Senki acordara na manhã seguinte, desnorteado. Por um momento pensara que estava em seu quarto em Demacia, que tudo havia sido um sonho, que seu pai estava na sala esperando para tomar o café. Mas seus olhos se acostumaram e ele se sentou na cama, percebendo que aquele enorme cômodo não era seu quarto, e lembrou-se que estava em Ionia, que toda a desgraça da noite passada havia realmente acontecido.
Ele se pôs a lembrar da conversa reconfortante e calma que havia tido com Irelia, tudo que havia conversado sobre sua própria vida e o quanto aprendera sobre sua mãe. Que ela fora uma mulher heroica e de grandes feitos, que salvou um vilarejo inteiro da ameaça do lendário assassino intitulado como Demônio Dourado, com quem teve uma intensa luta e saiu muito ferida, porém, vitoriosa. Ela fora uma mulher incrível, e que Irelia disse que pareceu ter gerado um filho mais incrível ainda.
Porém, a reconfortante conversa não apagava os fatos amargos anteriores a ela. Os invasores que surgiram do Abismo da Realidade, os Darkin, a morte de Taric, o sacrifício de Bardo e a visão aterradora do cadáver perfurado de seu pai que ainda corria em sua memória que fazia suas entranhas revirarem em pavor e tristeza.
Senki agarrou seu travesseiro e deixou as salgadas lágrimas escorrerem pelo seu rosto em meio a soluços causados por seu choro entristecido. Seu choro teve que ser interrompido pelo som de batidas na porta.
—Senki, querido, estou entrando. –Soou calmamente a voz de Irelia antes do barulho da porta rangendo enquanto se abria.
Ao entrar, Irelia se deparou com Senki sentado na cama, tentando secar as lágrimas que se repunham com facilidade. Ela correu e ajoelhou-se na cama, abraçando e consolando o garoto.
—Entendo como se sente, eu também perdi muito quando Noxus invadiu Ionia... Alguém que perdeu tudo, num lugar desconhecido com diversos desconhecidos. Mas está tudo bem, esqueça essa mágoa, posso lhe jurar que o dia hoje será incrível!
Senki não respondera, apenas tratava de esconder o rosto contra o corpo da mulher e chorar ainda mais. Passado algum tempo, o jovem se acalmou em meio ao consolo e abraço de Irelia e sorriu para ela, tentando mostrar algum resquício de felicidade.
—Faça o seguinte. Separarei algumas roupas que combinam mais com a nossa nação para ti e iremos conhecer alguém que sua mãe teve imensa importância.
—Que a minha mãe teve importância? -Os olhos do menino brilharam em curiosidade.
—Sim. Ela foi a única que acreditou nele quando ninguém mais acreditava.
Assim, Irelia se levantou e incentivou Senki a ir tomar um banho e vestir as roupas que ela deixaria para ele em cima da cama. Irelia tinha um jeito de falar envolvente e determinante, quase como um grito de batalha mesclado com a mais calma canção já criada em toda Runeterra.
Enquanto a água fluía e caia pelo corpo de Senki, ele não conseguia parar de pensar no que Irelia havia lhe dito. Alguém que sua mãe havia acreditado? Que tipo de pessoa ele deveria ser? E o que ele fez para perder a confiança do povo? E também sobre a invasão de Noxus a Ionia, que com certeza fora um dos fatos mais marcantes na história de Runeterra. Senki já havia lido em diversos livros sobre tal invasão, o que lhe dava ainda mais nojo de Noxus: o Império já havia invadido os dois reinos de seus pais.
Assim que saiu do banho, tratou de vestir suas roupas o mais rápido possível. Roupas ionianas caiam melhor no seu corpo, já que seus traços físicos eram mais parecidos com o povo do país do que com os de Demacia. Desceu as estradas para o Salão de Entrada do Placídio de Navori o mais rápido possível, onde se encontrou com Irelia, que lhe dera um pãozinho ioniano.
—Irelia... –Começou a falar com timidez enquanto começaram caminhar.
—Sim, querido?
—Minha mãe participou da guerra contra a invasão ioniana¿
—Oh, claro! Sua mãe fora uma das grandes defensoras de Navori quando Noxus chegara aqui. Ela lutou ao meu lado e ao lado de seu pai, que foi um reforço enviado de Demacia... Foi incrível.
Os olhos de Irelia pareciam brilhar sempre que o assunto era Niviera, e Senki também se alegrava de conversar sobre sua falecida mãe, a qual parecia ter sido uma grande mulher e guerreira.
Andaram por mais alguns minutos que pareciam passar como horas, de tanto que conversaram. A voz doce de Irelia divertia e acalmava Senki, isso juntamente ao vento leve e esvoaçante de Ionia que carregava consigo a magia do Espírito, bagunçando os cabelos de ambos.
Porém a conversa se interrompeu quando ambos se viram a frente de uma porta de madeira escurecida que preenchia a entrada de uma grande casa, feita inteiramente de madeira. Com um leve suspiro, Irelia deu três toquinhos na porta e chamou por um nome.
Em pouco tempo, a porta fora aberta devagar, revelando um homem de cabelos castanhos, grandes e bagunçados, amarrados e com um elástico formando um grande coque. Seu rosto carregava uma barba falha, olhos puxados e com uma cicatriz bem no meio do nariz. Ele dera um sorriso bem largo ao avistar Irelia. Ao seu lado, haviam duas garotas. Uma aparentava ter entre quinze e dezessete, e carregava traços shurimanes. Sua pele era escura e seus cabelos castanhos e curtos. Uma de suas mãos estava erguida no ar e seus dedos balançavam em movimentos padronizados, fazendo algumas pedras próximas levitares. A outra garotinha havia mais ou menos a idade de Senki, mas ela não era humana. Era uma vastaya, seres quiméricos gerados do cruzamento de humanos e uma raça a muito extinta, que podem conter características mais animalescas e ter grande domínio da magia espiritual, e isso ficava muito visível nessa menininha vastaya. Seu rosto trazia uma expressão sorridente e tinha pequenos risquinhos brancos na bochecha. Seu cabelo era longo e tinha uma linda cor cinza. Suas orelhas ficavam acima da cabeça e tinham a mesma cor do seu cabelo. Ela circulava as mãos a frente do corpo, fazendo a energia espiritual acompanhar o movimento circular.
—Irelia de Navori... –Começou o homem. —O que lhe traz aqui?
—O motivo está bem ao meu lado, Yasuo. –Ela gesticulou com uma das mãos para indicar Senki. —O filho de Niviera Sato veio parar em Ionia.
Os olhos de Yasuo se arregalaram quando bateram de encontro com Senki. Ele ajoelhou-se na frente do jovem e abriu um sorriso largo, seus olhos carregando algumas lágrimas.
—Sua mãe, meu jovem, acreditou em mim quando ninguém mais acreditou. Eu era condenado por ter matado meu próprio mestre, na invasão de Noxus. Ela veio me procurar, ela me consolou e me abrigou... Ela era uma mulher incrível.
Senki nada respondeu, apenas deu um sorriso em gratidão. A garotinha vastaya se pôs a frente e deu um largo sorriso.
—Ei, ei, garoto, qual seu nome?! –Perguntou ela se inclinando para frente.
—Senki...
—Prazer, Senki, sou Kyureni! Mas você pode me chamar só de Kyu! Vem! Vamos brincar!
Kyureni pegou a mão de Senki e o arrastou para quintal da casa, onde começaram a brincar como crianças normais fariam. Aquilo deixou Senki extremamente feliz, era a primeira vez que alguém de sua idade o chamara para brincar junto, e toda aquela diversão o fez esquecer dos problemas da guerra.
—Yasuo, Taliyah... –Começou Irelia, enquanto se sentava em uma das cadeiras da sala da casa de Yasuo. —Ele precisa de um lar. Não posso manter ele em Navori, problemas aparecem o tempo todo por conta dessa guerra... E ele perdeu tudo, Gidwin morreu na batalha dos portões de Demacia, ele precisa de uma família nova.
As pupilas esmeraldas de Irelia encontraram-se com os olhos de Yasuo, o qual suspirou e se ajeitou na cadeira.
—Taliyah já é quase uma adulta, então não vejo problemas com ela, ela sabe se cuidar muito bem sozinha. Kyureni é uma criança que carrega muita mágoa, mesmo parecendo tão feliz. Seus pais foram mortos por caçadores quando ela ainda era um bebê, e eu dei a sorte de acha-lá. E agora, o filho de Niviera... Minha casa acabara virando um orfanato, Irelia?
—Senki tem uma mente adulta. Conversei com ele durante toda a madrugada, e nunca vi uma criança como ele. Já leu todos os livros contidos na biblioteca de Demacia, as crianças do reino o renegavam por carregar traços ionianos. Pode ter certeza que ele não te trará problemas nenhum, além do mais, você não pagou sua dívida com Niviera... Não acha que essa é a hora?
Os olhos de Irelia continuaram fixados no rosto do homem, o qual olhou para Taliyah buscando alguma ajuda em sua decisão. A shurimane olhou para ele e acenou positivamente com a cabeça, o fazendo soltar um suspiro.
—O aceitaremos aqui, sim. Minha gratidão por tudo que Niviera me fez a anos atrás deve ser paga, e nada mais justo do que eu dar um recomeço para o filho dela.
—Sim... Você se apegará ao garoto facilmente, ele é um doce e inteligente, assim como a mãe era...
Yasuo sorriu e levantou-se, estendendo a mão para Irelia, que também se levantou e sorriu para ele. Assim, Senki passou a viver junto com Yasuo e as outras três meninas, sentindo o frescor da paz por mais algum tempo...
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