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História Heartless - Leite de morango e o jogo da velha


Escrita por: chaootics

Notas do Autor


Hey guys olha eu aqui de novo dois dias em sequência sim senhores~ Eu venho escrevendo bastantão essa fic no meu tempo de folga, não sei se vou conseguir manter essa frequência, especialmente porque meu estágio voltará em breve, mas vamos ver. Eu tô bastante empolgada com essa fic, então já tenho um pouco da história adiantado ♡

Eu fiquei taaaaaaaaaaaao feliz com a quantidade de favoritos e comentários que eu recebi ontem! Gente, vocês fizeram meu dia, muito obrigada por terem gostado da minha ideia e pelo apoio, vou me esforçar pra trazer uma fic de boa qualidade pra vocês ♡

Tenham uma boa leitura ♡

ps: dedico esse cap pra @Classicbutgood que me desafiou a postar ele ainda hoje kkkkkk

Capítulo 2 - Leite de morango e o jogo da velha


Fanfic / Fanfiction Heartless - Leite de morango e o jogo da velha

Estávamos no meio de uma aula sobre pedras preciosas e o professor, um senhorzinho grisalho e pequeno, explicava sobre as relíquias que já haviam sido encontradas no solo do nosso vilarejo, mas eu só conseguia pensar em um certo garoto mitológico.

Não estávamos mais na escola, e isso não era exatamente uma faculdade, pelo menos não como as da cidade. Era mais como um estudo complementar ou algo assim, no qual eu tinha me matriculado porque não planejava ficar minha vida inteira nesse vilarejo, embora o sonho do meu pai fosse que eu assumisse o lugar dele.

Enfim, fato era que eu precisava prestar atenção naquilo, mas minha cabeça ficava voltando e voltando para o encontro dessa manhã...

- Ele gosta de leite de morango – cochichei para o Daehwi, em um momento em que o professor se virou para escrever no quarto.

- Quem? – ele cochichou de volta.

- O Hara.

- O QUÊ???

Meu amigo deu um berro alto e estridente, que fez com que toda a classe se virasse para nós. O professor deu uma bronca e mandou fazermos silêncio e eu fulminei o Daehwi com o olhar.

- Desculpa, eu fiquei nervoso – ele cochichou quando todos voltaram para seus afazeres – Como assim ele gosta de leite de morango?

Jinyoung, que sentava atrás de mim, apurou os ouvidos para ver do que estávamos falando.

- Eu fui na delegacia hoje cedo para vê-lo – expliquei – E levei leite de morango. Ele tomou tudo de vez, parecia faminto.

Daehwi e Jinyoung me olharam como se eu tivesse dito que alimentei um leão.

- Você é maluco – Jinyoung concluiu.

- Na próxima vez, vá com o seu pai – Daehwi alertou.

- Nem pensar – suspirei – Eu vou voltar lá depois da aula, com mais comida e sem o meu pai.

- Você acha que seu pai pode machucá-lo? – Daehwi perguntou.

- Talvez...

Eu não tinha certeza, na verdade. Podia ser que meu pai machucasse ele se ele machucasse alguém, mas também podia ser que meu pai simplesmente machucasse ele porque sofreu pressão de outra pessoa. Eu não conseguia confiar que meu pai não faria nada ao garoto, mas também não podia confiar que o garoto não faria nada a ninguém.

Era uma daquelas situações em que você tinha que ir aos poucos...

 

 

 

Depois da aula, fui até o mercado e comprei um sanduíche grande e mais quatro embalagens de leite de morango. Olhei para o relógio na parede do local e vi que ainda eram 4 da tarde, meu pai provavelmente estava ocupado por aí tentando achar o tal do pássaro raro, então eu tinha algum tempo para ir até a delegacia novamente.

- Nós vamos com você – Daehwi apareceu diante de mim do nada, carregando um contrariado Jinyoung pelo braço.

- Ele me obrigou – o outro resmungou.

- Se vocês têm medo, não precisam ir – falei com sinceridade – Eu posso fazer isso sozinho.

- Nós vamos – Daehwi reforçou e então eu dei um sorrisinho e assenti com a cabeça.

Meus amigos me acompanharam até o local em silêncio, provavelmente assustados. Os policiais me deixaram passar facilmente como antes, pelo menos os do lado da fora. Os que cuidavam do lado de dentro não pareciam satisfeitos com outra visita minha naquele dia.

- Ele está bem, não se move nem nada, mas não está morto – o policial falou – É melhor voltar com o seu pai mais tarde, não acho seguro te deixar sozinho com essa coisa.

- Não estou sozinho – revidei – Meus amigos estão comigo.

O policial olhou para os dois, que pareciam bem assustados, e não comprou aquela minha resposta.

- Vocês estão alimentando ele? – decidi tentar por outro caminho.

- Não sabemos o que essa coisa come – o policial retrucou – Seu pai não nos deu nenhuma ordem sobre isso.

É óbvio que meu pai não deu nenhuma ordem, para ele era até melhor que o garoto morresse de fome.

- Ele bebe leite de morango, eu dei a ele hoje cedo – expliquei – Tenho quase certeza que se alimenta como nós.

- Quem sabe, talvez ele queira mesmo é comer o seu braço – o policial tentou fazer uma piadinha.

Continuei olhando sério para ele, não achando nada de engraçado. Ele então suspirou e se deu por vencido.

- Se seu pai souber que te deixei passar de novo, acho bom que você diga que me obrigou a isso – o policial falou.

Sorri e assenti com a cabeça. Eu não me importava de levar a culpa por algo que era mesmo culpa minha.

O policial então abriu caminho e nos deixou passar. Ele perguntou se devia ir junto, mas não tinha a menor necessidade, já que não era como se o Hara fosse quebrar as grades daquela cela e nos matar. No entanto, ele deixou uma arma na minha mão, assim como hoje cedo.

- Cuide disso – coloquei a arma na mão do Jinyoung – Não deixe o garoto ver, pode assustá-lo.

Jinyoung assentiu com a cabeça e os dois me acompanharam silenciosos até em frente à cela dele. Eu sabia que os dois estavam muito nervosos, mas não iam dar o braço a torcer que estavam com medo, não agora que já tínhamos chegado tão longe.

Assim que parei diante da cela dele, vi que o garoto estava na mesma posição de antes, encolhido no canto. Logo que ouviu nossos ruídos, ele virou o rosto e nos espiou pelo meio de seus cabelos.

- Medonho – Daehwi disse e tremeu – Parece a Samara, aquela da lenda japonesa.

- Pra mim parece o Primo Itt, aquele da Família Adams – Jinyoung continuou – Puro cabelo.

Lancei um olhar de reprovação na direção dos dois. Pelo menos o Hara não sabia quem eram aqueles personagens, assim eu esperava.

- Qual é, o Primo Itt até que é fofinho – Jinyoung deu de ombros.

- Ele entende nossa língua? – Daehwi perguntou.

- Eu acredito que sim, eu tive a impressão de que ele entendia já naquele dia na floresta – expliquei – Surpreendente, para alguém que cresceu numa floresta e nunca teve educação...

O garoto me olhou intensamente, parecendo um pouco irritado. Será que ele queria questionar o que eu havia concluído ou será que era porque o que ele queria mesmo era comer?

 - Eu te trouxe comida – falei, achando melhor começar logo com algo que iria amansá-lo.

Sentei no chão na frente da cela e tirei de dentro da minha mochila o sanduíche e os leites de morango. Assim que ele viu as embalagens, arregalou os olhos e se arrastou super rápido na minha direção, como tinha feito mais cedo. Tão rápido e tão perto que eu até fiquei nervoso.

- Ah, esse cheiro – Daehwi disse e tampou o nariz.

Jinyoung também tampou o dele e confesso que não era mesmo um cheiro nada agradável. Essa devia ser também uma boa razão pela qual os policiais não queriam ficar muito perto dessa cela. Porém, eu não podia demonstrar que estava desconfortável com a proximidade, não quando ele tinha se aproximado de mim com confiança, então apenas tentei respirar o mínimo possível.

- Te trouxe um sanduíche – falei e mostrei a ele, com um sorriso – É bem grande, então acho que vai matar sua fome por um temp...

Eu nem bem tinha colocado o sanduíche por entre as grades e o garoto já tinha o arrancado da minha mão. Assim como fez mais cedo com o leite de morango, ele comeu bem rápido e com a sofreguidão de quem não comia há muito tempo. Será que a comida era escassa na floresta?

Quando terminou, ele olhou para mim como quem queria mais. Eu sorri e entreguei um leite de morango a ele.

- Toma, eu sei que você gosta disso – falei, enquanto ele pegava rapidamente da minha mão – Mas, dessa vez você vai precisar colocar o canudo sozinho.

De primeira, ele tentou tomar sem o canudo, mas logo percebeu que era impossível. Depois, quando viu o objeto grudado na lateral da embalagem, não teve dificuldade em puxá-lo. Daehwi e Jinyoung me olharam surpresos quando o viram pegar o canudo e pensar por um tempo como faria aquilo.

- Não vou te dar nenhuma dica – me mantive firme, com um sorrisinho no canto dos lábios.

O garoto olhou para o canudo por um tempo e então olhou para a embalagem e, antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, cravou o canudo no local certo. Um enorme sorriso satisfeito se espalhou pelo meu rosto e eu mais uma vez pude comprovar que ele era muito mais parecido com a gente do que a gente imaginava.

- Uau, nada mal – Daehwi sorriu e bateu palmas – Ele realmente parece humano agora.

- Foi o que eu disse desde o início – sorri satisfeito – E eu vou provar que ele não é um monstro.

O Hara colocou os lábios no canudo e sugou com maestria, assim como tinha aprendido mais cedo. Ele logo terminou com uma embalagem e me pediu outra, com a fome de sempre. Entreguei a ele novamente sem o canudinho, mas agora que tinha aprendido, ele furou a embalagem facilmente.

- Ele aprende rápido – Jinyoung comentou maravilhado – Será que ele é só um garoto que foi criado no mato como um Tarzan ou algo assim?

- Vamos ter que descobrir – Daehwi continuou – Se ele tem ou não tem um coração.

É verdade, nós precisávamos descobrir aquilo. Se ele era mesmo um garoto sem coração, significava que seria bem difícil tentar mantê-lo em sociedade, já que ele era desprovido de sentimentos. Eu sei que, na lógica, os sentimentos não veem do coração e sim do cérebro, mas, segundo a lenda, a punição da bruxa era justamente ter um filho sem pensamentos e outro sem sentimentos. Então se ele era mesmo como a lenda dizia, ele não tinha sentimento algum por nada e ninguém.

Bem, pelo menos isso significava que ele não tinha maus sentimentos, o que já era um começo.

- Nossa Guanlin, ele é um poço sem fundo – Jinyoung comentou, quando o garoto terminou o último leite de morango e parecia querer mais.

- Eu vou te trazer mais amanhã – expliquei – Talvez de outros sabores. Por enquanto, você sobreviverá bem assim.

- Você tem certeza? – Daehwi questionou – Ele parece ter alguns machucados...

Eu sei, eu já tinha notado que o trapo que ele trazia preso ao corpo estava um pouco sujo de sangue e que haviam uns cortes pequenos em seus braços. Porém, ele não parecia estar sofrendo por conta deles e eu não achava que ele deixaria alguém encostar no corpo dele, pelo menos não agora.

Porém, se eu conseguir convencer o meu pai de que ele é uma pessoa como todos nós, talvez eu possa ajudar a deixa-lo um pouco melhor.

Quando nos despedimos dele, notei que seu olhar me acompanhou até que eu saísse de seu campo de visão. Aquilo me deixou um pouco triste e me perguntei se ele se sentia muito sozinho lá, preso naquele lugar. Eu tinha que resolver isso o mais rápido possível.

 

 

 

 

- Onde está o Guanlin?

Ouvi a voz do meu pai e parei de fazer a lição de casa no mesmo instante, já me preparando para o que vinha. Sim, eu sabia que os policiais iam dar com a língua nos dentes e contar que eu estive duas vezes na delegacia hoje.

Ele abriu a porta do meu quarto sem permissão e entrou gritando como se eu estivesse maluco.

- Apenas me dê uma explicação racional – ele falou e minha mãe tentou acalmá-lo e entender o que estava acontecendo ao mesmo tempo.

- Ele é um ser humano e você nem o estava alimentando – retruquei.

- ELE É UM MONSTRO! – ele gritou de volta para mim – Eu devia tê-lo matado quando tive a chance.

Olhei para ele cheio de amargura e nem mesmo consegui reconhece-lo como meu pai diante de mim.

- O que eu tenho que fazer pra te provar que ele não é um monstro? – tentei responder com calma, embora quisesse gritar de volta com ele.

- Você não pode me provar algo que ele não é.

Como ele podia se achar tão seguro para declarar que alguém que ele nem mesmo conhecia poderia ser um monstro?

Mas, com o meu pai, as coisas sempre foram assim. Sempre que eu queria alguma coisa ou provar o meu ponto em algo, eu tinha que ir até o extremo.

E eu sabia o que eu tinha que fazer agora, para impedir que meu pai mandasse aquele garoto morrer sem que eu nem mesmo soubesse.

- Vem comigo – falei e sai para fora do quarto.

- Onde você vai? – ele perguntou confuso.

- Apenas me diga.

Saí de dentro de casa do jeito que eu estava mesmo, de pijama e pantufa. Meu pai foi gritando atrás de mim, querendo saber onde raios eu ia àquela hora e minha mãe tentou me impedir diversas vezes, mas eu simplesmente continuei andando. Quando chegamos perto da delegacia, ele me segurou forte pelo braço.

- Você não vai entrar aí – me ameaçou.

- Você não tem mais que me dizer o que eu vou fazer – retruquei – Eu sou um adulto agora. Você até mesmo ofereceu um coelho aos deuses para isso.

Eu sei que meu pai estava me odiando naquele momento, ainda mais por que eu sempre fui quieto e nunca dei trabalho a ele. Porém, eu não podia deixar isso passar, eu simplesmente não podia deixar ele cometer um crime como esse, mesmo que isso significasse me tornar esse tipo de pessoa, que bate de frente com ele.

Eu nem mesmo pedi licença aos policiais e apenas fui entrando. Como meu pai estava atrás de mim, todos abriram caminho para passarmos e eu fui até a cela do garoto sem nem olhar para trás.

- O que você quer aqui, Guanlin? – meu pai perguntou mais uma vez, parecendo ressabiado.

Olhei para cela e percebi que o garoto estava encolhido no mesmo canto de sempre, me olhando um tanto assustado. Virei para o meu pai e, pela forma como ele olhava também para o garoto, percebi que aquela era a primeira vez que ele vinha ali.

- Eu não sou idiota – comecei – Eu sei que você o jogou aqui para morrer, por isso nem água e comida ele recebe. Você acha que Deus não vai te punir por matar ele dessa forma? Isso também faz de você um assassino, pai.

Ele me olhou cheio de rancor e eu me senti horrível por ter que jogar aquela verdade na cara dele.

- Por que parece que você se preocupa mais com esse monstro do que com o seu povo? – ele revidou – E se eu deixar esse monstro livre e ele matar o meu povo?

- Eu não disse que era para soltá-lo, mas deixa-lo morrer de fome também não era o combinado – revidei.

- O que você quer então? – ele falou, parecendo atordoado – O que você quer que eu faça?

- Eu quero te provar que ele deve ser tratado com gente, porque ele é uma pessoa e não um monstro – disse, tentando ser o mais seguro possível – Ele comeu a comida que eu trouxe e até mesmo aprendeu a usar um canudo. Eu quero te provar que ele merece ser tratado com dignidade até que se prove o contrário, então eu vou me sacrificar.

Meu pai olhou para mim confuso e eu caminhei até a porta da cela.

- Abra a porta pra mim – falei – Eu vou entrar e vou ficar uma hora dentro dessa cela com ele.

Tanto os policiais quanto a minha mãe começaram a dizer que eu não podia fazer isso, mas eu estava seguro. O garoto continuava olhando para mim, parecendo um tanto confuso, e eu tinha fé de que ele não me faria mal. Eu sei que era loucura acreditar cegamente em alguém que eu conheci tão recentemente, mas no meu coração eu sabia que ele não iria me machucar.

- E se ele for um monstro? – meu pai perguntou.

- Então eu vou pagar por ter acreditado nele – respondi – E o seu povo continuará em segurança.

Achei que meu pai negaria aquilo até o fim, que me arrastaria para casa e me trancaria de castigo, mesmo que não pudesse mais fazer isso comigo. Porém, para minha surpresa, ele concordou. Minha mãe ficou apavorada e mandou ele dizer que não, mas acho que meu pai entendia o que estava acontecendo, que eu não ia parar enquanto não provasse aquilo a ele.

O combinado antes que eu entrasse na cela era de que dois policiais ficariam do lado de fora, de vigia. Se o garoto tentasse qualquer coisa na minha direção, eles poderiam atirar e eu não poderia impedir. Parecia arriscado, mas não tinha outra escolha. No fundo, eu sabia que ele não ia me machucar.

Quando o policial abriu a cela e eu entrei, ele ainda estava encolhido no mesmo canto de sempre e parecia muito mais assustado com a minha presença do que eu estava com a dele. Sentei do lado oposto onde ele estava e nós dois ficamos nos olhando por algum tempo, sem dizer uma palavra. Meu coração martelava no peito e confesso que nunca havia me sentido tão nervoso antes.

- Vocês todos podem ir – falei – Acho que dois policiais armados já são o suficiente para assustá-lo.

Minha mãe ainda tentou fazer algum drama, mas meu pai a carregou para fora dali. O combinado era que eu ficaria por lá uma hora, o que era mais do que tempo suficiente para o garoto matar, se ele fosse o tal assassino que todos diziam que ele era. Para mim, naquele momento, ele mais parecia com um animalzinho assustado e indefeso.

- Desculpe, dessa vez não trouxe nenhum leite de morango – suspirei.

O garoto olhou para mim e assentiu com a cabeça. Não consegui evitar um sorriso ao perceber que ele tinha entendido.

- Quer jogar um jogo? – perguntei, já que bom, nós tínhamos uma hora para matar.

Ele olhou para mim meio confuso e eu não sabia se ele sabia o que era um jogo, mas comecei a explicar um dos mais fáceis que me veio em mente, o jogo da velha. Pedi aos policiais que pegassem uma pedra para mim e comecei a desenhar com ela no chão da cela, mostrando ao garoto como era o jogo. A princípio, ele pareceu não estar entendendo nada, como se eu estivesse explicando sobre um mundo completamente diferente. Então achei que era melhor ensiná-lo na prática mesmo.

- Tem o X e a bolinha, qual deles você quer ser? – perguntei enquanto desenhava as duas figuras no chão.

Naquele momento, os dois policiais me olharam como se eu fosse maluco por estar ensinando o jogo da velha para um monstro. Porém, eu calei os pensamentos dele no segundo seguinte, quando o garoto apontou para a bolinha, mostrando que tinha me entendido. Preciso dizer que os dois babacas ficaram muito surpresos?

Comecei fazendo um X no chão e entreguei a pedra na mão dele. O garoto pensou por alguns segundos e então fez a bolinha no espaço debaixo do meu X. Nada mal... Não sabia se ele tinha feito aquilo por pura sorte de principiante, ou se ele tinha mesmo entendido as regras.

Fiz outro X do lado do meu primeiro X e dei a pedra nas mãos dele. Agora a próxima jogada era definitiva, se ele colocasse a bolinha em qualquer outro lugar que não fosse ao lado dos meus X, eu iria ganhar. Os policiais até se debruçaram pelas grades para ver o desfecho daquela partida e eu quis muito, muito mesmo que ele me derrotasse. Porém, ele colocou a bolinha ao lado da que tinha feito antes, e então eu ganhei a partida, fechando uma carreira de X.

 - Eu ganhei – falei e mostrei a ele – Vê? Você não pode me deixar colocar três X em sequência.

O garoto olhou meio emburrado para o jogo e então bateu com a mão no chão ao lado de onde eu tinha feito o primeiro tabuleiro do jogo.

E eu já sabia o que aquele olhar apreensivo queria dizer.

Ele queria jogar de novo.

- Tá bom, vamos jogar de novo – sorri e desenhei o tabuleiro novamente.

Os policiais ficaram embasbacados por eu ter acertado o que ele queria e pelo fato de que parecia mesmo que o garoto estava querendo me ganhar. A gente jogou umas três partidas e eu não estava amolecendo com ele, porque sabia que era errando que a gente aprendia. Eu venci ele três vezes, até que ele conseguiu bolar uma estratégia na quarta vez.

Nada mal.

- Uau, ele realmente ganhou? – um dos policiais falou, pasmo.

- Eu disse a vocês, ele é inteligente – respondi com um sorriso e então virei para ele – Você ganhou.

Eu acho que ele não sabia bem qual era o conceito de vencer, porque ele simplesmente bateu no chão, pedindo para jogar de novo. Pelo visto, eu passaria uma hora inteira jogando o jogo da velha. É melhor eu trazer um jogo de tabuleiro da próxima vez, por precaução.

Quando meus pais voltaram uma hora mais tarde, o garoto e eu estávamos deitados no chão, no meio de dezenas de tabuleiros de jogo da velha por todos os cantos. Agora, depois que ele tinha aprendido, a gente ficava empatando o tempo todo, já que ele não me deixava ganhar de jeito nenhum e eu também não deixava. Pelo visto, o Hara tinha sangue nos olhos e aquilo era mais do que legal.

- Acabou – meu pai disse, não parecendo muito feliz – E está tarde, você tem aula amanhã.

Assenti com a cabeça e então levantei, triste porque aquela hora tinha passado bem rápido.

- Eu vou te ensinar jogos diferentes amanhã – falei e sorri – Durma bem.

O garoto assentiu com a cabeça e ficou me olhando enquanto eu me afastava. Naquele instante, percebi que ele estava de pés descalços e me senti um pouco incomodado. Tudo bem que não estava frio e que ele provavelmente nunca usou um sapato na vida, mas tirei minhas pantufas de coelho dos pés e entreguei a ele.

- Toma – falei – Você usa nos pés, eles vão ficar quentinhos.

Ele olhou para mim por um instante e depois para as pantufas, curioso.

Me agachei e coloquei uma em cada pé dele, enquanto meus pais me olhavam apreensivos. O garoto olhou para os dois coelhos e depois para mim, surpreso.

- Quentinho, né? – sorri – Espero que você durma melhor com elas.

Me afastei e saí da cela, deixando-o para trás. Acenei na direção dele e me afastei pouco a pouco, indo embora com meus pais. Assim como mais cedo, percebi que ele ficou me acompanhando com o olhar até eu sair completamente de seu campo de visão.

No caminho até em casa, meu pai não disse uma palavra. Ao contrário, quem estava tagarela era a minha mãe.

- Eu acho que é surpreendente – ela começou – Como você consegue ficar perto desse garoto sem passar mal? O cheiro é muito forte!

Dei uma risadinha. Era típico da minha mãe achar que o cheiro era mais problemático do que sei lá, o medo de ele me matar.

- Acho que estou me acostumando – respondi com sinceridade.

- Não, mas não dá pra essa criança ficar assim – ela continuou e então olhou para o meu pai.

Naquele momento, eu soube que o garoto já havia conquistado a confiança da minha mãe, ela nem mesmo estava se referindo a ele como um monstro.

- Seria bom se pudéssemos dar um banho nele – falei e olhei para o meu pai também.

Ele apenas bufou e deu de ombros, e eu entendi aquilo como um sim.

- Vamos ver isso amanhã – minha mãe completou e deu um beijo na minha cabeça, abrindo a porta da frente de casa.

Eu estava pronto para entrar, quando meu pai me deteve. Fiquei olhando para ele por um instante, esperando o que ia dizer.

- Ele vai continuar na delegacia até que eu possa confiar totalmente que não é uma ameaça – ele começou – Mas, não posso impedir que você vá até lá. Apenas tome cuidado.

Assenti com a cabeça.

- Tudo bem, contanto que ele possa comer como um ser humano e tenha um colchão para dormir – pedi.

- Eu vou providenciar – ele concluiu, se dando por vencido.

Não consegui segurar um sorriso e senti um enorme alívio, pois finalmente as coisas estavam indo como eu queria. Eu sabia que meu pai ia amolecer mais e que as outras pessoas do povoado também. E então, em um futuro não tão distante, talvez aquele garoto finalmente pudesse viver como um ser humano.



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