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História Guerra e Paz - Capítulo CI - Quem lembra. Quem prefere esquecer -


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


Dedico esse capítulo a Dannilo Saraiva.
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ATENÇÃO! MUDANÇA DE DIA DE POSTAGEM.

Muita coisa aconteceu esses últimos dias, infelizmente em sua imensa maioria coisas ruins. Sinceramente não era para esse capítulo sair na data certa, isso só aconteceu porque eu estou virada a 24 horas tentando entregar ao menos algo para vocês, e dar tempo que eu possa dar esse aviso.

GUERRA E PAZ AGORA PASSARÁ A SER MENSAL.

Essa semana, dia 16, G&P completa 3 anos. Nessa data eu ou fazia hiato, ou começo a avisar quando será o próximo hiato. Eu sinceramente não planejava fazer mais pausas, e tinha como objetivo terminar a história em Junho. Contudo, é claro que isso não contava com essa absurda pandemia que assola a todos.

Em meio a isso, eu tenho passado muito estresse, praticamente todas as pessoas que me apoiam a escrever G&P estão passando por dificuldades e portanto simplesmente não há clima para continuar, até porque eu me sinto culpada de passar uma história tão densa, e nessa reta final, tão triste, em um momento em que todos tem que se manter psicologicamente saudáveis.

Sinceramente eu tinha pensado em simplesmente pausar a história sem data definida para retorno, mas eu acabei achando essa uma medida muito forte, e acabei mudando de ideia e adotando a postagem mensal.

Em 3 anos, eu só mudei a data de postagem uma vez, e nunca falhei no dia que a estória era entregue, seja qual seja o desafio e os sacrifícios, contudo, agora isso não depende mais de mim, por isso, eu espero que vocês entendam...

Fica da seguinte forma então, o cap 102 saíra entre o dia 15 e 16 de Maio, o 103 15/16 de junho, e assim por diante, até a história chegar no seu final no meio do mês de novembro, talvez então eu faça um último oneshot para dezembro, ainda há que analisar, mas seja como for, até segunda ordem, mantem-se a história diaria em outubro, que eu já faço a três anos, que dessa vez se chamará "Dias antes do fim".

E caso vocês achem que não vão aguentar esperar um mês para ver Shun acordar, eu convido a todos para entrar no nosso discord https://discord.gg/WV72AYQ lá vocês terão acesso antecipado aos caps, conforme os trechos forem sendo escritos.

É isso gente, espero que vocês entendam e gostem do cap apesar dos pesares.

Capítulo 102 - Capítulo CI - Quem lembra. Quem prefere esquecer -


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - Capítulo CI - Quem lembra. Quem prefere esquecer -

Capítulo 101 - Quem lembra. Quem prefere esquecer

Seu corpo tremia compulsivamente, apesar da manta que usava.

-...O senhor quer que eu pegue outra coberta? – Questionava preocupado um menino de cabelos brancos volumosos e pele morena, observando o mais velho com expressão franzida.

-...Não creio que vá adiantar – Disse simplesmente Camus Sintès, com seus olhos fortemente fechados sem encarar a criança.

- Mas o senhor não está com frio...? – Seguiu questionando o pequeno lemuriano mestiço, que havia sido orientado por Dohko a levar a manta ao aquariano e permanecer ao seu lado, quando Agatha, Shijima e os primeiros mortos começaram a chegar.  – Cavaleiros de gelo podem sentir frio...?

Sem que Camus pudesse controlar sua própria mente, lembranças de Dégel congelando a si mesmo e Atlântida retumbaram em sua mente, impossíveis de ignorar, o som do gelo tomando Atlântida e seus próprios gritos de dor pelo que fazia consigo mesmo eram tão altos e ensurdecedores como se fossem as próprias trombetas anunciando o apocalipse. 

Em resposta a isso, Rivera apenas franziu mais a expressão ao ver como, se possível, o mais velho se encolhia mais e o tremor piorava.

- Espera! Eu vou ajudar o senhor a se cobrir melhor! – Com esses dizeres se equilibrou tentando subir na cama, o que era sumamente difícil, levando-se em conta a distância da cadeira desconfortável e frágil do acompanhante para o leito, e a distancia ainda maior desse para o chão.

Essa distração, porém, foi o que Dohko precisava para passar correndo com dois cadáveres cobertos por mortalhas até a terceira ala, notando como Camus sequer se mexia para tentar ajudar a criança.

-...Não. – Até que a resposta repentina quase fez a criança perder o equilíbrio, conseguindo se segurar no último instante no braço da cadeira, quase fazendo o assento virar - Um cavaleiro de gelo não pode sentir frio. – Declarou ainda sem observar o menino, apesar dos rangidos que toda essa movimentação gerou.  

- Entãaaao...- Recomeçava o menor tentando se equilibrar na poltrona - ...O senhor está com medo?

-...Medo...? – Questionou o aquariano finalmente abrindo os olhos e vendo o rosto contrário.

- Sim, minha mãe disse que é normal tremer quando temos medo. – Explicou o garoto. – Meus irmãos mais velhos, quando morávamos juntos, se revezavam para dormir comigo porque eu tinha medo do escuro – E ao fim dessa frase, ruborizou-se ligeiramente - ...Na verdade, eu ainda tenho, por isso eu ganhei uma lamparina quando fiz seis!

Sua frase mal havia terminado e Dohko retornava ao salão, visivelmente transtornado, embora tentasse disfarçar.

- Camus, você sabe onde Kiki guarda os antídotos? – Questionou sem rodeios.

- No armário de cima da bancada. – Respondeu seco e sem hesitar.

- Certo – E o libriano saiu a passos apressados, enquanto um choro de mulher ecoava pela primeira ala da Fonte.

- Meu pai me leu um livro uma vez...- Seguiu o menino, se abstendo de perguntar o que eram antídotos – Era beem complexo e eu acabei dormindo antes dele terminar, mas era de um antigo membro da nossa raça – Franziu a expressão, claramente tentando lembrar as palavras exatas – Que quando nós fomos criados, como quando papai cozinha, juntaram um monte de ingredientes na gente que não eram muito bons...Hãa... Então talvez seja mais parecido com a comida do vovô Shion...Ou a torta de terra que eu comi uma vez – Ponderou para si mesmo.

Aquário nada disse, olhando para o menino e franzindo a expressão, tentando entender que tipo de livro Muh lia para seu filho.

- Mas então pegaram essa graaaande mistura e dividiu em pedacinhos, como se fossem bolinhos, um bolinho para cada estrela no céu, e assim, cada bolinho seria regido por uma estrela! Com cosmo em seu interior, e regidas pelo dentista!

- Destino.

- ISSO! Eu acho – Exclamou animado, ao mesmo tempo que seu pai, na outra ala, gritava pelo “Senhor Dohko” e passos apressados e fortes eram escutados saindo da Fonte. -  O senhor conhece esse livro, não é?! Afinal, o senhor é o senhor dos livros.

Frente a isso, Aquário fechou os olhos e começou a recitar.

- Depois de ter constituído o todo, dividiu-o em número de almas igual ao de astros e atribuiu uma a cada um. Fazendo-as embarcar como num carro, mostrou-lhes a natureza do universo e deu-lhes a conhecer as leis que lhes estavam destinadas, a saber: a primeira gênese seria estabelecida como idêntica para todas, de modo a que nenhuma fosse depreciada por ele. Era obrigatório que, uma vez disseminadas pelos instrumentos do tempo adequados a cada uma, gerassem dos seres-vivos o que mais venerasse os deuses; e, por a natureza humana ser dupla, isto é, masculina e feminina, aquela espécie mais forte seria a que, posteriormente, se chamaria macho.

- Siiim! Isso mesmo – Confirmou o garoto animado – Mamãe não gostou dessa parte, ela disse que podia não ser capaz de quebrar nada com os punhos como os cavaleiros, mas que não imaginava um conseguindo cuidar de uma criança por nove meses – Isso fez o menino franzir a expressão – Não sei porque ela disse isso, eu sou muito comportado, e meus irmãos também! Tenho certeza que o papai conseguiria cuidar da gente esse tempão, mesmo que sentíssemos muuuuito falta da mamãe, mas papai disse que realmente não conseguiria, então eu não entendi.

Pela primeira vez em muito tempo, Camus se permitiu sorrir levemente, mesmo que com melancolia.

- Esse não é um livro para crianças – Se limitou a comentar – É um livro de Platão.

- ...Não era esse o nome que meu pai falou...- Colocou o menino desapontado.

- Os diálogos de Timeu e Crítias – Aquário logo acrescentou, seu mínimo sorriso morrendo – Timeu, visto por muitos até hoje como um personagem fictício de Platão, deve ser o ancestral Lemuriano que Muh se refere – Quanto a isso o menino confirmou com veemência.

- Sim! Eu lembro que era um nome engraçado.  – Confirmou.

- Para Timeu, os homens estavam sujeitos a coisas acrescentadas e retiradas de nós pela necessidade. Criando assim as sensações. O desejo, o prazer, a dor, o medo, a ira e todas as nossas emoções.

- Eu dormi nessa parte e perdi todo o resto – Admitiu o garoto com um sorriso banguela e tímido – Mas quando eu acordei Egas me explicou que se não deixarmos essas coisas mandar em nós, podemos voltar às estrelas de onde nossas almas vieram!

-  Se as dominarem as sensações, viverão de forma justa, mas, se forem comandados por elas, viverão de forma injusta. Aquele que viver bem durante o tempo que lhe cabe, regressará à morada do astro que lhe está associado, para aí ter uma vida feliz e conforme. – Tornou a recitar sentindo como a Fonte começava a tremer, ao tempo que percebia como Muh invocava uma proteção sobre a construção para protegê-los de algo ou alguém - Mas, se extraviar-se, recairá sobre si a natureza de mulher na segunda reencarnação; e se, mesmo nessa condição, não cessar de praticar o mal, será sempre gerado com uma natureza de animal, assumindo uma ou outra forma, conforme o tipo de mal que pratique. – Fez uma pausa, observando o menor - Nunca imaginei que discutiria um diálogo platônico com uma criança, mas imagino que é o esperado de seres humanos superiores como os lemurianos.

-...Eu não sei se sou um lemuriano muito bom...- Comentou o pequeno em baixa voz, logo, no entanto, mudando de assunto –O senhor tem esse livro na sua biblioteca também? – E vendo que os tremores não paravam, acrescentou apenado e inseguro - Isso...são terremotos?

- Tenho certeza que seu pai dará conta do que quer que esteja lá fora – Acrescentou aquário, por mais que sentisse que era Shijima quem iniciava um embate. Era difícil não ver a figura de Soleil nessa criança, como não sabia se poderia voltar a ver seu filho antes de seu degradante fim, distrair o filho de um velho amigo poderia, ao menos, ser um pequeno consolo.

- É! O senhor tem razão! – Acrescentou, visivelmente mais animado.

- E eu tenho esse livro sim – Respondeu a anterior pergunta – Timeu pensava que nascer uma mulher devia ser como um castigo pelo quão difícil era a vida delas em seu tempo. Não posso culpá-lo por pensar assim, realmente.  – Colocou em tom melancólico, recordando-se de Astéria e mesmo de Caenis, mesmo que lembrasse pouquíssimo de sua segunda vida ao lado de sua tia – O terceiro cavaleiro de Áries foi sua aprendiz, Agnodice, a qual teve uma vida bem difícil pelo que me lembro, principalmente depois da...-Hesitou - Morte de seu mestre. Ainda assim, foi a primeira médica da casa de Áries e do santuário – Uma vez que ninguém lembra-se de Asclépio, não pôde deixar de pensar – Porém, é considerada um cavaleiro e não amazona, porque se vestiu de homem por muito tempo para ser médica.    

Um interesse genuíno se mostrou nos olhos do pequeno frente à essas palavras.

- O senhor conhece muita coisa sobre Timeu e a casa de Áries! – Exclamou impressionado o menino – Sabe, ele é o cavaleiro preferido dos meus irmãos mais velhos. Já o meu é Gareth de Áries da oitava geração! Ele não era um lemuriano, mas era incrível como um! Já minha irmã diz que gosta muito da Agnodice, mas na verdade o cavaleiro de Áries favorito dela é o vovô Shion! – E tampou sua boca rapidamente, como se tivesse dito algo secreto – Aaaah, mas ela tem vergonha de dizer isso!  Então não conte a ninguém senhor Camus, se não ela vai ficar brava comigo.

- Te garanto que levarei o segredo comigo – Se limitou a dizer em tom levemente sombrio.

- E qual é o seu cavaleiro favorito? – Perguntou por fim a criança – Ou amazona né.

- Astéria de Escorpião – Se limitou a dizer, voltando a fechar seus olhos.

Isso fez o menino piscar.

- A gente pode ter favoritos de outras casas...?  - Perguntou como se aquilo fosse uma grande revelação, ao que Aquário se limitou a confirmar com a cabeça – QUE LEGAL! Nesse caso, meu novo favorito é Sage de Câncer da décima segunda geração!  

-...Sage era sem dúvida um grande cavaleiro. – Concordou recordando-se do seu velho mestre na arte de ler as estrelas.

- Eu não conheço essa Astéria, de qual geração ela é? – Perguntou o menino interessado.

- Da primeira – Quanto a isso Rivera soltou uma exclamação de assombro.

- Nooooooossa, isso faz muuuuito tempo! – Pulou animado em seu lugar – Como ela era?

-...Forte, agressiva, por vezes assustadora – Começou a listar, um grande vazio crescendo em seu interior – E ao mesmo tempo, sumamente protetora e carinhosa com aqueles que conquistavam seu coração.

- Como o senhor Milo? – A pergunta se sentiu como uma facada no peito do mais velho, porque sem dúvida ninguém havia dito ao pequeno que o grego já havia falecido, mas conseguiu disfarçar a sensação enquanto tudo voltava a tremer novamente, mas dessa vez o pequeno mestiço estava animado demais para notar. – Eu não o conheço, mas ele deu aula de história do santuário para tooodos os meus irmãos! Hayata me disse que para escapar de uma bronca dele você só precisa fazer cara de choro! Ela descobriu isso quando esqueceu de pesquisar sobre...Alguma coisa sobre um vulcão...

- O Confronto Gemini do Etna, onde Astiages e Harpago de gêmeos se enfrentaram com seus respectivos exércitos sob o Vulcão Etna, na terceira geração, ou a morte de Plínio de Gêmeos, Grande Mestre da sexta geração, que morreu ao tentar resgatar as pessoas de Pompeia da erupção do Monte Vesúvio. – Recitou sem qualquer falha, fazendo a boca do garoto se abrir comicamente.

- O senhor é incrível! Como consegue lembrar de tooodas essas coisas?! – Exclamou em choque o menor. – Por isso te chamam de “O Senhor dos livros”!

- Sua irmã tem razão, Milo sempre foi um cavaleiro de garras afiadas, mas de coração derretido, todos os principais guerreiros da sua casa sofriam da mesma dualidade do Escorpião gigante enviado por Apolo. – Desconversou, apertando com as mãos a coberta que o cobria. – Lágrimas de criança sempre foram mortais para ele, por isso sempre mimou muito Soleil e me defendia quando éramos mais jovens...

Uma figura de si mesmo e o escorpiano, em suas adolescências, sentados sob a grande oliveira, veio à sua mente. A memória do dia que contou a Milo sobre a morte de Isaak enquanto estava sob seus cuidados. E como o grego o consolou sem condenar suas lágrimas.

- Mas quando nos tornamos cavaleiros não podemos mais chorar, podemos?- Questionou o menor. 

- Não. – A resposta de Camus foi tão categórica quanto falsa – Cavaleiros não devem chorar.

-...Então, meu pai só chorou quando eu nasci porque o Kiki o sucedeu como cavaleiro?-  Levantou outra pergunta – Porque mamãe disse que ele chorou muito, no nascimento de tooodos nós. Ele quase deve ter secado com Egas e Irekuha, já que são gêmeos!

Aquário não respondeu, abrindo os olhos e encarando o menino, sem conseguir imaginar o Muh de Áries que conhecia sob tal perspectiva. O ariano sempre lhe pareceu uma muralha de emoções, ao ponto de sempre se perguntar se ele gostava mesmo de sua esposa ou se só estava com ela para fins de procriação de sua raça em extinção.

- E...Mesmo hoje papai chorou de novo...Estão todos chorando aqui - Acrescentou o pequeno por fim, ao que Camus não sabia exatamente com o que rebater.

Às vozes abafadas e lamentosas do outro lado da Fonte apenas aumentando o vazio que sentia, reflexos de sua própria despedida. Porque independe das mortes que todos enfrentariam aquela noite, todos voltariam a se reencontrar em outra reencarnação, por isso eram afortunados mesmo na desgraça. Sabia que estava sendo egoísta e insensível em pensar assim, talvez fosse a influência de Nasu falando sobre ele, talvez fossem sussurros de sua lenta conversão a espectro, ou simplesmente queria arranjar mais motivos e argumentos para se afundar na miséria, e como sempre fez em sua longa existência, se isolar dentro de sua própria escuridão.

Porque ele e Milo não possuíam mais essa pequena esperança de se encontrarem algum dia, porque o escorpiano estava morto, e sua alma havia se despedaçado completamente apesar de todos os seus esforços para mantê-lo vivo durante vinte anos. Agora tudo que restava em sua vida era Soleil, porque duvidava que algum dia Isaak gostaria de vê-lo novamente, depois do que o fez sofrer. Sinceramente, era uma questão de tempo para Soleil o odiá-lo também, por tê-lo usado por vinte anos enquanto fingia ser seu pai. Quanto a Hyoga, não tinha certeza se o russo ainda estava vivo depois da possessão de Chronos.

Morreria sozinho e estigmatizado, sem nunca ter sido o pai que os três mereciam, teriam tido muito mais sorte na vida se tivessem sido criados por Muh, ou mesmo Milo, ao invés de si mesmo.

Ao pensar em tudo isso, seu corpo voltou a tremer, sequer tinha notado quando seu organismo havia parado de executar tal ação em primeiro lugar. Enquanto rezava pela primeira vez ao seu futuro senhor, Shun, que Soleil e Isaak estivessem em segurança, e que a alma de Hyoga tivesse a clemência de seu antigo amigo.

Mesmo que em um futuro breve todos o odiassem, esses três ainda eram seus filhos.     

-...Cavaleiros podem sentir medo? – A pergunta repentina de Rivera o tomou por assalto, decidiu então, numa tentativa de controlar seus tremores, tampar mesmo sua cabeça com o manto, ainda assim se forçou a escutar. – Se o senhor não está com frio, então está tremendo de medo?

- Não. Cavaleiros não podem sentir medo.  – Respondeu em tom quebrado. – Caso sentissem, caso não controlassem essas emoções mundanas, não se tornariam estrelas cadentes quando morrem, como Timeu escreveu.

-...É...Acho que o senhor tem razão – Concordou o pequeno, embora de cenho franzido.

Novamente terremotos mais intensos se formavam, abafando quase que completamente a voz de Muh, que soava mais distante do que apenas na ala ao lado, como se tivesse saído da Fonte, mas assim era possível notar que o lemuriano parecia gritar com alguém.

Algo que, por si só, já era absolutamente surreal.

- ...Apesar de tudo, por realmente muito tempo eu esperei, acreditando que por mais dolorosa que tivesse sido minha vida, quando chegasse o momento derradeiro, lutando pelo que eu acreditava, eu iria me tornar uma estrela quando deixasse esse mundo, e mesmo sem mim, por ventura de nosso sacrifico, tudo iria acabar bem, um dia – Voltou a falar o aquariano, conseguindo assim abafar completamente os ecos do antigo cavaleiro de Áries, que começavam a deixar seu filho mais novo cada vez mais tenso. – Como Timeu escreveu, em morte eu almejava cruzar os céus e avisar a todos de minha partida. Vendo desde o firmamento que o mundo que deixei para trás havia se tornado um lugar melhor, graças ao nosso sacrifício, mostrando que os milênios que enfrentamos não foram em vão.   

-...O senhor então não acredita mais nisso? – Perguntou confusa a criança com os repentinos dizeres.

- Eu acredito que tudo vai acabar bem Rivera – Declarou em tom mais tranquilizador, esticando a mão trêmula e acariciando os cabelos do menor, vendo nele, por alguns instantes, a figura de seus três filhos adotivos. – Todos aqui são fortes, tem o que proteger, e não vão abrir mão do que conquistaram nesse tempo de Paz. Por isso, é diferente agora, os que aqui lutam não almejam mais serem perfeitos e brilhar no céu noturno, orgulhosos entre as estrelas de sua constelação. Não, não, longe disso. Os que aqui estão querem permanecer na Terra, com seus pés firmes sob o chão, ao lado de quem amam. Essa é a maior diferença entre a geração de vocês e a de Timeu. Consegue entender isso?

-...Acho que sim  - Foi tudo o que disse.

- Então se quer um conselho desse cansado e arrependido ex cavaleiro – Disse sentando-se lentamente com suma dificuldade, apenas preocupando o menor – Viva seu próprio tempo Rivera, sempre haverá Quem lembra o que fomos no passado, ao mesmo tempo que sempre existirá Quem prefere esquecer. É verdade que devemos conhecer os passos dados no passado, mas tentar replicá-los apenas causará dor e sofrimento. Então, crie as suas próprias regras a partir de agora, ao invés de viver sob aquelas pensadas milênios atrás quando o mundo era diferente.  

O menino piscou sem saber o que dizer, vendo o mais velho enquanto se esticava para ajudá-lo a se sentar.

- Em palavras mais simples criança, você pode chorar, pode sentir medo, pode ser simplesmente você – Findou encarando o rosto mais jovem. – Mais do que um futuro cavaleiro, você é um humano. – Fechou seus olhos por alguns instantes, meditativo, enquanto os olhos do pequeno se enchiam de lágrimas, mesmo tão novo, aquelas palavras retumbavam em seu peito. – Eu sempre ensinei meus filhos que era preciso controlar nossas emoções para sermos bons magos do gelo, bons cavaleiros. Porém controlar é diferente de fingir que elas não existem... – Ao reabrir seus olhos, era possível ver um tom vidroso refletido neles, contudo, ainda não havia sinais de lágrimas prestes a cair – Eu tenho muitos arrependimentos Rivera, principalmente sobre como tratei as pessoas a minha volta. Eu persegui uma estrela* por muito tempo, e agora que ela se apagou, se apagou também meu interesse no céu. Mais do que acreditar nas palavras de Timeu, agora, eu quero apenas fechar meus olhos, e nunca mais ver o firmamento salpicado de astros, escondido na mais profunda caverna da Terra. Até que eu pague por tudo que fiz...

Ao fim de seus dizeres, sentiu o corpo pequeno o abraçar com força, surpreendendo-o.

- Eu não sei se entendo o que o senhor quer dizer com isso - Confessou – Eu ainda sou uma criança...

- Desculpa – Permitiu-se abraçar, sentindo um nó se formando em sua garganta, mas não respondendo o gesto. – Creio que falei de forma complicada demais.

-... Mas... – Seguiu a criança com firmeza – As estrelas são muito bonitas para alguém não querer mais vê-las! Uma vez Irekuha me disse que as estrelas se vão, mas mesmo assim ainda podemos contar com o brilho delas por muito, muito tempo! Exatamente porque elas estão longe de nós!

- Ele tem razão – Concordou o aquariano – E por isso eu prometo que manterei o brilho da estrela vermelha que sempre me guiou vivo dentro do meu coração, é o mínimo que eu posso fazer depois de tudo.

Um novo terremoto, ainda mais forte que o anterior assolou a região, com gritos em outro idioma ao fundo, apenas fazendo o pequeno mestiço abraçar o mais velho com mais força, mesmo sem ser retribuído.

Na mente de aquário apenas passavam imagens de quantas e quantas vezes esteve na mesma posição que essa criança, e em milhares dessas ocasiões de fragilidade, Escorpião esteve lá por ele. Provavelmente seu maior arrependimento era não ter sido uma muralha dessas para alguém.

Mesmo quando Mopsos, em que muito cedo perdeu Caeneu, e passou mais de duzentos anos sozinho vigiando o selo dos espectros, via na constelação de Escorpião abrigo e refúgio, e apenas quando o céu se tornou negro com a aproximação do despertar de Hades, que deixou-se mergulhar na insanidade.

Mesmo quando foi Krest, e foi capaz de matar Ruber, embora este apenas estava sendo dominado pelas fadas do submundo, buscou em Garnet a sombra da voz suave de Escorpião, permitindo-se hipnotizar pela cantora, que trouxe alívio ao seu coração ao recordá-lo, mesmo que inconscientemente, de tantas vezes que as canções entoadas pelas reencarnações de Astéria acalmaram sua turbulenta alma.

Com vergonha notava que não sabia andar sozinho, mas agora teria que aprender, mesmo em morte, como caminhar com seus próprios passos.

“Se eu pudesse te ver mais uma vez...Milo” – Dizia para si mesmo em sua mente – “...Eu gostaria de pedir perdão pelo meu egoísmo, pela culpa que me cegou, pela minha dependência que sempre te prendeu e te fez viver em função de me tirar desse enorme poço que me meti...Se eu tivesse ao menos uma última oportunidade, gostaria que pudéssemos recomeçarmos do zero...Gostaria de poder estar contigo novamente, mas que possamos dar nossos próprios passos sozinhos. Sermos novas pessoas livres dos erros de nossa maldição, vivendo plenamente nossas vidas, como sempre deveria ter sido.”

Dois pares de passos apressados se ouviam voltando para a Fonte.

Enquanto gritos agudos, que pareciam vir de uma criança, seguiam soando lá fora.

- RELÂMPAGO DE PLASMA!!

- RELÂMPAGO NEEEGROOOOO!!!

Os golpes, que mesmo sendo lançados do lado de fora ecoaram na ala hospitalar a dentro, pelo tom forte de seus anunciantes, fez Rivera sobressaltar-se, afastando-se de Camus.

- ...O que é isso? – Questionou aflito.

Uma das vozes Aquário reconheceu pertencer a Aioria, enquanto a outra parecia vagamente familiar, embora não tinha certeza se era dessa vida ou de outra.

-  PARE DE FICAR CHORANDO E VÁ FAZER ALGUMA COISA ÚTIL COISA PARA IMPEDIR!!

- IKKI!!! O QUE VOCÊ FEZ?

-...Ikki? – Repetiu o menino – O filho do senhor Aioria? Achei que ele fosse pequeno como eu.

O ex cavaleiro não respondeu a princípio, Milo mesmo tinha confessado que havia se encontrado com Ikki no submundo, vinte anos atrás, ele era espectro enquanto seu irmão ocupava o trono do imperador do submundo, isso era algo que conseguia compreender.  O que não fazia sentido nesse momento, era porque estava ali, no santuário, até onde tinha discernimento, Athena e seu futuro senhor não haviam entrado em consenso.

Isso fez seu coração dar um solavanco. Se Benu estava ali, talvez algo teria acontecido ao submundo? Talvez até mesmo Soleil estivesse com ele!

Imediatamente tentou comunicar-se com Verônica, porém, o mesmo, embora sentia que seguia presente, parecia estar ocupado com alguma coisa, sua presença era agitada e aflita, sentia-a como se fosse sua, o que apenas o fazia se preocupar mais.

- DROGA IKKI! VOCÊ CONTINUA SENDO O MESMO IRRESPONSÁVEL DE SEMPRE! – Seguia exclamando a voz de Aioria ao longe.

-...Será que todos estão bem? – Perguntou o jovem lemuriano.

- Sim – Mentiu Camus – Não se preocupe, todos nesse santuário são normalmente escandalosos – Desconversou.

Um trovão então foi escutado de dentro da Fonte a perfeição, fazendo Rivera dar um pequeno grito agudo, que, no entanto, foi tapado com suas mãos, para que assim não alarmasse seu pai na outra ala. A enorme consideração dessa criança apenas fazia Camus recordar-se mais de Soleil. Queria levantar-se e questionar Ikki sobre o mais jovem, ainda mais agora que Verônica não parecia disposto a responder.

-...Eu...Eu realmente preciso ver se precisam da minha ajuda! – Chegou à conclusão o pequeno limpando suas lágrimas – Mesmo eu sendo fraco, talvez eu possa...- Engoliu em seco voltando ao aquariano – O senhor vai ficar bem sozinho...?

- Não se preocupe comigo. Pode ir ajudar os outros – Por mais que sentisse que o menino sofreria muito com o que veria do outro lado da fonte, não queria prendê-lo consigo e fazê-lo se culpar depois por não ter podido ajudar – Eu vou ficar bem. – O outro estava a ponto de sair correndo da segunda ala, após dar um salto para o chão, quando tornou a chamá-lo. – Rivera.

O mencionado se virou para vê-lo, preocupação estampada em sua jovem face.

- Vai dar tudo certo. Seja forte, e você verá. – Disse, inspirando-se em o que Milo faria se estivesse em seu lugar, que sempre soube lidar com crianças muito melhor do que si mesmo. Em resposta recebeu um longo fungado – E obrigado pela companhia.

- O senhor também é muito forte senhor Camus – E sem mais, saiu para a primeira parte da ala médica.

Não demorou muito para ouvir o choro da criança uma vez que descobriu que um dos novos pacientes era justamente um de seus irmãos mais velhos, Irekuha. Aquário se limitava a escutar ao tempo que voltava a se deitar, encarando o teto branco.

-MAS O QUE É TUDO ISSO!!! – A voz que ecoava agora era de Rômulo.

Um novo tremor apenas fez o francês tornar a fechar seus olhos, completamente impotente, enquanto sentia como a Fonte enchia-se mais e mais.

- VÁ! ARMADURA DE PEIXES!  - O grito aflito de Afrodite, porém, o fez reabrir os olhos, seu coração teria falhado uma batida se pudesse.

-...Afrodite... – Tentou reunir forças para levantar-se, mas sem o auxílio de Verônica não conseguia fazer mais que sentar-se.  - ...O que estará acontecendo...?

Pelo desespero do mais velho, pensou que algo havia passado com Albafica, o que deixava um sabor amargo em sua boca, que nada tinha a ver com seu estado, afinal, havia visto o filho deu seu companheiro crescer ao lado do seu, ambos sendo grandes amigos.

- ME SOLTE KANON, eu não posso ficar aqui parado! – Seguia o pisciano mais velho, claramente fora de si.

“E aqui estou eu, parado, enquanto todos ao meu lado estão sofrendo” – Seguiu pensando o aquariano, mordendo o lábio inferior. – “Ao menos, se meu plano funcionar, eu vou colocar um fim em tudo...Assim que Athena retornar”.

Esse era seu único consolo a esta altura da situação.

Para então poder ouvir dois pares de passos voltando a ala onde estava.

Pôde testemunhar o filho mais velho de Aiolos, Rômulo de Ófiuco entrando com seu irmão nos braços, ao tempo que um choroso Rivera o guiava.

- Coloque-o na segunda cama, eu vou ajeitar os leitos como o senhor Camus pediu! – Exclamou decidido o menino.

O olhar desesperado do geminiano foi a gota final para Aquário, que apertou os punhos e conseguiu finalmente se forçar a levantar do leito, quase caindo no chão no processo.

- Senhor Camus! – O lemuriano exclamou, mas antes que chegasse até si, o mais velho o impediu.

- Eu estou bem – Confirmou arfante – Vou te ajudar com as camas, pegue os lençóis, por favor.

Por um instante nenhum dos dois jovens reagiu, atônitos ao testemunhar a figura do mais velho, agora descoberto. Suas unhas estavam completamente tingidas de vermelho, mesma cor de manchas por todo seu corpo, através de suas íris, havia um risco dessa mesma cor, e mesmo sua pupila já estava tingida de rubro.

Contudo, sem dúvida, o que mais chamava a atenção era seu cabelo. O que afastava qualquer teoria daquilo que afligia o maior ser uma enfermidade em sua pele, isso porque as raízes estavam tomadas de um tom tão vibrante, que parecia que sangue havia sido derrubado por sua cabeça e escorrido por seus fios, aos poucos chegando mais próximos de suas pontas.

O geminiano foi o primeiro a sair da impressão que essa aparência dava, para depositar seu irmão na cama a qual havia sido orientado antes.

-...O senhor tem certeza, não está com muita dor? – Questionou preocupado Rivera, ao que Camus negou com a cabeça.

- Eu não sinto dor já há algum tempo – Confessou por fim. O que era verdade. Afinal, seu problema real a esta altura era que seu corpo começava a enrijecer, seguindo o fluxo da natureza, apesar da intervenção de Verônica. – Vamos fazer isso rápido.

- Obrigado senhor Camus – Agradeceu Rômulo, testemunhando o esforço do mais velho. O qual apenas retou importância com um gesto de mão.

E mesmo que em movimentos rígidos, Camus começou a ajudar o menor, por sua vez, ao ouvir um gemido partindo dos lábios de Remo, seu gêmeo voltou correndo para a primeira ala.   

- Vá com ele, eu termino aqui. Se eles precisarem de equipamentos para cirurgia, estão no armário sobre a bancada. – Orientou Aquário, e o lemuriano confirmou com a cabeça, obedecendo imediatamente, deixando de saltar para cobrir as camas, para seguir o mais velho.

- VOCÊ sabe operar, Kanon?! – Novamente a voz forte de Aioria se sobrepôs as demais, fazendo Aquário franzir a expressão sobre o que era dito, e o quão surreal era imaginar.

E então o mesmíssimo Kanon vinha para sua ala da fonte, acompanhado de Rivera que o ajudava a carregar alguns equipamentos médicos.

Seu olhar então se encontrou com o mais velho, e talvez fosse porque estava se tornando um espectro, mas imediatamente soube que aquele à sua frente não era quem dizia ser.

- ...Já faz muito tempo, Albert. – A fala de Gêmeos, imediatamente fez o ex cavaleiro abrir os olhos surpreso e chocado em partes iguais. Não era chamado dessa forma há bem mais de vinte anos, mas sabia quem era a única pessoa que se referia a ele desse jeito – Me contaram sobre sua situação, eu sinto muito meu garoto. Porém, espero que trabalhemos bem juntos no futuro.

Rivera não questionou a estranha conversa entre velhos companheiros, colocando os equipamentos na bancada ao lado do leito de Remo.

-...O QUE está acontecendo?! – Exigiu saber – O que VOCÊ, de todas as pessoas faz aqui?! – Se limitou a dizer, sem evidenciar o estado de possessão que havia notado, porque com certeza esse detalhe o pequeno lemuriano não deixaria passar.

- Vou operar esse pobre garoto, creio que Verônica pode te explicar melhor a situação. – Se limitou a dizer colocando luvas e se focando em seu paciente.

- É o que eu estou tentando fazer há algum tempo – Colocou com impaciência, ainda assim respirou fundo, tentando novamente recomeçar uma comunicação com o espectro.

“- Verônica! Será que pode se dignar a responder?!-“ – Questionou novamente em sua mente, porém, dessa vez ao menos, obteve resposta.

“Oh mon cher, muuuita coisa, desculpe a ausência~” – Respondeu com sua voz melosa e esganiçada habitual –“ O Cabo onde eu estava foi destruído por uma onda, eu fui salvo por um princíiipe encantado e...Aaah sim, Poseidon está aqui.”

“POSEIDON?!”- Exclamou em choque, sentando-se na ponta de seu leito, enquanto via como Iatrós, no corpo de Kanon, operava com cuidado Remo. “-Como e quando isso aconteceu?!”

“Faz pouco tempo, na verdade” – Se limitou a dizer Nasu –“Aliás, é melhor você preparar seu coração gelado, cubinho de gelo, pelo que eu entendi, seus dois filhos estão indo aí para se despedir de você. Me refiro ao nosso Lune e o rapaz de cabelo verde” – Os lábios de Camus se abriram com essa revelação. “ – Aproveite em quanto pode, mon cher, mais alguns minutinhos e seremos apenas eu, você e o submundo.”

E sinceramente, não soube o que responder quanto a isso.      

- Você está bem, senhor Camus? – A pergunta repentina quase fez o aquariano cair da cama, preocupando a criança ainda mais.

-...Sim – Disse sem nenhuma convicção, engolindo em seco – Foi só um mal-estar.

- Quer que eu chame meu pai? – Seguiu apreensivo.

- Não precisa...- Disse pausadamente, ainda tentando processar os dizeres de Verônica – Vou apenas me deitar de novo. – E fez exatamente isso – Eu te aviso se precisar de alguma coisa, sim?

 O menino confirmou com a cabeça, sentindo-se um pouco mais seguro,  voltando ao lado de “Kanon.”

- PIADAAA!! – Uma nova voz invadia a Fonte, vinda do lado de fora, e ainda assim ecoante pela estrutura como se já estivesse dentro dela – PRECISAMOS DE ATENDIMENTO IMEDIATO PARA O MESTRE MÁSCARA! ELE ESTÁ....-

Era Logam de Perseu, um dos cavaleiros que, mesmo não sendo sucessor direto de nenhum dos dois, tinha chegado a ser aprendiz de Técnicas de Luta tanto de Máscara da Morte quanto de Milo, portanto, havia assistido ele e Airon de Lira treinando algumas vezes, o suficiente para reconhecer plenamente sua voz.

- TIO! TIO! POR FAVOR!  - Piada berrava, fazendo o nó na garganta de Camus apenas se intensificar. Era verdade que não era muito intimo de Máscara da Morte e seu aprendiz, mas tinha certo grau de consideração por ambos desde que Esculápio trouxe suas memórias de volta quando o encontraram na África, pois ambos o lembravam muito da figura de Mortalha Estirpe, o primeiro canceriano que cuidou de si, junto a Narciso, após a morte de Astéria, até que foi deixado aos cuidados de Póllux, por desejo principalmente de Athena. Por essa mesma razão se preocupava também por Afrodite, que até mesmo já havia perdido um braço para essa guerra. Além de suas convivências de vidas passadas, o pisciano mais velho, além de ir com ele e Kiki na viagem em busca de Esculápio, também era, até certa medida, seu cúmplice em muito que dizia respeito a saúde de Milo durante esses tortuosos vinte anos.

Por isso, também o angustiava a situação que os três poderiam estar, por mais que não pudesse vê-los.

Também não podia deixar de pensar como Shaka reagiria quando soubesse, afinal, ele e Máscara tinham desenvolvido uma relação bem diferente em comparação a maioria de suas anteriores vidas, sinceramente, desde Sidarta, não via Virgem se aproximando tanto assim de alguém. 

E mais e mais passos tomaram a Fonte, que se tornava cada vez mais cheia.

Nesse instante, mais alguém entrou na segunda ala, Ailá, uma das curandeiras aprendizes de Kiki, levando o pequeno Suisho em seus braços. Ela olhou de relance para Kanon, que com o cabelo bem preso, usando máscara e touca enquanto operava, estava francamente irreconhecível, por isso não se atentou a ele, e sim a quem operava.

-...Remo! – Colocou com agonia.

- Sui está bem?! – Mas ela não teve tempo de processar isso, quando Rivera simplesmente surgiu do lado do suposto médico.

- Sim, ele só está adormecido. – Se limitou a dizer, no que a jovem adolescente fez menção de buscar uma cama para o jovenzinho, um grito de choque saiu de seus lábios, quando deparou-se com Camus, que a observava de soslaio, porém, sua exclamação era quase muda frente a todas as vozes que ecoavam na primeira ala. – S-senhor Camus?!

- ...Boa noite Ailá – Se limitou a cumprimentar, voltando a se cobrir para evitar que sua aparência seguisse chamando tanta atenção.

- Aah, desculpe senhor Camus – Ela notou a grosseria, envergonhando-se completamente

- MEEEEESTRE MUUUUUH!! – O grito tão familiar, chamou imediatamente a atenção dela, fazendo-a voltar a outra ala a passos apressados, embora a exclamação se visse surda por outras tantas daquela Fonte, de tal modo que Rivera não a notou, voltando ao lado de Kanon e o auxiliando com seus equipamentos médicos depois de saber que Suisho estava bem.

Contudo, por sua parte, o coração de Camus deu um solavanco.

Essa voz distante podia ser realmente a voz de Kiki? Até onde todos sabiam, o lemuriano havia morrido ao lado de Milo, na batalha contra Erictônio e Medusa. Como era possível que estava vivo e ressurgia agora?

Tinha ido até mesmo ao Cabo Sunion, lugar que francamente detestava, e não havia encontrado qualquer sinal de que o mais novo tivesse sobrevivido.

-...Isso com certeza é obra sua Milo – Sussurrou para si mesmo, uma sensação de raiva e injustiça novamente brotando em seu peito. O maldito escorpiano com certeza havia feito algo para que o médico pudesse sobreviver, de algum modo que passou despercebido para todos, mesmo que as custas de suas próprias chances. Isso era revoltosamente algo que ele com certeza faria, foi o que ele sempre fez.

Jogar os vinte anos de esforço para manter sua alma existindo, simplesmente fora em nome de alguém detentor de sua consideração. Sabia em seu interior, que mais do que ser morto por Erictônio, esse sacrifício devia ser obra das ações do próprio escorpiano.

 Era tão frustrante o quanto dedicou sua vida e reencarnações para o escorpiano, e o quanto esse era desprendido de sua própria existência, mesmo depois de dar sua palavra de que viveriam juntos, mesmo que sob a vergonha do Hiketeia, sob a proteção do novo senhor do submundo.

Por mais que estivesse feliz com a sobrevivência do ariano que tanto os ajudou nas últimas duas décadas, sentia-se, acima de tudo, abandonado e enganado pelo escorpiano.

- Camus. Então temos um acordo – Lembrava, como um soco em seu estomago, as últimas palavras que ouviu do mais velho – Mantenha-se afastado o máximo que puder, e em morte, serviremos a desonra juntos.

Até mesmo haviam apertado as mãos naquele contrato tácito.

Sentia-se genuinamente traído, passado para trás, enquanto seus olhos voltam a assumir um tom brilhoso, mesmo que as lágrimas ainda se recusassem em cair.     

-...Maldito mentiroso – Resmungou tão suavemente que não soou mais que apenas um sussurro. Havia descido tão baixo pelo outro, e agora estava condenado a viver a miséria do Hiketeia sozinho.

Sabia que havia simplesmente chegado a uma fase do luto que buscava desesperadamente culpar e odiar a si mesmo, e até mesmo Milo simplesmente para tentar se sentir melhor e preencher esse enorme vazio que havia ficado em seu peito. Porém, por mais degradante que fosse essa situação, simplesmente não conseguia se forçar em pensar em outra coisa senão o fato de que havia falhado em sua missão de reverter essa maldição que a inocência de Erisictão havia causado em sua primeira vida à existência de Escorpião.

Por mais que tentasse pensar e se focar em outras coisas sempre voltava a esse ponto que o atormentava e o atormentaria até o fim de sua existência na Terra.

 Sentia-se minúsculo e ridículo frente a este fracasso. Havia sacrificado tanto, havia perdido tanto para finalmente por fim a esta tragédia grega, e ainda assim havia falhado miseravelmente, se limitando a culpar Milo como se este tivesse desde o princípio planejado se matar para que Kiki pudesse sobreviver, mesmo sabendo que isso era uma imensa calunia ao nome de seu saudoso amigo.

Como iria encarar seus filhos agora? Era vergonhoso saber que eles iriam testemunhá-lo naquele  precário estado.

 "... Tente se animar um pouco cubinho de gelo, tenho certeza que seu querido companheiro de milênios não gostaria de te ver nesse estado, você não acha?... " – A voz de Verônica soou mais suave que de costume em sua cabeça, e podia sentir uma sensação quente passando por seu corpo gélido, como se o geminiano tentasse transmitir-lhe algum conforto através de seu cosmo. Não imaginava que a energia de um espectro pudesse ser tão calorosa, embora talvez fosse porque seu próprio estado e cosmo eram tão precários que até o sopro da morte parecia mais quente do que o toque de sua pele.

Era difícil saber.

 " -Se ele não quisesse me ver dessa forma, não deveria ter se sacrificado por outra pessoa. " - Declarou em sua mente, mesmo sabendo que estava soando com uma criança falando assim. Não se importava, porque agora sentia-se tão perdido e deslocado quanto o príncipe que foi em sua primeira vida, depois de retornar do mundo inferior sem aquela que considerava sua família.

"... Meu querido, nem o Imperador dos mortos pode controlar a vontade dos homens sobre suas próprias vidas. A morte sempre caminha ao nosso lado, a qualquer momento podemos nos deparar com ela mesmo sem percebermos, ao mesmo tempo que, haverá instantes em que dependerá de nós mesmos ir em sua direção, ou procurar um desvio mais longo, esse desvio é o que nós chamamos de instinto de sobrevivência.  Seja por nós mesmos, seja por temermos o que virá além da vida, seja por medo de abandonar alguém que amamos a própria sorte. Os humanos naturalmente buscam sua sobrevivência,  como os animais, pois está em nosso instinto, mesmo que isso, infelizmente, muitas vezes os leve a caminhos opostos e a fins prematuros e cruéis. É exatamente pela vida ser algo tão difícil e doloroso, que aqueles que cometem suicídio, cometem também um grande pecado.  Eu sei disso, porque fui parar no submundo justamente por esse erro tão crasso. Por isso, Camus, me permita dizer, com base no que conheci sobre Astéria, e em respeito a fraca chama  que eu encontrei beirando o Aqueronte, chama esta que lutou com todas as suas forças para chegar ao mundo inferior,  mesmo que não passe agora de uma simples labareda, apenas para te encontrar na margem do rio como prometido...” – Sentia como algo dentro de si ardia com o fim de cada uma dessas palavras “... Escorpião até teve oportunidade de tirar a sua própria vida e destruir sua existência pensando que isso apenas te causava mal, Camus, mas quando  o Tempo Oportuno apareceu em frente a ele,  dando-lhe outra oportunidade,  ele não hesitou muito antes de aceitar, pelo bem de vocês dois, porque ele finalmente entendeu o quanto você sofreria se ele não estivesse mais ali. Então não suje a memória daquele que até o seu último suspiro, deu tudo de si para manter sua palavra e te esperar além da morte. Escute o apelo desse servo da morte, que já testemunhou tantas e tantas despedidas ao longo dos séculos. Milo realmente morreu e sua memória viverá agora apenas nos corações daqueles que o conheceram e amaram, porém, os fragmentos da alma milenar de Escorpião ainda se esforçaram ao máximo para continuar te esperando Camus. Não  hesite em se manter com a cabeça erguida mesmo nesses últimos instantes, porque alguém que tenha a devoção tão grande de alguém assim e por tantos milênios, simplesmente não pode ter vergonha de quem é...”

Tudo parecia em silêncio ao seu redor, onde tudo que podia ouvir eram as palavras do espectro, se aferrando a cada uma delas como se fosse o último pedaço de terra antes de um grande precipício.

“...Você não é o culpado pela forma que ele morreu, mas é sem dúvida responsável pela forma que sua alma viveu tão fervorosamente durante essas quinze gerações como cavaleiros de Athena, como Aquário e Escorpião, porque sua Lealdade, amor e devoção um para com o outro, eu posso te garantir, supera até mesmo o número de estrelas no céu, e algo assim, nem mesmo a morte pode findar ou macular...

- Mestre Camus!

- Pai!

Sua expressão era simplesmente lívida, quando duas pessoas mais surgiram à porta.

“...Então vá em frente Aquário, despeça-se como se deve, honre a oportunidade que você tem, e termine a sua história como deve ser terminada." – Findou por fim Nasu. – "Nada como ter um antigo filosofo grego e professor como voz da consciência, não acha Camyu~...”

“- Essa sua última frase simplesmente estragou tudo.

“...Será mesmo...?" – Colocou em tom misterioso, e não mais voltou a falar, enquanto Isaak e Soleil se aproximavam de si hesitantes.

-...Mestre – Seguia Kraken em completo espanto, vendo a aparência do mais velho de cima a baixo, enquanto este, graças a energia de Nasu, conseguia se sentar e voltar-se para os dois. – O que houve com o senhor...?

-...Pai, você está ferido...? – Seguia Lune de igual modo apreensivo, sabendo por sua natureza que havia algo de muito errado com seu pai, que ia além de sua aparência, contudo, estava tenso demais para discernir o que era.

- Não se preocupem, não estou sentindo nenhuma dor. – Respondeu, erguendo-se e caminhando devagar até ambos.

-...Isaak...- Camus começava a dizer esticando suas mãos e tomando entre elas o rosto do mais jovem, como se estivesse descrente que o ser à sua frente era genuinamente real. -...É você mesmo...?

Sem que pudesse impedir, lágrimas rolaram pela face do marina, quebrando totalmente sua postura, enquanto aquele que considerava um pai delineava a cicatriz sobre seu olho esquerdo.

- Sim, sou eu, mes-mestre – Sua voz falhando sem que pudesse evitar. – Desculpe por demostrar minhas emoções assim, como o senhor sempre recriminou é que... – Fungou - ...É que...Eu achei que nunca iria poder revê-lo novamente.

- Eu não estou em lugar nem em posição de repreender ninguém agora Isaak – Disse em um tom suave que poucas vezes puderam presenciar, limpando as lágrimas do finlandês. - Mas sinceramente me preocupa que vocês estejam aqui agora, e eu me refiro aos dois - Disse voltando seu olhar a Soleil. -  É muito perigoso e estamos no meio de uma guerra.

 - Eu sei mestre, é justamente por isso que eu vim ajudar -  Dito isso puxou o ombro do espectro para mais perto -  NÓS viemos ajudar,  da melhor forma que pudermos, para que tudo isso acabe de uma vez, e mostremos através de nossos punhos à Chronos qual é o seu lugar!

Camus não podia deixar de olhar assombrado para a interação dos dois, se perguntando quando isso tinha acontecido, era francamente surreal ver seus dois filhos adotivos, vindo de exércitos diferentes, simplesmente estando juntos, lado a lado, bem à sua frente.

-...Eu terminei aqui, vou deixá-los a sós  - Disse “Kanon”, dando uma última olhada a Remo, e voltando a primeira ala, sendo francamente ignorado por todos. Rivera o seguiu, principalmente quando uma voz deveras conhecida ecoou por toda a Fonte exigindo, ironicamente, silêncio.

- Poseidon está com vocês? -  Não pôde deixar de perguntar, ainda sem soltar o rosto do jovem marina.

- Sim, ele trouxe todos nós -  A explicação tímida partia de Lune - Ele é um aliado do Santuário agora.

- Isso é... Sinceramente difícil de acreditar -  Confessou o francês  tornando a delinear a cicatriz de seu filho mais velho -  Mas sendo sincero, eu realmente devo ao Imperador por ter salvo sua vida aquele dia que eu fui incapaz de zelar por ti, Isaak. No entanto, você terá que levar o agradecimento em meu lugar, eu tenho uma relação deveras complicada com Poseidon, para que eu possa agradecer por mim mesmo.

- O que aconteceu aquele dia não foi culpa sua mestre, o senhor estava cansado depois de uma missão, não tinha como saber que eu e Hyoga nos envolveríamos naquele incidente. Na verdade, nem o idiota do Hyoga tem culpa, como eu disse, foi um acidente – Reforçou, tirando com delicadeza as mãos do mais velho de sua eterna ferida, que ‘tateamente’ se culpavam dela existir, notando, porém, que as palmas contrárias eram ainda mais frias do que se lembrava, como se pertencessem a um cadáver – Além disso, também é verdade que você, mestre, e meu senhor, sempre lutaram em lados opostos, porém, ainda assim você detêm todo o respeito dele - Isso fez Camus erguer as sobrancelhas curioso -  Principalmente por como o senhor conseguiu congelar Atlântida, isso realmente o impressionou muito! Acredite em mim quando digo que foi deveras trabalhoso conseguir descongelar o reino. Mesmo que seja algo que tenha sido feito em sua vida passada, eu sei que é obra do senhor, Esculápio nos disse que o senhor recuperou muitas de suas memórias desde sua primeira vida.

 - Esculápio está com vocês também -  Questionou encarando o marina agora decididamente descrente -  Como é possível ?

- O titã Prometeu  o levou até o hospital onde meus companheiros estavam, ele os ajudou, depois foi até Atlântida,  E ainda nos auxílio a termos essas escamas que o senhor está vendo agora -  Disse isso indicando a armadura azulada que vestia, a qual de fato,  Camus não lembrava de ter visto similar em nenhum momento de sua longa vida.

Sinceramente, na cabeça do ex Cavaleiros essa história de Prometeu fazia ainda menos sentido, não fazia ideia de onde o deus da medicina podia conhecer o titã que roubou o fogo divino, mas não houve tempo para questionar isso no momento, porque Soleil tomou a palavra.

-O que aconteceu com você pai? Por que está desse jeito? - Quanto a isso Camus respirou longamente, desviando ligeiramente o olhar,  soltando suas mãos das de Isaak.

- É uma história no mínimo complicada -  Confessou, contudo nesse preciso instante Ailá voltou a segunda ala, sob ordens de Kiki para avaliar a operação de “Kanon”.

Essa interrupção irritou profundamente o marina.

-Não está vendo que estamos em um momento delicado aqui? -  Questionou em tom estúpido.

-  Nós estamos na Fonte de Athena, Isaak, aqui é como o hospital do Santuário-  Interveio Soleil enquanto a pobre curandeira levantava as mãos em sinal de rendição -  E ainda por cima estamos no meio de uma guerra, é simplesmente impossível e muito egoísmo da nossa parte esperarmos alguma privacidade nesse lugar.

-Tsc - Ainda assim o finlandês não pôde deixar de resmungar, cruzando os braços desgostoso.

-Não se preocupem - A adolescente se defendeu por sua vez - Estejam livres para discutirem o que bem quiserem, em nome da ética médica eu juro que não direi absolutamente nada do que escutar aqui a ninguém.

- E como é que podemos ter certeza que podemos acreditar em você? -  Exigiu saber o jovem de cabelos verdes.

Para a surpresa do servo do Imperador dos mares, isso não pareceu intimidar a garota.

- Enquanto o que for dito aqui não ameaçar qualquer um dos meus companheiros ou a nossa deusa, eu manterei o sigilo médico, você tem a minha palavra -  A firmeza nos olhos da jovem apenas reforçavam o que ela dizia.

Foi em parte devido a isso que Aquário tomou verdadeiramente atenção à ela, diferente da anterior vez que havia entrado na segunda ala. Novamente, sua quase transformação a espectro o permitia notar que havia algo especial a respeito dessa jovem.

“-Quem é ela?” -  Sua dúvida foi tanta que questionou até mesmo Verônica, uma vez que Nasu podia vê-la através de seus olhos.

“... Sinceramente eu não sei, mas só de olhar dá para ver que ela é uma das Antigas Almas.”

“-Antigas Almas?” -  Não pôde deixar de repetir confuso.

“... Sim, são as almas que vem da era mitológica e até antes dela, como era a alma de Escorpião e a de outros deuses antigos que deixaram seu patamar divino há muito tempo…”

- Está querendo me dizer que Aílá é uma deusa…?” -  Questionou em clara descrença, a jovem menina havia chegado ao Santuário quando ainda era um bebê,  Camus lembrava do dia, ela havia sido deixada no vilarejo de Rodorio por um estrangeiro,  ao menos era o que os moradores disseram quando a trouxeram até a fonte de Atena há 12 anos. Não foi algo que chamou a atenção particularmente de ninguém, uma vez que o santuário era notoriamente conhecido como uma espécie de abrigo e instituição de ensino diferenciada, como eram os antigos conventos da Europa principalmente durante a idade média.

“...Talvez apenas uma criatura antiga, é difícil saber apenas olhando para a alma dela, sinceramente esse tipo de identificação não é a minha especialidade,  você teria que recorrer a Byako ou Minos para uma avaliação mais precisa. Seja como for, ela realmente parece dizer a verdade se quer a minha opinião...” -  Se limitou a findar.

 - Tudo bem -  Camus resolveu por aceitar a palavra do espectro,  de qualquer modo,  a jovem curandeira nunca havia mostrado em algum momento de sua curta vida não ser de confiança -  Eu acredito em sua palavra Ailá – A jovem sorriu agradecida, podendo enfim se dedicar na sua função ali - Irei explicar o que aconteceu, mas terei que ser o mais breve que puder,  não me resta muito tempo - Engoliu em seco,  caminhando até a sua cama, para preservar ao máximo os poderes de Nasu, e assim ganhar ainda mais tempo com seus filhos -  Eu estou nessa situação porque matei um deus.

A expressão de todos, mesmo da curandeira que se dedicava a Remo, se ampliaram frente a esta revelação, porém, outra vez, antes que alguém mais pudesse dizer algo frente a isso, uma nova pessoa se precipitou a segunda ala.

- Quem é dessa vez? -  Questionou irritadíssimo o Marina, apesar de saber onde estava.

Era Suikyo de Taça, que estava atrás de seu irmão.  Este parou frente ao comentário mal educado do Marina, encarando-o por um breve momento,  para então passar a observar todos que estavam ali reunidos.

- Eu apenas vim por Suisho -  Declarou simplesmente,  localizando-o sem demora na cama ao lado da qual se dirigia  Aquário,  indo até ela sem esperar a resposta ou comentário de ninguém.

- Ele está bem, não se preocupe. -  Aila o tranquilizou, ao tempo que Isaak respirava fundo pedindo paciência.

- Me disseram que você o protegeu, muito obrigado por isso, definitivamente estou te devendo uma Ailá.

 - Não se preocupa com isso, por favor -  Ela se limitou a dizer.

 - Sinto muito se eu atrapalhei alguma coisa -  Acrescentou o prateado por simples cortesia, sem deixar de olhar seu irmão,  mas dirigindo-se ao trio da cama ao lado.

Antes mesmo que Isaak pudesse dizer qualquer coisa, Camus retomou a palavra.

- Não se preocupem, não há nada que vou dizer aqui que um juiz do submundo não possa saber -  Declarou sem rodeios, encarando o cavaleiro de prata com novo interesse, reconhecendo agora quem este realmente era.

“... Você podia ser mais sútil nisso, cubinho de gelo…” -  Ironizou Verônica,  vendo através dos olhos  do ex cavaleiro,  a expressão preocupada de Soleil,  que já sabia da identidade de Aiacos,  a face descrente de Kraken,  por saber que um suposto juiz estava vestindo uma armadura de prata,  ao tempo que se perguntava quantos  outros espectros estavam infiltrados naquele santuário,  e por último, a curandeira possuía a boca bem aberta,  claramente em choque, por mais que tentasse disfarçar.

- Eu não sei do que está falando, senhor Camus -  Se limitou a responder o Cavaleiro de Taça, sem se deixar abalar pela incriminação -  Mas peço que não lance acusações assim tão levianamente,  podem realmente acabar acreditando em suas palavras,  e isso sem dúvida me daria uma dor de cabeça desnecessária.

 Frente a resposta tão polida, a adolescente decidiu voltar ao seu trabalho, se forçando ao máximo em não prestar atenção ao que o grupo seguia dizendo, o que estava se tornando realmente difícil.

Sem dar importância a negação, Aquário voltou-se ao seus filhos, já sentado em seu próprio leito.

- Como eu ia dizendo, eu estou nessa situação - Disse indicando as manchas em todo o seu corpo - Porque matei um deus, mais precisamente, Erictônio de Serpens.

- Eu sinceramente não conheço um deus com esse nome -  Confessou Kraken tenso pelo tom tão sério de seu mestre, ainda lançando olhares irritados ao pouco caso que Suikyo deu ao mais velho -  Mas ainda assim o senhor é realmente incrível! Conseguir matar um deus sozinho assim! -  Por outro lado, Soleil parecia no mínimo desconfiado sobre como seu pai, que há 20 anos era um simples bibliotecário, havia conseguido matar um deus sem ajuda alguma.

 - Não foi um grande feito Isaak -  Retou significado o aquariano -  Na verdade Erictônio queria que eu o matasse, e facilitou o máximo para que eu conseguisse, não foi uma vitória limpa, muito menos honrada para que eu pudesse me orgulhar. Eu apenas me deixei levar pelo meu desejo de vingança, vingança por ele ter matado Milo, vingança por ele ter destruído a vida da minha primeira reencarnação, matando minha família daquela época, e me forçando a cometer o maior erro da minha existência por causa disso.

- Então -  Começou o finlandês claramente confuso, pelo tom de arrependimento que o seu pai adotivo mostrava -  Ele mereceu morrer, não mereceu?

- Tudo que ele fez, foi sob as ordens de Athena. Erictônio matou a família do primeiro Cavaleiro de Aquário, sob ordens de sua deusa.  Ele não passava de um pobre coitado que buscava  cegamente algum reconhecimento de sua mãe.

- Da mãe? -  Foi a vez de Soleil questionar -  Como havia um deus na ordem de Athena na era mitológica? Que eu saiba ela só contava com semideuses e Nike -  Ao perceber o teor de seu próprio comentário, e o quanto isso entregava de sua identidade, apressou-se a corrigir-se - Digo... Ao menos foi o que eu li a respeito...

 - Erictônio não era um deus qualquer, ele era o único e legítimo filho de Athena, que ela escondeu dentro de seu próprio exército, e ordenou que ele matasse qualquer um que descobrisse sua identidade, algo que, infelizmente, as irmãs de Erisictão de Aquário acabaram por descobrir da pior forma possível. – Explicou com simpleza Camus.

Um silêncio sepulcral se formou após essa confissão, em que ninguém realmente sabia o que comentar quanto a isso, todos descrentes em níveis diferentes de que Athena, a deusa virgem, possuísse um filho em primeiro lugar. E se isso não fosse surreal o bastante, que ela ordenasse sem escrúpulos o assassinato da família de um de seus cavaleiros principais, era um fato tão absurdo quanto cruel.

-  Os primeiros Cavaleiros de Ouro,  e por consequência,  os primeiros guerreiros do Exército de Athena,  se formaram  ao redor do Príncipe de Atenas.  Seu professor, Tales de Capricórnio,  seu médico pessoal,  Asclépio de Serpentário,  o homem que o príncipe salvou da miséria, Sólon de Áries, a princesa que salvou do afogamento, Astéria de Escorpião.  Esses grandes nomes foram responsáveis por trazer, direta ou indiretamente, as demais grandes figuras que ilustraram a primeira geração. Tudo começou graças ao primeiro Cavaleiro de Aquário,  ainda assim, este cavaleiro foi traído da pior forma possível por sua deusa, tornando-o sozinho na Terra, fazendo-o completamente dependente da primeira Amazona de Escorpião, até o dia que recebeu a “ilustre” missão de resgatar Aquiles do submundo, devido a uma previsão do próprio Oráculo de Delfos.  Sendo uma criança de coração puro,  podendo ver a sua família uma vez mais no mundo dos mortos, não resistiu a tentar trazê-los consigo, quebrando assim a lei fundamental do mundo inferior,  e quebrando principalmente a confiança dos deuses que haviam permitido a passagem da Alma Pura,  exigindo que em troca ela trouxesse consigo apenas quem foi resgatar. O preço de tal  afronta, contudo, não foi paga pelo príncipe, Astéria de Escorpião se sacrificou em seu lugar -  Ouvindo a história, Isaak se limitou abaixar a cabeça, pois essa parte já havia escutado do próprio Esculápio. Por sua vez, com enorme pesar Soleil também reconhecia essa velha e triste tragédia grega. Aiacos não se manifestava, enquanto acariciava os cabelos de seu irmão, tinha sido testemunha em primeiro grau dos acontecimentos e por tal os recordava a perfeição. Sendo assim, Ailá era a única que jamais havia escutado essa história, surpreendendo-a, pois para todos que estudavam a história antiga do santuário, era uma verdadeira incógnita saber o que havia acontecido com Astéria, e por tal todos apenas aprendiam que a primeira Amazona havia simplesmente desaparecido antes da primeira guerra contra Hades - Astéria conseguiu isso negociando com o juiz do submundo Aiacos -  Seguiu Camus, voltando-se ao mencionado, que sequer se imutou ou mudou de expressão,  como se realmente não estivesse falando de algo que lhe dizia respeito - O fim de sua própria vida, e a expectativa de  vida de suas reencarnações seguintes, até que 100 anos por cada alma que Erisictão  tentou  levar do submundo fossem pagos.  Contudo,  a alma de Escorpião se enfraqueceu demais ao longo dessa extensa dívida,  e acabou destruída,  deixando de existir como Milo de Escorpião, nessa mesma noite.

Quanto a essas palavras, Lune fechou os olhos com pesar, surpreendendo-se e reabrindo-os ao sentir como  seu pai tomava as suas mãos com a dele.

-  Eu fiz o possível, o impossível, o moral e o imoral para pagar essa dívida, para acabar com essa maldição sobre Escorpião. Porém eu não consegui, não a tempo -  Então seu olhar se encontrou com o de seu filho mais jovem - Mesmo eu tendo negociado com o próprio submundo, negociado com o pior inimigo de nossa deusa, me rebaixando ao ponto de aceitar cuidar de uma criança, reencarnação de um espectro, simplesmente para usar do Cosmo dela, para dar a Milo mais tempo para viver. - Soleil não pôde deixar de ampliar o olhar com espanto frente a esses dizeres,  discernindo aos poucos o que o seu pai queria dizer com eles -  Porque o que queimava prematuramente a vida de Escorpião, era o fogo do Flegetonte, mortal para os vivos,  mais um bálsamo de cura para os espectros.

-  Portanto, o cosmo de um espectro poderia retardar os efeitos nocivos na alma de Milo -  Soleil terminou o raciocínio,  ao que Camus confirmou com a cabeça. 

 - Em troca desse meu desespero egoísta e cego, eu teria que privar essa criança, esse bebê, de seu cosmo, criando algo não natural e nunca antes visto. Uma pessoa que não possuía um Cosmo aparente, como se tivesse nascido sem ele, o que é uma grande mentira,  que ele acreditaria e sofreria por toda sua vida. Esse rapaz, que por mais que fosse um espectro em outra vida, nessa era apenas uma vítima inocente, nas mãos de um cavaleiro movido pelo desespero.

   Camus não podia ver a expressão de seu filho,  que havia baixado o rosto, com fim de ocultar suas emoções enquanto escutava essa história.

-  Então-  Começou a dizer Lune de Balron,  com um tom de voz difícil de decifrar -  Essa é a razão pela qual eu nunca pude despertar meu cosmo,  pela qual eu nunca pude me tornar um cavaleiro,  e por isso nunca me senti realmente parte dos meus amigos.

- Eu só posso pedir o seu perdão Soleil, pela pessoa miserável, egoísta, e repugnante que você infelizmente teve como pai. – Foi tudo que pode dizer Camus, mesmo Kraken demostrava uma expressão decaída ao escutar novamente essa história.

Contudo, para  o completo choque de Aquário,  de Isaak,  e mesmo de Aiacos e Ailá,  Soleil começou a chorar abertamente,  sem tentar manter qualquer pose,  a diferença do finlandês, que mesmo frente ao reencontro tão aguardado com seu velho mestre,  se controlou para soltar apenas algumas lágrimas, mantendo a postura que sempre lhe foi ensinada,  impedindo-se de abraçar aquele que considerava um pai, ou reagir de forma mais emotiva à sua presença.

 Soleil, por sua vez, não se importou com nada disso nesse momento, chorava e chorava, fungava, de modo que seu nariz começou a escorrer e seu rosto se tornava vermelho, e nem mesmo demorou muito para que começasse a soluçar,  fazendo a culpa no coração do velho Cavaleiro de Aquário apenas aumentar mais,  até que o mensageiro conseguiu voltar a falar com a voz entrecortada.

-I-isso é simplesmente maravilhoso! -  Declarou em uma enorme e emotiva exclamação - Eu sempre me senti tão impotente quando via meu tio sofrendo daquele jeito, sentindo que eu nunca podia fazer nada para ajudar…!  Quando na verdade,  foi meu Cosmo que o manteve vivo?  Foi por causa do meu cosmo que eu pude passar muitos anos maravilhosos ao lado dele? -  Estava sendo cada vez mais difícil para Isaak continuar mantendo a postura,  ainda mais agora que lágrimas também corriam da face de um silencioso Camus. -  Eu-eu sempre achei  que não passava de uma fruta estragada,  que não podia manifestar meu cosmo, por que não passava de uma incompetente.  Meu tio nunca me deixou acreditar nisso,  até mesmo me treinou quebrando todas as regras do Santuário!  isso só pôde acontecer, porque eu não tinha minha energia em primeiro lugar! Eu estou tão feliz em saber que pude retribui-lo de alguma forma!

Sem conseguir mais suportar, o francês, deixando exibir seu franco pranto,  puxou o jovem para seus braços,  e como nunca antes,  o abraçou com força,  com muita tristeza,  e com muita emoção.

-  Você que é maravilhoso Soleil -  Declarava de forma fanha,  com o queixo apoiado sobre o ombro do menor -  Me perdoe por ter sido tão horrível com você,  por não ter sido o pai que você merecia. Você desde criança sempre foi tão bom, tão amável, tão carinhoso. No começo eu tinha medo que tudo isso fosse falso,  e que qualquer dia você se mostrasse um espectro  cruel capaz de matar todos nós,  mas a cada dia essa ideia pareceu cada vez mais absurda. O meu medo  ao invés de desaparecer, simplesmente mudou de forma,  eu comecei a ver em você a mesma inocência e bondade que havia em mim  quando eu era Erisictão.  Eu temia que você acabasse cometendo os mesmos erros que eu cometi,  que fosse ingênuo, deixando-se levar por seu coração bondoso,  e se arrependesse tão amargamente como eu me arrependi.  Por isso eu sempre te tratei tão severamente,  eu sei que não é justificativa, mas eu só queria que você entendesse isso. -  Um sorriso triste se formou em sua face -  Ainda bem que ao menos tínhamos Milo conosco, porque ele sim soube dar todo o amor que você precisava.

- Eu te amo, pai -  Em resposta o espectro declarou sem preâmbulos -  Obrigado por ter cuidado de mim,  apesar de o quão difícil deve ter sido criar e cuidar da reencarnação de alguém que por tantas vidas pertenceu ao exército de um de seus mais mortais inimigos.

- Eu apenas quero que você saiba que eu te amo muito meu filho, mesmo que eu nunca tenha sido bom em demonstrar isso – Declarava Aquário, sem ter coragem de encarar o menor em seus olhos - Mesmo que tenha dado tanto sinais do contrário,  eu realmente te amo como um filho. Por isso, independente do que aconteça comigo, se quando eu “morrer” eu deixar de ser eu, mesmo que eu me torne outra pessoa devido ao quanto a minha alma está destroçada e destruída depois de todos os pecados que eu cometi, por favor, nunca se esqueça, que apesar de idiota e egoísta, seu pai realmente te amou, e sempre te amará, mesmo que de outra forma.

 Isaak era outro que havia deixado completamente sua compostura,  levando a mão ao rosto, na esperança de manter um mínimo de cordura, mas o seu plano se viu frustrado,  quando  uma das mãos de Camus o puxou para mais perto,  para que pudesse abraçá-lo junto com Soleil.

- Paaaaaai - A exclamação que saiu da garganta do  finlandês mais parecia ter saído dos lábios de uma criança que chorava a ausência de quem o cuidava -  Eu senti tanto, tanto a sua falta nesses anos que estive com Poseidon,  mas eu tinha medo do que o senhor pensaria de mim,  eu tinha medo de decepcioná-lo por causa do caminho que escolhi,  por isso eu preferi que o senhor acreditasse que eu estava morto do que dar-lhe esse desgosto.  Me perdoe mestre, eu também fui um idiota.

- Eu estou muito orgulhoso, de vocês dois, chega a ser  absurdo como alguém como eu, com tantos pecados e erros nas costas,  pude ser presenteado  com filhos tão bons quanto vocês. – Declarou, sem ressalvas, sem se importar de realmente demostrar o que sentia, mesmo que tivesse testemunhas de seu enorme pranto e descontrole. Nada disso lhe importava agora - Eu queria realmente que pudéssemos ter mais tempo juntos, mas infelizmente, como eu matei o único filho da minha deusa,  eu terei que pagar o alto preço disso, pois este é o pior pecado que um cavaleiro como eu poderia cometer. 

- E qual o problema disso? -  Questionou o Marina -  Se você teve que enfrentá-lo mestre, com certeza ele estava do lado de Chronos! Com certeza ele fez por merecer!  Nós também tivemos que lutar contra os primeiros filhos de nosso senhor Poseidon, e não tivemos que passar por um castigo desses,  por que com o senhor tem que ser diferente?!  Os halianos foram capazes de estuprar a própria mãe! Esse é o tipo de deuses que Chronos tinha ao lado dele!

Frente a isso, Ailá que se mantinha até então em silêncio,  apesar das lágrimas em seus olhos,  não pôde deixar de tremer só de tentar imaginar crime tão brutal.

- Eu já disse Isaak, meu destino já está traçado,  e não há nada que possa mudá-lo agora.  Eu sabia dos riscos ao lutar com Erictônio, e ainda sim, eu o matei - Declarou massageando as costas do seu filho mais velho, agora que tinha sua cabeça descansando entre o ombro de ambos.

- Mas se o senhor pedir perdão Athena...Talvez consiga reverter essa pena…? -  Não pôde deixar de sugestionar, mesmo que hesitante.

- Não existe a menor possibilidade de eu pedir perdão a Athena, me desculpem meus filhos, mas isso eu me nego a fazer. -  Seu tom era tão sombrio e áspero,  que  os mais jovens se afastaram,  para  encarar a expressão de claro rancor na face aquariana -  Vocês ouviram minha história,  a primeira geração de cavaleiros  começou ao redor de Erisictão, e ainda assim,  Athena o traiu, em outras palavras,  a ordem da deusa é simplesmente baseada na mentira, na desonra e na ignorância dos que não sabem o que estava acontecendo ao redor deles.  Eu cometi muitos erros em minha vida, por isso ao menos antes de partir, quero que todos saibam a verdade, conheçam realmente a deusa que estão seguindo,  farei honra ao engano de minha primeira vida,  e assim  deixarei na mão de todos a decisão de se irão permanecer ou se rebelar.  Enquanto eu,  de uma vez por todas,  e sem chance de retorno,  pretendo abandonar  o Santuário, e me tornar  um espectro a serviço do submundo -  De forma quase ameaçante, encarou Ailá e Aiacos, este segundo também abraçava seu irmão, com lágrimas sutis em seus olhos,  devido à cena tão emotiva que presenciou -  Eu assumirei a culpa sobre tudo, deixarei claro a todos que sou o único culpado da minha vergonha, o pior tipo de traidor que o Santuário já teve, e que  nem Soleil, nem Milo tem nada a ver com as minhas ações.  Saibam que eu não pretendo levantar um dedo contra Athena, não, sei bem como essa história termina. Contudo, pretendo expor frente a todos a existência de Erictônio, e o que sua própria mãe foi capaz de fazer para escondê-lo.  Algum de vocês pretendem me impedir de revelar a verdade?

-.-.-

Seiya abriu apenas um de seus olhos, para que pudesse avaliar a situação ao seu redor.  Estava na ala hospitalar do castelo de Heinsteim, haviam várias pessoas ocupando os leitos, mas aparentemente apenas duas vigiando o lugar. Uma delas possui longos cabelos loiros, o que lhe dava o ar de uma delicada mulher,  enquanto o outro era bem mais alto,  possui o cabelo recolhido em um rabo de cavalo, e de certa forma lembrava-o um pouco de Aldebaran.

“- Devem ser espectros” - Pensou Seiya consigo mesmo, tornando a fechar o olho quando um deles se virou. “- Acho que não cola simplesmente pedir para eles abrirem a passagem para o submundo para mim, não é?”

....Hmmm? O quê…?” - E não pôde deixar de se sobressaltar na cama quando depois de muito tempo Hermes Voltou a responder-lhe “... Nossa,  eu não lembrava quando foi a última vez que dormi tanto assim,  o que é estranho...Porque deuses nem precisam dormir em primeiro lugar.  Assistir a sua vida chata deve ter sido um sonífero com poderes nunca antes vistos! Quem Diria...”

Estava a ponto de gritar com deus para fazê-lo manter silêncio, para que não chamassem a atenção dos dois vigias, quando se lembrou que a voz de Hermes ecoava apenas em sua cabeça de qualquer forma.

Porém, isso nem de longe a fazia menos irritante ou inoportuna.

“... Então….” - Seguiu a divindade  em tom de conversa - “...  Que sonho desnecessariamente longo estamos vendo agora?... ” - Questionou sem um pingo de interesse.

“- Não estamos vendo nenhum sonho agora, eu voltei ao Castelo.” -  Se limitou a responder de mau grado.”- Agora preciso arranjar um jeito de ir para o submundo,  você tem alguma ideia por acaso?...”

“... Então você decidiu ajudar em minha causa, isso é maravilhoso!...” Exclamou o mensageiro soando como um eco em sua cabeça.

“- Eu definitivamente não estou fazendo isso por você” -  Declarou com desgosto “- Estou fazendo isso por Shun…”

“...É, tanto faz, o resultado no final é o mesmo…” -  Retou importância.

“-Então por que não começa a me dar ideias de como iremos para o mundo inferior?! “ -  Questionou com impaciência. “- Você pode cruzar dimensões não pode? Entrar no mundo dos outros, como é que você faz isso?”

“...Eu uso as minhas sandálias aladas…” -  Respondeu Hermes com arrogância “... Algo que um reles mortal como você não seria capaz de usar,  teria que ser no mínimo um Semideus para conseguir…”

- Tecnicamente eu sou um semideus.” - Ponderou –“- Pelo menos meu pai na vida passada era o deus do tempo, ou algo parecido, isso não conta para alguma coisa?”

... É claro que não…” -   A resposta que recebeu foi ríspida.

“- E ser meio irmão do Shun?” -  Insistiu. “- Meu corpo não aguentaria sua alma,  se eu não fosse especial de alguma forma, não é…?”

“... Olha só quem diria,  parece que alguém aqui ficou um pouco mais inteligente…” -  Ironizou o mensageiro,  acabando com a pouca paciência que restava ao sagitariano. - “... Talvez você tenha um resquício de divindade, é verdade,  mas nada que te garanta o controle  sobre as minhas poderosas e incontroláveis sandálias aladas, então é melhor você usar essas suas perninhas para encontrar uma entrada para o submundo, a pé, porque o simples fato de tentar calçar as minhas belezinhas  sem dúvidas iria derreter seus pézinhos frágeis, Aquiles”

“-Essa porcaria das suas sandalinhas, estão no meu pé faz simplesmente horas, não sei, então por que ao invés de você ser um grande idiota, você não me ensina como essa porcaria funciona para acabarmos logo com isso?!” – Exclamou irritadíssimo frente ao pouco caso do deus.

Silêncio.

“...Isso é simplesmente impossível!...” – Negou com veemência o filho de Zeus – “...Eu saberia se você....” -Porém sua voz foi morrendo “...MALDIÇÃO! Abra os olhos agora!...”

Com as palavras do olimpiano, Seiya sentiu uma potente dor de cabeça, o suficiente para fazê-lo abrir os olhos  com um gemido de dor, e encarar seus próprios pés, os quais estavam cobertos por um suave lençol, delicado e suave o suficiente para que fosse possível ver o contorno das pequenas asinhas.

“...Isso simplesmente não pode estar acontecendo…” - A voz de Hermes suava em Pânico - “... C-como isso pode acontecendo?!..”

“-  São apenas sandálias - “ -  Retou importância Pégaso, tornando a fechar os olhos antes que descobrissem que ele estava acordado. “- Para que tanto escândalo?”

“... Você simplesmente não entende, não é?!...” Colocou em um tom que beirava a histeria  – “...As minhas sandálias vestiram você, mesmo  eu não as ordenando a fazer algo assim. Isso significa que nossas almas devem estar se fundindo,  se isso é verdade, é uma questão de tempo para que nos tornemos um único ser....”

  "-Você só pode estar brincando!” - Foi a vez do sagitariano exclamar-  “-De forma alguma que eu vou me tornar o correio dos Deuses!"

 "... Eu não sou o correio dos Deuses!..." -  Defendeu-se.

"- Por que isso está acontecendo em primeiro lugar?" - Inquiriu o cavaleiro.

"... Acha mesmo que eu sei?  Entrar no seu portal foi um plano de última hora...!"

"- Claro,  para você conseguir fugir do hihihi heheheh Hahaha do Saga não é?  Eu o vi no mundo dos sonhos,  ele chegou a me atacar por causa dessas suas sandálias idiotas!" – Colocou com raiva.

"... Espere um segundo,  você CONSEGUIU sair do seu Portal?!...” – Já estava começando a ouvir um zumbido em sua orelha de tanto que o deus estava se exaltando dentro da sua cabeça – “...Então por que não foi até o umbral do seu irmão?!  Seria muito mais fácil do que INVADIR o reino dele e encontrá-lo na ÚLTIMA sala!  Eu não esperava que você fosse tão idiota assim!..."

"- Eu não tive tempo de fazer isso, está bem?!  Moros me arrastou de volta a meu próprio subconsciente."

"...Moros....?!..."

"-Foi o que eu acabei de dizer, quem é o surdo agora?!" - Questionou vitorioso.

“...O que Moros iria conversar com um mortal como você em primeiro lugar?!...”-  Exigiu saber a divindade. “... Eu tive que ir até o reino dele para que ele falasse comigo. Você quer que eu acredite,  que o deus do destino, da fatalidade,  e da morte, simplesmente  deixou seu recinto imortal para vir falar contigo…?!”

“- Talvez você não seja tão importante quanto pensa, apenas isso.” - Retrucou. - “Por que eu mentiria sobre algo assim?!”

“...O que exatamente ele te disse?...”

Dessa vez Seiya não respondeu de imediato. Mencionar a um dos filhos de Zeus que Moros tinha  vindo  falar com ele sobre  o destino de Aquiles, que envolvia a morte do mesmíssimo Zeusi, parecia ser uma péssima ideia,  não importa que ângulo olhasse, porém, ao mesmo tempo, recordava que Hermes podia ler seus pensamentos, então realmente não sabia o que fazer nessa situação.

 Por isso, se preparou para um grande acesso de gritos que se daria assim que o deus mensageiro descobrisse quem era o assassino de seu pai.

 Porém isso não aconteceu.

“... Você não vai me responder?...” -  Ao invés disso, tudo que recebeu foi a pergunta grosseira do mais velho.

“-Espere um pouco, você não pode simplesmente ler a minha mente…?- Ao invés de uma resposta direta, pôde sentir a frustração de Hermes como se fosse sua. “- Você não pode!” - Concluiu.

“...Com certeza isso tem dedo do Moros!...” -  Gritou com raiva o senhor dos caminhos, apenas fazendo a cabeça de Seiya doer mais, conforme seguia questionando aos gritos. “... Me diga, isso se você não quer que eu exploda da sua cabeça!...”

“- Ele só me disse para fazer a mesma coisa que você  quer!  Ir até o submundo,  e acertar Shun com a flecha do destino!” - Resolveu por confessar, mesmo que superficialmente. “- E que dessa forma eu conseguiria despertar a deusa primaveril!”

Foi a vez da  divindade guardar silêncio.

“... Então façamos isso logo…” - Foi tudo que ouviu em troca. “...Se há um deus que pode separar duas almas é justamente seu irmão. Então eu sugiro que nos apressemos….” Era notável o quanto o mensageiro estava incomodado com esta conclusão. “...Mantenha os olhos fechados, mentalize onde quer ir, e imagine que está correndo dentro de sua cabeça.”

Se sentia francamente ridículo fazendo o que deus estava mandando,  mas ainda assim obedeceu.

 Dois gritos de exclamação,  foram a resposta que precisou de que isso estava funcionando.

-Seiya! -  A primeira era a voz de uma mulher,  que parecia de algum modo familiar,  mas não abriu os seus olhos para ver quem ela era.

 - O que é isso nos pés dele? -  Então seguiu o grande homem, o qual não tinha certeza se já tinha escutado a voz ou não.

 Então sentiu com uma forte ventania o tomava em seus braços,  o levando com delicadeza,  por mais que o som que escutasse,  mais se assemelhasse a turbinas de avião.

Porém toda a sensação de delicadeza desapareceu, quando sentiu o seu corpo estatelar-se com um baque.

-Ai! -  Exclamou em voz alta.

“... Você tinha que ter aberto os olhos para pousar….” -  Comentou o deus com ironia.

- Você podia ter me dito antes! – Resmungou, finalmente abrindo os olhos.

Estava deitado sobre um solo rochoso e úmido, em um lugar escuro e frio em que o breu predominava, e a pouca iluminação que existia era devido a pequenas chamas azuladas que tremulavam ao redor. Infelizmente conhecia este lugar muito bem.

Começou a caminhar com passos cautelosos, não estava trajando uma armadura, então qualquer cuidado era pouco. Não demorou muito para localizar o grande umbral  que dava as irônicas boas vindas à quem chegasse. Contudo,  a mensagem ali gravada parecia ser diferente.

Ao invés do sombrio “Abandonai toda a esperança, ó vós que aqui entrais”, agora era possível ler “É mais digno que os homens aprendam a morrer do que a matar.” Em letras douradas, isso inevitavelmente  fez um pequeno sorriso surgir nos lábios do sagitariano,  é claro que Shun mudaria tão fúnebre frase, Isso fez uma pequena curiosidade despertar em si, o que mais o virginiano poderia ter mudado no mundo dos mortos?

“... Eu preciso te lembrar que você não está em passeio turístico?...” -  Mesmo que não pudesse mais ler seus pensamentos,  era óbvio que ainda podia  entender suas reações.

“- É a primeira vez em milênios que eu não estou aqui  para começar uma guerra” -  Se limitou a responder,  olhando tudo ao seu redor,  tentando ver em cada pedra e rocha,  qualquer diferença que apontasse  alguma interferência de seu querido irmão.

“...E você realmente acha  que os espectros do seu irmão vão simplesmente aceitar que você entre aqui e lance uma flecha no peito do Imperador?...” -  Questionou a divindade em um claro tom de ironia.- “... Se eu fosse você, infelizmente meio que eu sou,  eu me prepararia para lutar…”

 Isso fez Seiya parar imediatamente seus passos.

“- Eu não posso lutar com os homens de Shun!” -  Exclamou descartando completamente a ideia - “ Se ele é tão protetor com eles,  como era conosco, isso é simplesmente uma péssima ideia. Ele não ficará nem um pouco contente em saber que eu machuquei seus homens! Tenho certeza que Shun é esse tipo de líder!”

“...E o que pretende fazer? Ganhar de todos na base da diplomacia? Você definitivamente não é inteligente o suficiente para isso…”

“- E se eu simplesmente explicasse  sobre a flecha do destino e sobre a deusa primaveril a todos?” -  Seguiu conversando com o deus enquanto recomeçava caminhava em direção ao Aqueronte. 

“... Você pode até tentar,  mas o simples fato de você ter sido Pégaso,  o matador de deuses…” -  Frente a esta alcunha, Seiya mordeu ligeiramente o lábio inferior. “... Sempre irá depor contra você,  afinal,  desde a era mitológica,  vocês dois são piores inimigos....”

“- É um jeito bem raso de resumir tudo” -  Resmungou  franzindo a expressão.

Contudo,  qualquer outra resposta morreu em sua mente,  ao começar a ver o Aqueronte,  porém, o que mais chamava atenção no horizonte  eram trilhas de fumaça  que subiram aos céus,  e sons de explosão que ecoavam ao longe.

“...Parece que chegaram antes de nós…” - A voz de Hermes foi a última coisa a ecoar em sua mente antes que começasse a correr.

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Notas Finais


Um agradecimento especial ao Pierre! Que me ajudou com a pesquisa dos cavaleiros do passado e nosso bondoso e heroico Plinio!

Nos vemos em maio galera, se cuidem muuuito!


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