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História Heartless - Sem batimentos


Escrita por: chaootics

Notas do Autor


Perdi a hora de postar hoje, mas bem, antes tarde do que nunca~ Tô muito feliz com tantos comentários amorzinhos que eu tenho recebido, mto obrigada ♡

Eu vou ser super breve hoje e apenas desejar uma boa leitura ♡♡♡

Capítulo 4 - Sem batimentos


Fanfic / Fanfiction Heartless - Sem batimentos

Depois que saímos da casa do Woojin, Daehwi e Jinyoung foram levar a cadeira de cabeleireiro para onde eles tinham pegado e eu tratei de levar o garoto de volta à delegacia, já que era melhor não abusar da sorte que vinha tendo. Quando cheguei por lá, vi que havia um colchão dentro da cela, assim como meu pai havia me prometido.

Um dos policiais foi me informar sobre o colchão, mas ficou tão surpreso quanto os outros que ainda não tinham visto o garoto pós-banho. Todo mundo fazia a mesma expressão de choque e surpresa quando o via, como se não acreditasse que apenas um bom banho e um corte de cabelo podiam transformar alguém.

Soltei as cordas das mãos dele quando entramos na cela e corri para me sentar no colchão, sorridente.

- Vem cá, é macio – falei.

Ele ficou olhando para o objeto por algum tempo, já que provavelmente nunca tinha visto um colchão antes. E então, pouco a pouco, foi criando a coragem de sentar ao meu lado.

- Que tal? Aprovado? – perguntei enquanto ele tateava o material com as mãos, curioso – Agora você vai dormir bem melhor, mas eu ainda vou te tirar daqui, prometo.

Assim que disse isso, seus olhos se cravaram nos meus, como se ele estivesse mesmo esperando por isso. Eu sabia que devia ser horrível passar seus dias em uma cela, ainda mais para alguém como ele que tinha toda uma floresta para si, mas não podia manda-lo de volta para lá e também não podia deixa-lo viver em sociedade, pelo menos não agora.

- Seria bom se você pudesse me dizer sobre a lenda, se pudesse me contar se não tem mesmo sentimentos – tentei explicar com calma, mas ele logo ficou agitado de novo – Eu não quero te machucar.

O garoto rapidamente entrou em modo defensivo e começou a proteger o peito como mais cedo. Talvez ele não confiasse em mim a tal ponto.

- Eu não te abandonei quando todos achavam que você era um monstro – suspirei frustrado – Por que você acha que eu te abandonaria se confirmasse que você não tem um coração?

O garoto olhou para mim, intensamente dentro dos meus olhos, a ponto de me deixar sem jeito. Parecia que ele estava olhando dentro de mim, dentro do meu próprio coração, antes de decidir se podia ou não confiar em mim.

- Guanlin... – ele disse e então balançou a cabeça negativamente.

Arregalei os olhos e senti meu coração acelerar ao ouvir sua voz, pela primeira vez.

Então, como eu esperava, ele falava. Ele era capaz de falar, ele só havia escolhido não fazer isso até agora.

- Então, você fala – disse quando me recuperei do choque – Me sinto lisonjeado de que sua primeira palavra tenha sido o meu nome – concluí com um sorrisinho envergonhado.

Ele continuou olhando para mim, mas não falou mais nada.

- Você deve ter um nome, né? Se você fala e tudo – continuei tentando puxar assunto – Eu não sei como te chamar e acho ruim quando te chamam de Hara, não te vejo como um pecador.

Ele ainda estava bem sério, provavelmente pensando se valia a pena desperdiçar suas preciosas palavras comigo. Por fim, suspirou e então me disse algo que eu esperava muito saber, porque se ele não tivesse um nome, eu mesmo ia acabar dando um a ele.

- Jihoon – ele falou por fim.

- Jihoon? – sorri e então ergui minha mão para cumprimenta-lo – Prazer em te conhecer.

O garoto ficou olhando para a minha mão estendida, já que bom, ele provavelmente nunca havia cumprimentado ninguém. Eu então peguei sua mão direita e a levei até a minha, ensinando a ele o cumprimento.

- É assim que você cumprimenta alguém quando o encontra, Jihoon – expliquei.

Ele assentiu com a cabeça e então apertou a minha mão, conforme eu havia o ensinado. Na verdade, ele ficou tanto tempo apertando que eu tive que puxar a minha mão para soltá-lo.

Naquele instante, para minha surpresa, meu pai entrou na delegacia. Ele caminhou depressa até a cela, provavelmente já esperando que eu estivesse por lá, mas seus olhos se arregalaram por completo ao ver quem estava ao meu lado.

- O que é isso? – ele perguntou confuso, apontando para o garoto.

- Seu monstro – respondi e dei de ombros – Ele fala e se chama Jihoon, aliás.

Meu pai ficou tão pasmo como eu nunca havia o visto antes, acho que ele até mesmo ficou um bom tempo sem respirar. Quando finalmente se deu conta do que tinha acontecido, tentou fingir não ligar.

- Guanlin, temos que ir para casa, você precisa se arrumar para a celebração de hoje à noite – falou, ainda com os olhos cravados no recém transformado Jihoon.

Ah, verdade. Aquele jantar... O pior é que eu nem tinha como escapar, já que o vilarejo todo estaria presente. O evento ocorreria na praça principal e teria muita comida, dança e música, para celebrar os 150 anos do nosso vilarejo.

- Tá certo – resmunguei – Te vejo depois, ok? – disse ao Jihoon e me virei para sair.

O policial abriu a porta da cela para que eu passasse, porém, em uma fração de segundos, Jihoon se colocou na minha frente, entre meu pai e eu. O policial rapidamente pegou sua arma, mas não era como se o garoto estivesse tentando fugir. Na verdade, ele não estava era me deixando sair.

- O que é isso? – meu pai perguntou confuso.

- Não – Jihoon respondeu verbalmente, sua expressão bem séria no rosto – Não – repetiu e abriu os braços em minha frente, para que eu não conseguisse passar.

Eu sei que aquela situação era um pouco estranha, mas eu estava me segurando muito para não abrir um largo sorriso.

Ele não queria que eu fosse embora... Com uma expressão birrenta no rosto, os braços abertos na minha frente, encarando o meu pai como se ele fosse o cara mau que estava me levando embora.

Meu coração começou a bater depressa e eu senti como... Como se quisesse abraça-lo.

- Está tudo bem – falei e pedi para que o policial abaixasse a arma – Ele quer apenas que eu fique por aqui, não é Jihoon?

O garoto desviou os olhos do meu pai e olhou para mim, assentindo com a cabeça. Sua expressão continuava irritada, mas agora com esse cabelo e de banho tomado, eu não conseguia não achar aquilo muito adorável, porque ele tinha um carinha de bebê que não botava medo nem no meu irmãozinho.

- Desculpe, eu realmente preciso ir dessa vez – suspirei contrariado – Eu prometo voltar assim que puder.

Ele balançou a cabeça negativamente e continuou com os braços abertos na minha frente.

- Eu sinto muito, eu não queria te deixar aqui sozinho – insisti e então olhei para o meu pai, que apenas encarava a cena como se não conseguisse acreditar no que via – Prometo que vou te trazer algo gostoso pra comer quando voltar, ok?

Quando falei de comida, ele pareceu um pouco mais conformado e então foi abrindo espaço para que eu passasse. Aquele era o ponto fraco dele, eu já sabia, então dava para controla-lo com comida, ou pelo menos assim eu esperava.

Confesso que meu coração ficou partido quando o policial fechou a cela e deixou ele ali dentro sozinho. A vontade que eu tinha era de nunca mais sair dali, mas infelizmente eu não podia ficar o dia todo ao lado dele. Enquanto me afastava, só conseguia pensar que precisava trazer algo realmente gostoso quando voltasse.

 

 

 

 

Nos reunimos na praça algumas horas mais tarde, quando o sol já estava se pondo. Os moradores haviam enfeitado as árvores com luzes brilhantes e tinham montado uma enorme fogueira no centro. As mesinhas estavam dispostas perto de um palco, onde alguém que eu conhecia já estava diante do microfone.

- Não me diga que ele está contando piadas – falei enquanto sentava ao lado do Daehwi.

- Ah, ele está – Daehwi respondeu e ambos olhamos para o palco, no momento em que Woojin contou o desfecho de uma piada que nem era engraçada.

- Essa é a quarta piada sem graça em 10 minutos – Jinyoung bufou – Por que deixam o Woojin subir nesse palco?

- Porque ninguém mais pagaria esse mico – Daehwi suspirou e então pegou o celular para ver qualquer coisa que não fosse o show particular do nosso amigo.

Quando Woojin contou mais duas piadas sem graça em sequência, Jinyoung parecia estar a ponto de gritar, então eu tentei distraí-lo com um potinho de amendoim e algumas novidades.

- O nome dele é Jihoon – falei – Do garoto.

Daehwi largou o celular no mesmo instante e Jinyoung quase engasgou com o amendoim.

- O bonitinho tem um nome? – Daehwi perguntou um tanto histérico – Como você sabe?

- Ele me disse – respondi e sorri me gabando – Ele falou verbalmente comigo.

- Uau, então além de bonito, ele fala e tem um nome? – Jinyoung riu – Com coração ou sem, aposto que ele vai ser muito popular com as garotas daqui.

Eu sei que ele estava brincando, mas por alguma razão eu não consegui rir junto com ele. De repente, achei que era melhor deixa-lo trancado naquela delegacia mesmo, mas logo afugentei esse pensamento egoísta.

Woojin continuou fazendo mais algumas piadas, até que uma mulher finalmente o tirou do palco para fazer uma apresentação de dança. Quando ele se reuniu na nossa mesa, começamos a falar de uma porção de coisas banais, como sempre fazíamos. Nos últimos dias, eu vinha tão fixado em tudo que envolvia aquele garoto, que às vezes era bom ouvir sobre uma calça com bolsos na barra que o Daehwi estava criando ou sobre um novo inseto que o Jinyoung achou que tinha encontrado.

- Ei, pessoal – Woojin falou de repente, parecendo assustado – O velho Lee não para de nos olhar, eu tô começando a ficar agoniado.

Dei uma olhada discreta por cima do meu ombro e notei que o velho homem realmente estava olhando na nossa direção. O senhor Lee era um dos moradores mais antigos do vilarejo, mas raramente falava com as pessoas, preferindo passar o seu tempo recluso em sua casa. As pessoas costumavam ter medo dele por causa disso, achavam que ele escondia algum segredo ou sei lá. Confesso que eu nunca tive interesse nele, mas agora que ele estava nos olhando desse jeito, talvez fosse ele que estivesse interessado em nós.

E era melhor eu descobrir.

- Vou lá falar com ele – disse e levantei depressa.

Ouvi meus três amigos me chamarem de louco, mas o que era pior do que defender uma criatura de uma lenda? Nada, pelo visto. O velho senhor Lee não era nada comparado ao Jihoon.

- Com licença, senhor – falei e sentei na cadeira em frente a ele, parte minha curiosa e outra parte nervosa.

- Acho que eu estava olhando muito fixamente, né? – ele deu um sorrisinho sem jeito – Não pude evitar, desculpe.

- Tudo bem – respondi com sinceridade.

- Você é o filho do Lai, né? – ele perguntou – Fiquei sabendo que você e seus amigos estão ajudando o garoto. As notícias correm por aqui.

“O garoto” pensei. Ele não se referiu a ele como “o monstro” ou “o Hara”, então aquele era um bom começo.

- Estou tentando ajuda-lo – respondi e ergui uma das sobrancelhas, curioso – Você o conhece?

Eu sei que aquela pergunta era meio tensa e que eu a havia jogado assim do nada, mas achava que o interesse dele no nosso grupo não era apenas uma curiosidade. Ele parecia saber algo.

- Como eu poderia? – ele sorriu – Eu não o conheço, mas conheço a sua história, toda ela.

- Toda? Você quer dizer que conhece toda a lenda? – continuei perguntando, cada vez mais curioso.

- Se você quiser chamar de lenda – ele deu uma risadinha e eu notei que ele era bem mais simpático do que aparentava – Eu era amigo da Yoora.

- Quem é Yoora?

- A irmã da mãe do garoto, a tia dele.

Tia? Arregalei os olhos, confuso. Se me lembro bem, não tinha nenhuma tia na lenda. Era apenas a mãe, que era uma bruxa, o monstro que ela criou e seus dois filhos amaldiçoados. A bruxa tinha uma irmã?

O velho senhor Lee percebeu que eu estava confuso e então deu uma batidinha na mesa, para me tirar de meus pensamentos. Depois disso, me perguntou se eu não queria dar uma passada na casa dele antes do jantar, já que ele poderia me contar a história melhor por lá.

Olha, aquilo era meio estranho. Eu não o conhecia e, do nada, esse senhor queria falar comigo, me contar coisas e até mesmo que eu fosse na casa dele. Eu achava muito suspeito, mas ao mesmo tempo eu queria saber tudo o que eu pudesse sobre o Jihoon, então não podia negar aquela informação.

Assenti com a cabeça e disse que o acompanharia. Ele perguntou se eu não queria chamar os meus amigos também e pensei que era uma boa ideia. Se ele fosse um maluco que quisesse me matar, pelo menos estaríamos em maior número.

Claro que não foi muito fácil convencê-los, já que nenhum deles tinha intimidade com o senhor Lee. Porém, quando contei brevemente o que ele havia me dito, Daehwi ficou curioso e decidiu que iria comigo. Ele arrastou o Jinyoung junto como sempre fazia e o Woojin acabou nos acompanhando só para não ficar sozinho.

A casa do senhor Lee ficava há uns três quarteirões do parque e hoje a noite estava bem iluminada e barulhenta por causa da festa. Fiquei me perguntando o que Jihoon podia estar fazendo agora, sozinho naquela delegacia. Porém, antes que meus pensamentos se arrastassem mais para ele, o velho senhor abriu a porta de uma casinha de esquina e pediu que entrássemos.

Por dentro, ela não era nada assustadora e nem muito diferente de uma casa normal. Havia um sofá grande na sala e duas poltronas e também uma televisão. Em algumas prateleiras, era possível ver algumas fotos, que pareciam pertencer à juventude do homem. Ele sentou em uma das poltronas e nós nos acomodamos pelo sofá, depois que negamos uma xícara de chá.

- É melhor mesmo guardar espaço para o jantar dessa noite – ele disse – Ouvi dizer que o frango está uma delícia.

- Ele veio do galinheiro da minha família – Jinyoung respondeu – Então posso atestar que é de boa qualidade.

O senhor deu um sorrisinho e assentiu com a cabeça, antes de virar o rosto e pegar algo em uma gaveta atrás dele. Parecia um álbum de fotos, daqueles bem antigos que as pessoas usavam quando apenas existiam máquinas de tirar foto que você precisava revelar.

- Deixe-me ver... – Ele começou a folhear o álbum e então pareceu achar a foto certa – Aqui, deem uma olhada.

O velho senhor tirou a foto do álbum e entregou em minha mão, com suas mãos trêmulas. Nela, havia duas garotas, uma que parecia ter uns 15 anos e outra uns 10. Ao lado delas, estava um homem que definitivamente era o senhor Lee uns 30 anos mais novo.

 - Eu tinha uns 50 anos nessa época – ele explicou bem o que eu já estava deduzindo – e tinha uma filha de uns 10 anos, a mesma idade da Mari, a mais nova. Elas vinham muito até a minha casa e Yoora, a mais velha, gostava de conversar comigo sobre astrologia.

- O senhor é astrólogo? – Jinyoung perguntou surpreso.

- Costumava ser – ele sorriu.

- E quem são essas garotas? – Daehwi perguntou.

 - A mãe do Jihoon – respondi antes que o senhor dissesse qualquer coisa, apontando para a garotinha que se chamava Mari – É muito parecida com ele.

Daehwi deu uma boa olhada na foto e percebeu o que eu havia dito: Jihoon era a cara da mãe dele. Bem, se a lenda fosse mesmo verdade, graças a deus que ele parecia com a mãe e não com o pai, o ser com três olhos que babava.

O velho senhor nos mostrou mais algumas fotos de Mari quando era adolescente. Ela era uma menina muito bonita, totalmente diferente do que eu jamais imaginei quando pensava em uma bruxa. Não era à toa que Jihoon era tão bonito.

- Se elas eram crianças tão normais, como tudo aconteceu? – Woojin perguntou confuso, enquanto olhava para uma das fotos.

- Mari nunca foi exatamente normal – ele explicou – Desde pequena, ela sempre gostou muito de magia e começou a estudar livros de feitiço quando tinha menos de 10 anos. Yoora, por sua vez, era apaixonada pelo espaço.

Ele continuou a história nos contando sobre como Mari começou a ser ridicularizada na escola quando seus colegas descobriram que ela gostava de magia e que desde jovem já era chamada de “bruxa”, como se isso fosse uma ofensa. Isso fez com que ela se afastasse lentamente das pessoas e até mesmo da filha do senhor Lee, que era sua única amiga. Yoora se preocupava muito com a irmã, mas não sabia ao certo como ajuda-la.

Mari cresceu com aptidão para a magia e logo começou a fazer alguns feitiços. Porém, em uma madrugada, quando tentava um feitiço poderoso, acabou colocando fogo na própria casa e matando seus pais e avós, que eram os únicos parentes vivos que tinha. Quando Yoora voltou de um trabalho em outra cidade e encontrou a irmã, agora com 18 anos, coberta de fuligem e completamente arrasada, ela soube que não havia mais lugar para elas naquele vilarejo.

“Elas foram praticamente expulsas”, como o próprio senhor Lee disse. Todos creditaram a culpa da morte da família Park na garota e até cogitaram prendê-la. Tendo perdido tudo e apenas com alguns trocados no bolso, Yoora sabia que nem mesmo podia levar sua irmã para outra cidade, não quando ela fazia o que fazia. Vendo que não havia mais nada e ninguém no mundo para elas, as duas fugiram para o único lugar que lhes restou.

Elas tiveram uma grande discussão antes de decidirem se embrenhar na escuridão da floresta. Ao invés de largar a magia, Mari estava disposta a fazer todo mundo pagar por tudo o que ela havia sofrido. Yoora não conseguia mudar sua cabeça, então o único que podia fazer por ela era protege-la. Foi assim que ambas passaram a viver em uma casinha no meio da floresta, longe de todo mundo.

Lá, Mari passou dois anos treinando feitiços e aperfeiçoando sua magia. Porém, ela perdeu seu caminho quando sua mágica vingativa começou a dar certo. Várias pessoas do vilarejo ficaram doentes, algumas até mesmo morreram por causa dela. Todos que riram ou zombaram dela tiveram um destino terrível.

Com o passar do tempo, ela começou a se sentir cada vez mais sozinha e a presença da irmã já não lhe bastava. Ela sabia que não era boa o suficiente a ponto de criar um ser humano, havia tentado trazer seus pais de volta à vida centenas de vezes e sempre falhou. No entanto, seu desejo por um parceiro fez com que ficasse noites e noites em claro, a procura do feitiço perfeito.

Nesses momentos, quando estava tão focada que não via nada ou ninguém, Yoora escapava e encontrava o senhor Lee, aquele que havia lhe ensinado muito sobre astrologia, um futuro que ela não mais poderia ter. Nesses encontros, ela pedia conselhos e também desabafava todas as histórias sobre a irmã.

Mari acabou conseguindo fazer um ser humano, ou algo como isso. Ele acabou mais se parecendo com um monstro, coberto de pelos pelo corpo, três olhos e com uma baba grossa que escorria de sua boca. Embora fosse horrendo, Mari o amou desde o início. Ela o amou tanto que até mesmo entregou seu corpo a ele. Porém, ele era incapaz de amá-la de volta; ele era um monstro, feito de magia negra. Quando o choque do amor que Mari sentia por ele colidiu com a escuridão que o monstro era, ele não pôde sobreviver. Tudo o que restou a ela foram dois bebês dentro de sua barriga.

A gravidez foi horrível, segundo Yoora. Ela estava carregando dois monstros dentro de si e sofria de dores latejantes o tempo inteiro. Yoora sabia que Deus estava punindo sua irmã por ter mexido com o que não devia e por ter machucado e matado tantas pessoas. Ela estava pagando por ter levado sua vingança tão longe.

Mari não conseguiu resistir ao parto prematuro dos dois. Yoora sabia que sua irmã morreria em breve e que ela seria a responsável por aquelas crianças. Porém, quando se viu diante deles, percebeu que jamais poderia leva-los de volta à civilização.

Um deles não tinha cérebro e outro não tinha coração. Não fisicamente, porque o coração e o cérebro estavam lá, porém não funcionavam. Você poderia achar que uma criança nessas condições estaria morta, mas eles não eram crianças normais, eles eram feitos da fusão do amor com a magia negra. Metade deles era magia negra, para ser mais exato.

A criança sem cérebro morreu muito cedo, deixando Yoora apenas com o outro garoto. Eles viveram juntos por alguns anos naquela mesma cabana, onde ela o ensinou tudo o que sabia: ler, escrever e a se virar sozinho. Ela sabia que seu próprio tempo estava se esgotando, e ele teria que se virar por conta própria em breve.

O apático garoto perdeu sua tia para um ataque do coração quando ele tinha 8 anos. A partir daquele ponto, o senhor Lee nunca mais pôde ouvir histórias esporádicas sobre ele e nunca soube o que aconteceu. Ele imaginou que o pobre garoto que nem mesmo era capaz de ter sentimentos por alguém apenas havia morrido naquela floresta e nunca pensou que ele pudesse estar vivo. Nem mesmo quando ele supostamente atacou aquele grupo de mulheres na floresta, já que o venho senhor também não creditava aquele evento a ele.

Mas então o meu pai o capturou e toda a história mudou.

- Estou sem palavras – Woojin disse quando o homem terminou a história – Há muito mais nessa lenda do que o que nós ouvimos por toda a nossa vida... Nem sinto mais vontade de assustar as crianças com isso...

- Eu me sinto triste por ela, a Mari – Daehwi suspirou – É claro que ela fez coisas erradas e foi certo que tenha pagado por seus crimes, mas eu sei que ser incompreendido pelos outros dói muito.

Jinyoung colocou a mão no ombro do Daehwi e o consolou, enquanto minha cabeça ainda girava. Então Jihoon é mesmo o filho de um pecado e metade dele é magia negra. Ele carrega consigo a maldição de nunca poder sentir nada por ninguém e está fadado à solidão...

Mas então, por que ele não queria me deixar ir embora hoje?

 

 

 

 

Quando voltamos para a festa, meia hora mais tarde, todos nós estávamos muito mais quietos do que o normal. Era uma celebração, mas nenhum de nós tinha vontade de celebrar coisa alguma. Eu não conseguia parar de pensar que Jihoon podia estar se portando como um animal, que ele me queria ao seu lado apenas porque eu o havia alimentado. Ele não devia ter qualquer tipo de sentimento amistoso por mim, até porque ele não podia ter. Ele era uma criança sem coração e eu não sabia por que eu estava tão frustrado por algo que eu sempre soube.

Meu pai estava no palco agora, falando sobre o futuro do vilarejo e um monte de coisas que não me importavam naquele momento. Eu mal havia tocado na minha comida e ainda remoía tudo o que o velho senhor Lee tinha nos contado.

O mundo havia sido tão injusto com aquela criança...

Levantei de súbito e comecei a colocar alguns pães, frutas e salgados em uma sacola. Também peguei uma garrafa de suco de laranja e passei a mão em uma de vinho, sem que ninguém visse. Meus amigos nem mesmo me perguntaram onde eu ia, já que todo mundo sabia a resposta. Eles também não pediram para ir junto, porque sabiam que eu precisava desse tempo a sós com ele.

Quando entrei na delegacia, os dois policiais que estavam ali não perguntaram nada e um deles apenas me acompanhou para abrir a cela, já tão acostumados com a minha presença ali. Agora, diferente das outras vezes, Jihoon estava deitado no colchão quando eu cheguei, mas prontamente sentou quando me viu.

Assim como uma pessoa normal... E isso fez o meu coração doer de novo.

- Eu trouxe comida como o prometido – falei assim que me aproximei e sentei ao lado dele no colchão – Muita coisa, você pode comer o quanto quiser.

Coloquei a sacola diante dele, me sentindo bastante desanimado, e fiquei olhando enquanto ele colocava na boca tudo o que via e mastigava com a sofreguidão de sempre. Cheguei à conclusão de que ele era comilão mesmo e que isso não tinha nada que ver com ter passado fome na floresta, já que vinha comendo as coisas que eu trazia a ele e a comida que meu pai providenciava.

Eu abri a garrafa de vinho e comecei a beber do bico enquanto ele comia. Ele até ficou de olho naquilo, mas eu tratei de logo dar a ele o suco de laranja, já que ele nem mesmo sabia a diferença. Não era uma boa ideia alcoolizá-lo, né.

Eu não era do tipo que bebia, na real eu recentemente tinha completado 20 anos e me tornado legal para beber, então não era como se eu tivesse um histórico ou algo assim. Mas, eu estava triste e sei lá, eu apenas queria beber aquela garrafa de vinho para me sentir melhor.

- Você me odeia – ele quebrou nosso silêncio de vários minutos com algo muito chocante.

- O quê? – olhei confuso para ele.

Jihoon pegou a minha mão, parecendo um pouco contrariado, e a colocou em seu peito. Eu levei um susto e tentei entender o que ele estava fazendo, até que a verdade me atingiu...

As batidas. Ele estava me mostrando que ele não tinha um coração que batia, depois de tanto ter se protegido antes.

Por que agora?

- Você sabia que eu não tenho um coração – ele disse, formando a maior frase que já tinha me falado até esse momento.

Tentei pensar em uma resposta, mas nada me ocorreu. Ele tinha percebido que eu havia descoberto a verdade? Como? Será que a forma como eu estava me portando estava deixando muito na cara?

- Você me odeia – ele tirou minha mão do peito dele com rispidez e virou o rosto, voltando a procurar algo para comer na sacola.

- Eu não te odeio – respondi confuso – Por que você acha que eu te odeio?

- As pessoas me odeiam porque eu não tenho um coração.

Bebi mais um grande gole do vinho e fiquei pensando se eu já estava bêbado o suficiente para alucinar. Como ele podia ter chegado a essas conclusões?

Foi então que me ocorreu...

- Sua tia – disse e olhei para ele, sério – Foi ela que te disse que as pessoas te odeiam por que você não tem um coração?

Ele assentiu com a cabeça, com um pedaço de pão pendurado para fora da boca.

- Bem, ela não estava errada, elas realmente... Tem medo de você – suspirei – Mas, eu não.

- Por quê? – ele perguntou.

- Não sei – respondi sinceramente.

- O ódio é um sentimento ruim – ele explicou para mim na teoria algo que eu bem sabia na prática – Você não tem sentimentos ruins?

- Ah eu tenho, muitos deles – dei uma risadinha – Mas, não por você.

- Eu não sei o que é ter sentimentos – ele explicou novamente algo que eu já sabia.

- Eu sei – balancei a cabeça e senti uma fisgada no peito – Eu sei disso.

Jihoon pareceu satisfeito por esclarecer comigo o que eu já sabia e então voltou a procurar algo para comer na sacola. Porém, eu estava me sentindo mal e eu havia bebido um pouco, então a minha língua não ficou quieta dentro da boca.

- Se eu não te trouxer mais comida, você ainda gostaria que eu viesse te ver? – perguntei algo que estava me atormentando.

Ele ergueu o rosto e me olhou confuso.

E não respondeu nada.

Então, para mim, a resposta era não. Ele apenas me queria aqui porque eu o alimentava e eu precisava me conformar com isso.

- Deixa pra lá, apenas coma a sua comida – falei.

Ele seguiu o que eu disse e voltou a se preocupar com o que eu havia trazido, sem ligar muito para mim. Eu devia saber desde o início que ele não estava sendo legal comigo porque ele tinha bons sentimentos por mim... Ele apenas estava interessado nas coisas que eu trazia. E eu precisava aprender a lidar com isso, afinal de contas, ele não faz por mal. Ele é amaldiçoado.

Senti minha cabeça rodar, metade pelos pensamentos e metade pelo álcool. Acabei deitando um pouco no colchão dele, para ver se aquela sensação parava. Jihoon ainda ficou terminando de comer enquanto eu apenas observava o teto da cela, ouvindo ao longe a música e as vozes da celebração.

Apesar de tudo, eu ainda preferia estar aqui com ele.

Quando terminou de comer, ele inesperadamente deitou ao meu lado. Eu olhei para ele, bem dentro de seus olhos, e ele me olhou de volta, da mesma forma. Não havia palavras, nenhuma que pudéssemos dizer naquele momento.

Eu só queria estar aqui, olhando para ele em silêncio e sendo olhado por ele. E, por enquanto, isso parecia ser o suficiente.



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