. Na verdade, ele tinha um doentio sorriso no rosto ensanguentado.

- Eu sinto muito. – Disse sem pensar.

- Sente? Eu não. Eles não eram ligados, não eram um casal. Meu pai apenas a usava. – Ele riu, negando com a cabeça. – Sabe o que fizemos depois que ele a levou de volta para o quarto? Fomos tomar um sorvete e naquele dia eu aprendi como ômegas merecem ser tratados.

Aquilo fez eu me aproximar e colocar o cano em sua testa, pondo meu dedo sobre o gatilho. O ódio que senti vendo-o falar daquela forma fez com que todo meu sangue parasse de circular. Eu queria explodir seus miolos, mas algo não me deixava fazer isso, então ele continuou a falar.

- Mas meu pai era fraco. Fraco demais. – Riu e reclamou da dor ao fazê-lo. – Descia ao quarto daquela mulher mais de três vezes por semana. Já eu, nunca precisei disso. É um exagero, então matei os dois quando cheguei aos vinte. Fiz um favor para minha mãe e fiz um favor para você. – Sorriu mais, olhando em meus olhos. – Afinal, você só ficou com a mulher e filho dele – apontou Jace com a cabeça. – Porque EU o tirei do seu caminho.

Mas nisso ele estava errado. Eu e Camila era para acontecer e com ou sem Jace, nós ficaríamos juntas. Jamais daria a Bruce o mérito de eu ter conquistado uma mulher tão incrível quanto aquela ômega. E nunca, jamais, ele teria o mérito sobre eu ter conseguido o carinho e amor de Nathan.

Meu filhote. Meu alfinha. O meu pequeno tagarela e futuro Golden Knight. A criança que me amou antes mesmo de sua mãe. O garoto por quem eu entrei em um ônibus em chamas e entraria em outros trezentos se fosse preciso.

E foi por ele que não puxei o gatilho. Eu não era uma assassina, não era como Bruce. Eu me recusava a descer ao nível dele, então abaixei a arma. Não cabia a mim decidir quem merece viver ou morrer.

- Não sou igual a você. – Falei e ele riu até começar a gargalhar.

- Você não é. – Cuspiu sangue no chão, seu rosto mudou de expressão, agora não era mais o riso presente ali, mas sim a raiva. – Por que até quando você não tem nada a perder, você é fraca!

Bruce se colocou de pé em um salto e ignorando totalmente suas dores, avançou para cima de mim e eu, com o susto, recuei para me proteger. Seu corpo caiu sobre mim e a pistola voou de minha mão quando mais uma vez, minhas costas bateram com força no chão.

Eu senti seu aperto em minha garganta quando segurei seu braço, o impedindo de fazer o movimento para acertar a faca em mim. Meus olhos se fixaram na ponta metálica, concentrando minha força ali. A minha vista nublou um pouco, mas eu não podia soltá-lo, então obriguei meu cérebro e meus músculos a trabalharem.

- Eu sinto muito por isso, pequena. – Falou ofegante e eu senti gotas de seu sangue cair em minha bochecha. – Mas você não pode sobreviver.

Mesmo com seus machucados, a força que ele ainda tinha era imensa. Bruce tinha dois metros e muitos quilos a mais do que eu. E ele estava acostumado a matar.

Flexionei meus joelhos e coloquei os pés na cintura dele e com agilidade, o empurrei com toda força para trás. O alfa rolou e se colocou de pé, rosnando. Seus olhos brilhavam com tanto ódio que aceitei que iria morrer ali.

Eu não podia com Bruce. Não sozinha.

A aparência coberta de sangue era assustadora e a faca manchada com a tinta vermelha escarlate brilhava com o mesmo teor psicótico de seus castanhos. Senti o pânico tomar conta de mim, o ar faltou e eu me arrastei para trás desesperada. Apoiando os dedos nas grades da gaiola, tentei levantar e procurar a pistola.

Entre o disparo e a morte foram instantes intermináveis. Seus olhos perderam o brilho - sua boca que antes rosnava - agora estava mole e sem expressão. Ele não havia tido tempo de sentir dor. Algumas gotas voaram em meu rosto e levei alguns segundos para notar que o gatilho não havia sido puxado por mim, porque eu sequer consegui chegar até a arma. 

A intensa tinta vermelha que aquecia seu corpo, espalhou-se pelo chão quando seu corpo caiu. O tom escarlate misturou-se com o incolor do formol, que já tomava conta de grande parte do território.

Meus olhos correram para minha esquerda e a alguns metros, atrás de uma maca de metal, estava Victoria com sua arma ainda erguida e apontada para onde Bruce estava. Seu cabelo agora estava verde e usava a Jersey do VGK, nada comparado ao preto que sempre preferiu vestir.

Ela abaixou a arma sem tirar o dedo do gatilho e ultrapassou a mesa. Seus olhos não saiam do corpo recém caído e seus passos lentos ecoavam pelo local, pisando nos vidros e nas poças. Eu podia notar sua respiração ofegante e o brilho de suor em sua testa, aparentava estar tão ruim quanto eu.

Aproximou-se com calma e a frieza em seus olhos chegou a me espantar. Ela não estava tomada pelo seu Alpha Interior, tampouco descontrolada. O silêncio caiu sobre nós como um véu, parecia que apenas meu coração acelerado fazia barulho, quando a mulher ajeitou a M16 e descarregou muitos tiros no homem morto.

Os barulhos altos machucaram meus ouvidos, então me afastei para perto do latão que ainda tinha as chamas bem fortes. Meus olhos ainda ardiam pelo formol e minha garganta que antes estava ressecada, agora já estava em carne viva pela toxicidade do produto.

Tampei minhas orelhas com as mãos e fechei os olhos, sentindo uma imensa falta de ar que passou a me incomodar ainda mais. Eu sentia meu corpo inteiro tremer e mais lágrimas começaram a cair de meus olhos compulsivamente.

Quando se deu por satisfeita, a alfa virou seu olhar para mim e caminhou com calma até onde eu estava, ainda segurando sua arma. Não ousei tirar minhas mãos da cabeça, a expressão dela era assustadora e... Sangue. Muito sangue. O cheiro férreo começou a embrulhar ainda mais meu estômago.

“Preciso sair daqui. Eu preciso sair daqui. LAUREN SAI DAQUI!”

- Não posso deixar testemunhas. – Falou e apontou para mim. – Não devia ter entrado aqui.

- Achou mesmo que eu ficaria lá fora? – Limpei a garganta, queria demonstrar tranquilidade, mas eu não conseguia. Meu corpo chacoalhava e o ar entrava cada vez menos.

- Eu sinto muito. – Engatilhou a M16.

Olhei nos olhos dela, bem no centro deles. Estavam vermelhos por conta do formol... E talvez por conta do choro. Mas Victoria Van Violence não chorava. Ela suava e seus lábios tremiam, mas não suas mãos. A arma estava firme e diretamente apontada para a minha cabeça.

Sangue. Morte. Tiger. Chad. Bruce. Jace.

“Jace.”

“Ela estava aqui o tempo todo e não fez nada! Ela podia ter ajudado! Podia ter salvado Jace!”

- Por que não ajudou? – Abaixei as mãos e as fechei em punho, a raiva e o medo se misturando dentro de mim. - POR QUE NÃO ATIROU ANTES? -  Gritei em sua cara, sentindo o ar faltar e eu não sei como consegui continuar gritando. – POR QUE NÃO PROTEGEU JACE? POR QUÊ?

- Não consegui. – Falou, ainda apontando o cano da arma para a minha cabeça e foi a primeira vez que a vi vacilar. A M16 tremeu e ela apertou a mandíbula. Seus olhos mudaram, mas não sei qual sentimento vi dentro deles.

As minhas pernas estavam começando a fraquejar e minhas mãos não seriam capazes de segurar um lápis, tomei um grande fôlego e senti o sabor do sangue em minha garganta. Eu já não enxergava direito, meus olhos ardiam tanto quanto meu peito, como se meu coração estivesse sendo esmagado.  

- NÃO CONSEGUIU? VOCÊ NÃO CONSEGUIU? – Berrei, tentando expulsar de dentro de mim toda a dor e opostamente, aumentando-a. – VOCÊ NÃO TENTOU! VOCÊ NÃO QUIS!

Saí de trás do fogo e fui até ela, encostando a testa na ponta da arma e olhando no fundo de seus olhos. Um soluço saiu dolorido por minha garganta, naquela altura, eu já não sabia o que doía mais.

- Você não sabe de merda nenhuma, Lauren. – Foi quando seus olhos piscaram e eu pude ver que a mesma segurava o choro e fazia um esforço sobre humano para se manter de pé.

- O que eu sei, é que você esteve aqui o tempo inteiro! – Rosnei, enquanto meu choro ainda ecoava. – E não fez absolutamente nada para impedir a morte dele! Você podia tê-lo salvado!

- Eu já disse que não consegui! – A voz estrangulada e trêmula só me deixou com mais ódio. - Sinto muito.

- NÃO SENTE! – Falei, sentindo meu lábio inferior tremer. – Sabe quem sente? Eu. Sabe quem vai sentir? Nathan. Camila. Nós, vamos sentir. Por que você é fria e desumana. – Eu vi que minhas palavras a atingiram com força, notei aquela única lágrima saído de seu olho, mas eu estava com raiva demais para me importar. – Só se preocupa consigo mesma. Não somos amigas, não é mesmo? Nunca fomos, agora eu vejo isso.

Seus olhos agora brilharam em raiva, a alfa ofegou e soltou a respiração com força antes de colocar o dedo no gatilho.

- Estava escuro, vocês ficaram rolando como animais eu não tinha mira! E ainda tinha essa porra de gaiola na frente! – Rosnou e balançou a cabeça com raiva na direção das grades. – E é mais burra do que eu pensava, se acha que eu não senti nada com o que vi aqui.

Eu sabia que estava jogando para cima dela uma culpa que a mesma não tinha. No fundo, eu sabia que nenhuma de nós tinha. Eu vi em seus olhos o quanto ela sentia porque pela primeira vez, Victoria deixou transparecer em seu olhar as suas emoções.

Mas eu não conseguia pensar na dor dela.

Porque a minha dor era insuportável.

- Você disse que não podia deixar testemunhas. – Ergui o queixo. –  Você ia deixar Bruce matar a nós dois, mas se arrependeu quando Jace foi morto! – Acusei. - Por isso não deixou que ele me matasse agora!

- Acredite no que quiser, mas eu salvei a sua vida! – Rebateu, outra lágrima silenciosa desceu por sua bochecha. – Eu salvei a sua vida inúmeras vezes! Salvei a vida da tua mulher e do teu filho! Salvei muita gente! – Seus lábios tremeram. - Mas preciso agora me salvar. Chega um momento em que não temos para onde correr, é preciso fazer escolhas.

O ódio que eu senti foi inexplicável. Foi como se eu não tivesse mais controle emocional, minha mente estava exausta e eu só sentia raiva, imensa raiva. De tudo e todos. Minha cabeça começou a doer muito, mais do que minhas pernas e corpo, estava simplesmente impossível controlar os tremores e senti minha temperatura ficar mais alta que o normal.  

- E você escolheu não fazer nada, Van Violence.

Narrador

Foi a última frase a ser dita, antes de Lauren avançar sobre Victoria. A alfa havia perdido totalmente seu autocontrole, não havia mais o menor resquício de sua Consient e com sua ômega do outro lado do país, não havia alguém para acalmá-la.

Victoria protegeu-se facilmente dos golpes, evitando bater na mais nova que agia descontroladamente. A garota chorava compulsivamente enquanto desferia socos e rolava pelo chão com a outra que tentava inutilmente segurá-la.

A Jauregui não pensava mais, seu psicológico exausto havia cedido completamente para seu lado lobo, como uma forma de se proteger. Um mecanismo de defesa que a fazia esquecer um pouco tudo que aconteceu naquela noite.

Ela não queria lembrar do ar carregado que machucava seus pulmões e ressecava sua garganta. Queria esquecer que perdeu seu amigo, que viu Tiger atentar contra a própria vida e principalmente, não queria pensar na morte de Jace.

Lauren nunca desejou a morte de alguém, tampouco a de Sherwood. Ela não era assim e ela também não era aquela mulher descontrolada que agora agredia outra alfa.

Victoria sabia disso e entendia que a mais nova passava por um colapso nervoso neste exato momento. A agente não a culpou em nenhum momento. Nem quando teve seu corpo jogado contra o latão, que ao cair, teve suas chamas em contato com os produtos espalhados pelo chão.

A morena sentiu seu braço estalar ao usar como apoio para se levantar. Sua garganta sangrava por conta dos produtos e seu nariz ardia tanto quanto seus olhos, isso sem contar as contusões que ganhou dos golpes da mais nova.

- Precisamos sair daqui. – Victoria gritou para a alfa que rosnava em pé, na sua frente. – Anda, saia daqui!

As chamas lamberam o chão tomado pelo formol, as prateleiras velhas e papeis espalhados se tornaram ótimos combustíveis, fazendo com que o fogo espalhasse com facilidade e rapidez. Lauren não deu ouvidos, voltou a avançar sobre a mulher que se esquivou das chamas atrás de si e de sua agressora.

- LAUREN, ME ESCUTA, PRECISAMOS SAIR DAQUI! – Gritou, com a garganta em carne viva.

A visão de ambas já estava embaçando e o ar, que já estava difícil de ser respirado, ficou ainda mais com a fumaça. O antigo laboratório se transformava em uma estufa, já que não havia muitas saídas de ventilação.

Victoria levou as mãos aos olhos na tentativa de fazê-los arder menos e esse pequeno tempo foi suficiente para que a Jauregui a atacasse. A alfa segurou a outra pelo pescoço, com os olhos pretos fervendo em ódio, e a levantou do chão, sufocando-a.

- Lauren! Camila... e Nathan... estão te esperando! – Ao ouvir o nome de sua ômega, a alfa parou, ofegante e ainda rosnando, mas afrouxando o aperto. – CAMILA, LAUREN! Sua ômega. – Vic levou suas mãos até o braço tatuado, tentando se livrar do aperto sem precisar responder com violência.

Camila.

O primeiro beijo, dado no estacionamento do Sundance Medical Center, foi a primeira lembrança que veio na mente da morena de olhos verdes. Lembrou-se da sensação de finalmente ter aquela mulher em seus braços, provando o sabor dos lábios cheios e macios.

“Por que não trocaria?”... “Porque não é ela quem eu quero.”

“Esteja aqui quando eu abrir os olhos... Jauregui. Esteja aqui amanhã.”...”Eu estarei.”

E então lembrou-se da primeira noite de amor, onde o sexo foi divertido, prazeroso e apaixonado. Mas a lembrança mais forte, que Lauren guardava no local mais seguro de seu coração, passou diante de seus olhos e só isso a fez acalmar-se. Ela nunca havia contado para ninguém e talvez nem ela mesma soubesse qual era sua memória mais feliz.

Mas aquele momento - quando os primeiros raios de sol iluminaram os olhos castanhos depois da noite agitada na melhor casa noturna de Las Vegas – em que sua Camz estava em seus braços, a alfa sustentando seu corpo a centímetros do chão esperando por aquilo que mais desejava...

O primeiro “Eu te amo” de Camila Cabello.

“Eu te amo, Lauren Jauregui. Eu te amo muito.”

Lauren caiu de joelhos no chão, sentindo o peso do mundo sobre seus ombros e só então reparou em todo o caos que acontecia ao seu redor. As chamas consumiam os líquidos pelo local, os papeis velhos e madeiras.

O metal que dava forma as mesas estava quente e parte da gaiola já tinha a cor alaranjada. O calor que bateu em seu rosto a fez suar, misturando o fluido salgado com o férreo escarlate que ainda escorria de sua testa e lábios.

- LEVANTA! – A alfa segurou na cintura da mais nova e a colocou de pé. – LAUREN! OLHA PARA MIM! – Puxou o rosto molhado para que seus olhos se encontrassem. – PRECISAMOS SAIR DAQUI!

Uma viga imensa caiu perto delas, fazendo ambas se jogarem no chão e se arrastarem rapidamente. O Alpha Interior da morena de olhos verdes ainda estava presente, controlando o corpo da garota e se recusando a sair.

VanHesler fitou os olhos pretos da outra e se colocou de pé, puxando-a pela mão e obrigando-a se levantar.

- VAMOS! CORRE! – Empurrou a alfa. – CORRE, PELAS ESCADAS! NÃO OLHA PARA TRÁS! – A alfa estava em choque, olhando ao redor sem ter uma reação. - MAS QUE CARALHO LAUREN! CORRE! – Berrou com todo ar que restava em seus pulmões, foi como se um bolo de alfinetes pontiagudos rasgasse sua garganta, tamanha a dor que sentiu.

Ambas começaram a correr, queimando algumas partes do corpo ao passarem por metais em brasa. Atravessaram rapidamente o local, o instinto de lobo aguçando suas percepções. Elas ouviam mais, viam mais, corriam mais.

Lauren saltou por cima das chamas que bloqueavam a entrada da escada e começou a subir o mais rápido que pôde. As madeiras estalavam, em seus pulmões ao invés de ar, entrava fumaça e os degraus se desfaziam sob suas pisadas desesperadas.

O barulho de queimada se fazia presente, só se ouvia isso. Coisas estalando, caindo, se desmontando. Suas pernas exaustas corriam sem energia, não podia apoiar no corrimão ou na parede. Tropeçou quando enfiou os pés nos buracos, quase caiu quando um dos degraus cedeu com seu peso.

Praticamente caiu para fora do laboratório, empurrando a pesada porta com brutalidade, pisando nos próprios pés. O céu antes escuro estava tingido de vermelho e laranja. O frio característico da cidade do céu, agora era tomado por um calor infernal. O “céu” estava queimando e ela não precisou terminar o percurso para chegar ao inferno.

Entrou desesperada no carro, que ligou tão rápido quanto as batidas de seu coração. Saiu como um jato do local, sem direcionar os olhos para o retrovisor. Não tinha nada para olhar, não queria olhar para trás. Não queria olhar para trás e não ver Victoria passando pela porta, que agora já ardia em chamas.

Suas mãos sempre firmes, tremiam no volante de borracha preto. Respirava ofegante pela boca, tentando colocar o máximo de oxigênio que podia para dentro, mas seu sistema respiratório estava horrível e o resultado desse esforço, foi uma tosse de doer o abdômen.

O ar foi ficando escasso, sua visão nublava e seu pé tremia sobre o acelerador. Seguiu reto o mais rápido que conseguia, cuspia sangue no assoalho e fazia barulho ao respirar com extrema dificuldade. Seu corpo já não aguentava mais, tudo estava exausto. Em um último esforço, esticou o braço até o porta-luvas.

Cansaço.

“Camila... Nathan... Jace... Victoria... Chad... Austin... Caleb... Machine... Bruce”

Jogou o carro para o deserto quando deixou a cidade e assim que parou, abriu a porta e caiu para fora. A areia arranhou sua pele sensível quando se virou de barriga para cima, levando a mão direita ao peito que subia e descia rapidamente, fatigado, em busca da vida que já estava se esvaindo.

A luz vermelha brilhante explodiu no céu escurecido. O sinalizador chamou a atenção da organização do evento e ao vê-lo no alto, Lauren soltou suas lágrimas silenciosamente. Não tinha forças para soluçar, mas a dor em seu coração era a pior de todas.

Suas lágrimas foram de tristeza e alívio. Sua mente passava os nomes e cada um deles, era uma dor tão forte, como se agulhas corressem em suas veias ao invés de sangue. Chad, Machine, Austin, Caleb, Jace... Ela não havia conseguido tirar o corpo de Sherwood, Nathan não teria um enterro para o pai.

Victoria...

Sua vista foi se perdendo e a escuridão da noite adentrou seus olhos e tudo ficou em silêncio. Seu corpo relaxou, paz.

Lauren finalmente, sentiu paz.


Notas Finais


A parte B sai depois do fim de semana. Beijos ;)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...