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História Guerra e Paz - XLVIII - Memórias de um passado esquecido - 4a temporada -


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


Capítulo do presente.

AVISO
1. Nessa quarta temporada, os capítulos se dividirão em 2 capítulos do presente, para 1 do passado.
2. Daqui nove capítulos, contando com o de hoje, em abril, quando a estória completar um ano de publicação, farei uma pausa de pelo menos um mês para reestruturação. Além disso, após a pausa, os capítulos passarão a ser quinzenais, ou seja, sairão uma semana sim e outra não, devido ao fato de que esse ano tenho dois TCC que fazer, além disso a estória está chegando em seu clímax, o que exigirá mais tempo para pesquisa e escrita.
Agradeço a todos os leitores desde já pela compreensão, e aproveitem pelas próximas semanas a frequência semanal!

Capítulo 49 - XLVIII - Memórias de um passado esquecido - 4a temporada -


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - XLVIII - Memórias de um passado esquecido - 4a temporada -

Capítulo XLVIII - Memórias de um passado esquecido -

Era dia 23 de janeiro, quinta-feira, tarde. 

- Eu sinceramente não sei porque o senhor Dohko insistiu que você permanecesse aqui, afinal, está perfeitamente bem.

- Desculpe o trabalho...

- Não foi isso que eu quis dizer.

- Eu sei.

O curandeiro respirou fundo, passando uma mecha de seus longos cabelos brancos e lisos para trás de sua orelha. Focando seus olhos azuis no infeliz jovem sentado em uma das duas camas desse aposento da Fonte de Athena.

- Soleil – Chamou em tom mais brando, sentando-se na cadeira ao lado do rapaz. – Você está assim por causa de Milo, não é? Você sabe que ele ficaria muito irritado se te visse desse jeito.

- Eu sei Irekuha, mas depois de três dias, ele continua completamente inconsciente. – Rebateu sem encarar o outro.

- E acha que se manter deprimido assim vai mudar alguma coisa? – Insistiu o curandeiro. – Escute o conselho desse canceriano, por mais que tenhamos quase a mesma idade, continuar deprimido e triste assim vai acabar abrindo uma passagem espontânea para o Yomotsu. – Levantou-se, olhando para a porta do lugar, como se notando algo.

- Isso é possível? – Espantou-se, nunca tinha ouvido falar nisso, mesmo em sua...Larga existência no mundo inferior.

Irekuha começou a rir.

- Claro que não! Estou apenas brincando!

Lune piscou, ruborizando-se um pouco por cair numa brincadeira tão ridícula, mas isso passou para segundo plano, quando descobriu o que havia chamado a atenção do albino. Pela primeira vez em sua vida como Soleil Sintès pôde sentir. Era como uma pequena vela acessa em meio a escuridão do Érebo, suave e calorosa, aproximando-se calmamente.

- Meu irmão está vindo para cá – Informou o curandeiro, ignorante ao fato de que já há três dias o civil ao seu lado, finalmente, tornou-se capaz de sentir o cosmo das pessoas. – Sei que senhor Dohko me inqueriu de te vigiar até enviar outra pessoa para fazê-lo, mas eu realmente preciso ir para Atenas, e com o estado de atenção que está o Santuário, eu só posso fazer isso com escolta. – Declarou parecendo realmente irritado – Eu sei que não possuo uma armadura, mas isso não significa que não saiba me defender, simplesmente preferi o caminho da cura ao invés da batalha.

-...Por que você precisa ir para Atenas? – Perguntou por perguntar.

- Alguns dos nossos equipamentos desapareceram, eu e os demais aprendizes procuramos por toda a parte, eles servem para transfundir o sangue, e como Milo ainda está se recuperando de uma hemorragia interna, não podemos nos dar o luxo de ficar sem esse tipo de coisa. – Seu corpo tremeu ligeiramente, como se tivesse se lembrado de algo terrível – Além disso, eu quero resolver esse assunto antes de que o mestre Kiki fique sabendo, eu realmente não quero vê-lo irritado.

- Eu nunca vi ele sequer nervoso alguma vez. – Comentou, sentindo sua curiosidade apertar, em sua lista de “Os mais perigosos se irritados” em qual escala Kiki poderia ficar? Mas essa ideia logo evaporou de sua mente ao lembrar-se que Dohko havia queimado seus cadernos.

Contudo, o canceriano assumiu uma postura sombria.

- Jamais queira vê-lo assim, sério, se tem algum amor por sua vida!

- C-certo...- Disse engolindo em seco.

- Pela cara que você está fazendo, está falando do senhor Kiki irritado de novo, meu irmão, você definitivamente tem um trauma – Da porta entrava uma figura exatamente igual a Irekuha, mesmo rosto, cabelos e olhos, a única diferença eram suas roupas, Irekuha vestia uma bata branca de médico, seu irmão gêmeo, em contra partida, usava a reluzente armadura de prata de Altar.

- Boa tarde Egas – Cumprimentou Soleil educadamente.

O jovem aproximou-se com um sorriso, e sem aviso, deu um pequeno soco na cabeça do norueguês.

- Se recupere rápido, certo? Todos estão muito preocupados contigo senhor mensageiro.

Lune ruborizou-se novamente, embora fosse por outra razão, baixando a cabeça, sentindo-se terrivelmente culpado, de certo modo, estava enganando todas essas pessoas.

- Na verdade Soleil já está bem – Explicava seu gêmeo enquanto Egas lançava um olhar triste para o leito de Milo, que seguia inconsciente – Eu estava a pouco justamente me perguntando porque o senhor Dohko insistiu que ele seguisse aqui, e que não ficasse sozinho, isso também nos leva ao X da questão, senhor Dohko disse a ele que mandaria alguém para acompanhá-lo, mas até agora ninguém apareceu. Eu não posso sair até que esse alguém chegue.

- Me perdoe pelo trabalho – Repetiu pelo que deveria ser a centésima vez.   

- Não é culpa sua – Tranquilizou o recém chegado, caminhando até Escorpião – E quanto ao senhor Milo? - Os ombros de Irekuha caíram, se limitando a balançar a cabeça. Soleil sentiu como se a espada do submundo repentinamente tivesse sido cravada em seu coração. – Entendo – Se limitou a dizer – Então vamos esperar, é tudo que podemos fazer.

- Egas... – Precisava mudar de assunto – Desculpe, eu sei que não é da minha conta, mas você pertencendo a elite de Prata, não é arriscado que deixe o santuário durante um estado de alerta?

Altar sorriu, estufou o peito e começou uma cômica imitação de voz imponente.

- “Nossos curandeiros, nessa situação, são tão importantes quanto o mais habilidoso cavaleiro dourado, não podemos nos dar ao luxo de colocar qualquer um deles em risco!” – Soltou a ar, sorrindo do bufo de seu irmão – Essas foram as palavras do Grande Mestre.

- Esse Grande Mestre – E foi a vez de Irekuha ruborizar-se envergonhado.

Os três então notaram uma presença próxima.

- E ele está certo, numa guerra, vocês, provavelmente, possuem o trabalho mais importante. – Soleil engoliu em seco, reconhecendo aquela voz, aquela face tranquila, porém não de suas lembranças no santuário, as reconheceu de algo ainda mais distante.

Como não havia notado isso até agora?! Era como se houvesse algo que o impedisse de ligar as duas pessoas. Entrava na grande enfermaria a figura de Suikyo de Taça, trajando sua armadura, que soava extremamente estranha aos olhos de Lune, agora que sabia que essa pessoa se tratava de ninguém mais, ninguém menos, que Aiacos de Garuda, um dos três juízes do submundo.

- Boa tarde a todos – Disse em seu  tom educado de sempre, contudo, lançando um olhar apenas para os gêmeos, como se Soleil não estivesse ali, ou não pudesse vê-lo. – Mestre Dohko me enviou, eu cuidarei de Soleil de agora em diante, podem ir tranquilos.

- Falando em elite de prata – Comentou o curandeiro lançando um olhar desconfiado para Soleil, e logo para Suikyo – Eu definitivamente não entendo o que se passa na cabeça do senhor Dohko para de tantas pessoas nesse santuário enviar logo você.

O jovem de cabelos azuis deu de ombros.

- Acho que ninguém entende. Mas a razão de eu estar aqui é simples, Soleil é nosso mensageiro, uma grande fonte de informação caso caia em mãos erradas, mantê-lo próximo e seguro do santuário, sob proteção, impediria que nosso inimigo invisível pudesse atingir nosso “ponto fraco”. Sem ofensas Soleil – Explicou com simpleza–  Também é nosso dever como cavaleiros de Athena proteger nossos amigos, não é?  

Mais tranquilos, mas não completamente convencidos, os gêmeos deixaram a Fonte de Athena, os outros dois então ficaram sozinhos.

Lune engoliu em seco, apertando os lençóis do leito contra seus dedos, Dohko não poderia ter escolhido alguém pior para ficar com ele.

- Então...Você se lembrou de sua vida anterior, como espectro – Pela primeira vez desde que entrou na sala, Suikyo lançou um olhar direto para o norueguês, um brilho diferente passando por seus olhos.

Reconhecimento.

- O que me intriga, no entanto, é como eu não sabia quem você era, apesar de tantas vezes que nos vimos antes.- Seguiu.

- Eu tampouco sabia minha...Identidade – Defendeu-se, apertando a manta com mais força. – Eu não estava escondendo de ninguém ou coisa parecida, eu realmente não tinha-

- Memórias de quem você era, eu sei, comigo foi o mesmo.

Soleil ampliou seus olhos surpreso.

- O quê?

- E mesmo que eu já tendo minhas memórias há algum tempo, eu ainda assim não consegui te reconhecer, apenas tive a impressão que já nos havíamos visto antes, ao contrário do que aconteceu quando me encontrei com Violate. – Sentou-se na cadeira que antes foi ocupada por Irekuha – Sem dúvida, o novo senhor do submundo fez algo para que isso aconteça, se fosse para apostar, eu diria que ele pediu ajuda as deusas do destino, um fio do destino tocado com o poder delas, poderia bloquear informações de uma vida inteira mesmo para outras pessoas. Essa é a explicação mais lógica do porquê mesmo os cavaleiros que me viram no passado tampouco recordaram-se de mim.

- Espere um pouco! – Exclamou Lune completamente chocado – Então você...!?

Suikyo sorriu, o mesmo sorriso cínico tantas vezes visto no rosto de Aiacos.

-  Se eu lembro-me de minha vida como um dos juízes do submundo? O espectro Aiacos de Garuda. Sim, recuperei minhas memórias há quase um ano.

-.-.-.-     

Era inicio da noite quando Camus chegou a Fonte de Athena, deparou-se apenas com Suikyo, sentado ao lado de seu filho adotivo, este estando incrivelmente pálido.

- Suikyo – Cumprimentou secamente – Então Dohko enviou mesmo alguém para cuidar de Soleil, por mais que eu tenha dito que não é necessário.

Lune levantou o rosto, não foi capaz de encarar diretamente o aquariano desde que acordou, pois não teve coragem suficiente para questioná-lo se o velho libriano havia revelado sobre sua verdadeira identidade.

- Soleil não é um simples civil, ele é um de nós, pelos exames médicos ele caiu devido a exaustão, porém, é muita coincidência que isso tenha acontecido no mesmo dia que dois cavaleiros foram atacados. Não apenas é da vontade do Grande Mestre proteger todos seus homens, como também seria muito arriscado deixá-lo sem proteção, o inimigo pode usá-lo de refém ou extrair dele informações importantes do santuário, mesmo que eu duvide que Soleil revelasse qualquer informação mesmo que fosse cruelmente torturado, preferimos evitar a possibilidade que isso aconteça.  – Explicou em tom grave o cavaleiro de Taça.

Lune levantou a cabeça, essa havia sido basicamente a mesma “desculpa” que havia dado aos gêmeos de câncer. Isso significava então que Dohko não havia revelado a verdade a seu pai?! Sabia que ele não o faria para Milo, para poupar sua saúde, mas imaginou que com o velho aquariano seria diferente.

- Eu não permitiria que algo assim acontecesse – Declarou em seu tom severo habitual. Com isso o mensageiro reuniu coragem para encará-lo diretamente pela primeira vez desde que descobriu sobre seu passado. O francês estava pálido, mais pálido do que jamais o viu em toda sua vida, possuía olheiras marcadas abaixo dos olhos, além disso, seu costumeiro olhar vazio estava preenchido por uma suave preocupação.

- Sabemos que não, mas você deixou de ser um cavaleiro e abandonou seu treinamento há basicamente vinte anos, sua resistência já não é a mesma, além do mais, você cuidar de um estabelecimento tão grande quanto a biblioteca Brilho de Esperança, e ainda assim vir todos os dias visitar Soleil, ajudar os aprendizes de curandeiro a fazer a higiene de Milo e colocar a sonda, é demasiado exaustivo. Tudo isso vai acabar te matando, não é preciso um exame profundo para notar que você está um passo de cair pela exaustão também – Levantou-se -Lembre-se que você não está sozinho Camus, isso é muito importante.

- Eu estou bem pai, sério. – Insistiu Soleil tentando sorrir – Eu posso cuidar da biblioteca amanhã – Olhou de canto de olho para Aiacos, que apenas confirmou a possibilidade. – O senhor pode ir descansar se quiser.

Camus não respondeu de imediato, analisando seu filho de cima a baixo, como se garantindo que o mesmo estava realmente bem, Lune não pôde deixar de notar que seu pai estava atuando diferente desde o incidente, parecia apreensivo e preocupado ao limite. Mas sinceramente, não podia culpá-lo, há dezenove anos ele vinha cuidando secretamente da doença de Milo, a possibilidade de que outra pessoa ao seu lado pudesse ficar doente devia ser uma pressão grande demais.

- Eu prefiro passar a noite aqui, mas aceito sua ajuda na biblioteca amanhã, uma nova encomenda de livros deve chegar cerca das oito.

- Então acho que vou passar a noite lá, assim não tenho que sair correndo. Algum problema? – O ex juiz negou com a cabeça. – Assim você pode descansar nessa cama, Suikyo tem razão, você parece realmente exausto.

- Tome cuidado com os livros. – Se limitou a dizer Camus, e pouco depois, ambos deixaram o recinto.

Soltou um longo suspiro estando sozinho, passando a mão por seus cabelos que pareciam mais secos. Nunca pensou que o estresse pudesse empurrá-lo tão longe. Definitivamente, como Taça havia dito, sua resistência de cavaleiro havia ficado no passado, desde que começou a cuidar de Soleil, negligenciou cada vez mais a rotina de treinamento, até abandoná-la quase que completamente quando a biblioteca foi inaugurada. Seu corpo era praticamente o de uma pessoa razoavelmente normal hoje em dia.

Levou a mão ao pescoço e de lá tirou o medalhão, abrindo-o. Encarou o pedaço de metal preto dentro dele. Tinha certeza que Soleil havia recuperado suas memórias como espectro, e desconfiava seriamente que Dohko também sabia disso. Embora Shiryu fosse preocupado com todos os seus homens, colocar uma guarda tão estrita como Taça só confirmava suas suspeitas.

Ainda assim, nenhuma acusação tinha sido feita até agora, cuidar de um inimigo nas terras da deusa provavelmente seria suficiente para uma pena de morte, mas não fazia o estilo do atual Grande Mestre. Realmente pensavam que ele não sabia quem Soleil era? Ou talvez estivessem esperando alguma coisa? Essa dúvida, somado ao estado de Milo, estava acabando com sua pessoa.

Sentou-se na cadeira ao lado do leito de Escorpião, ignorando a cama vazia ao lado, mesmo sendo um assento realmente desconfortável e duro, pegou um dos livros que havia trago consigo e começou a ler.

Horas se passaram até que Milo abriu os olhos lentamente, todo seu corpo doía, como se tivesse acabado de enfrentar uma horda de espectros sozinho, porém nada superava a intensa dor em sua cabeça. Grunhiu, tentando levar uma das mãos em direção a fonte da dor, mas parecia que haviam pesos enormes impossibilitando seus movimentos.

Se não fosse o bastante, uma febre intensa corroía seu espírito. Estava prestes a enfrentar seu derradeiro final, era consciente disso. O verdadeiro problema não era esse, e sim, morrer de forma tão deplorável sob um leito de enfermaria. Sempre renegou tal fim, não seria nessa vida que aceitaria. Seu olhar, no entanto, quando finalmente conseguiu sentar-se, recaiu sobre a figura exausta de Aquário, um óculos quase caindo pela ponta do nariz, havia adormecido com um livro ainda em mãos, o que tornava a cena ainda mais nostálgica.

Continuou tentando erguer-se, e foram seus esforços que acordaram seu cansado acompanhante.

- Hmmm – Resmungou, tentando tampar seus olhos, conseguindo assim derrubar seus óculos no chão, e o barulho estridente foi suficiente para acordá-lo realmente. – Hmm...Milo?

Havia algo errado. Camus foi capaz de perceber com apenas um olhar, Milo estava sério, o observando de forma profunda, como se tentasse ver através de sua alma. Seus olhos possuíam um brilho diferente, refletiam melancolia, tristeza, raiva e, para sua surpresa, até mesmo temor.

- Como você se sente? – Escorpião não respondeu, desviando seu olhar para o livro que carregava.

- Você não muda – Sua voz estava rouca e desgastada.

- Você esteve em coma por três dias, eu passei algumas horas aqui, por isso trouxe algo para ler – Explicou simplesmente – Soleil esteve ao seu lado também, saiu quando eu cheguei.

Novamente, não obteve resposta.Tentou se esticar para sentir a temperatura do mais velho, porém ele se afastou de suas mãos.

- Seu cabelo parece mais azulado.

Camus franziu a sobrancelha, seria possível que Milo estivesse sofrendo com alguma confusão mental?

- Você se lembra de como veio parar aqui? – Tentou, preocupado.

 - Sua pele também parece mais pálida.

Aquário levantou-se.

- Eu vou procurar algum curandeiro. – Porém, com muito esforço, Escorpião conseguiu segurar o pulso de seu amigo. – Você não está bem Milo, deixe-me ir – Porém não forçou sua saída, tinha medo de que assim acabasse ferindo o outro de alguma forma.

- Eu sei, há séculos, que sempre morreria cedo, mas eu não me importo. Você deveria ter entendido isso já.

O francês abriu os olhos, surpreso.

- Do que você está falando?

Escorpião o soltou, um sorriso cínico, extremamente familiar, se formando em seu rosto.

- Eu disse que você serviria perfeitamente para trabalhar numa biblioteca.

- Milo...

- E no final das contas, Manigold ganhou a nossa aposta, Shion sobreviveu, não você.

A boca do mais novo escancarou-se, derrubando o livro que segurava, voltando a sentar-se com um baque, chocado.

- Não é...Não é possível.

-Há – Exclamou com sarcasmo- E pela sua reação, imagino que você também se lembre de quando foi Dégel de Aquário, entre outras vidas. – Com esforço conseguiu ficar de pé, de frente para o mais novo – Eu me lembro agora, de quando fui Kárdia, e morremos para recuperar o Oricalco, quando fui Zaphiri e tentei ressuscitar Poseidon e me suicidei por isso, ou mesmo quando fui Ruber, que foi executado por traição pelo velho Krest, quando, na verdade,eu estava sendo controlado pelas fadas do submundo*. Morri criança sendo Kuprita, e na guerra como Écarlate. Porém, o mais importante, é que eu me lembro de quando, há muitos séculos, fui Astéria, como invadi o submundo com a ajuda de Mortalha Estirpe e assim pude negociar diretamente com o juiz Aiacos por sua alma, quando me lancei no Flegetonte e toda essa história de consecutivas mortes prematuras começou.

Antes mesmo que Camus pudesse processar toda essa informação, um soco acertou em cheio seu nariz, derrubando-o com a cadeira para trás.

- E que fique claro que se autodestruir, auto-punir, como andou fazendo, é uma péssima forma de me agradecer! – Colocou com fúria, ignorando a febre, a tontura e a dor, seus olhos em brasas, como as chamas do próprio rio de fogo. 

-.-.-.-

 Peter-Radamanthys pegava uma bebida numa máquina do hospital, colocou a nota de dinheiro e apertou um número qualquer, sem dar realmente importância para o que escolhia.

Estava preocupado, já haviam se passado três dias e não teve sinal algum de seu irmão, ou melhor, de Valentine. Sua irmã mais nova já havia ligado pelo menos três vezes perguntando dos dois, e estava ficando sem desculpas para despistá-la.

Se não voltasse mais ao submundo, como havia dito a Eurídice, então talvez nunca mais o visse. O que diria ao seu pai? E para sua irmãzinha? E desde quando essas coisas eram suas preocupações primárias?!

Olhou para o vidro da máquina, que refletia fracamente seu rosto, estava evidentemente cansado, tenso e preocupado. Seria mesmo capaz de seguir sua vida, apesar das suas lembranças do submundo?

E, em contra partida, seria capaz de abandonar realmente o reino que serviu tão lealmente durante tantos séculos?

“Hades está morto” – Repetia uma e outra vez em sua cabeça. “Você sempre foi leal a ele, e ninguém mais”.

Era verdade, esse Shun, a maldita reencarnação de Alone, nunca seria seu senhor, ele provou na penúltima guerra que era um sujeitinho instável e fraco de caráter, jamais perdoaria a forma covarde que tentou matar Pandora. Além disso, na última guerra, ainda teve a audácia de ser um cavaleiro de Athena e expulsar o senhor Hades de seu corpo.

Era escória da pior espécie, nunca seria capaz de servir um homem desses.

Mas e quanto a Valentine? Ele havia feito seu próprio juramento a Hades, mesmo que por várias vezes pareceu mostrar-se bem mais leal ao seu comandante do que ao próprio deus. Será que ele escolheria ficar no submundo, ou retornaria para casa?

E se fosse a segunda opção, seria por sua causa? Ao menos uma vez, em meio a tantas vidas, queria que Valentine fosse egoísta e fizesse sua decisão pensando apenas em si mesmo.

No entanto, ao mesmo tempo, sentia um aperto no peito ao pensar que seus caminhos se separariam definitivamente. Sempre reencarnaram próximos um do outro, amigos, primos, servo e senhor, mas era a primeira vez que nasciam como irmãos. Ainda assim, mesmo sem suas memórias, Valentine-Victor seguiu sendo-lhe tão leal quanto sempre, apesar de suas atitudes. 

Mesmo a sua lealdade era pálida comparada a do outro espectro, que apesar de ter sido morto por ele mesmo na penúltima guerra santa, por ofender Pandora*, ainda assim se manteve leal ao seu comandante na guerra santa seguinte, quando foi morto por Seiya.

- Você ainda está aqui? – A voz de Pandora o despertou de seus devaneios, sequer havia notado o momento que seus pés o tinham levado de volta ao quarto da jovem de cabelos cor de ébano.

Ignorando a hostilidade dela, sentou na cadeira ao lado do leito.

- Eu não tenho nada melhor para fazer, então me registrei como seu acompanhante, meu irmão ainda está em cirurgia, então eu vou esperar aqui em seu quarto até ele sair da UTI – Mentiu, abrindo a latinha que havia comprado. – Quer um pouco?

Ela aceitou, bebendo um gole e fazendo uma careta.

- Argh,  odeio essa marca – Resmungou devolvendo – Eu sinto muito pelo seu irmão – Acrescentou um pouco mais simpática – Eu sempre quis ter um, me refiro a um irmãozinho menor do que eu, qual é a sensação?

Peter ergueu a cabeça olhando diretamente para aqueles olhos negros, lembrando-se de tudo que eles haviam sofrido, por sua dona, a cada reencarnação, estar destinada a ser a irmã mais velha de Hades.

- Eu tenho dois, Victor é o do meio. – Respondeu mecanicamente – Ter irmãos é...Complicado. Às vezes, muitas vezes, você vai desejar ter sido filho único, mas se você tiver sorte, em dadas situações, eles serão...Pelo menos suportáveis.

- E eu que pensei que você fosse terminar com algo como “eles são os melhores amigos que você terá” ou alguma coisa clichê assim. – Colocou com sarcasmo.

- Não há porque iludir as pessoas com belas palavras. – Declarou simplesmente.

- Um cara realista, que lindo – Respondeu com ironia – Então senhor acompanhante, se não se importar, eu irei dormir agora, já está tarde. Não é toda a semana que você sobrevive a um ataque terrorista. - Dito isso ela virou-se de lado e se dispôs a dormir, não sem antes acrescentar, em tom baixo – Não se preocupe, seu irmão irá melhorar.

Não respondeu, apenas observando a lata em suas mãos, que esquentava aos poucos devido a sua temperatura corporal, perdendo-se em lembranças.

-Pandora, aquela que soltou os males para a humanidade? – Questionou, ajoelhado abaixo da escadaria do trono de Hades.- Ela não estava no Tártaro?

- Estava – Respondeu o deus, de olhar distante, sentado em seu trono numa forma astral, cortinas cobrindo seu rosto. – Porém desde nossa derrota contra Athena, decidi que reorganizaremos a estrutura dos espectros, como um verdadeiro exército. Para tanto, precisamos de um general.

- Pretende fazer dessa vil mulher uma general, meu senhor?! -Exaltou-se Minos, na mesma posição que Radamanthys.

- Pandora foi moldada, por ordem do meu irmão Zeus, com os mais sublimes caprichos e dons, ela, melhor que ninguém conhece a podridão humana, já que foi a responsável por esta existir, ao cair numa artimanha de Zeus. Com nossa guerra, Athena me mostrou o quão repugnante os humanos se tornaram desde então com o passar dos séculos, não vejo melhor figura para ajudar a purificar a terra, do que aquela que a corrompeu.

- Senhor – Aiacos pronunciou-se, ajoelhado como seus meio-irmãos – Crês realmente que a única solução para a denegrição humana seja um enorme genocídio? Penso que, alguns humanos ainda possam ser salvos.

Os outros dois olharam expectantes o juiz de cabelos azuis.

- Aiacos, sempre foste meu juiz mais ponderado. Porém viste com teus próprios olhos as almas que julgastes nos últimos anos. Podres, imundas, indignas. Crês que a terra terá alguma esperança sendo permeada por seres assim? - Questionou Hades em tom perene. 

O homem abaixou ainda mais sua cabeça.

- Não, meu senhor.

- Está decidido. Trarei Pandora do Tártaro, a partir de então, a cada reencarnação, será seu destino e culpa presidir nosso exército. Isso é tudo -  E então sua figura se desapareceu.

- Pandora... – Repetiu Radamanthys, curioso, levantando-se.

- Eu não acredito! – Declarou com desgosto Minos, erguendo-se também – Uma mulher, general! Ainda mais a suja Pandora, dessa vez eu não entendo o que o senhor Hades está pensando.

Aiacos, por sua vez, se mantinha ajoelhado, encarando o trono, como tentando encontrar algo.

- O que foi Aiacos? – Questionou Radamanthys.

- Desde que reencarnamos, eu sinto que falta alguma coisa aqui no submundo – Disse, finalmente ficando de pé.

  - Isso é óbvio – Concluiu Minos – Tudo ficou destruído depois da investida daquela meretriz, Athena. Os campos Asfódelos foram completamente derrubados, o Tártaro se mesclou com o Cócitos que congelou, e desde que aquela amazona, Astéria, se lançou no Flegetonte, ele se transformou num rio de sangue fervente. Pouco foi o que se manteve como antes.

- Não me refiro a isso, sinto que falta outra coisa...Ou alguém -  Seguia encarando o trono solitário de Hades – Talvez nosso senhor sinta o mesmo, por isso decidiu por trazer Pandora.

- Seja como for, não vale de nada seguirmos a discutir isso – Seguiu o de cabelos brancos – Hades já anunciou sua decisão, como seus servos leais, tudo que podemos fazer é acatar. Por hora, devemos retornar ao salão do juízo.

Nenhum dos dois respondeu ou questionou, e suas figuras simplesmente se desfizeram.

-.-.-.-.-.-

Um portal negro se abriu no quarto branco do hospital grego, mas o homem sentado no leito, de cabelos azuis escuros e pele bronzeada, não pareceu assustar-se enquanto a luz desaparecia de seu olhar e seu corpo pendia para frente, como se fosse um simples boneco.

Do círculo surgiu primeiro a figura de um homem de pele pálida e cabelos azul celeste, a escuridão era grande suficiente para ele passar-se sem que sequer tivesse que abaixar-se.

Ao seu lado, flutuava uma chama negra e branca que se encaminhou até o peito do homem sentado, desaparecendo em seu interior, até que este começou a se reerguer mostrando uma expressão vívida e preocupada.

- Acha que Daidalos tem razão? – Questionou Orpheé sentando na reclinável e confortável cadeira ao lado do leito. – Sobre sua antiga companheira, June.

Shun, no corpo de Astrapí suspirou longamente.

- Ele esteve vigiando os espectros do santuário. Além disso, ninguém conhece June como ele, nem mesmo eu, uma vez que a adotou quando ainda era uma criança. Aiacos como Suikyo comentou quando a viu que ela parecia bem mais jovem do que dizia, de fato, isso fez Daidalos ver com maior atenção, e mesmo ele acredita que ela não tenha envelhecido nada nos últimos vinte anos.* – Fechou seus olhos, soltando um longo suspiro – Uma vez que nosso inimigo é o próprio tempo, não podemos deixar um detalhe assim passar em branco.

- Mas o que Chronos conseguiria impedindo sua antiga companheira de envelhecer? – Questionou curioso o músico.

- Eu não tenho certeza, talvez ele planeje usá-la contra mim.

- Por que justamente ela? O que possui de especial? – Contudo, sua pergunta foi respondida sem palavras, quando a face de Astrapí ficou ligeiramente ruborizada e soltou um longo suspiro, que o grego sabia identificar muito bem – Aaah, entendo – Terminou com um meio sorriso.

- D-de qualquer forma, precisamos ficar atentos. – Sua expressão ficou séria – Kairos é o único capaz de nos dar a certeza se seu irmão fez algo a ela ou não, mas enquanto June permanecer no santuário, não podemos nos aproximar. Então, por hora, eu o enviei para outra missão.

- Por que você parece confiar tanto nele, mesmo Daidalos não crê que ele seja de confiança.

Contudo, não obteve resposta, uma vez que ambos sentiram três cosmo energia aproximando-se.

- Falando em Kairos, ele me disse que eles queriam falar comigo – Anunciou Shun. O som de batidas na porta – Entrem.

Três figuras cruzaram o umbral, Sorento, ainda numa cadeira de rodas, Io, que o empurrava, o qual não apresentava nenhum arranhão, então o último a entrar fechando a porta foi Bian, que possuía algumas faixas e curativos pelo corpo.

- Boa tarde, trouxemos um presente – Adiantou-se Io, de mal grado, entregando a Shun uma garrafa escura e uma taça.

- Boa tarde e muito obrigado – Cumprimentou Shun educadamente observando o objeto e então voltando-se ao terceiro a entrar – Você é Bian de Cavalo Marinho, estou correto? Fico feliz que já esteja de pé.

O homem de longos cabelos castanhos, olhos verdes e pele clara, confirmou com a cabeça, fazendo uma reverência extremamente sutil.

- Devo dizer que estou honrado e surpreso em medidas iguais em conhecê-lo. – Declarou em seu tom brando – Sempre soubemos que Sorento escondia alguma coisa, mas jamais imaginávamos que fosse algo desse nível, muito menos que nosso verdadeiro senhor fosse Neroda, enquanto Astrapí...- Uma tristeza visível assumiu sua face, enquanto encarava o familiar e tão diferente rosto contrário – Que sua existência não tenha passado de uma ilusão é algo que ainda me custa acreditar. Ele costumava ser o filho perfeito, Senhor Julian sempre disse isso.

- Não é apenas uma ilusão comum – Se limitou a dizer Shun, entregando o regalo a Orpheé que abriu a rolha sem grande dificuldade e cheirou seu conteúdo. Contudo, não comunicou verbalmente seu senhor sobre o que se tratava.  – Eu dei uma parte de minha alma para este corpo. Boa parte do meu sentimento de reverência, o que me fazia sentir temor ou excessivo respeito para com o divino. Baseado em um fragmento assim, não é de surpreender-se que ele sempre foi uma ilusão obediente e submissa.

- Compreendo. – Declarou com tristeza – Você sendo agora um deus em seu próprio mérito, imagino que sentimentos assim ainda te ligavam a sua vida mortal.

- Eu não sou um deus. – Logo voltou-se ao espectro Orpheé, e acrescentou - Por favor. – Inclinou a taça ao músico, que parecia manter uma conversa mental com seu senhor.

Sorento não precisava ouvir o dialogo telepático para adivinhar o que era dito.

- Esse vinho não está envenenado, enfeitiçado ou qualquer coisa parecida – Garantiu o austríaco – Esse é um autêntico Domaine de la Romanee -Conti, pertence a uma das melhores vinícolas do mundo. Hades nunca foi um deus adepto a sacrifícios em seu nome, assumo que você tampouco, por isso partimos para o vinho, que era ofertado aos deuses desde sua criação, devido a seu vínculo com Dionísio.

...- Bem instruído como sempre, esse Sorento...” – Hades disse em sua mente “...- Ele seria um excelente espectro.”

“Concordo” – Disse simplesmente em sua cabeça.

Apesar de relutante, Orpheé serviu seu imperador.

- Perdoem a desconfiança de Orpheé. Pouco antes de Hades possuir meu corpo no submundo,  Orpheé enganou o deus levando a mim e o antigo Pégaso dentro de um suposto presente, um baú de flores. – Remexeu a bebida em sua taça sentindo o suave odor que ela expelia - Além disso. Da última vez que você esteve em um hospital junto comigo Sorento, era para tentar nos matar, o que poderia ter acontecido, se não fosse pela intervenção de Aldebaran.

   - Eu compreendo a desconfiança – Se limitou a dizer observando com um interesse renovado o espectro. Ele foi chamado de Orpheé, seria então, o lendário cavaleiro de prata Orpheé? Dito como o melhor e mais talentoso músico do santuário?

- Sim, é ele. – Se limitou a responder Shun sem encarar o mais velho. Sorento não se surpreendeu, Io havia avisado a todos que Shun era capaz de ler mentes, e sinceramente, já desconfiava disso. – Sabe – Confessou em tom mais ameno, curioso e juvenil, em contrapartida a tensão da sala – Eu nunca provei vinho antes, na verdade, nenhuma bebida alcoólica, afinal, deixei o mundo dos vivos ainda sendo menor de idade, e tudo que meu corpo original consumiu nos últimos vinte anos foi as "águas" do Flegetonte, para que ele pudesse se curar dos ferimentos que me mataram e assim poder voltar a abrigar minha alma.

- Mas o Flegetonte não é um rio em chamas? – Surpreendeu-se Io.

- Sim, e tem um gosto horrível, é como beber um vidro inteiro da pimenta mais forte do mundo, eu não me surpreenderia se meu corpo original não tivesse mais papilas gustativas. – E dizendo isso, sorveu o líquido alcoolico.

Era simplesmente a melhor coisa que já havia provado em toda a sua vida.

“...- Parece que tu puxaste meu gosto por vinho...” – Buliu Hades.   

"- Já estava sentindo falta de seus comentários, você tem andado muito calado"

Hades não respondeu imediatamente, como se estivesse escolhendo as palavras certas para dizer.

"...-Não há muito mais a ser dito..." - Comentou em tom sereno "-...Passamos muito tempo unidos por projeção astral, tu já compartiste grande parte dos meus conhecimentos, além disso...”

“-Além disso?”- O animou a continuar.

- É do seu agrado? – Contudo a voz de Bian chamou sua atenção.

“-...Conversamos em outro momento.”

- Sim, é agradável. – Respondeu em tom tranquilo, balançando o pouco liquido restante na taça – Mas não acredito que receberia algo assim sem uma razão maior por trás. – Bebeu o restante em um único movimento, colocando a taça ao lado da garrafa, numa cômoda atrás de Orpheé – O que vocês esperam de mim em troca?

- E você não pode simplesmente ler nossas mentes e descobrir?- Questionou Io, claramente desconfiado.

- Poderia, mas nessa situação seria muito descortês da minha parte, você não acha? – Sorriu gentilmente, como costumava fazer quando era um cavaleiro, mas suas palavras contradiziam sua expressão, ou ao menos, essa era a impressão do chileno.

- Weón – Resmungou, cruzando os braços.

- Tenha um pouco mais de respeito – Ofendeu-se o músico que não precisava entender o idioma do outro para compreender sua intenção de ofender.

“-...Ele soa muito como o Radamanthys quando faz isso...-“ – Ironizou o antigo deus.

“-Coisas de escorpiano imagino, mesmo se parecerem tranquilos, eles se ofendem fácil”

- Está tudo bem – Retou importância – É normal que Io se sinta inseguro após descobrir sobre minhas ações ao longo dos anos, apesar disso, eu peço que confiem em mim, eu não sou o inimigo aqui.

- Isso é o que você diz – Tornou a resmungar, sendo repreendido por um olhar severo de Sorento.

Bian assumiu a frente.

- Havok acordou ontem pela manhã, a última luta foi muito desgastante para ele, porém ele já se encontra estável, mas os médicos acharam mais prudente mantê-lo em observação.

- Fico feliz em saber que ele está bem – Respondeu Shun com um sorriso sincero, voltado para Sorento.

- Tirando o excesso de energia por ficar tanto tempo acamado, está tudo certo. – Seguiu o austríaco.

- Por outro lado, Nero- digo...Poseidon.

- Pode continuar chamando-o de Neroda, tenho certeza que ele não irá se incomodar – Explicou em  tom cálido – Aliás, foi ele que escolheu esse nome, na última vez que conversamos antes dele reencarnar, eu apenas repassei seu desejo a Sorento, para transmiti-lo aos seus pais.

- Não foi fácil convencê-los. – Confirmou o músico.

- Quando nosso senhor Poseidon vai acordar? – Impacientou-se Scylla atropelando a conversa.

Shun respirou fundo, mostrando preocupação em sua face.

- É difícil dizer, aparentemente ele acabou esgotando todas as suas forças disponíveis no ataque da mansão, devo lembrá-los que, em suma, sua alma ainda está selada, conseguimos enfraquecer o selo, mas não destruí-lo. Se ele não despertou até agora, é porque não possui mais energias sobrando para tal. Eu tentei até mesmo me comunicar com ele através do mundo dos sonhos, e, no entanto, tudo que encontrei foi o breu. Ele está bem, apenas sua consciência parece estar completamente adormecida.

Os três mostraram espanto para a revelação.

- E você só nos comenta isso agora?! – Exaltou-se Io – Viemos te procurar há três dias! E aquele tal de Kairos disse que você só...Só possuiria o corpo de Astrapí durante a noite, esperamos, mas você não apareceu! Quando Julian e sua esposa voltaram correndo de sua viagem, preocupados com seus filhos, eles foram recepcionados por sua maldita ilusão!

“-Isso explica porque ele está tão nervoso”               

“-...Não é por menos...”

- ...Eu não espero que você entenda, mas este mundo precisa de um submundo, faz parte do equilíbrio do universo. Eu, como imperador de tal reino, não posso me ausentar dele por muito tempo, pois este depende da minha constante energia e presença, mesmo que espiritual, para manter-se estável. 

- Você tem razão, eu não entendo – Declarou com desagrado, sem desviar o olhar. – Como um lugar que só serve para torturar as almas pode manter o equilíbrio de alguma coisa?!

- As almas precisam de um lugar para ir após sua morte, caso contrário, ficarão vagando eternamente.- Explicou de forma neutra, sem se deixar exaltar – Acha que ficar preso na terra após sua morte, assombrando os mortais, é um destino mais consolador? Porém, nem todas as almas sofrem penas como você imagina. – Fez uma pausa, sorrindo de forma enigmática – Elas arrastam as correntes que forjaram em vida, que elas mesmas fizeram, elo por elo, palmo a palmo; elas próprias as guarneceram, e por isso, a usam por sua vontade. Não reconhece? – Ergueu o braço direito, e ao redor dele, moldadas em cosmo, surgiram correntes negras, muito similares as que usava quando era andrômeda – Io, sabe o peso e o comprimento das correntes que você mesmo usa?

O medo era evidente na cara do marina, por mais que tentasse esconder, por outro lado, Bian pareceu perceber algo.

- Charles Dickens. – O sorriso de Shun cresceu ainda mais – “A Christmas Carol”, a fala do fantasma de Marley para Scrooge, só que em terceira pessoa do plural.

- Quê? – O chileno voltou-se confuso para o companheiro.

- É um livro, um clássico inglês, Shun citou um trecho dele para você – Explicou Sorento, sentindo-se um pouco mais tranquilo, a igual que Bian – Ele está brincando contigo.

 -...Eu pensei que estávamos falando sério aqui! – Irritou-se Io batendo o pé.

O imperador tampou a boca, abafando uma risada.

- Você realmente se assustou! – Disse em tom alegre.

Io ficou vermelho, Bian também riu tão suavemente quanto Shun, Orpheé sorriu vencido, seu senhor havia conseguido mais uma vez.

- Francamente Io, você precisa ler mais – Recriminou Sorento em tom leve.

Antes que Scylla pudesse reclamar, Shun continuou.

- Porém, o que eu falei é verdade, não posso me ausentar muito tempo de meus domínios, Chronos sabe disso, por isso criou uma situação onde Neroda alcançasse seu limite. Os Telquines e os Halianos foram apenas uma armadilha, por isso, sequer possuíam informações decentes sobre mim. Para Chronos, eles eram descartáveis.

O clima voltou a ficar sério.

- Esse maldito – Rosnou o chileno.

- Com Poseidon adormecido, e comigo tendo que retornar frequentemente ao mundo inferior, ele está com a vantagem, restando em geral apenas Athena no campo de batalha. – Analisava, olhando de um para outro – Porém, como vocês bem sabem, é suposto que Athena é a deusa da guerra. Chronos pode nos desprezar por usufruirmos do tempo humano, ao invés do imortal, mas não nos subestima, não atacaria a deusa diretamente. Ele já tem alguém cercando as terras do santuário, mas este não atacará tão breve. Contudo, dois coletores receptaram uma informação que abre a possibilidade de que Chronos já esteja infiltrado nas terras de Athena de outra forma.

- Como ele poderia fazer algo assim? – Questionou Sorento.

- Chronos, ao contrário de seu irmão Kairos, não possui corpo físico, ele sempre foi uma divindade amorfa, o próprio tempo. Por isso pode ouvir quase tudo, pode estar em quase todo lugar.

- Quase? – Pontuou Bian.

- O santuário possui não apenas a proteção de Athena, como também de centenas de cosmo energias acumuladas dos antigos cavaleiros ao longo dos séculos, ele jamais conseguiria ultrapassar tal proteção em sua forma amorfa, teria que possuir o corpo de alguém, e, no entanto, sua alma é tão densa e pesada que mesmo um cavaleiro de ouro não seria capaz de resistir a possessão por mais que alguns minutos.

- Então como ele pode ter conseguido? – Foi a vez de Io perguntar.

-...Ainda não sabemos  - Confessou com tristeza – Por isso quero afastar Athena do santuário o quanto antes, por causa da essência da morte que envolve todo o castelo de Heisteim. Afinal, a morte é o que finda o tempo. Onde meu cosmo permeia, ele não pode entrar. Porém, mesmo isso, creio que ele soube usar a seu favor. Com o ataque da mansão, ele não apenas conseguiu invalidar Neroda, como também, constatar quantas horas eu sou capaz de permanecer no mundo dos vivos, baseando-se em quanto tempo minha presença o impedia de saber o que acontecia com todos vocês.

Os três pareciam impressionado com os enlaces do plano de seu inimigo.

- Mas então por que ele não voltou a nos atacar enquanto você não estava? – Sorento foi o primeiro a se recuperar da impressão.

Shun sorriu, um sorriso um tanto perturbador.

- Porque ele não é o Tempo Oportuno, que observa e ataca no melhor momento, ele é Tempo Constante, ele tem a necessidade de planejar tudo observando o todo, e do todo para os detalhes, o oposto de Kairos, que se foca nos detalhes para atingir o todo. Ele não virá aqui e simplesmente atacará Poseidon, não, ele prefere deixar o tempo correr, ver como o senhor dos mares segue incapaz de acordar, observar de camarote enquanto vocês se desesperam por sua ausência, percam a fé e se desmoronem por si só.

- Ele quer que sejamos vencidos pelo tempo, em todos os sentidos -Completou Bian.

- Exatamente.

- Eu acho que não entendi – Confessou Io confuso.

Sorento respirou fundo e ergueu a cabeça para encarar seu companheiro de cabelos róseos.

- Basicamente, ele é do tipo sádico que gosta de observar, e não agir diretamente. De certa forma, ele já nos considera vencidos.

- Esse maldito!

- Sempre planejar o todo, é o ponto forte, e ao mesmo tempo, o ponto fraco de Chronos. Por isso, para vencê-lo, devemos nos focar nas oportunidades que se apresentam. – Explicou com seriedade - Agora, precisamos de uma forma de romper o selo de Poseidon, para que Neroda recupere todos os seus poderes. O problema é que há apenas três meios disso acontecer. Primeiro. O selo deve se romper após dois séculos, obviamente essa não é uma opção. Segundo. Athena desfazer o selo, sinceramente, não podemos contar com isso tampouco. E o terceiro meio...

- É que um cavaleiro de Athena o faça. – Completou Sorento, inevitavelmente lembrando-se de Kanon.

- Exato, porém para tanto, o selo tem que estar enfraquecido, isso ao menos, eu pude fazer. Agora precisamos que um cavaleiro, por vontade própria, arranque o selo da ânfora.

- Você não poderia fazer isso? – O austríaco voltou-se para Orpheé, que se mantinha quieto, como se não estivesse mais ali.

- Ele já foi um cavaleiro também? – Surpreendeu-se Scylla observando melhor o grego. – Minha nossa, quantos cavaleiros você levou para seu lado, Shun?

- Seis cavaleiros e uma amazona. – Respondeu com um sorriso inocente.

- Eu não posso fazer isso, minha alma está vinculada a de Shun, não possuo mais um poder compatível com Athena – Explicou simplesmente o de cabelos celeste.

- Dos sete, apenas dois seriam capazes, pois suas almas não estão ligadas a mim, contudo, nenhum dos dois aceitaria remover o selo de boa vontade, por não confiarem em Poseidon. Mesmo que eu tivesse como ordená-los a fazer isso, não funcionaria, porque não partiria de suas vontades.

- Quer dizer que estamos dependendo de um cavaleiro traidor para reanimar Poseidon?! - Exaltou-se Scylla.

- Infelizmente sim, mas existem quatro cavaleiros no santuário que talvez possamos convencer. – Fez uma pausa, servindo-se a si mesmo novamente de mais um pouco de vinho. – E há também outro problema, a razão pela qual vocês me presentearam com tão fina bebida, não é mesmo?

Sorento então se pronunciou.

- Kasa está bem, apenas se recusou a vir conosco. Isaak e Krishna por outro lado – Sua expressão assumiu um enorme pesar – Isaak teve ferimentos muito sérios, pode levar meses para se recuperar, já Krishna... Seu coração foi parado por muito tempo por seu adversário. Ele está em coma induzido, os médicos disseram que mesmo se ele sobreviver, ainda assim haverá muitas sequelas.

- Então dar-me o vinho foi um meio de pedir que eu ajudasse os dois? – Concluiu bebendo a taça lentamente até o final.

- Sim.

- Vocês sabem que eu não sou médico, não é? – Baixou a taça, voltando a colocá-la ao lado da garrafa.

- Mas você é um deus!  - Insistiu Io, apreensivo.

- Não, eu já disse que continuo sendo um humano.

- Mas possui os poderes de um deus – Interveio Bian.

- Isso é verdade.

- Então qual o problema?! – Scylla questionou enérgico, apertando as mãos sobre o apoio da cadeira de rodas de Sorento.

- O problema é que meus poderes são relacionados a morte, não a vida. – Declarou sério – Se vocês me pedissem para matar ambos, e assim poupá-los da dor, eu faria com facilidade, porém, eu não posso curar uma doença ou mesmo sequelas, no máximo eu poderia estender o tempo de vida deles, atrasando sua morte, contudo, isso apenas prolongaria seu sofrimento.

Nenhum dos três disse nada, perdidos em suas próprias preocupações e receios.

- Contudo, há algo que vocês podem fazer, não é garantia que os fará sobreviver, na verdade, pode ser ainda mais brutal do que apenas deixá-los morrer tranquilamente.

- E o que é?- Perguntou Sorento, tenso.

- O sangue de Neroda. Dê um pouco do sangue dele para ambos. Como eu disse, será um processo extremamente doloroso e eles podem não sobreviver, mas caso consigam resistir, eles voltarão para vocês. Eu lhes dou essa informação em troca desse precioso vinho.

- Espere um pouco! – Exclamou o chileno, revoltado – Com o valor desse vinho você pode comprar um imóvel completo! É o mais caro vinho do mundo! Tem ideia do trabalho que deu conseguir isso?! E tudo que você nos dá por ele é uma informação?!

- Informações são muito valiosas – Declarou Shun em tom sábio, Orpheé se limitou a balançar a cabeça, seu senhor podia chegar a ser um bastante travesso. 

- ORA SEU!

- É suficiente Io – Deteve Bian – Obrigado pela informação – Agradeceu educadamente o cavalo marinho.

- Obrigado pelo bom vinho.

- Vamos embora, precisamos nos preparar para fazer o que ele disse. – Sirene chamou a atenção de Scylla.

O chileno resmungou, mas obedeceu, empurrando a cadeira de rodas para fora da sala, Bian já esperava com a porta aberta, quando Shun voltou a falar.

- Há outro problema, no entanto, que precisa ser resolvido, que vocês não ponderaram, provavelmente devido a preocupação com seus companheiros e senhor.

- Qual seria essa? – Inqueriu Io, impaciente.

- As escamas, elas foram quase que completamente destruídas. – Os três mostraram culpa ante isso.

- Acho que só a minha está em melhor estado – Seguiu o chileno.

- Isso significa que, finalmente, chegou a hora do filho da terra e do mar voltar às suas origens, ajudando aqueles que no passado foram seus amigos.

 

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Notas Finais


E o que fazer com esses plotwist,heim?

Suikyo já havia recuperado suas memórias! O que isso pode significar? Dohko saberá disso? Por que ele ainda não retornou ao submundo? Como é possível que Milo tenha recobrado as memórias de suas anteriores vidas? Como será a atuação dele, de agora em diante, frente a isso? O que decidirá Valentine? Seguir no submundo, ou voltar a terra com Radamanthys? Quem é o sétimo cavaleiro q Shun trouxe para seu lado? E quem são os quatros que podem vir a "trair" Athena e libertar Poseidon? Além disso, quem será o filho da terra e do mar mencionado por Shun?

* A tentativa de Zaphiri em despertar Poseidon, e a execução de um cavaleiro de Escorpião, pelas mãos de Krest de Aquário, são fatos canônicos de Lost Canvas, tudo que eu fiz foi nomear o cavaleiro morto por traição de Ruber, já que o nome do mesmo é desconhecido.
* Radamanthys matou com suas próprias mãos Valentine, em Lost Canvas, por este ofender e tentar atacar Pandora.
*A desconfiança de Daidalos sobre algo ter acontecido com June, foi evidenciada no final capítulo XIX - A Terceira Guerra dos Deuses -, enquanto Shun ainda atuava na mansão.

CAÇADORES DE PISTAS

Um determinado discurso desse capítulo já foi dito antes, mas por quem? Vocês lembram?
É incrível como as pessoas podem acabar mudando seus pontos de vista.


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