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História Guerra e Paz - Capítulo LXIII Corujas -


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


Edit. 17hs Dois pontos importantes!

1.Terminei a revisão do capítulo e as notas do autor (*). É incrível como nesse capítulo eu tive, em menos de doze horas, todo o retorno que o capítulo anterior não teve em duas semanas. Porém, ok, vocês votaram, os capítulos do passado ficam, no entanto, eu os farei menores de agora em diante, assim eles me custarão menos tempo, mas a qualidade se manterá a mesma.

2. Prestem muita atenção no começo desse capítulo! Podem não acreditar em mim, mas é um dos trechos mais importantes dessa estória! Ele une diversos fragmentos, espalhados entre vários capítulos, por isso, dessa vez resolvi ajudar vocês, no final, nas Notas do Autor eu coloquei nos (*) todos os trechos que são referidos, espero que isso ajude.

Capítulo 64 - Capítulo LXIII Corujas -


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - Capítulo LXIII Corujas -

Capítulo LXIII – Corujas.

- O que fazes em uma terra devastada como essa, viajante?

O homem encapuzado sobressaltou-se, inconscientemente escondendo seu rosto.

- Apenas fiquei sabendo que aqui jaz dois dos jovens que nos salvaram da ira de Poseidon, queria prestar as devidas homenagens - Disse simplesmente.

- Estranho, essa não é uma informação que a todos foi concedida.

Estavam em uma grande planície seca e sem vida, com exceção de duas rochas, irregulares, tiradas do terreno hostil numa tentativa de consagrar os rituais de sepultamento, e algumas flores para consolar os corações que lamentavam aquelas ausências de que estavam em um lugar melhor, mesmo que essa fosse uma grande mentira.

- Narciso está a desenvolver grandes habilidades no manejo de flores, principalmente de rosas embutidas com seu cosmo. - O recém-chegado conversou. Usava uma longa capa branca, uma túnica grega com detalhes finos e um capacete dourado que lhe ocultavam o rosto. - Embora não tão chegado fosse a esses dois, respeitava-os como companheiros.

Nas lápides frias, dois nomes se liam.

Astéria de Escorpião.

Erisictão de Aquário.

- Por que está a contar-me isso? - Questionou o encapuzado.

Ao invés de responder, o homem de trajares imponentes sentou-se ao lado de seu igual, sem manifestar importância em sujar o branco com a terra.

- Por tuas vestimentas posso dizer que tens alta patente, deverias maculá-las com a impureza da terra? - Questionou.

- Pela impureza dessa terra que esses dois não estão mais entre nós. E eu diria ser no mínimo peculiar ser referido como alguém importante por um deus como tu és agora, Épios.

O aludido então tirou seu capuz, exibindo seus longos cabelos negros e rosto claro.

- Como podes recordar-se quem sou, e saber como ascendi a deus, Sólon?

O ariano sorriu por entre a sombra de seu capacete.

- Moros, senhor do destino, apareceu perante minha figura. Disse-me que por desejo teu, e auxílio de teu pai, Apolo, pudeste apagar sua existência da memória de todos os nossos companheiros. Contudo, para que o fluxo correto do destino se cumpra, essas lembranças permanecerão comigo. - Fez uma pausa, sua expressão entristecendo e seu sorriso morrendo - Asclépio, devastado fiquei quando soube de tua decisão. Eri foste o primeiro que conheci, em outro momento, sentado ao chão como hoje, a vender minhas mercadorias.

- Este parece um passado tão longínquo agora.*- Interveio o médico baixando a cabeça. - Moros nada me disse sobre esta condição.

- Sim. Aquela Ânfora e máscara de teatro serão agora como um tesouro que eles deixaram para nós. - Seguiu o mercante - Eu só tive a oportunidade de conhecer Astéria e a ti durante o primeiro ataque dos Marinas*, recordo como se fosse ontem como vieste a sanar nossas feridas após os conflitos. Com ambos passando ao Hades e tu a ir-se. Me sinto sendo deixado para trás.

- No entanto, me pareces que Quílon és alguém digno de tua amizade e confiança. Vós tendes uma boa interação.

Sólon voltou a sorrir, mesmo que fracamente.

- Talvez de fato eu e Libra um dia possamos forjar uma amizade, mesmo que ele seja um espartano.

Ambos apreciaram o silêncio da presença contrária, observando o céu noturno. Presenciavam como Órion era perseguido por Escorpião pelas ordens de Apolo em pleno firmamento.

- Eu o conheci - Tornou a dizer repentinamente o médico - Órion, oculto de meu pai, minha tia, Árthemis, rogou que eu o trouxesse dos mortos, seu único e ilustre amor.

Isso fez o sábio voltar-se espantado a seu companheiro.

- Invadiste também o Hades? - Questionou temeroso.

Asclépio apenas negou com a cabeça.

- Não por minha vontade, mas eventualmente eu fui morto. - Disse em tom seco e frígido, que tão mal lhe caía. – Mas não, eu não trouxe Órion de volta aos vivos invadindo as terras inferiores, eu o ressuscitei usando uma habilidade que desenvolvi. Habilidade esta que foi arrancada de mim.

O sábio mostrou grande espanto a essa afirmação.

- Como é possível uma habilidade como essa chegar a existir em ti? – Colocou, e logo acrescentou preocupado - Eu senti tua constelação fraca, mas Athena disse-nos que não deveríamos de nos preocupar. Como tudo aconteceu?

Isso amargou ainda mais a expressão do médico.

- Não me admira tal atitude da deusa, ainda mais depois do que descobri sobre ela...E a família de Eri, mas não me peça que te conte isso amigo, colocaria em dúvida sua lealdade. Nossos caminhos se separaram depois do conflito contra Ares, eu não estava interessado em caçar o local onde o senhor da guerra se reclusou. Eu queria viajar e curar os feridos e mortos que a guerra santa havia deixado. Por esta razão discuti com Athena.

Normalmente haveria uma repreensão, uma alegação de blasfêmia, porém como esperava daquele homem, tudo o que recebeu em troca foi uma expressão de compadecimento.

- Isso explica tua ausência repentina. - Disse simplesmente.

- Tu entendes minha imprecação? - Insistiu com força - Uma vez que também abandonaste Poseidon?

- Minha escolha de abdicar de meu antigo senhor foi dolorosa, contudo, suas ações nocivas me obrigaram - Explicou, em tom lamentoso - Mas sim, eu vós entendeis. Minha decisão de seguir Athena em lugar de Poseidon, és algo que ainda me corrói o espírito, apesar dos pesares, sobretudo ao ver a queda de Atlântida, minha quase terra, pelas minhas próprias mãos. E mesmo Athena, a igual que meu antigo senhor, possuí ações exageradamente impetuosas algumas vezes, como a caça de Ares e a expulsão de Medusa, que me fazem temer pelo futuro.

- Athena apenas não és pior que Ares – Colocou o médico com repulsa – Veja o que aconteceu em Troia, a causa do ego das três deusas, tal terra foi completamente devastada.

- Contudo, ela, ao contrário dos demais deuses que deram as costas a humanidade, resolveu tornar-se mortal. – Ponderou Sólon com calma – Vivemos tempos difíceis Asclépio, emergimos não há tão pouco da era do caos, precisamos ter paciência e esperar que os deuses e seus castigos e vinganças diminuam com os anos conforme se afastam dos seres humanos. Nesse cenário, Athena és sem dúvida a mais propícia para defender a terra, porque ela é capaz de aprender conosco, capaz de entender a bondade, o amor e nossas fraquezas e forças, apesar de sua delicada personalidade. Entendo teus receios Épios, não obstante, precisamos dela, enquanto mantemos esperança que tempos melhores virão, afinal, não podemos lutar sozinhos contra todo o Olimpo.

O moreno parecia querer refutar essas palavras, mas argumentos lhe faltavam.

- ...Por isso és tão sábio Sólon. Pensas por todos e não apenas por ti, eu não pude fazer o mesmo. Talvez se o tivesse feito, meu destino teria sido diferente – Ponderou fechando seus olhos - Depois de me desentender com Athena, parti em viagem. Tentei convencer Astéria a seguir-me, mas ela negou-se, alegando que sua lealdade e vida pertenciam a Eri, como retribuição por salvar-lhe a existência. Erisictão, por sua vez, jamais abandonaria a deusa guardiã de sua Atenas. Por isso a meu pesar, parti só. Sempre guardarei comigo o lamento de não ter insistido mais que viessem comigo, ainda mais se soubesse que Athena planejava enviar uma alma pura como Eri ao Hades em busca de Aquiles.  

Parou seus dizeres, esticando a mão para tocar a pedra frio que continha o nome de seus companheiros, seus olhos claros tomando a aparência vidrosa, mas o liquido salgado não escorreu, apenas lubrificando seus orbe.

- Nenhum de nós era capaz de prever o que poderia acontecer. – Seguiu o ariano, colocando a mão no ombro do contrário.

- Longe me encontrava quando um conselheiro de Zeus contou a Athena que Ares se refugiou no submundo. Eu estava ressuscitando almas que sofreram a fúria dos deuses. Tal ato, no entanto, enfadou Hades, por subverter as regras da vida e da morte, e ele exigiu de seu irmão supremo uma atitude que detivesse meu labor.  O senhor dos deuses, tão ponderado como sempre, fulminou-me imediatamente com um de seus raios*.

- Foste morto pelo próprio Zeus? – Alegou impressionado Áries – Pensávamos que ele havia se ausentado de todas as decisões como essa ao partir para os confins do universo definitivamente.

- Parece-me que eu tive a fortuna de ser um de seus últimos julgados – Colocou com contrariedade. – Todavia, Athena pôde conseguir misericórdia dos deuses para apenas um de seus guerreiros caídos, haviam então duas opções, o lendário Aquiles, que a desobedeceu ao matar Heitor, e a mim que a desobedeceu por não querer uma nova batalha.

- Ela nos disse que o oráculo de Delfos previu que Pégaso teria uma grande importância no futuro próximo, por isso, por favor, não pense na escolha da deusa como uma ofensa pessoal – Interveio Sólon.

- De nada importa isso agora. E, no entanto, admito que fui tomado por um grande ódio quando soube de seu desígnio. Sem embargo, ela claramente escolheu o que qualquer deus da guerra escolheria. Aquele capaz de seguir lutando em seu favor. Por isso, claramente, enviou Eri por Pégaso.

Sólon baixou sua cabeça com pesar.

- Eu sinto muito, não imaginava que estavas sob tal situação.

- Eu estaria condenado a permanecer no mundo inferior, se não fosse pela interferência de Apolo. Ele buscou pelo apelo de Zeus para trazer-me de volta aos vivos. Contudo, estalou-se então a guerra entre vós e o submundo, e o deus supremo não quis se envolver. Não houve outra escolha senão aguardar o fim de tudo. – Suas mãos apertaram o túmulo com mais força, fazendo as juntas de seus dedos embranquecerem – Eu pude sentir a energia de Eri ao adentrar no mundo dos mortos, mas minha prisão me impedia de me comunicar com ele. Senti Astéria adentrar no reino em busca de Aquário, e incapaz assisti sua vida e alma esvaecer-se pelo rio Flegetonte que se tingia com seu sangue. – As lágrimas enfim correram por sua face – Eu vi o submundo tremer quando Aquiles atacou Hades*, eu presenciei o Cócitos congelando-se pelo suicídio de Erisictão*". E eu estava tão inábil quanto Prometeu preso ao rochedo, e ao mesmo tempo, sentia o remorso a comer-me o fígado como se fosse o próprio Titã. Apenas quando o mundo inferior se acabava em ruínas que pude ser libertado.

Ambos fizeram silêncio, perante ambas as pedras frias, com saudosos nomes gravados.

-...Me perdoe ter que tocar nesse ponto, mas nesse caso Épios, sabes o que aconteceu realmente a Astéria? – Questionou, voltando-se ao agora deus. – Eri, quando retornou do mundo inferior, estava tão abalado e desconexo, que fomos incapazes de extrair-lhe o que realmente aconteceu com Escorpião. O deixamos aos cuidados de Póllux, mas ele só pôde constatar como a loucura tomava conta do pequeno corpo, e nada pôde fazer para evitar seu suicídio.*      

- Não me admira – Sua voz era embargada e cheia de pesar – Qualquer homem sã enlouqueceria em seu lugar, frente a tamanho sacrifício. Eu soube realmente através de Hécate o que houve, ela, cuja passado a liga a primeira existência de Astéria, também lamenta tal fim* Erisictão era puro e nobre de alma, por isso Athena o enviou para buscar Aquiles no mundo dos mortos. Contudo, ele não possuía a frieza e impassibilidade para superar as tentações do reino inferior. Além de Aquiles, ele tentou levar consigo suas três irmãs e seu pai. Contudo, isso estava acima do que foi decidido pela piedade dos deuses, e desobedecia diretamente Aiacos, que havia concedido igualmente apenas a passagem de Aquiles, seu neto, e ninguém mais. Eri cometeu um dos piores crimes possíveis do reino de Hades, sua punição poderia ser ainda pior que as de Íxion e Tântalo.

O ariano levou a mão a seu capacete dourado, tirando-o, fazendo assim deslizar seus longos cabelos brancos, rosto jovem tingido de pesar, íris azuis claras como o céu da manhã e sem pupilas, e ao invés de sobrancelhas, dois pontos vermelhos sob os olhos.

-...Astéria jamais deixaria Eri ter tal fim. – Disse com um deixe de carinho – Ela se tornava feroz como um animal acuado quando se tratava da vida daquele que a salvou.

- Jamais. – Confirmou. Suas seguintes palavras saindo erráticas e carregadas de uma aflição palpável – Por isso ela desobedeceu a Athena e partiu para o mundo inferior com a ajuda de Mortalha Estirpe de Câncer, e assim pôde negociar com Aiacos a liberdade de Erisictão e Aquiles. Sua alma pelo erro de Aquário, de acordo com as leis do submundo, Eri deveria pagar por cada ser que tentou libertar, por isso, apenas uma vida não seria suficiente. Frente a isso, Astéria ofertou cada uma de suas reencarnações, até que tal dívida fosse cessada. Para firmar seu pacto, se lançou viva no rio de fogo, fazendo seu sangue correr por todo Flegetonte, e a cada reencarnação ela continuará pagando e pagando, através de enfermidades que tomarão sua carne. São cem anos para cada alma que Erisictão tentou libertar, porém a cada ciclo de 243 anos, Escorpião voltará aos vivos por não muito além de vinte anos. Levará milênios até que esse castigo tenha fim. E ao cabo de tudo, sua alma pode não suportar tanto tempo.

Quando findou esses dizeres, Asclépio curvou-se para a frente, apoiando-se na rocha sepulcral, lavando-a com a dor e a culpa que o corroía, seu corpo tremia e soluçava. Mesmo Sólon permitia-se prantear em nome desse grande sacrifício, de sua antiga companheira.

Os minutos se arrastaram enquanto as estrelas, já sem guia, assistiam o pesar que a ausência de um ente querido poderia causar.

-...Eu estive lá Sólon, e nada pude fazer, ignorante era do quão longe esses dois poderiam chegar. De que valem minhas habilidades de cura, se eu não pude salvar aqueles que mais quis nesse mundo? Eu amava Astéria e seu espírito nobre e indomável, e amava Erisictão como um pequeno irmão, desejava mostrar-lhes o mundo, e agora sequer serei capaz de vê-los mais uma vez, mesmo que reencarnem, não terei coragem de olhá-los nos olhos, pois fui tolo, dei as costas a ambos, eu disse que discordei de Athena porque queria salvar os demais, mas isso é mentira, eu apenas tento me ludibriar com essas inverdades, para essa culpa que perfura meu peito não me dilacere. Porque na verdade, meu objetivo era provar até onde se estendiam minhas habilidades, ter tempo de estudá-las e desenvolvê-las. O que um campo de batalha vertiginoso não me permitiria.  Fui soberbo em querer ser capaz de subverter até mesmo a morte e por isso Zeus me castigou*. Porém meu real castigo não foi a morte, meu castigo foi não poder evitar a maldição que recaí agora sobre meus mais queridos companheiros.            

-...Não é culpa sua Épios – Tentou consolá-lo Sólon, colocando uma mão em seu ombro – Mesmo nós éramos ignorantes de tamanho sacrifício.

- E... Que todos continuem na ignorância...

-...Como...?

- ...Astéria não fez o que fez para ser reconhecida ou louvada. O submundo fez um voto de silêncio quanto a isso, está entre suas estritas regras jamais expor os detalhes do reino e seus julgamentos para estrangeiros. Hécate só pôde dizer-me graças ao aval do próprio Moros.  E a pouco me disseste que foi este mesmo Moros que permitiu que tuas recordações sobre mim se mantivessem.  Isso só faz-me pensar que todos nós não somos mais que ínfimos fios no Tear do destino. – Fez uma pausa, limpando seus orbe lacrimosos com suas vestes – Por isso pedir-lhe-ei que mantenha sigilo de igual modo.

- Mesmo que me peça algo assim, não vejo como manter-me-ei inerte a essa informação. – Contestou franzindo a expressão – Se tal mal atingirá Escorpião a cada renascer, tal conhecimento prévio poderia poupá-los de muito sofrimento.

- Sei disso, contudo, ser ciente desta maldição condenaria ainda mais a consciência de Erisictão, e imporia um peso incalculável e obrigatório a ínfima vida de Escorpião - Respondeu com pesar – Não, os demais não devem saber desse suplício. Em troca de teu silêncio, conceder-lhe-ei meus mais variados ensinamentos, que adquiri nesta viagem que condenou meu destino – Dentre suas fardagens que ocultavam sua figura, retirou um grosso códex, cuja capa reluzia sua antiga constelação guardiã, e entregou-o nas mãos do primeiro Grande Mestre - Esta é uma forma mínima de tentar redimir-me de meus erros. Tu, como um mestiço, possuindo sangue tanto de Atlântida como da Lemuria e Mu, serás sem dúvida capaz de aprender muito desse livro, e desenvolver suas próprias habilidades curativas. Passe esse conhecimento a teus descendentes, e assim poderá amenizar o torturo das reencarnações de Astéria, além de poder ajudar outras vidas.

Sólon observou a grande obra entre seus dedos, abrindo-a e observando as folhas escritas e ilustradas pelo homem à sua frente, era palpável o esforço empregado em cada página.

- És um grande dever ter a posse de um códex do agora consagrado deus da medicina, ensinando em primeira mão seu labor. – Voltou a encarar seu dono – Não tens demasiada confiança em mim? Fui um comerciante, lembra? Que garantias tens de que não vá a aproveitar-me de tal oportunidade? Mais ouro do que existe no submundo teria em troca disso que me dás em mãos.

Em resposta, Asclépio apenas sorriu.

- Apenas me garanta que a propriedade desses escritos se manterá apenas em mãos como as nossas, que entendam que existe mais nesse mundo do que a lealdade aos deuses, não importa quantos anos isso leve.

O ariano fechou o códex.

- Eu prometo.

- Além disso – A vista do médico voltou-se ao horizonte – Eu não te disse como acabei ressuscitando e tornando-me divindade. Quando a guerra contra o submundo se findou, meu pai buscou novamente a Zeus. Porém, este havia desaparecido.

- Desaparecido?

- Sim, Ninguém no Olimpo sabe de seu paradeiro. Sem mais recursos, recorreu a Moros, que lhe atendeu prontamente. Hécate foi incumbida de guiar-me pela destruição desoladora do mundo dos mortos, nesse trajeto contando-me sobre Astéria e Eri. Quando me vi novamente entre os vivos, deparei-me com meu pai e Moros a esperar-me. Ali mesmo, ajoelhei-me frente ao senhor de todos os destinos, pedindo que minha existência fosse apagada da mente de todos, desvincular-me de uma vez por todas de Athena e Serpentário. Recomeçar como um deus que teria a eternidade pela frente. Moros aceitou, com a condição que eu jamais tornasse a ressuscitar os mortos, meu Pai Apolo ouviu tudo encantado, já começa a lhe enfadar os humanos. – Parou passando novamente os dedos entre os túmulos frios – Mas minha verdadeira razão, é agradecer a Astéria. Ela que se sacrificou sem hesitar, sem esperar reconhecimento, sem esperar nada, nada em troca, apenas em retribuição ao cuidado que Aquário lhe concedeu. Seu amor estéril é o que deveria guiar os verdadeiros médicos, e não o ego, deixar-nos ludibriar pela importância de nossa função. Ao lançar-se ao Flegetonte em tal ato de amor, ela não salvou apenas a alma de Eri, salvou também a minha, de mim mesmo. Sem saber desse sacrifício, minha alma eventualmente se mancharia e buscaria uma vingança cega contra Athena. Em reconhecimento à suas ações, decidi viver através dos milênios em peregrinação, sob meu nome humano Épios, mesmo que seja conhecido entre os deuses como Esculápio, viverei entre os humanos, apenas Apolo saberá de meus andares. Ajudarei os menos favorecidos, sem esperar reconhecimento, e a cada duzentos e quarenta e três anos, retornarei aqui, mesmo em segredo, e farei o possível para amenizar o sofrimento das novas vidas de Astéria e Eri. Essa é a razão pela qual desejei a imortalidade, para cumprir minha missão através dos séculos.

Quanto a isso, foi a vez de Sólon sorrir, também encarando os túmulos.

- Então, em respeito a teu juramento. Guardarei este códex junto aos nossos maiores tesouros, destinados as seguintes gerações, e manterei uma chama sempre acesa entre nós, para que tu sempre saibas encontrar o caminho de volta para casa, se algum dia quiser descansar de tão nobre missão. Assim saberá que, nas lembranças dos demais ou não, sempre aguardarei seu retorno, meu amigo.      

-.-.-.-

- Perdido em memórias? - Não se surpreendeu quando ouviu a voz atrás de si, já há algum tempo sentiu que estava sendo observado, porém mantinha uma distância prudente do santuário, por isso, mesmo que fosse um cavaleiro desconfiado não tinha porque temer.

No entanto, logo reconheceu a quem a voz pertencia.

- Já faz alguns séculos. Ouvi dizer que você está trabalhando para o submundo agora.

- Quem diria, as notícias ainda correm entre os deuses.

- É difícil não saber das novidades quando seu pai é o deus do sol. Pela metade de um dia ele sabe tudo o que acontece.

Estavam em um pequeno penhasco, que dava uma certa vista do santuário, mais apropriadamente de seu cemitério. Épios não se importou de virar-se para o recém-chegado, seus cabelos negros e extremamente longos brilhando contra o crepúsculo, sua pele bronzeada e seus olhos claros e profundos continuavam fixos no cenário do horizonte.

Ao seu lado, um homem alto sentou-se, cabelos castanhos claros, curtos e encaracolados e pele de tom mais pálido.

- Curioso como Apolo parece mais interessado nos humanos que seu antecessor Hélio. Mesmo dizendo odiá-los, segue pendente de suas ações, a igual que sua irmã Arthemis - Colocou acomodando-se.

- Conheça-os para julgá-los. Nisso que meu pai sempre acreditou Prometeu - Pela primeira vez voltou-se ao titã.

- E, no entanto, ele teve a ti, um humano, que serviu sua irmã Athena, para só então se tornar um deus, ele acredita que isso te faz menos humano?

- Sim, na verdade sim. - Voltou-se para a vista, as lápides que dessa distância pareciam pequenos grãos. - Porém, não importa quantos milênios passem, eu não posso esquecer minhas origens.

- Isso me recorda a história que me contou uma vez, há muito tempo, sobre como foi um cavaleiro de ouro, e perdeu dois preciosos amigos. Estou certo em supor que é isso que o traz aqui? - Questionou em tom casual.

Os ombros de Épios caíram, enquanto fechava seus olhos.

- Eu achei que você tinha me dito que não pode interferir diretamente nas lutas de Athena, essa não foi a condição que impôs seu pai?

-...Sim, eu não posso.

- Então...O que faz aqui? Seu pai não é a divindade mais indicada para se irritar, pergunte a Órion.

O deus não respondeu a princípio, desviando o olhar.

- O que VOCÊ faz aqui?

- Estou aqui para impedir um velho amigo de fazer uma grande bobagem - Colocou o Titã em tom tranquilo - Você e Shun foram as únicas visitas que recebi em milênios no meu exílio auto imposto. É engraçado como vocês humanos que se tornaram deuses tem interesse em me conhecer, embora não tenha certeza se o termo "deus" é apropriado para vocês.

- Eu prefiro ser chamado de humano, mesmo que soe contraditório frente a minha imortalidade - Ponderou Esculápio - É normal querermos conhecê-lo, você é em grande parte responsável pela criação e desenvolvimento da humanidade. Em muitas crenças pelo mundo, divindades similares a você, pertencente a outros reinos, são louvados com grande fervor.

- Eu não vejo motivos para isso, tudo que fiz foi roubar a chama divina do Olimpo. – Retou importância.

Isso fez o médico rir, olhando para o céu.

- Uma despretensiosidade assim que me trouxe a esse lugar - Seu sorriso foi morrendo aos poucos - Depois de tantos séculos, tudo está prestes a acabar, e eu tenho medo... Medo de como pode ser esse fim. Nessa vida, eu tentei ser mais firme com Aquário, mas não creio que tenha feito suficiente no final.

Prometeu balançou a cabeça.

- Depois acusa a mim de não ser pretensioso, mas mantem-se a vigiar seus velhos companheiros há séculos como uma coruja vigia a noite. Você deve fazer como eu fiz com os humanos, deixá-los dar os próprios passos e assumir suas consequências. Você já fez tudo que poderia ter feito.

- Mas uma decisão errada, e sua alma deixará de existir – Teimou.

- O mesmo acontece aos humanos, a cada ano eles criam mais e mais armas que podem causar o fim de sua própria raça. Porém, esta é uma escolha deles, se optarem a ruína ou não, será por suas próprias mãos. Eles têm o direito a se destruírem se quiserem. Como também possuem a capacidade de criar coisas fantásticas como maquinas que guardam bebidas com bolhas, e outra que preparam elixires com um pó marrom de gosto ruim. – Épios voltou-se ao titã, sem compreender exatamente o que quis dizer com esses últimos dois itens – Muitos deuses os julgam por isso, concluindo que as pessoas só são capazes de trair umas as outras e causar a guerra. Que ironia, digo eu, um titã, ouvir essa ladainha dos deuses. Eu vi e participei da guerra que subjugou meus irmãos, os que não perecem sob castigos terríveis, personificaram-se em seus elementos, como o antecessor de seu pai, Hélio, que agora é o próprio sol, e os demais são casos como o de Astéria que decidiram tornar-se uma alma humana. Para mim, os deuses puros de igual maneira, após a titanomaquia, se tornaram seres apenas capazes de trair uns aos outros e causar incessantes guerras. Por isso me juntei a causa do novo senhor do submundo. Começar uma era que os humanos sejam verdadeiramente livres. O que eles farão a partir daí, será culpa apenas deles. 

Esculápio não respondeu quanto a isso, também encarando o céu que começava a escurecer.

- Escorpião, como humano – Seguiu Prometeu - Também tem o direito de salvar sua alma ou deixá-la perecer. Ele agora possui essas duas opções. Você deve libertá-lo, a igual que Aquário, de sua vigília, e deixá-los de uma vez por toda decidir como tudo vai acabar. Sem perceber, você acabou amaldiçoando a si mesmo com a culpa, e sofreu nas sombras por todos esses séculos. Essa foi sua decisão, isso só prova o quão humano é. Contudo, o mais fascinante da humanidade, sem dúvida, é que nada nunca dura para sempre, porque para eles não existe a imortalidade e o eterno, mesmo a culpa e o pesar algum dia tem fim, porque eles, ao contrário dos deuses, são capazes de perdoar os outros e a si mesmos.

O médico permitiu que seu corpo deitasse no penhasco, fechando os olhos e sentindo o vento fresco contra sua face. 

- Sabe...Se Zeus tivesse escolhido a ti ao invés de Athena como guardião da terra, provavelmente teríamos evitado muitas guerras.

- Engraçado, você não é o primeiro a me dizer isso – Comentou com um deixe de graça – Mas sinceramente, eu recusaria.

- Eu sei, é uma pena.

- Porém, se mesmo assim você quiser ajudar de alguma forma indireta as reencarnações de seus velhos amigos – O moreno abriu seus olhos, franzindo a expressão para o mais velho que sorria misterioso – Sem ser transformado em uma árvore ou qualquer coisa assim por seu Pai Apolo por desobedecê-lo, eu tenho uma ideia. Afinal, enganar os deuses de forma escusa é minha maior especialidade. Está interessado?

-.-.-.-

A noite do sábado começou a cair.

Com ela vários carros de luxo começaram a chegar um a um no castelo, deixando seus empregados ocupados com todo o tipo de atividades.

No outro extremo, oculto a olhos humanos, carruagens aladas desciam dos céus, trazendo consigo as mais diferentes divindades.

Uma delas, quase acabou caindo da carruagem, de tão bêbada que já estava.

Outros desciam junto a ninfas, outros com guerreiros em escolta, e o ébrio apenas dançando uma música invisível.

Porém, entre todos, as que mais se destacavam eram três deusas, descendo de uma imensa carruagem feita de ouro, levada por sete Pégasos brancos como as nuvens. Duas delas estavam acompanhadas de guardas femininas, que observavam tudo ao redor com desconfiança, em contrapartida, a última deusa estava só, sem exibir qualquer preocupação.

A primeira, que mostrava possuir maior importância andava a passo altivo.  Possuía um rosto fino, pele clara, olhos castanhos vívidos, mesma cor de seus cabelos presos em um rabo de cavalo alto. Usava uma toga grega tradicional bege, e calçava sandálias que chegavam a seus tornozelos a meia mostra por duas aberturas laterais.

Hera, a rainha dos deuses.

Os demais que estavam próximos, seja almas trabalhadoras daquele castelo, seja espectros e outros deuses, inclinavam-se ligeiramente a cabeça em respeito àquela que havia herdado o labor de Zeus após seu desaparecimento.

Atrás dela, vinha uma divindade de expressão contrariada, manchando sua bela face. Também de pele clara, porém ao contrário de sua irmã, possuindo intensos e vividos olhos verdes, e longos e volumosos cabelos vermelhos como o fogo, seus trajes eram tão impecáveis quanto da deusa rainha, sendo a única diferença estar recoberto de desenhos de ramos.

Deméter, a deusa das estações.

Por fim, a deusa desacompanhada, observava seus arredores com interesse. Sua cor era ainda mais clara que aquelas que a antecediam, como se Apolo não costumasse estar muito a sua presença. Apresentava longas madeixas, cobertas em parte por um pano branco, como um véu, que a dava um ar de pureza e intocabilidade. Seus orbe eram de um intenso azul claro, e ao contrário de suas irmãs, usava um calçado raso, e suas vestes eram completamente fechados, aumentando sua impressão de imaculada.

Héstia, a deusa virgem do fogo sagrado. 

Elas caminhavam por um largo caminho de mármore puro, iluminado por dezenas de tochas, sob a escolta das quatro guerreiras completamente ocultas em armaduras prateadas, em direção ao grande castelo. 

- O mundo fora do Olimpo é mais colorido do que eu pensava – Exclamou encantada a última, enquanto seguia suas irmãs.

- Eu não vejo razão para que tu queiras sair do Olimpo depois de tantos milênios minha irmã – Colocou em tom de reprovação Deméter – Não existe nada que a terra possa te oferecer, eu te garanto. Estavas melhor imaculada no Olimpo.

Ela negou com a cabeça.

- Eu lamento muito que meu irmãozinho tenha partido deste mundo sem que eu pudesse despedir-me. Minha decisão de manter-me em terras sagradas, a igual que a dele de se manter em seu reino, nos separou completamente ao longo dos milênios. – Acrescentou em uma clara expressão de pesar, juntando suas mãos como se estivesse prestes a rezar.

A deusa da natureza lançou um olhar para a irmã com verdadeiro desdém.

- Pois para mim, melhor estão todos os reinos sem a presença daquele ser.

- Francamente Deméter, estás exagerando, nunca entendi teu intenso ódio com nosso irmão – Interveio Hera com tom de superioridade – E somente a ti Héstia ocorre a ideia de chamar Hades por “irmãozinho”. Ele, que tão temida figura foi ao longo dos séculos.

- Ele possuía um espírito puro, que foi manchado por seu labor, apenas isso. – Defendeu a nobre deusa.

- Ele era um ser vil e horrendo, tão expugno quanto as almas sob as quais reinava. – Insistiu a ruiva.

- Que eu tenha conhecimento irmã, ele que deveria ter pontos contra ti, uma vez que converteste Ascálafo em uma coruja. – Intercedeu novamente a divindade das chamas. - E até hoje não sabemos ao certo porque fizeste isso.

A citação dessa maldição, Deméter apenas sorriu satisfeita, não se mostrando minimamente arrependida.

- Ele deveria agradecer-me – Impôs com arrogância cruzando os braços - As corujas costumavam ser seu símbolo, como guardiãs da noite e da escuridão. Foi apenas minha singela homenagem. Não és minha culpa se os humanos posteriormente a consagraram animal de Athena.

- Esta sim é uma divindade da qual deveria ter nojo – Seguiu Hera franzindo a expressão – Meu pequeno filho Ares sim que é um verdadeiro digno deus da guerra, para ele Zeus deveria ter dado a terra, e não para aquela maldita bastarda.

- Só a ti te ocorre chamar Ares de “pequeno filho” – Rebateu Héstia com um sorriso.

Porém o diálogo da trindade foi detido, parando seu caminhar, ao tempo que as quatro guardiãs apontavam suas lanças para o motivo da parada.

Uma bela mulher, vestido uma blusa branca de tecido leve, três correntes passando de cada lado de seu ombro, e calças cinza claras. Seus longos cabelos loiros chegando a sua cintura, e pele pálida como papel.

- Minhas honoráveis senhoras – Disse Eurídice fazendo uma reverência, sem se importar com as armas apontadas para sua cabeça. – Eu sou Eurídice de Hanuman, Estrela Celeste da Habilidade, serei sua acompanhante esta noite.

Antes de pedir que suas guardas detivessem a posição agressiva, Hera analisou a figura da espectro de cima a baixo.

- Então tu és a esposa de Orphée. A musicista de flauta que uma vez possuiu o santuário, até ser morta por uma serpente. – Ao ver a expressão claramente impressionada da humana, a divindade logo acrescentou calmamente – Sou a deusa do matrimonio, esses detalhes não fogem ao meu consentimento. Que um homem tenha amado apenas uma única mulher em sua vida a ponto de arremeter ao mundo inferior para trazê-la de volta, és algo que honra meu nome – Ela sorriu pela primeira vez na noite, fazendo sinal para as guardas se afastarem – Ao menos, Poseidon e o sucessor de Hades sabem escolher uma mulher digna para guiar-nos.

Isso fez a ex amazona ruborizar-se, porém, mantendo sua compostura, fazendo uma nova reverência.

- É uma grande honra, deusa rainha.

-.-.-.-

 Mais afastado dos demais, descia uma reluzente carruagem, conduzida por apenas dois cavalos, mas que brilhava como o próprio sol, dela, desceram outras duas divindades, sendo conduzidos por dois guardiões.

Uma mulher de longos cabelos loiros, vestido branco até seus pés, e uma meia lua na testa. Árthemis, sendo guiada por sua Satélite Calisto, com suas roupas claras, armadura prateada e cetro.

Ao seu lado, um homem completamente alto, de cabelos vermelhos como o fogo, que se moviam como se fossem as próprias chamas do sol, olhos de um azul céu impecável, usava uma capa com ombreiras que ocultavam completamente seu corpo. Junto de si, um guerreiro de armadura dourada, o rosto semioculto por uma máscara, possuía cabelos espetados e avermelhados, mas não tanto como seu senhor, e olhos menos azuis.

-...Eu não posso acreditar que Apolo escolheu a ti para acompanhá-lo, Tohma. – Sussurrou Calisto de modo que sua senhora não pudesse ouvir, enquanto saiam da carruagem.

Em resposta, o anjo de Apolo lançou um olhar lateral de desprezo a guerreira.

- Eu obtive perdão de meu castigo pelo meu senhor Apolo, não tenho razão para precisar do aval de uma simples Satélite.

A jovem fez uma expressão de desaforo, mas foi obrigada a calar-se quando o deus solar se manifestou, alguns passos à frente, vendo como a trindade das deusas era guiada por Eurídice.

- Não posso crer que Héstia enfim deixou o Olimpo, e para comparecer a um evento desses... – Colocou com desengano.

A deusa da lua sorriu de lado.

- Ainda sofres pela rejeição de Héstia a teu pedido de matrimonio? Assim podes ter uma ideia de que senti eu quando mataste a traição meu pobre Órion.

- Falas como se não usaste das habilidades de meu filho Esculápio para trazê-lo de volta – Refutou com escárnio.

Ambos se encararam, apesar de gêmeos, não pareciam ter a melhor das relações.

Porém sua pequena disputa foi interrompida com o surgimento de Valentine, que ao seu aproximar, foi detido por Calisto e Tohma, como no caso das três divindades.

- Sou o espectro Valentine de Harpia, Estrela Celeste da Lamúria – Curvou-se o homem de vibrantes olhos amarelos. – Eu serei o acompanhante de vocês essa noite.

-.-.-

 A carruagem do ser bêbado enfim pôde aterrissar, com muita dificuldade, enquanto o deus que ela trazia saia cambaleando de sua estrutura, sendo mantido de pé por uma belíssima jovem, de longos cabelos loiros e olhos esmeraldinos, ela usava uma toga grega similar à de Héstia, que não exibia suas pernas.

Ao seu lado, tentando ajudá-la, surgiu um garoto muito parecido com ela, de intensos olhos verdes, porém de cabelos loiros escuros. Usava uma veste grega de apenas um ombro, que terminava em seus joelhos, estava descalço.

Os dois fizeram como podiam para manter a divindade de pé, este possuía cabelos negros desgrenhados, sua toga de apenas um ombro caia até quase sua cintura, revelando metade de seu tórax, levava uns ramos de uvas no cabelo e sandálias rasas.

Apenas quando Apolo e Árthemis adentraram ao castelo, que uma quarta figura apareceu, de pelo menos dois metros e meio de altura, sujeitando o ébrio por seus ombros, passando os braços por baixo de suas axilas, mantendo-o pelo menos trinta centímetros do chão.

- Bem...- Disse o quase gigante, de cabelos negros, curtos e cacheados, pele bronzeada. Usava apenas um saiote de fitas de couro e uma capa branca nas costas, deixando todo o seu grande peitoral a mostra. Calçava um par de sandálias de gladiador até os joelhos. – Considerando nosso histórico, chegamos bem.

- Mas Órion, ele está completamente bêbado. – Opinou a jovem apenada.

- É verdade – Confirmou o velho caçador – Mas ainda está vestido, então já é um avanço.

- Aaaaah, essas roupas pesam...! – Reclamou o deus, tentando desvencilhar-se de suas prendas, porém, uma faixa de couro presa ao seu ombro o impediam.

- Além disso, as fivelas que Sêmele encomendou com Hefesto estão funcionando muito bem.

- Mas ele está sem roupaa de baaixo! – Exclamou com graça o menino, agachado abaixo do deus, vendo por entre sua toga.

A jovem ruborizou-se rapidamente, mas o caçador apenas suspirou.

- Elas incomodaaam! – Reclamou infantilmente a divindade tentando se mexer nos braços de seu guardião.

- Eu me preparei para esse tipo de situação, trouxe algumas peças extras – E apesar dos reclamos do imortal, o conduziu de volta a carruagem, o liberando apenas depois de devidamente trajado. – Senhor Dionísio, tente mantê-las postas dessa vez, certo?

O deus dos vinhos apenas bufou, finalmente sendo livre do aperto de Órion, ficando bambo sobre as próprias pernas.

Órion, sem muita fé que seu senhor o ouviu, voltou-se aos outros dois.

- Eu não poderei adentrar convosco, uma vez que Apolo se encontra no mesmo recinto, minha presença apenas causaria sua raiva, e prefiro evitar ser perseguido por outro escorpião gigante. – Explicou o caçador – Porém, se precisarem de mim, chegarei tão rápido quanto uma flecha. Máragdos – Voltou-se a jovem – Seu principal dever como ninfa de companhia é não permitir que nosso senhor comece uma orgia.

Ela confirmou com a cabeça, completamente ruborizada.  

- O que é uma orgia? – Perguntou a criança interessada.

- Significa Tsavorite, que vocês não podem deixar que Senhor Dionísio tire suas roupas – Explicou com simpleza.

- Ah! Certo! – E imediatamente abraçou o deus, impedindo assim que esse se movesse direito, porém o senhor do teatro não pareceu importar-se minimamente com a proximidade excessiva, demasiado concentrado em se manter de pé.

- Além disso, tenham cuidado para que ele não derrube vinho em Apolo, outra vez... Ou assuma a forma de Héracles e faça campeonatos de força com outros deuses. Muito menos permita que ele entre sozinho no submundo, as Empusas ainda estão irritadas pelo da última vez.

- Certo! – Confirmou decidida Máragdos.

O caçador fez menção de continuar a dar instruções, mas se deteve quando viu uma espectro aproximando-se, ao contrário dos outros guardas divinos, o caçador, a ninfa e o menino não entraram em posição de ataque frente a chegada.

Uma bela jovem de fisionomia severa, e longos cabelos ruivos. Violete fez uma reverência a eles.

- Sou a espectro Violate de Behemoth, Estrela Celeste da Solidão, serei sua acompanhante esta noite.

- Muiiitooo praaazeeeer – Declarou Dionísio se jogando nos braços da jovem grega, abraçando seus peitos, porém esses estavam protegidos baixo uma placa de metal, para infelicidade do deus que deu pequenos socos desamparados na superfície dura, Tsavorite imitou seus movimentos, dando pequenos saltinhos para alcançar.

Apesar da situação ridícula, Violate manteve completamente sua postura de soldado. Para o qual Órion suspirou aliviado.

- Ainda bem que mandaram alguém com paciência. – Comentou – Peço desculpas pela situação.

- Sem problemas, fui previamente avisada, não é como se o comportamento de Zegreu fosse novidade para o submundo. – Disse em seu tom severo.

- Zegreu? – Questionou Máragdos.

- É assim que o submundo costuma chamar o senhor Dionísio, considerando-o um deus ctônico com livre acesso ao mundo dos mortos – Explicou o caçador a ninfa – É por isso que alguns seres caídos pela ira dos deuses, como eu e sua mãe Sêlene, fomos levados sob sua proteção. Hades, nos tempos mitológicos, permitia que nosso senhor entrasse em seu reino em busca de almas que morreram prematuramente sob peso divino*, mas que não haviam feito o suficiente para estar nos Elísios ou Tártaro. Assim, éramos poupados de perambular pelos campos Ásfodelos. Por vezes, até mesmo Hades enviava almas para ficar sob sua proteção, o mesmo que seu sucessor fez em seu caso e o de Tsavorite. – Então voltou-se a espectro – Me perdoe, ela é nova, está conosco a apenas dezessete anos.

- Entendo. – Se limitou a dizer a grega, observando a jovem e o menino com um novo interesse, deveriam ser almas no mínimo importantes para que Shun os tivesse deixado sob proteção de um olimpiano. Isso também significava que já havia tido algum contato com Zegreu em meio a esses vinte anos. – De qualquer forma – Retornou a seu anterior objetivo – Eu os guiarei até o castelo.

Porém, ao tentar andar, fez com que Dionísio deslizasse por seu corpo até quase cair de cara no chão, sendo segurado pelas costas de suas vestes por Órion.

-...Sinto que andar será um...Pequeno problema para nosso senhor – Disse com um sorriso de desculpas.

Violate analisou a situação, era no mínimo triste ver um caçador como o lendário gigante reduzido a cuidador de um bêbado. Porém, por outro lado, este destino ainda deveria ser melhor do que estar confinado no submundo apenas por ciúmes de um deus.

Sem pensar duas vezes e sem qualquer dificuldade, tomou Zegreu em seus braços, em forma de noiva. O deus piscou, mas logo se aconchegou na posição.

- Assim está bem melhor! – Exclamou apoiando os braços atrás da cabeça.

-.... É, isso deve funcionar, muito obrigado.

- Estou apenas cumprindo meu dever – Retou importância, levando então a divindade em seus braços, sendo seguida por seus dois acompanhantes, enquanto Órion apenas os observou se afastar.

-.-.-.-

Uma das últimas carruagens a chegar, não era nem um pouco convencional.  Não possuía cavalos, ou mesmo Pégasos, em seu lugar era movida a vapor, feita completamente de um metal negro, adornado a ouro.

Cercados por ninfas, desceram duas divindades. Uma belíssima mulher cujo corpo e medidas eram perfeitas, a pele lisa como pêssego, os olhos sedutores e sensuais e os lábios vermelhos como o sangue, seus longos cabelos loiros delineavam com requinte suas costas, e sua toga grega de ombros, feita de um tecido tão leve que por horas revelava até mesmo o contorno completo de seus seios.

Aphrodite, a deusa do amor.

Ao seu lado, a figura de um homem manco, cabelos encaracolados como fogo vivo, uma barba farta e um olhar perdido, ao contrário de todos os demais, era o único que vinha a festa trajando uma kamui, com grandes asas recolhidas às suas costas.

 Hefesto, deus ferreiro.

- Por que viemos a esse lugar? Tu não pareces trajado para uma festa  – Questionava a beldade com desagrado enquanto duas ninfas se ajoelhavam aos seus pés para colocar suas sandálias.

- Porque Ares não está, e porque quero tirar a limpo um assunto com o maldito sucessor de Hades. – Disse em tom ríspido, levando a mão direita, extremamente calejada, a empunhadura negra de uma espada prateada, cravada em seu centro com uma joia vermelho sangue, que em seu interior pareciam arder chamas pertencentes ao próprio Flegetonte.

- Tudo por causa dessa maldita espada?! – A deusa fez um movimento ríspido, fazendo as ninfas se afastarem assustadas, como se elas temessem se queimar ao tocar a pele de sua divindade sem autorização. - Há duas malditas décadas tu não fazes outra coisa de tua maldita existência que não tentar extrair a essência dessa maldita coisa!

- E tu tens o direito de reclamar de minhas ações? – Rebateu o ferreiro com desgosto – Em milênios passaste mais tempo na cama de outros amantes que na minha. Devo poder contar em meus dedos quantos no olimpo nunca passaram por suas pernas.

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As acompanhantes tamparam seus rostos horrorizadas, Aphrodite havia usado sua impecável mão que jamais havia tocado trabalho algum para bater diretamente no rosto firme e robusto de seu marido.

- Faça como quiser, eu espero que esse novo imperador te empale com essa arma. – E sem mais, seguiu sozinha e direção ao castelo, parando alguns passos depois quando seu acompanhante apareceu à sua frente.

Laime, que havia presenciado a cena, tossiu para disfarçar a impressão.

- Bem...Eu sou Laimi de Verme, estrela Terrestre da Ocultação, serei o guia de vocês essa noite – Disse dando seu melhor sorriso com seus dentes pontiagudos para a deusa da beleza, que apenas observou com repulsa a figura semi corcunda e doentia do espectro.

Hefesto, por outro lado, sorriu satisfeito com a aparência do homem, ao menos não teria que preocupar-se com sua esposa fornicando com ele para se vingar de sua última discussão. E assim seguiram até o castelo.

Enquanto tudo isso acontecia, Daidalos suspirava cansado de dentro do salão do trono do submundo, observando tudo pelo espelho negro, aparentemente, suas escolhas para acompanhantes dos olimpianos haviam sido impecáveis até o momento.

Só restava agora esperar que o encontro de Shun e Athena também fosse assim, tinha esperanças, mas ao mesmo tempo, tinha um mal pressentimento.

-.-.-.-

Pouco antes dos deuses e humanos chegarem ao castelo, e mesmo quando os primeiros fizeram sua entrada, um homem mantinha-se sentado no chão de um quarto hospitalizado. Seu rosto estava entre seus joelhos, enquanto abraçava suas próprias pernas.

Ouviu a porta do cômodo abrir-se, porém, seguiu sem se mexer.

- Senhor...Minos?

Nada fez.

Hesitante, a pessoa entrou, fechando a porta atrás de si, caminhando até o corpo curvado. Sentou-se à sua frente.

O juiz levantou ligeiramente o rosto, encontrando-se com a face preocupada daquele que foi apresentado a ele como sendo o médico Fausto, mas agora era capaz de ver sua verdadeira identidade.

-...Byaku – Nomeou, sua voz era fraca e completamente embargada – Então você também recobrou suas memórias.

O espectro apenas balançou afirmativamente sua cabeça, então seu olhar recaiu sobre o corpo já sem vida de Mileta.

- Desculpe eu...Não pude ajudar...Eu estava voltando para cá, quando Kairos apareceu na minha frente e me devolveu minhas...Lembranças.

Lucius negou com a cabeça.

- Nós dois sabemos que não havia nada a ser feito, sua hora havia chegado, tudo foi...Postergado até demais.

 O norueguês deslizou suas pernas no chão, revelando seu rosto inchado e olhos avermelhados, além de seu cabelo desalinhado.

-...E Arthur? – Seguiu a perguntar.

- Está seguro, e eu juro, meu senhor, que darei tudo de mim para que ele cresça como uma criança extremamente saudável.

Novamente, o outro apenas respondeu confirmando com a cabeça. Então desviou seu olhar para uma superfície de aço frio ao seu lado, que refletia sua figura com certa distorção.

- ...Veja o quão patético eu me tornei. Eu, que já fui um dos três juízes do submundo, aquele que detinha o voto final, escolhido primeiro por nosso senhor Hades, reduzido a um humano simplório, que não consegue superar a morte de sua esposa.

- Com todo o respeito Senhor Minos – Interveio o espectro – A possibilidade de viver uma vida de verdade, sem perder as recordações da vida humana ao ser escolhido pela estrela maléfica, poder voltar a trabalhar como médico, a igual que minha primeira vida, me fez tornar a enxergar o valor que as vidas humanas possuem. Por isso, não vejo chorar pela perda de um ente querido como algo patético. Só mostra o quanto esse ser era importante para nós. Para quem nos tornamos.

O cretense levou as mãos tremulas ao rosto.

- Eu fui capaz de julgar almas por gerações Byaku, sem me deixar envolver, como é possível que uma simples mulher possa me deixar sem chão desse jeito?! Eu não consigo pensar sequer o que farei de agora em diante, como irei contar para a família dela o que aconteceu? Como criarei uma criança sozinho?

-...Senhor, e sua família? – Minos voltou-se para o alemão. - ...Você tem uma...Certo?

Tudo que fez novamente foi confirmar com a cabeça.

-...E... Eu ainda não tenho certeza se deveríamos confiar no novo senhor do submundo, Kairos me disse quando acordei que ele é aquele cavaleiro que conseguiu expulsar Hades de seu corpo. O próprio Kairos, aliás, não é alguém de muita confiança. Porém esse Shun nos deu a oportunidade de uma nova vida, talvez então...Não dê as costas a seu filho.

Sem responder, uma das últimas coisas que Mileta disse passava por sua cabeça.

...Esse homem me prometeu, que quando Arthur nascesse e eu fosse embora, ele cuidaria de vocês. Seu nome era Shun, disse que era o sucessor do antigo imperador e ele parecia realmente muito sincero. Sabe que eu nunca me engano com essas coisas, você mesmo sempre me disse isso...”

- Eu não tenho razão para desconfiar dele, não nessa altura do campeonato.

- Senhor...

- Eu lembro-me que Kairos foi preso na hiperdimensão pelas Eumênides após seu ataque falido ao santuário quando foi morto por Shion de Áries* - Relatou o juiz – Mas agora que penso nisso...Creio que foi ele também que tentou trazer minhas lembranças de volta, mas eu lutei contra isso, eu não queria lembrar, no fundo eu apenas queria seguir vivendo minha miserável vida humana.

Lançou um olhar carregado de emoção para o corpo de Mileta.

- Mas agora, eu não tenho mais razões para fugir, nem me sinto no direito de duvidar da índole de nosso novo senhor ou daqueles que escolheu ao seu lado. Minha missão sempre foi apenas uma, julgar a alma dos mortos. E pretendo manter meu labor, ao mesmo tempo, pretendo cuidar de meu filho, como não tive a oportunidade em nossa primeira vida.

Fausto sorriu, um sorriso carregado de orgulho, esse era o homem honrado e justo, mesmo que severo, que conheceu milênios atrás. De sua posição sentada, ajoelhou-se, perante o homem que por séculos serviu, a mando de Hades.

- Nesse caso senhor, me permita ter a honra de segui-lo em sua decisão. Ao mesmo tempo, deixe-me explicar a situação que Kairos me relatou. E, independente de tudo, peço que não se force, você deve respeitar seu período de luto.

-.-.-.-

Por isso, enquanto os deuses eram guiados a um ornamentado salão, induzidos a sentar-se e desfrutar da melhor comida que existia na terra, sendo servidos por seus acompanhantes, Minos retornou a seus aposentos pessoais, para melhorar sua aparência e rosto inchado.

 Deixou a água fria correr por sua face, limpando o rastro seco das lágrimas, prendeu seu cabelo num coque para evitar de molhá-lo, e se manteve encarando o chuveiro por mais minutos do que seriam recomendados. Havia uma troca especial de roupa em seus aposentos, com um bilhete em grego cheio de coraçõezinhos, deduzindo imediatamente que era obra de Verônica.

Nele dizia apenas.

“Caso se una a nós <3”

Sem pensar muito, levou essa roupa consigo para o banheiro, deveria ser alguma espécie de uniforme diplomático, se tivesse que chutar. Assim que saiu, como se estivesse em modo automático, vestiu sua roupa anterior e as calças cinza claro. Foi então que outro aviso no espelho chamou sua atenção, mas a letra era diferente, e estava escrito em norueguês.

“Lembre-se de colocar meias iguais para eventos chiques!”

Um sorriso triste tomou seu rosto, Mileta sempre acabava colocando meias diferentes quando saia de casa, costumava dizer que isso fazia as pessoas prestarem atenção em outra coisa, que não fossem suas pernas mancas.

Retirou o papel com cuidado, respirando fundo, sentindo-se um completo idiota. Porém sendo recompensado quando identificou o cheiro de sua esposa impregnado na folha.

Guardou-o no bolso, como se fosse um amuleto precioso.

Então tomou a camisa em suas mãos, as três correntes chamaram sua atenção. Provavelmente era uma homenagem ao antigo cavaleiro de Andrômeda, e ao próprio número e sua simbologia.

Saiu do cômodo, surpreendendo-se ao não encontrar outro, que não seu novo senhor sentado em uma cadeira ao lado de seu leito.

O olhar de ambos se encontrou por alguns instantes, nos quais Minos ponderou se deveria ajoelhar-se ou não, estava prestes a fazê-lo quando a voz de Shun o deteve.

- Não é necessário, por favor. – Disse em tom tranquilo e suave.

- Eu não estou em roupas adequadas para recebê-lo – Respondeu em seu tom firme e implacável, indicando seu tronco ainda desnudo.

- Eu não me importo com esse tipo de formalidades. – Usava uma longa túnica negra que muito lembrava aquela que Alone costumava usar, contudo, sua gola era feita de bronze, não de ouro, e tanto suas mangas como o comprimento de suas vestes, não eram extremamente largos como na vida passada. Igualmente como suas próprias roupas, pôde ver as três correntes adornando seus ombros. A exceção disso, seus cabelos eram verdes vivos, mas a cor de sua face era igual a de quando Hades o havia possuído. Contudo, seus olhos, embora também inexpressivos, mostravam mais vida do que naquela ocasião.

- Eu me importo – Disse simplesmente, testando o terreno aonde estava.

Shun sorriu de lado com a resposta.

- Nesse caso peço desculpas.

- É incomum um deus desculpar-se.

- Como pode ver, eu não sou exatamente um deus. Nasci humano e despertei o nono sentido com a ajuda de Hades.

- Chama agora sua possessão de “ajuda”? – Rebateu.

- Vamos dizer que era um evento destinado a acontecer. Sem ser tocado com seu cosmo, eu não teria a capacidade de sucedê-lo no trono do submundo, e assim o mesmo teria a infelicidade de perecer.

- Você amadureceu – Ponderou o juiz – Não que tenhamos convivido o suficiente durante a guerra santa, mas em relação a Alone, é uma grande mudança. Sabia que havia algo diferente contigo, para que um humano consiga livrar-se da alma de um deus como você pôde...Além disso soube que conseguiu que figuras como Kairos e Orphée te jurassem lealdade. Conseguiu também fazer com que nossas estrelas reencarnassem, ao invés de nos dar uma vida falsa. Sem mencionar que esteve os últimos vinte anos em posse do trono. Eu seria estúpido senão admitisse que tem capacidade. Embora, os episódios de miasma espalhados pelo mundo ainda deponham em seu contra.

- Infelizmente isso decorreu de um ataque ao submundo antes que eu assumisse o trono – Disse com seriedade sem desviar o olhar – Mesmo assim, não me isento da culpa. Há vinte anos estamos caçando almas podres que escaparam naquele incidente, bem como retornando o miasma a seu devido lugar.  

 - Eu vi em primeira mão o efeito que ele tem em pessoas normais*, não é nada agradável. Contudo, isso me tranquiliza quanto a minha decisão de segui-lo.

- Sem dúvida, o miasma é de extrema periculosidade para aqueles que não possuam influência do mundo inferior. – Shun levantou-se – Sobre sua decisão de seguir-me, antes de ti encontrei-me com Byaku, e ele, apesar de minhas palavras, resolveu reassumir seu posto de espectro.

- Apesar de suas palavras? – Franziu a expressão sem compreender.

   - Minos, não, Lucius Herrestjerner. – Caminhou até a janela, dando as costas ao juiz - Peço que reconsidere sua decisão de seguir-me.

-...O quê?! – Isso desconcertou e confundiu o norueguês em medidas iguais.

- Infelizmente eu não pude estender mais a vida de Mileta do que essa noite, se prolongasse mais seu sofrimento, poderia danificar sua alma.

-...Sou ciente de algo assim, não precisa justificar-se. Conheço muito bem os procedimentos, ajudei Hades a escrevê-los.

- Eu sei. Contudo, é uma imensa desventura que isso aconteça justamente no dia que parte do Olimpo se encontre nesse castelo. Eu não sou Hades, mas se impressionaria Lucius se soubesse o quanto eu o conheço, o quanto estudei cada um de vocês. Sou ciente que você se sente na obrigação de ajudar-me, estar do meu lado em um momento crítico como este pelas palavras que Mileta provavelmente te disse, porém, eu estaria sendo extremamente egoísta se permitisse que você fizesse isso, logo após perder a pessoa mais importante de sua vida.

O espectro não respondeu a princípio, mantendo a boca ligeiramente aberta.

Não pôde deixar de recordar-se de, naquele tempo, um jovem Hades, salvando-o de um assassinato estúpido numa banheira fervente, ignorando completamente sua ausência de roupagem digna para estar frente a um deus. E o oferecendo a posição de Juiz do mundo inferior.

“...E, no entanto, tu tens o direito de recusar-me, não sou o tipo de divindade que praguejará vinganças por discordar-me. Sou ciente da dor que te consomes pela perda de teu filho Androgeu a mãos sujas de Atenas. Não possuo filhos, mas como deus dos mortos, não cabe a mim diminuir a dor decorrente de uma morte.”

Essas palavras, ditas milênios atrás voltaram à sua mente, era como se estivesse frente ao antigo deus que jurou lealdade. Antes das amarguras das guerras santas e a solidão desgarradora que consumiu sua alma, como a de todos os seus servos.

Uma risada seca tomou conta de seu corpo, chamando a atenção de Shun.

Sem dizer nada, Minos colocou sua camisa, arrumando as correntes em seu colo, para logo soltar seu cabelo, fazendo sua longa franja tampar o vislumbre de seus olhos.

- Se tanto me conhece, deveria saber que não sou de voltar atrás em meus julgamentos.

 Após isso, ajoelhou-se sobre o joelho direito e o pé esquerdo, inclinando sua cabeça.

- Meu senhor, eu, Minos de Griffon, concedo minha alma a ti, sob a forma da Estrela Celeste da Nobreza, peço que me permita servir ao seu lado, como um dos 108 espíritos reencarnados. – Declarou sem preâmbulos.

O imperador do submundo sorriu um sorriso vencido, baixando seus ombros.

- Nesse caso, seja bem-vindo de volta, primeiro juiz do tribunal do mundo inferior.

-.-.-.-

- Pelas doces mãos de Ganímedes! Sabe quanto eu tive que voar e andar pelo mundo e Olimpo para chamar todos que aqui estão? – Exclamava Hermes no corredor dos aposentos de Athena, sentado em pleno ar, na presença de todos os acompanhantes da deusa. – Sete horas, sete horas inteiras! Veja o estado de meus pés! – Retirou um de seus sapatos alados, seguindo no ar mesmo assim, revelando seu pé impecável e simétrico.

- Não vejo nada de errado aí – Reclamou Seiya cruzando os braços, já impaciente de ter que ouvir a ladainha do deus.

- Ah! Claro! – Exclamou o mensageiro como se tivesse acabado de perceber algo óbvio, recolocando seu sapato – Eu sou simplesmente primoroso, não tem como não estar impecável!

  Sagitário revirou os olhos, bufando.

Hermes usava uma toga de meio ombro, cujo saiote acabava um palmo antes de seus joelhos, em sua cabeça seu famoso elmo, enquanto lançava seu caduceu de uma mão a outra de forma hiperativa.

Enquanto isso, os demais, com exceção de Shaka que usava suas tradicionais roupas indianas em tons de branco e amarelo, levavam camisas brancas, gravatas bufantes da mesma cor, e um colete negro bordado com o símbolo do báculo de Athena na região do coração e calças sociais do mesmo tom de seus impecáveis sapatos pontudos, Suite usava o mesmo estilo de roupas, apesar de ser a única mulher do grupo além de Athena.

- Não que você entenda o que realmente é ser perfeito, pezinhos frágeis – Ironizou o deus mensageiro, indicando seu calcanhar direito.

- O quê? – Exclamou sem entender.

Contudo, o diálogo ficou por isso mesmo, quando Athena enfim saiu de seu quarto.

- Finalmente! – Exclamou o mensageiro voltando ao chão – Eu não sei porque se arrumar tanto se pretende ser sempre uma deusa virgem.

- EI! Tenha mais respeito com Athena!! – Irritou-se Seiya.

- Está tudo bem – Retou importância a deusa. – Vamos agora. Quero conhecer o novo imperador com meus próprios olhos.

Shiryu engoliu em seco, Saga franziu ligeiramente os olhos, Shaka manteve-se impassível, Soleil arrumou a gravata nervosamente, Suikyo apertou os punhos, e Seiya soltou uma baforada de ar que estava segurando.

- Senhorita Athena – Suite deu um passo à frente – Onde está June?

- Há duas reuniões acontecendo aqui – Explicou a deusa – Uma humana e uma de deuses, pedi que June fosse representar a mim e a empresa Kido na humana, como ela está há muito tempo sem treinar, não quis colocá-la em perigo.- O olhar da amazona então recaiu sobre Soleil, que também era um civil.

- Eu pedi que ele viesse – Informou o Grande Mestre.

- Entendo...

- Se vocês já terminaram, vamos de uma vez, porque eu tenho que acompanhá-los ao salão. – Colocou impaciente Hermes – Vocês rapazes estão todos maravilhosos, principalmente você - Apontou para Saga, dando uma piscadela – Me dá até orgulho de ser o deus regente de gêmeos. – Mas então desviou o olhar, como se tivesse levado um choque mental, perdendo a expressão de educada aversão do geminiano frente a cantada – Porém eu sinto muito! Hoje eu estou interessado em uma determinada mulher, então terei que partir o coração de vocês, eu sinto muito mesmo, precisa ser feito!

E sem esperar resposta, começou a marchar pelo corredor.

-....Ceeerto...- Colocou Seiya coçando a nuca completamente confuso. – Seguimos ele?

- Sim, vamos.

E assim o fizeram. 

-.-.-.-

Por breves minutos, Shun explicou completamente a situação ao seu juiz, que se mostrou surpreso, principalmente sobre o fato de Lune e Aiacos pertencerem ao santuário agora, enquanto Radamanthys se recusou a voltar, isso o surpreendeu mais do que a informação que um general, substituto de Pandora, vinha usando sua sobrepeliz nos últimos vinte anos.

- Eu simplesmente não posso acreditar nisso, principalmente partindo de Radamanthys. – Dizia descrente o norueguês.

Ao andar pelo corredor, depararam-se com quatro pessoas, frente a um quadro. Minos franziu a expressão.

- O que dois marinas fazem aqui?

- Ah sim, sobre esse detalhe – Recordou-se Shun com um sorriso matreiro – São Ikki e Kairos, que eu mencionei.

Além deles estavam Byaku, trajando a mesma roupa de correntes que os demais espectros, e Prometeu, que estava sendo ameaçado pelos outros dois presentes.

- Eu não quero saber, tire essa porcaria de cima de mim! – Exclamava irritado Io.

- Por uma vez eu vou ter que concordar com o complexo de irmão.

- O que disse?!

- Prometeu – Shun disse aproximando-se calmamente ao lado de Minos. - Conseguiu conversar com seu velho amigo?

- Sim – Respondeu o Titã com um sorriso gatuno – Ele se irritou quando entendeu as minhas intenções, mas seu código médico o impede de não ajudar, em breve eles estarão por aqui, usando a passagem pelo submundo como eu fiz.

-Muito bem, obrigado.

- Shun! – Io deu um passo à frente, a fúria visível em seus olhos – Eu não vou permitir que você veja Athena sem mim! Não sabemos ao certo como pode ser a reação deles, principalmente de Seiya! É perigoso.

- Devo lembrá-lo Shun, que meu juramento consiste em ajudá-lo em tudo que precisar – Aproximou-se também Kasa, estranhamente sério – Mas crês realmente sensato deixar-me nesse maldito corpo enquanto eu seria muito mais útil ao seu lado para enfrentar Athena?

Scylla voltou-se surpreso ao seu companheiro por suas palavras e pela seriedade com que as disse.

Shun fechou os olhos, seu sorriso desaparecendo completamente.

- Prometeu, por favor.

- Claro – Aproximou-se dando golpes em suas cinturas, fazendo ambos se curvarem, enquanto seus rostos e corpo se rachavam.- O segredo para desfazer isso, além da água, é acertar a costela.

- Isso é repugnante – Colocou Minos franzindo o rosto.

  Ikki, retirou o resto do barro que lhe dava a aparência de Io, enquanto Kairos fez o mesmo com Kasa, clara repulsa.

- No entanto, Kairos, eu tenho uma missão especial para ti – Disse sério o imperador tornando a abrir os olhos. - Não posso ignorar a ameaça que Pégaso pode trazer-me, por isso quero que você distraia Suite.

O deus caído piscou alguns instante, processando a informação, para logo abrir um imenso sorriso e fazer uma de suas reverências exageradas e teatrais.

- O amor é como a criança: Deseja tudo o que vê! Com vosso perdão, minha retirada darei por findar a missão a que vim!

Shun tornou a sorrir, embora fosse um sorriso bem mais fraco que o anterior.

- Tem a minha permissão.

E desse modo, com outra rápida reverência, o espectro retirou-se com uma velocidade surpreendente.

- Esse é o momento que ele vem esperando há muito tempo, espero que seja como imaginou...Já no meu caso, não tenho tanta certeza – Antes que qualquer um pudesse dizer-lhe algo, voltou-se a Prometeu – Que outros espectros Daidalos mandou para assumir os papéis de Io, Kasa e Bian?

- Myu no lugar de Io, Sylphid de Bian e tivemos dificuldade com Kasa por causa de seu tamanho, mas demos um jeito com Iwan. Eles já acompanharam Astrapí até o grande salão divino.

- Muito bem – Confirmou Shun com a cabeça - Quanto a reunião dos humanos, poderia tomar o lugar de Astrapí por mim?

Os olhos do Titã brilharam de antecipação.

- E estar numa festa cheia de humanos? Será maravilhoso! – Colocou animado, retirando-se também, com muito mais calma que Kairos.

- Tem certeza que é uma boa ideia deixar Prometeu sozinho entre vários humanos? – Questionou Ikki vendo o titã se afastando.

- Não, definitivamente não.

- Como convenceu um titã a trabalhar do nosso lado? – Indagou Minos curioso.

- Estava me perguntando o mesmo – Seguiu Byaku.

Shun ponderou por alguns instantes, resolvendo responder em tom de mistério.

 - Eu costumo ser bom em diplomacia. Foi algo que me empenhei bastante desde que assumi o trono. O submundo não possuía, exatamente, boas relações diplomáticas com seus vizinhos.

- Isso é difícil quando a maioria dos deuses prefere pensar que não existimos – Insistiu o juiz, mas então caminhou até Ikki, sorrindo de forma presunçosa. – Mas vejam só, quem diria, Fênix, quem diria.

- Benu - Corrigiu o japonês a contra gosto.

- Bem que eu te achei familiar, Benu. – Disse com tom de sarcasmo – Agora entendo porque você não foi capaz de matar seu irmão quando teve a oportunidade no salão do trono, apesar de tudo, doía ir contra seu senhor.

Ikki mostrou-se claramente irritado.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

- Claro, claro~

- Chega, vocês dois – Disse em tom autoritário o imperador. – Vocês podem discutir em um momento mais oportuno. Temos que nos encaminhar para o salão onde...Enfim me encontrarei com Athena. Ikki, você não entrará comigo.

- O quê?! – Exclamou irritadíssimo. – Você não pode me impedir de ir!

- Sim, eu posso. – Seguiu o jovem com firmeza, fazendo o juiz sorrir de lado, enquanto Byaku franzia as sobrancelhas. – Não crês que já será o bastante traumático para todos descobrir que eu sou o novo senhor dos mortos, para eles verem você como espectro? É muita informação de uma única vez.

O espectro apertou os punhos com força.

- Ainda assim Shun...

- Eu não te impedirei de acompanhar-me ao salão, porém peço que se mantenha escondido, e só apareça se algo acontecer. É uma ordem.

Seu irmão fez uma expressão de completo desagrado, sabia como ninguém que odiava receber ordens, mesmo com a incorporação de Kagaho, isso não havia mudado completamente. Sentia uma enorme vontade de contestar, de insistir. Contudo, essa não era a hora nem o lugar para isso, muito menos frente a dois espectros que acabaram de juntar-se. Havia amadurecido o suficiente para reconhecer que Shun, acima de tudo, era seu senhor, e lhe devia o mínimo de respeito em momentos como esse.

- Muito bem...- Declarou a contragosto cruzando os braços. Porém sempre odiaria isso.

- Obrigado – Shun se limitou a dizer.   

 -.-.-

A sensação era no mínimo desconfortável, mesmo que a música que tomasse o ambiente fosse sem dúvida divina.

Quando adentraram no grande Salão, Hermes se afastou rapidamente em busca de seu objetivo, deixando-os completamente sozinhos.

Assim que surgiram por uma porta central, muitos pararam o que faziam para vê-los, para em seguida voltar às suas atividades como se os recém-chegados não fossem importantes.

- Então Athena veio mesmo – Comentou Hera com desinteresse, sentada numa mesa junto com Astrapí, e suas duas irmãs – Ah Poseidon, é uma pena que vós tenhais desistido de destruí-la, sempre torci para ti, Hades ou meu querido Ares pôr um fim naquela bastarda.

Em resposta o avatar sorriu lateralmente.

- Por isso eu sempre gostei de ti, irmã.

Enquanto isso, o falso Sorento, parado as costas de Astrapí como os demais Marinas, observava atentamente cada movimento da deusa que nunca pôde conhecer pessoalmente. Eurídice, mantinha distância, mas também os via curiosa. Isaak, por sua vez, lançava um olhar de ódio a Saga, que fez o possível para ignorar.

Deméter apenas observou a sobrinha, logo perdendo o interesse, não tinha nada contra, nem nada a favor à sua figura. Héstia, por outro lado, evitou a nova divindade, tinha aversão a Ares e imaginava que sua sobrinha, como deusa da guerra, fosse igual, uma vez que tudo que soube sobre ela partiu dos mal dizeres do Olimpo.

- Vejo nossa irmã – Apolo foi o primeiro a se manifestar, enquanto Saori andava pelo salão, mantendo sua postura apesar do descaso. – Não vais a cumprimentá-la?

- Eu já disse tudo que tinha que dizer a ela há vinte anos – Declarou cortante, em outra mesa farta de alimentos. – E vós?

- Estamos sob o hospitium, seria um desrespeito aos costumes começar uma batalha sem o consentimento do anfitrião, algo que duvido que irá acontecer, uma vez que Poseidon afirma ter consolidado uma trégua com nossa irmã – Desviou o olhar dela. – E não me vejo capaz de falar com Athena sem começar uma guerra.

Por outro lado, seus guardas tinham outras reações. Tohma observava os recém-chegados com também curiosidade, principalmente Seiya, com qual percebeu guardar certa semelhança. Enquanto Calisto lançava um olhar de repulsa a Athena.

Hefesto, por sua vez, estava demasiadamente compenetrado em exigir a localização do imperador do submundo de um aflito Laime, e discutir com sua esposa, para notar a entrada de sua paixão platônica.

Por fim, Dionísio estava entretido explicando, estranhamente sóbrio, as composições de todos os vinhos da mesa para seus acompanhantes, enquanto o pequeno tentava descobrir quantas uvas era capaz de colocar na boca. Violate, no entanto, não tirava os olhos do cavaleiro de prata de Taça. Porém, se ocultou entre a multidão para não ser vista.

- Podia ser pior – Começou Seiya tentando ser otimista – Eles poderiam estar nos atacando.

- Se não nos atacam, é por respeito aos costumes. Como disse antes, eles não farão isso pelo hospitium. – Comentou Shiryu com seriedade – Precisamos com urgência trabalhar as relações diplomáticas com outros deuses, uma vez que um acordo com o submundo também seja firmado.

- Se for firmado. – Rebateu Saori.

Logo vários serviçais se aproximaram servindo comida, o que Seiya aceitou prontamente.

 - Você deveria comer alguma coisa – Orientou Suikyo, em voz baixa, para um ansioso Soleil – Desde que chegamos não come nada, o Grande Mestre está preocupado, e nem quero pensar no que Milo fará conosco se não te levarmos de volta em uma única peça.

O mensageiro sorriu fracamente com a menção, mas entendendo o recado, provou um bocadinho.

Logo um homem loiro, usando uma camisa com correntes como vários ali, porém a diferença dos demais usava uma saia negra, semelhante a um saiote grego, aproximou-se.

- Boa noite – Sorriu com cortesia – Eu sou o espectro-

Antes que pudesse terminar Seiya pulou na frente de Saori, estendendo os braços.

- Não se preocupe Saori, eu te protejo!

Um silêncio desconfortável se formou entre os empregados e Verônica, que apenas ergueu as sobrancelhas ironicamente. Shiryu levou a mão ao rosto, pedindo paciência.

- O que eu ACABEI de dizer, Seiya?

- Calma aí meu bebê – Seguiu o francês abandonando completamente sua cortesia – Ninguém aqui vai te atacar. Vem reencarnação, sai reencarnação e você continua um entojinho, sabia? Em pensar que você tinha um homem de verdade como Manigold de babá.

Antes que Sagitário pudesse responder, Shiryu o puxou para trás.

- Me perdoe por isso.

- Tudo bem. Mas vocês precisam adestrar seu centauro se vamos nos tornar aliados – Colocou cruzando os braços, ignorando a expressão irritada do japonês. – Como eu dizia antes, sou Verônica, espectro da Estrela Celeste da Contemplação.

- Verônica? Mas você é um homem! – Exclamou Seiya.

- E você não é muito inteligente, não é amor? – Ironizou. – Você vê peitos em mim por um acaso?

Verônica, mantenha a compostura, por favor”- A voz de Daidalos entoou em sua mente.

Certo, certo, desculpa, mas eu tinha esquecido como esse serzinho podia ser irritante”

- Desculpe – Fez uma reverência antes que houvesse uma resposta a sua ofensa. – Eu peço perdão por ter me excedido.

- Sem problemas – Interveio novamente o Grande Mestre, para desgosto de Seiya, que também cruzou os braços, voltando para o lado de Saori que tentava não rir.

- Eu serei o acompanhante de vocês essa noite. Sintam-se à vontade para comer e beber, em breve, meu senhor, os chamará sob sua presença.

- Obrigada por sua cortesia – Seguiu Athena.

O salão estava completamente cheio, ninfas, divindades menores, olimpianos e seus respectivos guardas, além de muitos empregados. O grupo de Athena foi levado para uma mesa mais ao fundo, próxima a de Dionísio que estava vazia no momento.

Não demorou muito para um homem de cabelos castanhos bagunçados, usando uma máscara de teatro, viesse até a mesa.

- Com licença – Disse educadamente estendendo a mão em direção a Suite. – Me concederia essa dança, senhorita?

Imediatamente a Pégaso sentiu uma sensação estranha, a mesma que havia sentido antes com aquele marina, ela estava a ponto de seguir o homem, quando recordou-se de pedir autorização.

- É melhor deixá-la ir – Orientou o Grande Mestre em tom baixo para Seiya e Athena – Não queremos ofender nenhum deus aqui.

O japonês queria refutar, mas ao ver o sorriso de interesse da jovem, Saori concordou.

- Pode ir, mas tome cuidado.

- Se acontecer qualquer coisa com ela...!- Declarou o ex Pégaso em tom de ameaça, ignorando a advertência de Shiryu.

O homem sorriu sob sua máscara.

- Não se preocupe com isso, filho. – E assim deixou a mesa acompanhado da amazona.

- “Filho”? – Repetiu Seiya contrariado – Ele não parecia tão velho assim...Será que um idoso pervertido pegou minha menina para dançar?!

O Grande Mestre ia tranquilizá-lo outra vez, quando Verônica voltou até eles.

- Poderiam me seguir, por favor, meu senhor, está pronto para vê-los.

Imediatamente, Sagitário tentou encontrar sua filha para chamá-la de volta, mas parecia que a mesma havia desaparecido na multidão.

- Não seria possível esperar um pouco? Um dos nossos acabou de sair. – Saori interveio.

- Não há necessidade de uma escolta tão grande Athena, ele estará na presença de apenas dois espectros. Jamais desonraríamos o hospitium atacando vocês, muito menos com tantos deuses aqui presentes. -Tentou tranquilizá-los.

A Shiryu então lhe ocorreu que Shun temesse presentar-se frente ao cavaleiro de Pégaso. Não havia ligado o fato antes, mas possuía seu sentido.

- É melhor irmos Athena, mesmo que algo aconteça, tenho certeza que Suite irá imediatamente em nosso encontro.

- Não está sugerindo que eu deixe minha filha aqui, sozinha, no meio de todos esses deuses?! – Exaltou-se Pégasos.

- Então fique aqui com ela – Para a surpresa de todos Shaka finalmente manifestou-se, em tom calmo apesar de suas palavras ásperas – Deveria deixar de agir como um garoto e compreender a situação em que estamos de uma vez – Declarou em represália.

Sagitário abriu a boca para contra argumentar, mas logo a fechou.

- Não seja tão severo Shaka – Saori veio a seu resgate.

- Me perdoe Athena, mas Shaka tem razão – Interveio Saga – Estamos numa situação que exige um mínimo de compostura.

Verônica apenas piscou, esperando o desenlace da situação.

O japonês por sua vez baixou a cabeça. Sentia-se completamente nervoso com toda essa história, possuía um mal pressentimento que estava corroendo sua alma, por isso estava agindo dessa forma. Tinha ficado três meses numa cadeira de rodas, inerte sobre o mundo, graças ao antigo imperador do submundo, por mais que quisesse negar, no fundo, estava com medo do que poderia acontecer.

- ...Seiya... – Saori podia sentir os sentimentos exacerbados de seu mais fiel cavaleiro.

- Me perdoe, se o Grande Mestre é a favor, então só nos resta ouvir sua opinião, Athena. - Acabou por dizer.

Queria recusar, sair correndo dali, experimentava um enorme buraco no estomago, por ele não podia deixar de sentir empatia por Seiya. Contudo, de nada mais valia seguir fugindo desse momento.

-.-.-.-

Caminharam por um estreito corredor, guiados por Verônica, até chegarem a outro grande salão, muito similar ao hall de entrada. Entraram por uma porta que dava acesso ao térreo, mas havia uma imensa escadaria que dava acesso ao segundo andar através de duas passagens, uma à esquerda e outra à direita, todo o caminho recoberto por um carpete vermelho. O espectro os levou até os pés da mesma.

- Aguardem aqui, por favor – E saiu por uma porta lateral.

Olhando de outro ângulo, era como se o nível inferior fosse a plateia, e o superior um grande palco.

-.-.-

Shun respirou fundo, mesmo que não precisasse realmente de oxigênio, sentiu duas mãos em seus ombros, virou-se, deparando-se com Ikki.

- Independente do que aconteça, eu ainda estarei aqui, disposto a carregar seus pecados – Disse em tom firme, mas recoberto de zelo. O imperador foi capaz de sorrir, de verdade dessa vez.

- Obrigado irmão, isso é muito importante para mim.

- Eles entraram – Informou Byaku vindo da porta que levava ao salão.   

 -...Enfim, depois de vinte anos, chegou o momento. – E saiu.

-.-.-

Todos olhavam para cima quando passo a passo, calmamente e de cabeça erguida Shun adentrava pelo corredor da esquerda, seguido de perto por Minos e Byaku, parando apenas quando chegou no centro do início da escadaria. A cada passo de seu caminhar, observando a expressão de todos.

Athena havia levado as duas mãos a boca, Seiya observava chocado sem conseguir entender o que aquilo significava, Saga ergueu completamente suas sobrancelhas, esse era um desfecho inesperado.

Shaka manteve completo silêncio, e Shiryu permaneceu sua atenção em sua deusa e Sagitário, temeroso da reação de ambos.

Por sua vez Suikyo e Soleil analisavam com todo o cuidado aquele que deveria ser seu senhor.

- Boa noite, meus velhos amigos e companheiros - Anunciou em tom tranquilo e cortes, estendendo ambos os braços.

-...Ei...Ei...Que...Que história é essa?! – Recobrou a voz o japonês, apontando para seu meio irmão, sua mão claramente trêmula. -...Vocês...Vocês estão vendo o mesmo que eu?! Eu sei...Que já vimos mortos voltar a vida antes, mas ... isso...- Apertou os punhos com força. - ...Shun, o imperador do submundo?! Essa é a maior besteira que eu já ouvi!! Hades definitivamente não morreu e está tentando nos enganar! Isso é uma ilusão! Isso! Uma ilusão, só pode ser.

- Não é uma ilusão – Declarou Shaka com firmeza. - Eu saberia se fosse.

- Mas não pode ser possível! Shun morreu...Por...Por causa daquele miasma maldito, qual a merda de sentido de ele ser o senhor do submundo?! Se fosse, aquela fumaça do inferno não deveria fazer-lhe nada!

- Seiya – Desceu um degrau – Eu sei que é difícil compreender, porém, permita-me explicar.

- Não! Não tente me convencer, isso só pode ser mentira, MENTIRA! Saori – Voltou-se à sua deusa, para vê-la simplesmente horrorizada, com um misto de dor e traição em seus olhos.

-...Shun...Por todos esses anos...- Declarou ela ferida. – Eu lamentei por todos esses anos a forma que você morreu...

- Não caia nessa Saori! Não é verdade! O nosso Shun jamais herdaria um lugar horrendo como o mundo inferior!

Em resposta, o imperador emanou seu cosmo, apesar de modificado pelas décadas imerso na escuridão, a energia magenta ainda possuía muito de seu antigo eu.

- Sem dúvida – Confirmou Saga – Essa era a energia de Andrômeda, está um tanto diferente, mas em suma é ela.

- E o que você sabe Saga?! – Voltou-se enfurecido Sagitário – Você não conviveu com ele, nem sequer lutaram, como pode lembrar como a energia dele se parece?!

O geminiano voltou-se ao mais novo, mantendo a calma ao falar.

- Ele foi capaz de me acertar, mesmo estando na casa de gêmeos, com suas correntes, atravessando dimensões. Eu não esqueceria de uma energia assim. Além disso, acompanhei a luta dele contra Afrodite.

Aiacos e Lune estavam sem fala, usando-se de todas as suas forças para conter-se de responder a tal emanação de energia de seu senhor. Era inebriante e intenso, seus pulsos aceleravam, deixando-os completamente deslumbrados. Minos, Byaku e mesmo Ikki não estavam em melhor situação. Era como receber doses inteiras de adrenalina dosadas junto com calmantes, formando uma sensação completamente peculiar e confortável.

Shiryu, notando que a situação estava indo por péssimo caminho, assumiu as rédeas,

- Vamos nos acalmar, Athena, Seiya, tenho certeza que se sentarmos juntos, somos capazes de nos entender.

- Saia da minha frente Shiryu! – Em um movimento absolutamente rápido, saltou, criando um arco e flecha de pura cosmo energia.

- Ele pode criar um arco com cosmo?! – Surpreendeu-se Minos.

Imediatamente depois ambos evocaram suas sobrepelizes, que para um caso como este, esperavam no salão da direita. Ao mesmo tempo, como em modo automático, Suikyo e Soleil tentaram parar o anterior Pégaso, porém o mesmo havia saltado tão alto que era como se voasse.

Minos e Byaku já estavam trajados, quando a flecha foi enfim disparada.

- MOSTRE SUA VERDADEIRA IDENTIDADE, MALDITO!

Contudo tal ataque foi inútil, antes mesmo de ser interceptado pelo juiz ou pelo médico, cavaleiro ou mensageiro, uma forte rajada de vento cobriu toda a sala. Imediatamente Seiya teria sido lançado longe, se Saga agilmente não o tivesse segurado por seu pé, enquanto Shaka deu um passo adiante criando um Khan para proteger Athena e o Grande Mestre.

No meio da escadaria, trajando sua própria sobrepeliz, havia um ser curvado coberto com suas sombrias asas, que o fazia, ironicamente, soar como uma coruja negra.

Até erguer-se, revelando ser o antigo cavaleiro de Fênix.

O caos estava instaurado.

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Notas Finais


Sendo assim, com o fim do cap 63, concluímos os mistérios sobre Sólon e sua decisão (seguir Athena ao invés de Poseidon) a igual que sua ligação com Épios/Asclépio/Esculápio. Agora, só resta vermos, no passado, Kiki tomando conhecimento desses fatos. Mais uma etapa de Guerra e Paz concluída!

* 1º trecho, Sólon conhecendo Erisictão,vendendo-lhe a ânfora e a máscara de couro, está no início do capítulo XLIII, Entre o passado e o presente.
* 2º trecho - Sólon conhecendo Astéria durante um ataque dos Marinas, reencontrando-se com Pytheas, seu velho amigo. Asclépio não aparece diretamente na cena, mas segundo Sólon nesse cap 63, ele o fez quando o conflito terminou, ajudando os feridos. Isso acontece no Capítulo LVI, Filhos da terra e do mar.
* 3º trecho - Esculápio sendo castigado por Zeus por ressuscitar os mortos provém da mitologia grega, mas já havia sido citado por Apolo no Capítulo XXVII, Coração de ouro. Nele, Épios aparece pela primeira vez, conversando mentalmente com seu pai. No diálogo entre os dois também é comentado sobre o acordo de Esculápio com Moros, para tornar-se um deus, devidamente explicado nesse capítulo 63.
* 4º trecho - O ataque de Aquiles a Hades. Apareceu como um pesadelo de Hades, quando tentavam entrar no mundo dos sonhos, no Capítulo XXIV, Romã, flores e relógios. Nele "alguém" se sacrifica para proteger Hades, para horror de Aquiles e Athena. De acordo com a cronologia descrita por Épios, Erisictão se suicidou pouco após o fim da guerra.
* 5º trecho - O suicídio de Aquário, na verdade, foi uma tentativa desesperada de tentar alcançar Astéria no mundo dos mortos, como confessado por Camus no Capítulo XLIX, Os sentimentos de Aquário - em sua conversa com Milo, e evidenciado por Chronos no Capítulo LIV, Os acompanhantes da deusa-. Porém como foi dito dezenas de vezes nessa estória, além da imensa profundidade, o submundo estava protegido por um barreira, tornando tal tarefa impossível, culminando na morte de Eri por afogamento.
* 6º trecho - Eu não vou dizer qual a relação antiga da alma de Milo com Hécate, vocês terão que procurar e chegar as próprias conclusões =P Caso pesquisem, creio que entenderão esse trecho "...Quando então sua vista se deparou com os intensos olhos azuis de Milo, ela piscou, como quem garante que um segredo será guardado, fazendo o guardião da oitava casa perguntar-se quem raios poderia ser aquele menina de ares tão familiar..." do capítulo XXIX, A ressurreição dos cavaleiros de ouro.


* Na mitologia, a personalidade de Esculápio diverge em duas. Egocêntrico e esnobe de suas habilidades, e bondoso e preocupado com os demais. Alguns mitos reforçam que também devido e essa primeira personalidade que ele foi tão fulminado.
* Existem vários mitos que citam Dionísio entrando no submundo para levar alguém com ele, mostrando ser algo que fazia com certa frequência sem impedimentos, eu tomei a liberdade de explorar esse tema. Além disso, Zegreu, sua anterior vida, antes de ser dilacerado pelos titãs a mando de Hera (...É) era por muitos autores considerado um deus do submundo por ser filha de Perséfone e Zeus (....É! Pois é...)
* A luta de Shion e Kairos no santuário foi um acontecimento de Lost Canvas, Shion Garden.
* Caso não recordem, Minos, como Lucius, presenciou os efeitos negativos do Miasma nas pessoas quando soube que a doceria perto de sua casa foi atacada, ele, por ser espectro, pôde ver o miasma e de algum modo já suspeitava q era isso que estava deixando as pessoas violentas, isso aconteceu no começo do Capítulo XVI, Tristes irmãos -.

UFA! Creio que esse capítulo foi o que mais teve notas (*), não? Espero realmente que agora Guerra e Paz tenha ficado mais clara para todos vocês!

Agora que todos esses pedaços foram unidos, vocês possuem alguma teoria? =3 O que esperam para o futuro de personagens como Épios, Kiki e Milo? Onde será que Prometeu levou o deus da medicina? A partir de agora ele será um personagem ainda mais recorrente!


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