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História Heart's on Fire - Save me


Escrita por: ThekaTsukishiro

Notas do Autor


Músicas de inspiração: You and I - Scorpion + Save me - Remy Zero

Capítulo 3 - Save me


Cenas Anteriores

- Milo, digo Venon... – Mask começou. – Esse é Camus. Foi um de nossos melhores pilotos. – E voltou-se para o francês. – Camus esse é...

- Você? – A voz fria e só um pouco mais alta. Camus estava surpreso. Nem em seus sonhos mais loucos imaginara que encontraria novamente o motoqueiro da noite anterior logo ali.

oOoOoOo

- Mas o que diabos... Vocês se conhecem? – Mask perguntou ao reparar no jeito dos dois.

Aldebaran que ainda estava na sala, arqueou a sobrancelha. Nunca tinha visto Camus ser tão frio com alguém. Claro, tirando quando ele e Saga pareciam querer matar um ao outro com olhares.

- Não, na verdade não nos conhecemos. – Camus respondeu sem desviar os olhos dos do grego. A voz impassível. 

- Realmente, não nos conhecemos. – Milo reforçou. Olhos azuis brilhando de raiva incontida a mirar os frios olhos castanho-avermelhados do outro.

- Por favor, queriam ser mais detalhistas. Então, como é que se conhecem? – Mask estava curioso e também começava a irritar-se. Não era conhecido por ter uma grande paciência, na verdade, não tinha paciência para quase nada.

- Podemos dizer que foi uma fatalidade do destino. – Camus arqueou uma sobrancelha. O olhar gelado, quase glacial.

- Fatalidade? Você quase me fez bater.

- Talvez você devesse trafegar com mais cuidado dentro do estacionamento de lugares com muitos transeuntes. – O ruivo rebateu. – Também deveria dar a chance dos outros falarem antes de derramar provocações e ironias. – Voltou seus olhos para Mask. – Se é isso que estão nos mandando, talvez nunca ele vá entender quando e como uma carga de argila e água deve ser lançada de um avião. – Ele fizera aquele comentário para provocar. Não gostava daqueles subterfúgios, mas depois do que ouvira, das explicações do que deveria fazer, as palavras meio que escapuliram por sua boca.

- Hei... calma aí! Você comentou com ele? – Milo perguntou encarando Mask. Parecia indignado e desapontado.

- Tive de passar o que Camus iria encontrar e o que deveria fazer. Não é novidade que não está conseguindo fazer as coisas direito. Ele será seu instrutor, nada mais justo ele saber com o que irá lidar. – Mask fuzilou-o com os olhos.

- Mas... – Era visível que aquilo havia mexido com ele. - Eu sou bom no que faço. – Milo sustentou-lhe o olhar.

- Mon Dieu! Outro egocêntrico! – Camus revirou os olhos.

- Eu sou bom no que faço e vou provar. – O grego grunhiu.

- Pois então faça isso com atos e não tentando se auto-afirmar do modo que vem fazendo. – Implacável, frio e ácido. Camus estava inspirado.

Milo deu um passo à frente. Estava pronto para enfiar o dedo na cara daquele francês empoado. Quando pensou em agir, a pouca paciência de Mask o fez entrar perante o ruivo, separando-os. Uma sensação de dejà-vú assolou o comandante do local. Colocando-se de lado, Mask olhou do ruivo para o loiro e precisou segurar a vontade que sentia de gargalhar. Parecia que tinha ali duas crianças e não dois homens feitos com mais de vinte e nove anos cada um. 

- Podem parar. – Grunhiu. – As duas bonecas podem ir parando com isso. Vocês não são obrigados a gostarem um do outro, mas aqui na base não quero esse tipo de comportamento. Não mais. – Voltou os olhos para Aldebaran que assistia a tudo meio surpreso. – Você! O que você está fazendo aqui ainda? Vá preparar-se para tirar aquele passarinho do chão. – Ordenou.

De olhos arregalados, o grandalhão saiu apressado. Podia muito bem esperar Milo no jipe e bem longe da situação caótica que os três encontravam-se na sala de reuniões.

- Agora, quanto a vocês dois. – Fincou os olhos em ambos. – Se vão ter diferenças, se vão se pegar, eu sugiro que façam isso bem longe dessa base, pois eu já aturei demais há muito tempo atrás até conseguir a calmaria, certo Camus? – Mask perguntou sem parar de mirá-lo nos olhos.

- Certo! Pode ficar tranquilo que de minha parte não haverá mais nada. – O ruivo sabia muito bem do que o italiano estava falando. No começo, quando ele havia chegado à base, Saga e ele viviam se estranhando, até o grego conseguir miná-lo e derrubar as barreiras ao redor de seu coração.

Milo arqueou as sobrancelhas. Estava um tanto curioso. – “Do que Mask está falando? Ora... Mas será que esse francês... Bem, talvez fosse possível.” – Pensou. Ele não era bobo e bastou somar dois mais dois para chegar ao resultado. Depois tentaria descobrir se sua dedução estava correta. Sentiu uma emoção estranha, que não queria admitir. Não poderia sentir ciúme de uma pessoa que não amava mais e que não estava entre eles.

- Milo... – Mask chamou-lhe pela segunda vez. O loiro em seu momento ‘aéreo’, não havia escutado nada. Não estava prestando atenção. – Está dormindo em pé? Espero que você também não aja como há pouco. – Viu-o concordar com um aceno de cabeça e bufou. – Agora vão, o treino está muito atrasado. – Mandou com um aceno de mão. Tocou ambas as têmporas com as mãos, massageando lentamente. Estava com uma dor de cabeça de rachar. Nem se deu conta que estava sozinho. – Dio mio... Estou com uma reprise do filme de oito anos atrás. – Murmurou.

oOoOoOo

Milo e Camus desceram lado a lado, mas em total silêncio. O loiro entrou no jipe calado e pelo canto dos olhos viu o ruivo dirigir-se no sentido contrário, o qual, ele sabia ser o da torre.

Aldebaran dirigiu-lhe um olhar curioso. Saiu devagar com o jipe, seguindo para o hangar dos aviões. - O que foi aquilo? – Não resistiu e perguntou.

- Nem queira saber, Aldebaran. Eu só espero não ter estragado minhas chances aqui nesta base. – Milo estreitou os olhos e fixou-os em um ponto qualquer.

- Suas chances continuarão as mesmas. – O brasileiro falou calmamente. – Não sei o que aconteceu direito, mas Camus não é de misturar o pessoal com o trabalho. Se você fizer por merecer, suas chances poderão melhorar ou piorar.

- Você parece ter muita certeza disso. Achei aquele ruivo muito chato e irritante. – Comentou o grego.

- Sim, eu sei o que digo. Camus não é uma pessoa injusta. E ele é assim mesmo. Fechado. Raras foram as vezes em que ele deixou-se levar pela situação e sorrir. – Aldebaran fez uma pausa ao parar o carro na lateral do hangar. – Geralmente quem conseguia essa proeza era Saga.

O loiro desceu do carro meio inquieto. Era difícil tentar ver o lado ruim daquele ruivo com ares de sabichão, tendo alguém falando tão bem dele.

- Vejamos se ele é assim mesmo. – Milo grunhiu. Estava desconfiado e era normal, afinal não o conhecia como o brasileiro.

Aldebaran revirou os olhos e deu de ombros. – Milo, não julgue o livro pela capa. Que, diga-se de passagem, é muito bonita. – Murmurou e seguiu-o mais atrás. 

oOoOoOo

Pela primeira vez em meses, Camus voltou a pisar naquele local. Saudou Afrodite e Shion que já se encontravam na torre. Tudo o que iria precisar estava em uma mesinha de canto. Dirigiu-se a ela e pegou um dos rádios portáteis e um binóculo.

- Qual dos dois irá me ajudar? – Perguntou ao voltar-se para os dois controladores.

- Eu sempre ajudei o Mask. – Afrodite comentou. – Mas se quiser pode escolher um de nós.

- Ora, não será necessário. Vejam entre vocês. – Camus mirou-os seriamente. Sem esperar resposta, saiu da sala e parou próximo à grade, observando a pista. Enquanto esperava, checou o rádio. Estava com a mesma freqüência dos aviões. 

- Quando quiser... – Afrodite parou ao lado do ruivo e sorriu-lhe.

Para ele estava tudo certo. Voltou seus olhos para trás procurando por Shion. Balançou levemente a cabeça e deu como iniciado o treino.

Em poucos minutos, todos os aviões estavam no ar, ao comando de Shion, pelo rádio. Pela prancheta, Camus coordenava a aproximação dos aviões. Em terra as equipes de bombeiros e de segurança corriam contra o tempo para que, nos intervalos, a sequência de alvos fossem refeitos.

Milo daquela vez estava em último lugar e quando recebeu a autorização para aproximar-se, estava um tanto impaciente.

- Venon, estabilize. Você está em desalinho. Alinhe ou errará o alvo. – Camus solicitou. A voz fria e impassível. Revirou os olhos quando o grego errou o alvo.

Enraivecido com a falta de sorte, Milo não quis admitir seu próprio erro. Ele precisava relaxar e conseguir achar sua inspiração. O que o fazia dar-se bem quando apenas pilotava seu helicóptero.

- Venon, esteja preparado. Na próxima, tente estabilizar o avião e mantê-lo alinhado como já lhe disse antes. – O ruivo deu-lhe a dica novamente.

- Ok! – Milo respondeu. Estava bravo consigo mesmo e não conseguia esquecer a provocação feita por aquele homem chato. – “O que Saga viu nele além da beleza?” – Pensou. – “Ele é um chato!” – Não conseguia evitar os pensamentos. – “Milo... Milo... Você precisa concentrar-se.” – Revirou os olhos e tentou pensar em outras coisas. 

oOoOoOo

Esperando que seu avião fosse reabastecido, Milo voltou seus olhos para a torre de comando ao longe. Phanton havia sido escolhido para fazer o treino do pouso “pane seca” e o Canadair que este pilotava, acabava de tocar o solo. Nem mesmo o barulho do atrito dos pneus contra o asfalto tirara-lhe a concentração. Os bonitos olhos azuis lembravam a duas fendas agourentas e os lábios em um sorriso enviesado deixaram-no com uma aparência estranha e disforme.

Kanon parou ao lado dele e arqueou uma sobrancelha. – O que tanto olha para a torre? – Perguntou. Forçou os olhos tentando entender o porquê do outro estar daquele jeito. 

- Não é nada. – A resposta saiu espontânea, mas rosnada.

Kanon sorriu de lado ao distinguir madeixas ruivas ao sabor do vento. – Sabe... eu não entendo uma coisa. – Comentou ao acaso. Queria chamar-lhe a atenção e percebera que havia conseguido, pois olhos azuis curiosos cravaram-se sobre si. – Por que está bravo com Roux se ele não te fez nada? – Perguntou.

- Roux? – Fez-se de desentendido.

- Ah! Você não deve saber que esse é o codinome de Camus, ou se sabe, fez-se de desentendido. Que feio, Milo! – Revirou os olhos e riu em seguida.

- Kanon, se vai dizer alguma coisa, diga logo. – Grunhiu o outro grego loiro.

- Já lhe fiz uma pergunta, não adianta querer disfarçar para não responder-me. Eu te conheço muito bem, Milo. – Kanon sorriu. O outro conhecia aquele sorriso demoníaco. Ele iria aprontar.

- O que ele fez ou não, não lhe compete saber. – Respondeu ácido.

- Hei... Ninguém tem culpa de seus erros, muito menos Camus, que se você parar para pensar, só está querendo lhe ajudar. Se eu fosse você, o ouviria. Ele é muito experiente e condecorado.

- Ouvir uma pessoa que abandonou o que mais gostava? Não vejo experiência nenhuma nessa atitude. Só covardia. – Milo bufou.

- Você não sabe o que aconteceu e não deve falar assim de ninguém. Camus pode ter seus defeitos, todos nós temos, mas ele fez tudo o que podia para salvar meu irmão. E sentiu e sente muito a falta dele. Então, pense antes de abrir essa sua boca. – Kanon ralhou. Havia ficado irritado. – Não o magoe mais do que ele já está. – Pediu. Com um olhar mortal e saiu de perto dele.

oOoOoOo

- O que foi, Camus? – Afrodite perguntou ao observá-lo melhor. Ele parecia compenetrado olhando pelo binóculo para o final da pista onde os aviões estavam sendo reabastecidos.

O ruivo baixou o objeto. Deixou-o pendurado em seu pescoço e voltou seus olhos para o sueco. – Estou pensando em como poderei fazer com que Venon volte a ficar apto a pilotar aviões tanques e lançar as cargas.

- Vejo que Enzo contou-lhe sobre as desventuras de Milo. – Afrodite comentou e, só pelo jeito do outro passar a mão pelos cabelos, soube que havia acontecido aquilo. Quando os dois conversaram, Shion e ele haviam saído da sala e ele até fazia ideia do que o italiano sisudo havia dito e pedido ao francês. – Só posso dizer-lhe e pedir para que tenha calma e paciência. Sei que as tem de sobra, mas não custa reforçar, né?

Camus concordou com um meneio de cabeça e após checar as horas no relógio, reiniciou o treino.

oOoOoOo

Alguns dias depois...


O sol começava a despontar no horizonte. Mais um final de semana iniciava. Acostumado a acordar cedo, Camus abriu as grossas cortinas do quarto e deixou a claridade entrar no cômodo. Despreocupado, pois não precisava ir até a base, resolveu que naquele dia iria fazer um pouco de exercícios para manter a forma. Uma corrida com a fresca lhe faria muito bem.

Os dias começavam a ficarem quentes e, muito em breve, eles não teriam mais descanso. Com esse pensamento, o ruivo colocou uma calça de agasalho azul escura, camiseta branca, tênis e prendeu os cabelos em um rabo de cavalo frouxo.

Fechando a casa, saiu correndo pelo bairro. Precisava voltar a praticar algum esporte, nem que fosse a corrida. Iniciou devagar, após ter feito um breve alongamento. Viu alguns conhecidos, cumprimentou-os e um tanto empolgado por não estar sentindo dificuldades, resolveu que poderia forçar mais. Já estava voltando quando sentiu uma fisgada na panturrilha esquerda. A dor pareceu repuxar-lhe todos os músculos e nervos da perna. Parou de chofre e mordeu o lábio inferior contendo um gemido.

- Dieu que dor! – Murmurou para si mesmo. Conhecia muito bem aquela dor. O francês não havia alongado corretamente e agora seus músculos estavam reclamando-lhe em forma de câimbra.

Mancando, tentou seguir até sua casa, mas ao prestar bem atenção nas ruas, percebera que estava muito longe. Rilhou os dentes e tentou alongar a perna, voltando a ponta do pé para cima, mas não adiantou muita coisa.

Baixou um pouco o corpo para frente e apoiou as mãos nos joelhos. A dor parecia aumentar. – “O que vou fazer?” – Pensou. Saíra só com a chave da casa e mais nada. Tornou tentar caminhar, mas pelo visto teria de esperar a dor passar. Bufou exasperado. Não deveria ter abusado. Quando estava pensando em sentar-se na calçada, ouviu uma buzina e voltou os olhos surpresos para a rua. 

- Aconteceu alguma coisa? Você está mancando.

oOoOoOo

A claridade do dia começava a invadir o quarto que até então estivera mergulhado na escuridão. Esparramado no meio da cama de casal, Milo dormia deitado de bruços. Os braços abraçando o travesseiro possessivamente. Os cabelos cascateando metade sobre as costas e o resto ao lado do corpo. A perna esquerda dobrada para o lado lembrando um arco. Remexeu-se só um pouco, mas continuou a dormir. O sono profundo.

Sábado era um dos dias que poderia dormir até tarde e, como ele gostava dos finais de semana... Na verdade, o que ele gostava mesmo, era de não ter que de acordar cedo... Ah! O sábado... Mas bem... Talvez pudesse ficar até mais tarde na cama aquele dia, não fosse pelo grande susto que o fez pular na cama. O despertador berrando no horário de sempre fê-lo lembrar que algo não havia sido feito na noite anterior. 

Assustado, o loiro voltou seus olhos por todo o quarto. Sentou-se na cama ainda morrendo de sono. – DROGA! – Grunhiu ao pegar o objeto barulhento nas mãos. – Esqueci-me de você. – Rosnou. Realmente não conseguia lembrar-se de tê-lo desarmado. Desligou o alarme e prestou maior atenção no mostrador. – Que raiva! Seis horas... – Protestou. Praticamente jogou o tal sobre a mesinha de cabeceira e muito a contra gosto levantou. De nada adiantaria tentar voltar a dormir, pois não conseguiria.

Levantou-se devagar, mas antes espreguiçou-se lentamente. Seguiu para o banheiro e tomou um banho rápido, apenas para despertar. Em pouco tempo, já estava no quarto novamente. A toalha enrolada na cintura e, ao sentir o estômago roncar, rumou para a cozinha daquela forma mesmo. Abriu a geladeira, espiou o que teria para o café e sem muito pensar, voltou para o quarto. Teria de ir comprar algumas coisinhas que estavam faltando.

Vestiu-se e pegando os documentos e a chave da moto, saiu sem cantar o pneu traseiro como sempre fazia. Não havia motivo para correr, não estava perdendo hora e muito menos precisava chegar cedo à base. Com o pouco movimento nas ruas do bairro, podia ir até a dois por hora.

Ao virar a esquina no fim da rua, Milo arregalou os olhos. – “Não, não pode ser. Seria muita coincidência.” – Pensou ao avistar a pessoa de longas madeixas ruivas. Passou por ele para ter certeza se era mesmo quem pensava ser e voltou para trás ao perceber ser mesmo quem imaginara. Havia notado que o francês não parecia estar bem. Ele estava mancando. Buzinou para chamar-lhe atenção e parou no meio fio.

- Aconteceu alguma coisa? – Perguntou ao retirar o capacete. Encarou-o esperando por uma resposta ácida, mas o outro parecia muito surpreso. – Você está mancando... 

- Não foi nada. – Camus conseguiu dizer ao sair do estado em que se encontrava.

- Como não? – Milo perguntou ao arquear as sobrancelhas. 

- Não foi nada mesmo. Apenas uma leve... – Tentou falar, mas foi interrompido pelo outro.

- Se fosse leve, você não estaria andando com dificuldade e num ritmo que até mesmo uma lesma fosse mais rápida que você. – Milo ironizou. – Vamos... monte aí, eu te levo até sua casa. Ou tem medo que eu te derrube? – Deu um meio sorriso irônico.

- Não será necessário. Já está passando. – O ruivo não queria demonstrar que ainda estava sentindo o repuxo nos nervos. 

- Deixa de ser orgulhoso, Camus. – Milo fuzilou-o com os olhos. – Eu sei como dói ter câimbras, então deixa de frescura e sobe logo nessa moto.

Camus pensou um pouco. O outro sabia o que estava dizendo e, do jeito que seus músculos e nervos estavam protestando, iria demorar mais para chegar à sua casa.

- E então? – O loiro insistiu.

- Está bem. – O francês deu-se por vencido e, com alguma dificuldade, subiu na garupa. Ajeitou-se e segurou como pode na parte lateral bem abaixo do acento, onde duas alças, uma de cada lado, se encontravam.

- Segure-se. – O loiro pediu enquanto ajeitava o capacete no braço e saía com a moto. – Devo supor que você more por aqui, não? – Perguntou e mirou-o pelo retrovisor.

- Sim. Indo por essa rua, vire a terceira rua à esquerda. – Camus respondeu meio a contra gosto. Ele não sabia se seria uma boa que aquele doido soubesse onde ele mora.

Milo ouviu a informação e acelerou um pouco. Em questão de poucos minutos estava virando na rua do ruivo. – Qual delas? – Perguntou. Estava curioso, mas nem precisou ouvir a resposta. À frente de uma casa branca, o jipe de Kanon e o próprio estavam parados no meio fio. 

- Acho que agora já é meio óbvio. – Camus respondeu antes do loiro parar na entrada da garagem. – Muito obrigado, Milo. – Agradeceu.

Milo lhe sorriu e voltou seus olhos para Kanon que se aproximava deles.

- Bom dia! – O outro loiro cumprimentou-os. Os olhos atentos com um brilho diferente ao fitá-los.

- Bom dia, Expert. – Milo respondeu. Voltou novamente seus olhos para o ruivo que já descia da moto e pediu. – Tome cuidado, alongue um pouco mais antes de fazer exercícios. – Sorriu. – Vou indo, ou passarei vergonha aqui com meu estômago roncando. Até segunda. – Despediu-se e saiu sem esperar resposta.

Camus sorriu sem graça para Kanon e antes que esse perguntasse alguma coisa, ele apressou-se em contar. – Tive câimbras enquanto corria. Milo ia passando e me obrigou a aceitar a carona.

Segurando o riso, o mecânico mordeu o lábio superior. – Sabe, Camus, ele é bonito...

- Kanon, não estou interessado. – O ruivo apressou-se em dizer. – A que devo a honra? – Perguntou mais para mudar de assunto.

O loiro meneou a cabeça. – Não acredito que se esqueceu do nosso jogo de tênis. – Fez carinha de cãozinho pidão.

- Não acho que me esqueci! – Camus começou a andar devagar. Sentiu o braço do ex-cunhado em sua cintura e deixou-se ser ajudado. Com Kanon não adiantava bancar o frio e durão.

- Aposto que pensou que seria amanhã. – Kanon gargalhou ao perceber o olhar de esguelha. – Bem, mas como está com câimbra e isso continua doendo, aceito no lugar um bom café.

- Tudo bem, mas creio que vou deixar você fazer. – Camus mirou-o de lado.

- Eu faço e, enquanto isso vamos conversando sobre... – Fez uma pausa. – Milo...

- Milo? Por que logo ele? – Perguntou ressabiado.

- Por que eu quero. Simples assim. – E gargalhou ao ver o jeito com que Camus o mirava. Ele poderia estar louco, mas tinha certeza que aqueles dois...

oOoOoOo

Já fazia algum tempo que Milo não se sentia tão irritado com o ruivo. Nas primeiras semanas que tivera treinos com ele e o resto do pessoal, sentia seu estômago doer só de pensar que por mais que estivesse se esforçando ainda lhe faltava alguma coisa. Sempre cometia algum erro. E sempre Camus lhe dizia quais eram os pontos fracos e o que deveria fazer. Ele parecia indiferente a tudo, sempre com aquele jeito frio de falar-lhe, mas percebera que o que Kanon e Aldebaran falavam do instrutor tinha fundamentos. Aos poucos, fora percebendo que aquele era o jeito dele e que estava sempre pronto ajudar.

Parou a moto à frente da padaria e entrou devagar. Estava pensativo. Fez seu pedido no balcão, pagou no caixa e saiu com a sacolinha presa no braço. – “Droga! Se já sei que ele é assim, então por que estou irritado agora?” – Pensou. Acomodou-se sobre a moto e saiu devagar.

Em vez de seguir direto para sua casa, nem percebeu que fazia o caminho da casa do francês. Ao ver o jipe de Kanon ainda parado perante à casa, sentiu vontade de parar, mas para fazer o quê? – “Simples, dizer que ele não tem direito de ir abraçando-o e que não é justo que eu seja tratado com tanta indiferença quando apenas quero ser amigo de Camus. E eu quero ser amigo?” – Pensou finalmente caindo em si do por que ter ficado irritado.

- Droga, Milo! O que é isso? – Perguntou-se. Agora já estava até falando sozinho. Achava o instrutor bonito, mas era um chato certinho. Afastou os pensamentos e, principalmente, tentou esquecer o que sentira ao tê-lo tão próximo de si na moto. Ele sabia, pelo que os outros lhe contaram, que Camus nunca esquecera Saga. – “Hãã... Um típico caso de amor obsessivo!” – Deu de ombros e preocupou-se em guardar sua moto na garagem e alimentar-se. Ficar pensando nos outros não enchia barriga. E aquele ruivo talvez não fosse para si. Ou quem sabe fosse... Um sorriso sedutor surgiu-lhe nos lábios. 

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O sol se punha no horizonte, deixando o céu avermelhado. Mais um final de semana havia terminado. Ao raiar do novo dia – segunda-feira –, tudo voltaria ao seu cotidiano. Sentado em uma poltrona confortável próximo a janela da sala, ele nem deu-se conta desse espetáculo maravilhoso. Seus olhos cravados em um bom livro. A atenção tomada. Tentava prestar atenção, mas ele não conseguia esquecer a conversa de poucas horas atrás. Mask havia lhe ligado informando sobre uma reunião e que deveria estar mais cedo na base. Deveria ser algo muito importante, ou senão ele mesmo nunca teria ligado para pedir-lhe aquilo. Claro, mandaria outra pessoa fazer. 

Sem conseguir ler uma linha sequer, deixou o livro ao lado do celular. Bufou fazendo a franja levantar um pouco. Camus não soube dizer ao certo por que cargas d’água a conversa do dia anterior voltara-lhe à mente. Parecia até que a voz de Kanon estava gravada em um aparelho e sendo repetida a todo instante.

o~o~o~o~o

- Camus, já lhe disse, Milo não é inconseqüente e muito menos imprudente. Sei que o rasante perto da torre o fez parecer isso, mas veja bem... Ele faz as coisas sem pensar. Ele faz as coisas muito no impulso. 

- Kanon, por isso mesmo eu o adverti. Ele parece não levar a sério o que lhe peço, o que eu lhe explico.

- Ruivo, ele é bom. Deixe-o demonstrar como pode ser bom. Peça para que ele use um helicóptero e deixe-o demonstrar. – O loiro pediu.

- Kanon, sei que você o conhece da base de Atenas, mas aqui ele veio como piloto de Canadair e é nesse avião que ele tem que se sair bem.

- Eu sei, mas deixe que ele lhe mostre que pode conseguir. Eu o conheço e Milo está se cobrando demais. Dê-lhe uma chance. Tenho certeza que ele está abalado por conta de estar errando há tanto tempo.

O ruivo bufou exasperado. – Está bem, Kanon. Verei com o Mask. – Sabia que talvez aquilo só fizesse com que Milo voltasse a pilotar helicópteros, mas se iria ajudá-lo em sua auto estima, iria tentar.

- Obrigado, Camus. – Kanon agradeceu. Nos lábios um sorriso malicioso. – Agora diz, ele é bem o seu tipo... Bonito, loiro... 

- KANON... – A voz ácida dando por encerrada a conversa. Mas o rosto levemente corado demonstravam ao grego algo que ele não via há muito tempo acontecer com o ruivo. 

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- Preciso ajudar o Milo. – Murmurou para si mesmo. Algo dentro dele insistia que o loiro merecia aquilo. – Falarei com Mask e essa reunião pode me ajudar. – Decidiu-se.

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Ao sair da sala de reuniões, Camus tentava achar uma maneira de ajudar o grego a acertar os alvos. Tentara pedir a Mask que deixasse o mesmo fazer uma demonstração do que podia fazer com um helicóptero, mas o italiano fora taxativo e dissera que o mesmo teria de se sair bem em um avião, não em um helicóptero. Estava fora de questão.

Em dois meses estariam novamente tendo altas temperaturas e, por conseqüência, incêndios aos montes para serem controlados e extintos. Pensando assim, entrou em um jipe e seguiu até o hangar onde os pilotos estavam concentrando-se para o início do treino. Assim que entrou, localizou Milo e dirigiu-se até ele. O loiro estava ao lado de Kanon e pareciam estar observando alguma coisa no motor direito.

- Aconteceu alguma coisa? – Perguntou ao olhar para seu antigo avião. O codinome de Milo estava no lugar onde antes o do ruivo estivera.

- Kanon ouviu um barulho estranho, mas já achou o problema. – Milo respondeu-lhe com um sorriso, mas este morreu-lhe nos lábios ao perceber o jeito sério do outro.

- Está tudo tranquilo, Camus, não se preocupe. – Kanon tentou apaziguar a situação achando que algo estava errado, mas percebeu que o ruivo nem deu-lhe bola. Não era com ele.

- Bem, Milo... Sei que tenho sido paciente contigo todo esse tempo. Sei que mesmo tendo uma vasta experiência em pilotar helicópteros, terei de pedir-lhe que se concentre mais. Em breve, entraremos no verão e quando os incêndios começarem, eles chamarão a todos. Irão me perguntar o que eu tenho para enviar-lhes. – Fez uma pausa. Não queria chateá-lo, mas precisava ser honesto. – Bem... eu não poderei deixar que você pilote esse Canadair.

- Mas tenho me esforçado.

- Talvez não tenha sido o bastante. Mostre-me que pode ser capaz ou terei que voltá-lo como piloto de helicópteros e não quero fazer isso. – O ruivo voltou seus olhos para Kanon. E sem esperar reação do piloto, saiu do hangar com passos rápidos.

Pelo rádio do carro, solicitou a Shion que liberasse a pista para decolagem. Ele já estava indo. Ao cruzar pela pista dois, sentiu um solavanco e parou. Um pneu estourado. Novamente pelo rádio solicitou a Afrodite que começasse o treino sem ele. E assim começou a trocar o pneu sem perceber que estava bem próximo ao primeiro alvo da pista três.

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- Ora, mas quem aquele empoado pensa que é para falar assim comigo? – Milo perguntou tão logo viu-se sozinho com Kanon. – E ainda por cima me ameaçar?

- Milo, ele é teu instrutor e a pessoa que pode realmente te barrar. Conheço Camus e sei que ele não fez-lhe uma ameaça. E você sabe que ele tem razão. Apenas não faça nada que vá te prejudicar. – Pediu-lhe ao reparar na forma que o outro loiro estava. Conhecia aquele olhar matreiro.

- Fica tranquilo, Expert. Não farei nada. – Milo respondeu-lhe antes de entrar no avião. A pista já estava liberada e ele foi o segundo a decolar.

Achou estranho ao ouvir a voz de Afrodite iniciando os treinos e somente entendeu o porquê daquilo quando sua vez chegou e avistou ao longe o ruivo mexendo no jipe. Um pensamento passou-lhe pela cabeça. Tentado, estabilizou o avião, manteve o curso, mas faltando pouco para fazer a molecagem que tinha em mente, mudou o curso. Não iria estragar suas chances jogando a carga anti-incêndio sobre o francês.

Ao voltar ao curso, teve pouco tempo para estabilizar e lançar a carga. Mas riu ao ouvir pelo rádio Afrodite congratulá-lo por ter acertado o alvo. Apesar de tudo, Milo sabia que havia sido pura sorte. Havia acertado o alvo sem querer, mas nunca iria admitir isso. Em sua segunda passagem, já com Camus na torre, ele não acertou nada, lançando a carga muito sobre o alvo e com isso fazendo-a cair bem depois do fogo.

oOoOoOo

Algum tempo depois...

- Bom dia, Milo! – Camus saudou-o. Por coincidência eles haviam chegado juntos à base.

- Bom dia, Camus! – Respondeu-lhe o grego. – Hoje farei o meu melhor. – Comentou ao acaso. Nem sabia por que estava fazendo aquilo. Apenas sentia que devia puxar conversa.

- Assim espero. Concentre-se. Tente pensar na mesma coisa que te fez acertar o alvo daquela vez. – Pediu sem saber da molecagem que o outro queria ter aprontado para cima dele.

- É... Vou tentar. – Milo respondeu um pouco sem graça. Estava começando a ficar incomodado por não conseguir acertar a droga do alvo. Mas nunca iria se abrir e expor-se ao ridículo.

- Isso mesmo, não desista. – Camus saiu de perto do loiro e seguiu para sua sala.

Milo, ainda mais sem graça, seguiu para o alojamento. Iria trocar de roupa e colocar o uniforme.

Nenhum dos dois havia percebido que, ao longe Kanon os observava. Na realidade, há muito tempo ele fazia aquilo. Já há algum tempo vinha observando Milo e Camus. Mesmo que eles não tivessem uma afinidade como o francês tinha com ele, parecia que os dois estavam procurando dar-se bem. Já não discutiam tanto e parecia até que alguma coisa entre eles poderia acontecer. Uma ideia começou a fervilhar em sua mente. E se tudo corresse bem, iria colocá-la em prática muito em breve.

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“Tanta coisa para fazer e Mask tinha que pedir logo para eu ir fazer compras para a base? Até parece que Shion ou mesmo qualquer outra pessoa não conseguiria seguir a lista que ele me deu!” – Pensou Camus ao bufar, exasperado. Em sua mente, a voz grossa e ácida do italiano parecia ribombar-lhe novamente em seus ouvidos. Ele havia dado-lhe uma explicação até que plausível. Tinha experiência vinda da outra função na base parisiense, mas... 

Suspirou. Precisava estar à frente do hangar principal pontualmente às quatorze horas e lá estava ele, pontualmente no local e hora marcada. Não era britânico, mas gostava muito de cumprir com as coisas que combinavam com ele.

O ruivo olhou no relógio. Detestava ficar esperando, mas Kanon, o escalado para ir com ele, estava dentro do horário. Voltou seus olhos para o hangar dois no extremo do campo e de lá viu sair um dos utilitários da base. 

“Ainda bem que escolheram a pick up.” – Pensou, enquanto o veículo negro desde a pintura até os vidros insulfilmados se aproximava. – “Ótimo! Quanto mais cedo formos, mais cedo voltaremos.” – Suspirou e aguardou até o carro parar à sua frente. - Como sempre, muito pontual. – Comentou ao entrar.

oOoOoOo

Ao entrar na pick up, Milo ainda não conseguia acreditar em como conseguira ser dobrado por Kanon. Bem, mas verdade fosse dita, o mecânico estava realmente enrolado com um dos aviões e com um prazo muito curto. O treino iria reiniciar logo e pelo visto ele não iria cumprir com o prometido. Bufou. Girou a chave ligando o veículo. Acelerou um pouco antes de sair devagar do hangar dois. 

Kanon havia jurado a ele que falaria com Camus para que este não ficasse bravo por Milo perder o treino que havia batalhado para conseguir uma vaga. Então, até mesmo por isso, Venon estava seguindo até o hangar principal, um tanto mais tranquilo, para pegar alguém do controle que iria junto. Ao aproximar-se do hangar, não estranhou ao ver o ruivo parado à frente do local. Em sua cabeça, quando Kanon falara que seria alguém do controle, imaginara encontrar Afrodite, talvez Shion ou até mesmo Mask. Então, não se importara com a presença do instrutor ali. Parou a pick up perante o hangar e nem bem desligou o motor, a porta se abriu. Irritou-se ao ver o ruivo entrar e acomodar-se ao seu lado sem perceber que ele estava ali.

- Como sempre, muito pontual.

Milo arqueou as sobrancelhas e encarou-o seriamente. – Tento ser. – Respondeu. Na voz uma pitada de ironia. 

- Onde está Kanon? – Camus perguntou-lhe. Nos olhos, o brilho da surpresa misturado ao da curiosidade. Não estava conseguindo entender nada. Kanon deveria estar ali.

- Ele não pode vir. Está com problemas em um dos Canadair e me pediu para vir em seu lugar. – O loiro respondeu. Estava sentindo-se um “tapa buraco”. Um rejeitado. Empertigou-se. – Acha que não sei dirigir essa belezinha? Que vou fazer algo errado, Camus? – Perguntou, parecendo ofendido.

- Hei... Calma, eu não disse nada disso e gostaria muito que você não tirasse conclusões precipitadas a meu respeito e também não colocasse palavras em minha boca. – Pediu o ruivo. – Por favor, vamos indo. – Solicitou. Ele não queria discutir. Havia prometido a Mask que não se envolveria em mais nenhuma confusão com o loiro ao seu lado e, se dependesse somente de si, tudo ficaria bem.

Milo não respondeu nada. Ele também não queria mais trocar farpas com o ruivo. E por isso mesmo, saiu com o carro devagar da base. Já na pista, logo após passar pela entrada do bairro onde moravam, o silêncio parecia ser sepulcral. Somente o ronco do motor podia ser ouvido. Entediado, o loiro ligou o rádio e procurou sintonizar uma estação que estivesse tocando algo que lhe agradasse. Percebeu-se observado. Parou o dial em uma que o locutor acabara de anunciar meia hora só de música.

- Espero que não se importe. – Comentou meio ao acaso, ao voltar-lhe rapidamente os olhos.

- Não, nem um pouco. Sou eclético. – Camus respondeu-lhe. – Gosto do clássico ao rock. – Completou enquanto os acordes de uma música qualquer iniciavam.

- Também gosto de tudo um pouco em música. – Milo sorriu. – Principalmente músicas que fazem parte da trilha sonora de filmes.

- Sim, também gosto. – O ruivo concordou com um sorriso. O primeiro espontâneo na frente do loiro.

Milo sentiu uma sensação gostosa ao vê-lo sorrir. No fim era como todos diziam: Camus não é de todo chato. – “É... Você é uma pedra bruta... um diamante que precisa ser lapidado novamente.” – Pensou.

Ficaram em silêncio até os acordes de a próxima música começar a tocar e a bateria bem marcada ditar o ritmo da canção. Milo começou a tamborilar os dedos no volante. E sorriu para o francês que, de olhos fechados marcava o compasso batendo uma das mãos na coxa.

- Remy Zero... – Murmurou antes do cantor começar a cantar. – Save me. – Completou ao voltar os olhos para Milo, que cantarolava o início da letra acompanhando o cantor. Com um aceno, o loiro concordou. O sorriso de orelha a orelha.

I feel my wings have broken in your hands
Eu sinto que as minhas asas quebraram-se em suas mãos
I feel the words unspoken inside
Sinto as palavras não ditas dentro de você
And they pull you under
E isso te deprime
And I will give you anything you want know
Eu lhe daria qualquer coisa que você quisesse
You are all I wanted
Você era tudo o que eu queria
All my dreams are fallin' down
Todos os meus sonhos estão morrendo
Crawling around... 
Rastejando ao redor...

Camus tornou a fechar os olhos. Nunca havia reparado completamente na letra daquela música em questão. Mas agora com o loiro ali, cantarolando juntamente com o cantor, algo chamou-lhe a atenção. Não sabia bem dizer o que.

Somebody save me
Alguém, salve-me
Let your warm hands break right through
Deixe suas mãos sobre minha ferida
Somebody save me
Alguém, salve-me
I don't care how you do it
Eu não ligo como você faz isto
Just stay (stay with me) 
Apenas fique (fique comigo) 
Stay

Fique
C'mon, I've been waiting for you
Vamos, eu estou esperando por você

- Cante junto, ruivo. – Pediu Milo, ao parar de cantar.

- Não, eu não gosto.

- Como não gosto? Talvez seu problema seja outro, mas já vou logo dizendo: Não posso falar que é desafinado se você não cantar. Vai, agora... Olha o refrão. – Incentivou. E para contagiá-lo soltou a voz. 

Camus arqueou a sobrancelha, mas não soube explicar quando ou por quê. Apenas sentiu vontade e foi tomado por uma loucura enorme de cantar. Começou acompanhá-lo e, sem perceber, começou a cantar. Quando finalmente a música terminou, Milo encarou-o surpreso.

- Viu, eu não te disse que não poderia dizer nada se não te ouvisse cantar? – Sorriu. – Você tem uma voz boa, claro, não tão boa como a minha, mas dá para o gasto. – Gracejou.

- Convencido! – O francês ralhou. O rosto levemente corado.

Milo voltou-lhe os olhos e achou que corado, Camus fica mais bonito ainda. Poucas ou mesmo raras foram as vezes que o vira daquele jeito.

- Milo, preste atenção. – Pediu o instrutor ao perceber que a pick up havia guinado um pouco para a esquerda.

- Opa! Pronto... pronto! – Sorriu sem graça. – Qual estabelecimento devo ir primeiro? – Perguntou. 

- Bem, Mask não me disse, pediu apenas que eu levasse a nota fiscal dos gastos. – Deu de ombros. – Vamos para o centro e lá decidimos onde entra. – Sorriu.

- Está bem. – Milo concordou. – “Francês, você devia sorrir mais, você fica muito mais bonito.” – Pensou. Acelerou mais enquanto iniciava um novo assunto e pode perceber que eles tinham muitas coisas em comum.

oOoOoOo

Quase três horas depois, estavam voltando para a base. Dos alto-falantes, a voz rouca do cantor Bon Jovi saía em uma balada romântica. O grupo não era um dos preferidos de Milo, mas ele tamborilava os dedos no volante.

Recostado confortavelmente ao lado, Camus, com os olhos semiserrados, cantarolava baixinho a música You had me from hello. Por vezes abria os olhos só o necessário para reparar no grego bonito ao seu lado. Em como ele fazia as trocas de marchas parecerem tão mais fáceis do que pareciam ser.

“Realmente, Kanon tem razão, Milo é muito bonito, mas pena... Não consigo amar mais ninguém...” – Pensou ficando muito nostálgico. Virou o rosto para a janela e com um leve meneio de cabeça, espantou aquela sensação para longe, assim como os pensamentos sobre o loiro ao lado.

Quando finalmente chegaram à base, o grego parou a pick up dentro do hangar principal onde foram recebidos por Mask, que por lá estava.

- Demoraram! – Comentou o italiano ao estranhar em ver os dois juntos, conversando e rindo.

- Tivemos de passar em dois lugares. Lembra-se que na lista você pediu algumas peças? – Camus fez uma pausa. – Pois bem, fui deixar o pedido no almoxarifado central. O resto chega amanhã. – Informou ao ver alguns mecânicos descarregarem o veículo.

- Bem, tudo certo. Se vocês quiserem ir, não vejo problemas. Obrigado por terem ido às compras. – Mask agradeceu e saiu de perto dos dois antes que não resistisse em fazer-lhes a pergunta que tanto queria. Estava curioso. Queria muito saber o que havia mudado entre eles, mas perdera a oportunidade.

Sozinhos, Camus voltou seus olhos para o loiro e sorriu-lhe. – Obrigado por ter ido comigo.

- Precisando...

- Sei onde te achar. – O ruivo acenou-lhe e saiu devagar indo em direção ao estacionamento.

Um tanto sem graça, Milo demorou em seguir atrás dele, mas fora do hangar pegou um jipe e voltou para o alojamento. Precisava pegar suas coisas e a chave de sua moto. Ao voltar para o estacionamento, encontrou o ruivo às voltas com seu carro. Aproximou-se devagar e parou ao lado do outro, que estava debruçado sobre o capô aberto.

- O que aconteceu? Precisa de ajuda?

- Não sei o que está acontecendo. Dificilmente esse carro apresenta defeitos, mas como dizem: Tem sempre uma primeira vez. – Camus voltou seus olhos para o outro. – Ele não quer ligar.

Milo olhou um pouco, mas já escurecendo e com a pouca luz, não conseguia saber o que poderia ser. – Vem, eu lhe dou uma carona. Só precisamos de um capacete extra. Você tem?

- Não, mas sei quem tem e não se importará se eu pegar emprestado. – Camus respondeu pensativo. De nada adiantaria ficar esperando que alguém fizesse o carro pegar. Por isso, pegou uma caneta e papel de dentro do Gran Vitara e escreveu rapidamente um bilhete. Deixou no pára-brisa do jipe ao lado. Abriu a porta traseira e pegou o capacete que ali estava. Sorriu para o loiro. – Podemos ir?

O grego concordou e foi acompanhado até a moto. Camus sentou atrás de Milo, colocou o capacete e segurou-se nas alças abaixo do acento.

- Se preferir, pode segurar-se em mim. – Milo gracejou, mas não obteve resposta. Saiu acelerando e ganhou velocidade logo.

Camus precisou segurar-se bem e arregalou os olhos. Um tanto surpreso, achou melhor fazer o que o outro havia dito.

oOoOoOo

Saindo da penumbra e com uma peça de suma importância ao Gran Vitara na mão, Kanon sorriu matreiro. Aproximou-se do seu jipe e leu o bilhete. Fizera tudo de caso pensado e até ali seu plano “cupido” parecia estar dando certo. 

Recolocou a peça no lugar e entrou em seu jipe. Precisava ir embora. No outro dia queria saber as novidades e não iria deixar o ruivo escapar sem contar um pouquinho o que havia acontecido no tempo que ele saiu com Milo.

oOoOoOo

Ao parar à frente da casa de Camus, Milo desejara que o percurso não se acabasse. Ele não conseguia explicar o que estava sentindo. Não sabia dizer exatamente o que era, ou não queria admitir que estava se apaixonando por uma pessoa que, apesar de falar somente o profissional, tinha tido a primeira conversa descontraída naquela tarde. Sentiu vontade de gargalhar ao lembrar-se de sua mãe lhe dizendo que não existe tempo ou lugar para se apaixonar e que quando isso acontece é em um piscar de olhos. Colocou o pé de apoio no chão e retirou o capacete.

- Está entregue. – Gracejou.

- Merci, quero dizer, obrigado. – Corrigiu-se Camus. O capacete já preso ao braço. Desceu da moto e num impulso perguntou. – O que vai fazer agora? – Somente ao reparar nos lindos olhos azuis arregalados fincados em si, percebera que talvez havia feito algo que não devia.

Milo sorriu ao perceber o modo como o francês havia ficado. – Bem, eu não vou fazer nada, por quê? Vai me convidar para jantar? – Gracejou para tentar descontrair o instrutor.

- Também... – E apressou-se em dizer. – E também para, quem sabe, jogar conversa fora ouvindo música, ou mesmo assistir a um filme já que disse gostar muito. Tenho alguns DVD’s, nada muito novo... – Parou de falar ao vê-lo erguer a mão. O que estava acontecendo consigo? Falando e agindo feito um colegial em seu primeiro encontro. Bufou.

- Calma, Camus. Não me importo se já tiver visto o filme. Podemos conversar e quero muito ser seu amigo. – Confidenciou, mas intimamente gostaria de poder, talvez, ser bem mais do que um simples amigo.

O ruivo sorriu. Com o controle, acionou a porta da garagem. – Coloque sua moto lá dentro. – E sem mais nada dizer, entrou e o esperou à porta da cozinha.

oOoOoOo

Enquanto preparava o jantar, Camus serviu um pouco do bom vinho francês. Milo teimou em querer ajudá-lo em alguma coisa e por várias vezes conseguira arrancar boas gargalhadas do ruivo. Após o jantar, regado a vinho, os dois foram sentar na sala, ouvir música e conversar banalidades.

- Camus, preciso confessar-lhe uma coisa que está me incomodando faz um tempo. – Começou o loiro falando de uma vez só. O que chamou a atenção do ruivo sentado ao seu lado no sofá.

- O que seria? – Perguntou curioso.

- Eu realmente sou muito bom com um helicóptero, mas não sei o que está acontecendo comigo ao pilotar o Canadair. Confesso que quando acertei o alvo aquela única vez, foi por pura sorte, talvez se alguém pudesse me ajudar... 

- Ajudar como? – Não pode evitar perguntar.

- Bem, quem sabe se alguém fosse comigo no avião e me instruísse... Talvez eu consiga acertar. – Mirou-o nos olhos.

- Milo, preciso ver o que posso fazer por você, mas prometo que vou lhe ajudar. E promessa é dívida. – Sorriu.

- Agora, mudando de assunto... Percebi que você não gosta muito de sair, não é? – Perguntou o loiro. Estava curioso. Vira-o poucas vezes no bar frequentado pelos pilotos.

- Realmente, não sou muito adepto de sair. Na verdade, acho que já tive minha cota de curtição quando era mais novo. – Camus respondeu-lhe um tanto sem graça.

- Ora, você não deve ser mais velho que eu...

- Sim, sou... – Sorriu e ao vê-lo arquear a sobrancelha, informou. – Tenho acesso à sua ficha funcional. Sou nove meses mais velho que você.

- Camus, por favor, assim você me faz sentir um velhote. Vai... – Deu-lhe um tapinha na coxa. – Você vai sair comigo um dia desses e eu não vou aceitar nenhum tipo de desculpa. – Sorriu. Seu sorriso mais sedutor.

Surpreso, o ruivo deixou o controle remoto do aparelho de som cair no chão. Seus olhos cravados nos do loiro. Piscou algumas vezes e inclinou o corpo para frente no mesmo instante que ele. Suas mãos tocaram o objeto ao mesmo tempo. Olhares foram trocados e Camus fechou os olhos ao sentir o hálito quente próximo ao seu rosto. Os lábios de Milo roçaram nos dele em uma carícia lenta, provocante e tentadora. Sentiu quando ele deslizou a língua passando-a tortuosamente em seus lábios. Suspirou. Aproveitando-se disso, o loiro mordiscou-lhe o lábio inferior. Sem resistências, beijou-o lentamente. Provando-o... Sentindo o gosto daquela boca convidativa.

Camus não soube dizer quando parou nos braços de Milo. Também não sabia dizer quanto tempo não sentia-se tão bem. Nem mesmo a voz marcante do cantor do Remy Zero entoando o refrão da música que ouviram à tarde na estrada parecia interrompê-los. 

O loiro puxou-o mais para si, estreitando-o em seus braços. As mãos acariciando-lhe as costas. Estava perdendo o controle. Mordeu-lhe o pescoço aproveitando para roçar os dentes no lóbulo da orelha do ruivo. Perdeu-se novamente naqueles lábios, mas sentiu algo diferente. Algo não estava certo.

I lose control because of you babe
Eu perco o controle por sua causa, meu bem
I lose control when you look at me like this
Eu perco o controle quando você me olha deste jeito
There's something in your eyes that is sayin' tonight
Há algo mágico em seus olhos que está me dizendo que é esta noite
I'm not a child anymore, life has opened the door to a new exciting life
Eu não sou mais uma criança e a vida nos abriu uma porta para uma nova e incrível existência
It's all written down in your lifelines
Está tudo escrito nas linhas de sua vida
It's written down inside your heart
Está escrito em seu coração

Enlaçado nos braços do loiro, o francês estava quase perdendo o juízo. Deslizava suas mãos em carícias provocantes da nuca até o meio das costas do grego. Mas algo em seu subconsciente o fez voltar à realidade... Aquela música... A música de Saga e dele... A voz rouca do cantor do Scorpions entoava a plenos pulmões You and I.

You and I just have a dream
Você e eu temos apenas um sonho
To find our love a place where we can hide away
Para encontrar um lugar para nosso amor, onde poderemos nos esconder
You and I were just made
Você e eu fomos apenas feitos
To love each other now, forever and a Day
Para nos amar agora, para todo o sempre e mais um dia

Gentilmente, mas com firmeza, Camus afastou-se de Milo. O olhar chateado com que foi brindado, o fez sentir-se mal. – Desculpe... Eu...

Um tanto chateado e até frustrado, Milo sorriu-lhe muito sem graça. – Tudo bem. 

- Milo, eu...

- Não precisa explicar-se, eu te entendo. – Acariciou-lhe o rosto e ficou em pé. – Creio que é melhor eu ir. Vemo-nos amanhã. Você abre a porta da garagem para mim? – Pediu.

- Claro. – Camus concordou um tanto sem graça. Vê-lo sair daquela forma só fazia com que se sentisse pior ainda.

- Como vai fazer amanhã para ir trabalhar? – Perguntou antes de sair.

- Eu me viro, não se preocupe. – Camus respondeu e acenou. Assim que ele saiu, baixou a porta e se recolheu. Precisava dar um jeito nas coisas na cozinha e quem sabe com isso conseguiria povoar os pensamentos e ficar livre do que estava sendo impossível esquecer há muito tempo.

oOoOoOo

“O que diabos deu em você, Milo? Perdeu totalmente o juízo?” – Pensou o loiro ao guardar sua moto na garagem. – “Bem, mas creio que acabei descobrindo o que Saga viu além da beleza e da chatice de Camus.” – Sorriu. Deixou o capacete equilibrado no espelho retrovisor e entrou em sua casa.

Recordou-se da sensação gostosa que sentiu ao ter o ruivo em seus braços. Dos beijos que trocaram. Poderia estar errado ou precipitando-se, mas teria de conseguir conquistá-lo. Camus ficara balançado e ele tinha certeza disso. Estreitou os olhos pensativo. Mas também existia o ‘fantasma’ do amor de Saga rondando. Talvez, quem sabe, ele não conseguisse fazer com que o instrutor esquecesse o ex-namorado. Teria de ser cauteloso e não magoá-lo. Sabia que talvez Camus o deixasse um pouco na geladeira por conta do que fizera, mas seria paciente. Esperando o melhor momento para agir.

oOoOoOo

Sentado na velha poltrona próxima à janela, tendo como companhia uma taça de vinho, o francês folheava alguns álbuns antigos de fotos. Ao fundo, o mesmo CD que estava ouvindo com Milo.

Tantas recordações... Quantas surpresas em aniversários e finais de ano... A felicidade e amor... Ambos ceifados sem misericórdia. Ambos extintos pelas chamas implacáveis que fizeram o avião de Saga virar uma bola de fogo ao explodir. 

Camus não era de ficar chorando ou reclamando pelos cantos. Ele apenas havia feito o que achava melhor. Fechou-se novamente não deixando de amar ao namorado. Seguiu sua vida tentando vivê-la com sua dor, com a saudade... sozinho com seu amor.

Lembrou-se de Milo e dos beijos trocados... Inconscientemente, tocou os lábios com a ponta dos dedos. Sentiu-se balançar novamente. Fechou os olhos fortemente. As mãos massageando as têmporas. Não era justo com a memória de Saga... Não era justo com seu sentimento. Teria de afastar-se do grego. Ele não estava sendo justo com o loiro e consigo mesmo.

Voltou seus olhos para as fotos. O álbum apoiado em suas pernas. Tocou uma foto de Saga. O sorriso perfeito, os cabelos loiros e longos cascateando pelas costas. O olhar sedutor, por vezes doce em outras tantas vezes malévolo... Sedutor.

Fechou o álbum, recolocou-o no lugar e pegou um dos mais antigos. As primeiras fotos datavam do ano que ele havia mudado para a Grécia. A cada imagem congelada no tempo, uma recordação querida. Um sorriso, às vezes um suspiro. – “Perdão, Saga... sinto muito sua falta.” – Pensou. Precisava redimir-se. Precisava sentir-se bem consigo mesmo.

Ao virar nova página, uma surpresa... O ruivo arqueou a sobrancelha. Pegou o papel dobrado e desdobrou-o. Prendeu a respiração ao reconhecer a caligrafia do namorado. Na primeira linha, sentiu sua vista embaçar, as palavras saíram do foco. As mãos ficaram trêmulas. Soltou o ar preso nos pulmões. Mirou o teto e só quando sentiu-se um pouco melhor, voltou seus olhos para o papel.

“Camus,

Escrevo essas linhas para que, se um dia encontrar esta missiva, saiba o quanto eu te amo. Jamais senti nada parecido por alguém. Por isso, quero vê-lo feliz.

Sei que está parecendo uma loucura, mas... acordei sentindo uma pontada no peito. Ainda é madrugada e você dorme ao meu lado. Adoro admirá-lo enquanto dorme. Você nem percebeu que não consigo dormir e, devo confessar, estou com medo. Com medo de partir e deixá-lo só. Você é fiel, é justo, é um homem e um excelente companheiro. Várias vezes eu lhe disse que você jamais seria feliz com outra pessoa. Não acredite piamente nisso. Sou possessivo, um pouco inseguro no amor... quero-o ao meu lado. Quero envelhecer ao seu lado, mas tenho a sensação de que este será um sonho impossível.

Talvez seja uma besteira da minha cabeça e terei outros lampejos como este apenas para admirá-lo enquanto dorme. Talvez seja o fruto do estresse pela mudança, por querer ver tudo certo, mas eu sinto que preciso deixar-lhe esta carta. Se eu morrer antes de você, por favor, seja feliz. Dê um novo início à sua vida, ame, trabalhe... enfim... Te amo demais para vê-lo jogar sua vida no lixo e entregar-se à depressão. 

Sei que é mais estranho ainda querer que você cumpra isso sem saber que o fará, mas faça por você e pelo amor que tem por mim. Siga em frente e, se minha lembrança tornar-se um fardo ou mesmo um peso para você... esqueça-me. Você merece ter uma segunda chance de ser feliz.

Com amor,
Saga”


- Mon Dieu! – Camus conseguiu dizer após alguns minutos de silêncio. A data logo abaixo da assinatura do loiro era de três dias antes do acidente. Releu novamente a carta e, perplexo, percebera que o grego parecia estar pressentindo que alguma coisa iria acontecer. – Como pode querer que eu te esqueça? Dieu! – Voltou seus olhos para o céu, as estrelas brilhavam incontidamente. Uma leve brisa bateu em seu rosto como o toque suave de uma mão ao acariciar-lhe a face. 

Lembrou-se do que Shion havia lhe dito algum tempo atrás quando o encontrara em Paris. Resoluto, fechou o álbum deixando a carta para fora. Guardou-o no lugar ao qual ele pertencia. Suspirou. Saga queria que ele continuasse a viver, pois ele iria tentar.

oOoOoOo

Ao parar à frente da casa do ex-cunhado, Kanon ainda não conseguia entender o porquê daquele ruivo com ares de homem de gelo havia lhe chamado para dar-lhe carona. Estava curioso. Não saiba o que havia acontecido e por sua cabeça geniosa, várias coisas já haviam passado.

O loiro desceu do jipe e seguiu para a porta de entrada que se encontrava entreaberta. – Camus? – Chamou ao entrar.

- Um minuto! – A voz do ruivo fez-se ouvir vinda de algum lugar nos fundos.

- Ok! – Kanon respondeu. Saiu do hall de entrada e parou na sala de estar. Observou bem o local e percebeu que mais nenhum porta retratos havia sobrado. Todas as fotos de Saga, com exceção a uma de toda a equipe da brigada, haviam sumido. Bem, da última vez que ali estivera, só havia três, agora até mesmo essas não se encontravam ali. – “Será que Camus resolveu acordar para a vida?” – Pensou. Nos lábios um sorriso aliviado.

- Vamos indo? – Perguntou Camus ao aparecer na porta. Jogou-lhe o capacete e mirou-o sério. – Obrigado. – Agradeceu.

Kanon pegou o capacete meio no susto. Estreitou os olhos. – Sim, podemos ir. – Estava curioso. Não conseguia entender tal mudança. O que havia acontecido com o ruivo da noite para o dia? – O que aconteceu? – Perguntou.

- Não aconteceu nada. – Camus respondeu e esperou que o mesmo saísse para que pudesse trancar a porta.

- Achei que Milo fosse se oferecer para levá-lo à base. – Kanon comentou ao acaso.

- Ele se ofereceu, mas como sabe que vim de carona com Milo? – Perguntou.

- Eu os vi saindo juntos. – Cruzou os braços deixando o capacete ficar pendurado. – Agora, se ele se ofereceu, porque não deixou que ele viesse te buscar? – O loiro perguntou estranhando mais ainda o jeito do francês.

- Por que eu não quis. – Respondeu. Camus fincou os olhos no loiro fuzilando-o.

Kanon deu de ombros e entrou no carro. Esperou que o ruivo se acomodasse ao seu lado e saiu devagar com o carro. O melhor seria ficar de boca calada. Quando aquele francês não queria falar, era terrível, pois nada o fazia mudar de ideia.

O silêncio estava de matar. Kanon conhecia muito bem o ruivo a seu lado. Tivera uma longa convivência com ele por conta do irmão e trabalharem na mesma base. Sabia que ele estava se fechando novamente.

- Aconteceu alguma coisa ontem? – Resolveu perguntar. – Você está tão quieto... ensimesmado...

- Só meu carro que quebrou. – Nunca iria contar-lhe que Milo o beijara e que ele havia balançado.

- Sei... Milo lhe fez alguma coisa que não gostou? – Kanon perguntou ao parar o jipe no estacionamento da base. Voltou seus olhos para o ruivo e não pode deixar de notar um estremecimento das pálpebras do outro. Estreitou os olhos. – Vamos... Diga alguma coisa, sei que aconteceu algo. Ele te beijou? – Perguntou à queima roupa.

Camus voltou-lhe o rosto. Nos olhos, a surpresa estampada. Não conseguia explicar como o mecânico era tão bom naquilo. 

- Ahaa! Ele te beijou mesmo. – Riu divertido.

Camus fuzilou-o com os olhos. Não havia dito nada e nem iria dar-lhe satisfação. Tentou descer do jipe, mas foi contido. 

- Kanon... Vou perder hora! – Retrucou.

- Estamos adiantados. – Respondeu-lhe. – Camus, você precisa viver. Saga morreu, mas você não. Milo é muito bonito e é uma boa companhia.

- Pode ser, Kanon, mas eu ainda sou seu instrutor e não quero misturar o pessoal com o profissional. Você mesmo sabe que não dá certo. – Comentou referindo-se a Saga e ele. Ao namoro interrompido pela tragédia.

- Cabeçudo... Você sabe que pode dar certo sim, basta querer. – Bufou. – Eu fiquei quieto todo esse tempo vendo você definhar, mas agora chega, Camus! Saga te amava muito e não iria gostar de vê-lo assim. Você leva a vida de um monge.

- Kanon, a vida é minha!

- Ótimo! É sua, então porque não se mete em um buraco e não sai mais de lá, assim evitará que os outros se apaixonem por você. Ah! – Jogou as mãos para o alto. – Faça o que quiser. 

Era a primeira vez que o loiro agia daquela forma com o ruivo. Camus assustou-se um pouco, mas ele não queria envolver-se com Milo, ou queria? Já não sabia mais como pensar e nem como agir.

Escutou um barulho e olhou para trás. Milo ia chegando naquele exato momento, mas com medo do que pudesse acontecer, o ruivo saiu rapidamente da área de estacionamento.

Ao passar à frente da sala de Mask, este o chamou. Sua cara não estava muito boa, não que ele nunca estivesse carrancudo, mas naquele dia em especial, ele parecia estar mais enfezado e com o semblante fechado. Algo não estava bem.

oOoOoOo

Ao avistar Camus no estacionamento, Milo tinha certeza que o francês pelo menos iria esperá-lo para cumprimentarem-se, mas acabara enganando-se. Não estava preparado para aquilo, mas talvez não fosse uma boa ideia ir atrás para tirar satisfação, como sentira vontade.

Antes do treino, Camus chamou a todos os pilotos para a sala de reuniões e passou algumas coisas. Aos olhos do loiro, ele parecia agir como sempre, mas alguma coisa não estava certo. O ruivo estava evitando olhar na direção em que ele estava.

“Mas o que... O que ele tem?” – Pensou ao estreitar os olhos. Talvez fosse coisa de sua cabeça, talvez não, mas Milo preferiu não dizer nada. Quem sabe ele também não estivesse receoso de como seria dali para frente e estava imaginando coisas. Vendo algo que de fato não existia. Bufou.

No final da reunião, Milo percebeu que o ruivo havia ficado para trás guardando as papeladas em uma pasta e esperou que todos saíssem da sala para aproximar-se dele.

- Bom dia, Camus. – Saudou-o. Os olhos azuis ávidos cravados no rosto sem emoção do outro.

- Bom dia, Milo. Foi bom mesmo você ter ficado, precisamos conversar. – Camus indicou-lhe uma das cadeiras e sentou-se também.

O loiro estranhou o jeito impassível e o olhar frio do ruivo, mas esperou que este começasse a falar.

- Milo, o que vou dizer agora, não gostaria de estar fazendo, mas tenho aqui uma ordem para que você volte à sua antiga função. – Camus parou de falar. Sabia estar acabando com a esperança dele, mas as fichas haviam sido analisadas por Mask e o mesmo não estava muito contente.

- Mas você disse que vai me ajudar. – Milo parecia desapontado.

- Sim, eu sei o que eu disse, mas estou com as mãos atadas. Não posso bater de frente com o comandante da base. Ainda mais quando acabamos de perder um piloto de helicóptero e precisamos de alguém experiente no lugar.

- Não é justo... – Milo fincou-lhe os olhos. Tentava controlar-se.

- Pode não ser justo, mas faz algum tempo que vem tentando e não consegue sair-se bem. Você melhor do que ninguém sabe que não podemos mandar alguém para um incêndio sem saber o básico. Sinto muito, mas hoje você treinará após os aviões.

Enfurecido, Milo levantou e sem nada dizer, saiu da sala pisando duro. Em sua mente, pensamentos errôneos começaram a se formar. Com um suspiro, Camus levantou-se e seguiu para a torre de Comando. Mask não podia ter feito aquilo, mas ele sabia que mais cedo ou mais tarde iria acabar acontecendo.

“Espero que Milo não pense que fui eu que tomei a iniciativa.” – Pensou. Parou ao lado de Afrodite e arrumou-se melhor para dar início ao treino.

- Camus, por que o codinome de Milo está riscado? – Afrodite perguntou sem entender nada.

- Ordens de Mask. – Respondeu o ruivo a contragosto. Voltou seus olhos para o céu e começou os treinos.

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Na parada para reabastecimento, Kanon subiu para falar com Camus na torre. Ele não havia entendido por que Milo não fora pegar o Canadair onze se sabia que o loiro estava na base.

- Alguém sabe do Milo? – Perguntou ao para atrás dele e Afrodite.

Virando-se lentamente, o ruivo mirou-o de cima a baixo. – Milo foi transferido para a equipe dos helicópteros.

- Ora seu prepotente! Está querendo afastá-lo de você e por isso transferiu-o? – Kanon não estava entendendo nada, assim como não estava reconhecendo o amigo.

Afrodite arregalou os olhos surpreso.

- Eu não tenho nada com isso. Eu cumpro ordens e se meu superior solicitou-me isso, tenho que acatar suas ordens. Pense antes de falar, veja bem o que de fato está acontecendo, Kanon, antes de tirar conclusões precipitadas. Você me conhece, sabe que não sou injusto. – A voz baixa e mordaz do instrutor colocando-o em seu devido lugar.

- Se me dá licença, tenho um treino a terminar e, em seguida, o da equipe de helicópteros para supervisionar.

- Te darei licença, mas antes quero dizer-lhe uma coisa... O Camus que conhecia lutava pelo que achava certo e tenho certeza que se fosse Saga em seu lugar, ele batalharia por Milo e faria o possível e o impossível para ajudá-lo. – Sem mais nada dizer saiu da torre.

Camus sabia que ele tinha razão, por isso mesmo não retrucou.

Afrodite e Shion voltaram-se para o ruivo com curiosidade.

- Não perguntem... – Pediu. Bufou e voltou seus olhos para um determinado ponto. Com o auxílio das poderosas lentes do binóculo, procurou por Milo entre os pilotos de helicóptero e não o encontrou em lugar nenhum. Bem, talvez fosse melhor assim.

oOoOoOo

Alguns dias depois…
Treino da equipe de helicópteros


- Ok! Venon, pode aproximar-se, é sua vez. – A voz do ruivo soava metálica para os que estavam sintonizados na conversa pelo rádio.

- Certo, Roux. – Milo respondeu ficando quieto. Desde a conversa no dia em que fora dado-lhe a notícia de seu retorno à equipe de helicópteros, ambos só conversavam o necessário.

- Após acertar o alvo, pode pousar. Os treinos estão sendo encerrados mais cedo hoje devido ao teto baixo. – Informou.

- Compreendido. – Respondeu antes de desligar o rádio. O tempo havia mudado de repente e uma chuva forte ameaçava desabar.

Chegando aquela hora na torre, Mask pode acompanhar quando Milo acertou com perfeição ao alvo.

Camus voltou seus olhos para o italiano e aproximou-se, mas não sem antes solicitar a Afrodite que ele assumisse o final do treino.

- Você já viu o que Venon pode fazer em um helicóptero, Mask. Então deixe-o tentar mais uns dias no Canadair. Eu sei que posso ajudá-lo. – Camus pediu-lhe. Apesar de tudo, ele ainda queria ajudá-lo.

- Não sei Camus. Talvez ele seja um caso perdido. E eu não posso voltar atrás. Sei que não é justo, mas nada nesta vida é justo. – Mask arqueou a sobrancelha ao ver o jeito que era observado pelo francês.

- Então, estou comunicando-lhe que irei contra sua decisão. Tenho certeza que ele é capaz e, se eu não puder fazer isso, melhor que volte para a França, pois pelo menos lá eu não via essas coisas acontecerem.

- Isso é uma ameaça? – Mask perguntou enraivecido. Conhecia o gênio daquele ruivo. 

- Tome como quiser.

- Pessoal, o que está acontecendo com vocês? – Shion perguntou. Nunca havia visto o ruivo ficar tão bravo.

- Mask fuzilou-o com os olhos. – Ele treinará toda tarde após o treino dos helicópteros e terá uma hora por dia. Se mesmo assim, ainda continuar dessa forma, continuará sendo piloto de helicópteros. 

- Obrigado, Mask. – Agradeceu o ruivo. E, sem esperar, seguiu para o alojamento. Queria avisar Milo logo de uma vez.

No caminho, encontrou-se com Kanon, que também desde a discussão na torre, não falava com ele. O loiro o fez parar, ficando à sua frente.

Ao encará-lo, Camus arqueou as sobrancelhas. – Se quer dizer algo, diga logo. 

- Iceberg ambulante! – Grunhiu para logo depois rir divertido. – Eu queria me desculpar com você. Errei ao tirar conclusões precipitadas, me desculpe Camus.

- Tudo bem, Kanon. – Camus deu-lhe um meio sorriso, mas logo voltou a ficar sério. – O que fez o senhor orgulho mudar de ideia? – Perguntou. A curiosidade não o deixando quieto.

- Digamos que Afrodite mostrou-me o comunicado que Mask lhe passou. – Deu de ombros. – Sabe que sou assim, não é?

- Tudo bem, Kanon.

- Então, que tal sair hoje à noite? Vai, diz que sim. – Gracejou. – Pode ser legal. Você precisa respirar ares novos, mesmo que o local seja velho.

- Vou pensar. Agora preciso dar uma notícia para Milo. – Camus comentou. – Prepare o Canadair onze a partir de amanhã para sempre estar pronto e revisado após os treinos dos helicópteros.

- Milo vai...

- Consegui com Mask, mas depende só do Milo.

- Então, mais um motivo para se comemorar... E tenho certeza que ele se esforçará.

- Está bem. Assim que sairmos daqui, podemos passar no Broken Wings. 

- Combinado, ruivo. Vou avisar ao pessoal.

- Pessoal? – Camus perguntou ao voltar-se para retrucar com o loiro, mas este já estava longe. Dando de ombros, seguiu seu caminho.

oOoOoOo

Milo sentia-se deslocado em meio aos pilotos de helicóptero. Não que não gostasse deles, muito pelo contrário, não tinha nada contra, mas não era a mesma coisa que com os pilotos dos Canadair e Bombardier. O hangar onde ficavam as libélulas de aço, era no outro extremo da pista e tudo parecia estar fora do lugar.

Ao entrar no alojamento, seguira direto para o vestiário. Queria tomar um bom banho para tirar o cansaço, espantar o calor e o suor. Com a toalha enrolada na cintura, seguiu até seu armário para poder vestir-se. Ao abrir a porta de metal, sentiu-se observado e voltou-se para olhar atrás de si. Arqueou as sobrancelhas ao deparar-se com o ruivo.

- A que devo a honra? – Milo perguntou. A voz baixa. O olhar letal.

Camus, que até então estava apreciando a beleza do loiro, engoliu a seco. – Preciso contar-lhe uma coisa.

- Ok! Se puder ser rápido... Não quero pegar a chuva que vem vindo. – Solicitou fazendo pouco da situação.

- Certo! Vou ser breve. – Começou. – Esteja amanhã após o último treino do dia ao lado do Canadair onze, Milo. Consegui com Mask para que você volte a treinar.

- O quê? – Perguntou o grego. Não estava acreditando no que ouvia.

- Amanhã lhe passarei maiores detalhes. – Informou. – Eu lhe disse que não havia partido de mim aquela decisão. Espero que agora saiba que sou justo e confie em mim, pois eu o farei voltar a acertar os alvos e te deixarei apto ao serviço.

- Obrigado, Camus.

- Não me agradeça agora. Agradeça depois. E... Hoje após sairmos daqui, vamos passar no bar Broken Wings, se quiser, dê uma passadinha por lá. – Camus convidou-o e saiu sem esperar resposta. Na verdade, queria sair de perto dele, pois já não conseguia disfarçar o interesse e desejo com que olhava para o corpo malhado e másculo.

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Notas Finais


Momento Coelha Aquariana no Divã:

E mais um capítulo longo no ar! Novamente, essa Coelha, vem humildemente pedir por comentários, se de agrado for de quem chegou até aqui! Agradeço a gentileza de sempre e até o próximo caps!

bjs


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