História Guardião por destino - Quando as peças se encaixam

Lucas abriu os olhos subitamente e se sentou, ofegante. Ele olhou ao redor alamardamente, percebendo que se encontrava em um quarto. Piscou diversas e tentou colocar os pensamentos em ordem; a dor aguda em seu pescoço sendo um doloroso lembrete.

Um vampiro havia o mordido, apenas para ser trucidado por um furioso Olioti.

Ao pensar no caçador, o psicólogo arregalou os olhos — T3ddy! — E se moveu para levantar, mas antes que pudesse, uma mão feminina parou em seu peito.

— Não se mova, a mordida ainda está longe de cicatrizar — disse Alexi com uma expressão séria. Lucas recuou de seu toque imediatamente, lhe lançando um olhar desconfiado. Ela pôde apenas suspirar — Não se preocupe, eu não vou fazer nada.

Lucas franziu — Diz a mulher que literalmente tinha as garras ao redor do meu pescoço mais cedo.

Olhos carmesin se reviraram — Bem, não quero causar a fúria do seu namorado e virar uma pilha de carne, então...

— E onde ele está?

Alexi descansou contra o encosto da poltrona onde estava sentada — Com lorde Godric. Ele está em reunião com os outros líderes e precisa de seu mais novo cão de guarda por perto para manter todos na linha.

Lucas torceu o nariz — Ele não é homem de ser fantoche de ninguém.

— Bem, já que temos você, no momento ele é — Alexi sorriu, deixando seus caninos salientes à mostra, o que causou um leve arrepiou em Lucas, mas que ele procurou disfarçar — presumo então que devo te considerar a donzela indefesa, doutor?

— Você sempre foi uma vadia ou o vampirismo teve alguma influência? — Lucas perguntou sarcasticamente, o que fez Alexi levantar as sobrancelhas e então rir.

— Digamos que eu sempre dou o meu melhor, — ela voltou a sorrir — e para pessoas em tão grande desvantagem, vocês dois são bem audaciosos. Não sei se chamo isso de coragem ou estupidez.

Lucas bufou e deitou novamente, encarando o teto ornamentado do quarto — Eu chamo de “estar farto dessa palhaçada”.

Silêncio se instalou na sala. Lucas se perdeu em meio aos seus pensamentos e preocupações enquanto Alexi mantinha seu foco inteiramente nele. A intrigava que ele não parecia tão assustado quanto estava mais cedo, o que era de se admirar tendo em vista que — diferentemente do caçador — ele parecial inteiramente normal. Sem poderes ou habilidades marciais, apenas um homem como qualquer outro. Se ele não tivesse vindo à essa missão era bem provável que o plano dos caçadores teria dado certo, e mesmo assim... ele decidiu vir. Por que?

— Por que está aqui? — Ela indagou subitamente, fazendo com que Lucas virasse a cabeça em sua direção.

— O que?

— Por que não fugiu quando teve chance, antes de tudo isso acontecer? — Ela elaborou, se deixando intrigar pelo humano por um momento.

— Eu não fujo dos meus problemas, não mais — Ele levantou uma sobrancelha — E isso se aplica pra esse problema de agora, mesmo que ele tenha presas e queira me matar.

Alexi riu novamente — Você é estranho.

Lucas revirou os olhos — Como se alguém nascida vampira soubesse o que é ser humano.

A vampira perdeu o sorriso e sua expressão se tornou dura — Eu já fui humana, — Ela admitiu, fazendo Lucas voltar sua atenção à ela — Sei bem o quão cruel a sua raça traiçoeira pode ser.

O doutor se sentou novamente, descansando contra a cabeceira luxuosa da cama enquanto seu olhar desconfiado foi substituído por curiosidade — O que aconteceu?

— E por quê eu contaria algo pra você? — ela questionou, levantando uma sobrancelha.

— Você age toda poderosa e segura de si, e no começo eu achei que você era apenas mais uma megera, mas tem algo que você está escondendo — Lucas cruzou os braços — Algo tão doloroso que, pra não sentir a dor que essa coisa trás, você desliga suas emoções.

Alexi o encarou embasbacada — Como diabos você...?

— Psicólogo. É meio que meu trabalho ler as pessoas — ele deu de ombros — e então?

Alexi fechou a boca, que até então não tinha percebido estar aberta, e se pegou se sentindo compelida à conversar com o rapaz — Eu nasci humana há cerca de quatro milênios atrás. Meu pai morreu antes que eu nascesse e minha mãe me abandonou quando eu tinha quatro anos porque ela não suportava olhar pra mim e ver o rosto do meu pai.

A expressão de Lucas se tornou branda enquanto ele constatou — Você viveu sozinha a sua vida inteira.

Alexi soltou um riso abafado — Dezoito anos sozinha e à mercê da sua espécie imunda. Tentando sobreviver com migalhas, fugindo de homens asquerosos, sendo humilhada por ser muito fraca e inútil pra qualquer tipo de trabalho manual. Minha vida era um inferno — Lucas, que até então só tinha visto raiva e desgosto refletindo nos olhos da vampira, assistiu sua expressão se atenuar — Até Lady Francine me achar...

Lucas pendeu a cabeça pro lado — A finada esposa do Godric?

— Sim, minha senhora era muito benevolente, diferentemente do meu lorde. — Ela disse com um certo tom de admiração — Ela estava na minha vila tratando de assuntos pessoais quando me avistou sendo atormentada por uma corja de porcos bêbados. — Alexi estremeceu de leve, o que não passou despercebido por Lucas — Ela se livrou deles e cuidou de mim sem ao menos hesitar por um segundo, e eu estava tão maravilhada e agradecida que quando ela me explicou o que era... não pensei duas vezes em pedir para ser transformada.

— Ela soa incrível.

— Sim, e você me lembra um pouco dela... — A loira apontou, o que fez Lucas arquear uma sobrancelha — Além da personalidade ser muito similar, ela também tinha as suas feições. Loira, olhos verdes... Lady Scarlett não parecia nada com ela, acabou puxando o lado escocês do meu lorde inteiramente.

Lucas franziu — Estou realmente me perguntando como uma mulher como essa acabou casando com aquele babaca.

— Casamento arranjado — Alexi informou — Os pais dela precisavam do dinheiro.

O psicólogo balançou a cabeça — Mas é claro.

— Minha senhora amava muito meu lorde apesar de tudo, não se engane, mas ela sofria muito com a sua teimosia... Veja bem, lady Francine realmente queria provar que vampiros e humanos poderiam coexistir, — ela suspirou — mas meu lorde discordava, coisa que eu também fazia, mas ela insistia e repetia sempre, quase usando as palavras exatas que você usou mais cedo. “Eles não são todos iguais” — Alexi pareceu pensativa por um segundo — E sabe... eu até comecei a acreditar na possibilidade depois de um tempo, até...

— Ela ser traída pelo caçador — Lucas completou, assistindo Alexi torcer o nariz e assentir.

— Então, respondendo sua pergunta, ­doutor, — ela disse com certo veneno na voz, mas Lucas decidiu ignorar — Eu conheço bem a sua espécie, e é por isso que eu vou auxiliar meu lorde em seu plano de erradicá-la da face da terra.

Lucas lhe direcionou um olhar decepcionado — É assim que você honra a memória da mulher que te salvou? Ajudando o marido maníaco dela à aniquilar uma raça inteira e tudo o que ela acreditava?

— Ela era tola por acreditar no que acreditava — Alex ralhou.

— E você é tola por se deixar ser consumida pela sede iconcebível de vingança daquele louco! — Lucas rebateu duramente, fazendo com que Alexi sibilasse e arreganhasse as presas enquanto veias saltaram abaixo de seus olhos.

— Quem você acha que é pra achar que pode me dar sermão?!

— Alguém com conhecimento profissional o suficiente para identificar quando alguém está se escondendo por trás de desculpas que justifiquem seu modo estúpido de agir — ele respondendeu rispidamente — É realmente triste assistir a forma que vocês desrespeitam a memória dessa moça.

Alexi rosnou, sumindo e reaparecendo centímetros do rosto de Lucas, sibilando perigosamente — Se você não calar a boca, eu acabo com você agora mesmo.

Lucas no entanto não esboçou reação — Fique à vontade, mas tenha consciência que todas as suas atitudes terão uma consequência. — Alexi franziu, cessando seu rosnar e recuando levemente, o que permitiu Lucas se inclinar em sua direção de forma intimidadora da mesma forma que ela tinha feito — Está preparada para enfrentar as consequências das suas, Alexi?

A vampira então arregalou os olhos, se afastando subitamente e disparando para fora do quarto e deixando a porta entreaberta no processo. Lucas pôde apenas franzir. Estava certo que ele procurou se impor perante a mulher, mas ele não esperava aquela reação.

Uma súbita onda de cansaço lhe atingiu e logo ele se viu deitando novamente e fechando os olhos, a vontade de ver T3ddy logo sendo a última coisa que veio à sua cabeça antes que apagasse.

•

Do lado de fora do quarto, Alexi ofegava enquanto buscava apoio na parede mais próxima. Seus olhos estavam arregalados e ela não fazia ideia do que tinha acabado de acontecer. Ela pensou ter sentido o mesmo mais cedo, mas achou que era coisa de sua cabeça, mas agora ela estava questionando a sua própria sanidade. Sem perder mais tempo, Alexi saiu em disparada na direção de seus aposentos.

Muitas dúvidas e questionamentos passaram a habitar sua mente quando seus olhos pousaram sobre o rapaz que havia sido capturado junto ao caçador. Questionamentos que ela procurou ignorar já que caso seu lorde vasculhasse sua cabeça e encontrasse tais perguntas, ele provavelmente se exaltaria (ele sempre se exaltava quando Alexi estava pensando no passado) mas a interação que ela acabara de ter com o psicólogo no quarto apenas serviu para fazer com que tais questionamentos voltassem com força total.

E depois do que ela tinha acabado de presenciar, ela precisava ter certeza.

Entrou em seu quarto e foi direto na direção da estante de livros situada à esquerda da sua cama. Depois de retirar 4 livros estrategicamente situados em cada extremidade da estante, o móvel se moveu para frente com um leve click, revelando um quarto secreto não muito grande mas completamente abarrotado de caixas e baús. Alexi andou na direção de um desses baús que possuía desenhos abstratos das fases da lua, e afoita, abriu o objeto e se pôs a procurar algo em meio à enorme quantidade de pertences e documentos que ali repousavam. Ela só parou quando suas mãos encontraram um envelope claramente antigo com “Meine Gelibte” escrito na parte de trás em uma caligrafia masculina e rebuscada.

Alexi respirou fundo e retirou com cuidado a carta que estava dentro do envelope, se pondo a ler a escrita que se encontrava em Alemão, língua que ela acabou por ter domínio devido às diversas classes de línguas que sua senhora tinha lhe oferecido:

                               Meu amor,

Me dói saber que não posso mais escrever com a frequência
de antes. Nosso pequeno sempre está à perguntar de você, e
eu honestamente não sei mais que desculpas inventar para
ele. Entendo que você mantém distância para a nossa segurança,
mas não posso negar que é extramamente difícil não te ter por
perto à todo momento. Sentimos sua falta todos os dias, e eu
gostaria que as coisas fossem diferentes, mas a paciência é uma
virtude... então até logo, meu luar.

                                                                                                               Eternamente seu,
                                                                                                              Burkhard Von Feuerschütz.

Alexi terminou a carta de olhos arregalados, permitindo que o delicade papel escorregasse entre seus dedos e caísse de volta ao baú. Tudo fez sentido agora. Como o doutor lembrava tanto Francine, e como minutos mais cedo, ela teve certeza de ouvir a voz de sua senhora como uma lembrança, repetindo as mesmas palavras.

“Toda atitude tem uma consequência... Você está preparada para enfrentar as da suas, Lexi?”

O ar estava preso em sua garganta enquanto ela se permitiu cair ao chão. Na noite em que Francine a salvou, a lady tinha saído escondida de Godric (o que inclusive culminou em uma gigantesca discussão já que ela acabou por retornar para casa acompanhada) e anos depois, quando Alexi tinha virado sua confidente, Fracine finalmente a confiou seu maior segredo.

Naquela noite ela tinha saído às escuras para encontrar o caçador por quem se apaixonara e tivera um filho.

O pequenino Lukas Feuerschütz era um doce menininho de cabelos dourados e olhos verdes, exatamente como seus pais, que acabara desaparecendo após a traição de Burkhard e a morte de Francine; que em seu leito de morte, conseguiu fazer apenas um último pedido à Alexi:

“Por favor, não deixe que nada aconteça ao meu garotinho.”

A vampira loira passou séculos se culpando por não ter conseguido atender ao último pedido de sua senhora, tendo em vista que Lukas havia desaparecido sem deixar rastro, mas depois de milênios de culpa, o aparecimento de Lucas Rossi Feuerschütte é prova de que o garotinho de alguma forma conseguiu sobreviver a tragédia daquela noite, de que Alexi não tinha falhado por completo. Ela piscou de volta à realidade, e sua expressão assombrada foi lentamente substituída quando determinação se moldou à suas feições.

Ela tinha falhado Lukas e Francine no passado, mas ela não iria cometer o mesmo erro com Lucas.

•

Seus olhos se abriram e, muito para sua confusão, encontraram uma imensidão negra ao invés do teto do quarto.

Lucas sentou alarmadamente se pondo a encarar o grande nada escuro onde se encontrava. O quarto tinha sumido completamente e ele estava deitado no chão frio. A sensação de mais cedo o atingiu novamente, fazendo-o tontear, mas mesmo assim ele se pôs de pé enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

Ele tinha adormecido em cima de uma cama, como viera parar nesse lugar?

— Olá?! Tem alguém aqui?! — ele gritou, o eco que sua voz causava fazendo os cabelos de sua nuca se arrepiarem. O lugar era frio e tinha uma atmosfera pesada, e ele honestamente não sabia o que fazer.

Foi então que, em meio ao desespero, ele conseguiu avistar alguém distante. Franziu, tentando identificar a silhueta, mas em um piscar de olhos a pessoa estava subitamente à sua frente, o fazendo congelar por completo.

Se tratava sim de uma pessoa, mas completamente deformada e em decomposição. Ele se encontrou incapaz de se mover enquanto o ser levantava a mão em carne viva para lhe tocar, o medo deixando-o completamente petrificado. A criatura abriu a boca de forma grotesca e se aproximou, o que fez Lucas arregalar os olhos e finalmente conseguir dar um passo pra trás, mas antes que o ser pudesse fazer qualquer coisa, estava sendo arremessado para trás por uma força invisível, permitindo Lucas a soltar o fôlego que não tinha percebido que estava prendendo.

Ele se virou para trás alarmado, apenas para encontrar uma mulher com o braço esticado em sua direção. A escuridão dificultava sua visão, mas ele conseguiu identificar algumas de suas característica: Bela e loira, com lindos e brilhosos olhos verdes. Lucas franziu — Quem é você?

A mulher apenas sorriu, surpreendendo Lucas com belíssimos caninos brancos — Isso não importa agora, meu amor, mas você não deveria estar aqui. Ele está te esperando.

— Ele? Mas o que...

E antes que Lucas pudesse terminar, ele estava em um lugar completamente diferente. A imensidão negra pareceu ter sido iluminada, e ele se encontrava agora no meio de um grande nada branco. O rapaz se tornou ainda mais confuso. Quem era aquela mulher? Onde ele estava? Como ele tinha chegado aqui?

— Você parece mais perdido que o normal, môr, — disse uma voz serena, que fez com que Lucas paralisasse. Ele perdeu o ar novamente, e quando se virou na direção de onde a voz tinha vindo, teve certeza de que tinha ficado completamente louco. Uma vontade de chorar arrebatadora lhe atingiu quando ele reconheceu aqueles traços gentis e delicados que ele teve tantos anos para se acostumar — afinal, o que seria de você sem mim?

Lucas piscou diversas vezes e não teve dificuldade para acreditar em si mesmo enquanto perguntava atônito — Amor?!

O rapaz sorriu largamente em sua direção — Sentiu minha falta?