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História Hipocentro - Oásis


Escrita por: yugensouls

Capítulo 15 - Oásis


O amor é uma infinidade de ilusões que serve de analgésico para a alma.

Marlon Moraes

 

Ela suspira quando sente os braços de Roberto ao redor de sua cintura. O calor é familiar, a sensação é familiar, mas há algo que a incomoda. Talvez sua própria consciência, ciente de todos seus atos falhos. Ele sorri ao beijá-la na altura da bochecha.

“Tive uma ideia.”

Ela se vira, olha-o nos olhos. Roberto parece um pouco mais feliz agora. As primeiras semanas haviam sido difíceis; a relutância dele com o retorno dela à agora mundialmente famosa série era nítida.

“Me conte.”

“Poderíamos fazer uma curta viagem. Bolívia, ou mesmo Egito. Talvez Nigéria. O que você acha?”

Ela suspira novamente, mas dessa vez a sensação é outra. Sente que ele faz isso de propósito. Tenta, de uma maneira sutil, coloca-la contra a parede, pondo o trabalho e seu casamento em extremos opostos, de modo que alguém sempre sairá por baixo.

“Eu não posso viajar agora.”

“Você nunca pode quando eu peço.”

“O que você quer dizer com isso?” Questiona ela. A irritação trepida em sua pele; se ele procurava uma briga, ele a teria.

Ele percebe que não haverá trégua, e sorri ironicamente. “Deixe para lá.”

“Não, não. Me diga o que quer dizer com isso.”

Ele senta-se na cadeira de carvalho maciço. Um presente de um marceneiro basco que a lembrava do talento de seu povo, mas que naquele momento, era palco da insegurança de seu parceiro. “Oras, o que mais preciso repetir? Quando eu sugiro uma viagem, você nunca pode. Nunca está disponível. Mas basta uma ligação de seus queridos produtores espanhóis, e você está embarcando para a Tailândia.”

Ela se dá conta de que ele não havia aceito a viagem como ele havia dito. Era apenas um subterfúgio no momento.

“É o meu trabalho. Não estarei de férias.”

“Bebendo com aqueles homens e rindo das piadas deles. Me parece muito mais com férias para mim.”

Ela ri, e levanta-se. “O que queres que eu diga? Que vou direto do set de gravações para meu quarto de hotel e permanecerei trancada lá até a hora das gravações no dia seguinte? É isso que lhe fará sentir melhor? Por Deus, Roberto!”

“Por Deus digo eu Itziar! Por que você aceitou isso tudo novamente? Por que?”

“Achei que tivéssemos conversado sobre isso. É um bom acordo, um bom aumento de cachê, a chance de abrir as portas para a nossa banda e para novos papéis.”

“Nossas vidas estão escancaradas para o mundo agora.”

“E o que temos a esconder?”

“Me diga você.”

Ela se irrita. “Está insinuando que tenho algo a esconder?”

“Você tem?”

Aquele é o momento em que ela pode resolver tudo; livrar-se da culpa. Mas seu coração bate tão forte e tão alto, as pontas de seus dedos tremem com a antecipação da dor e decepção, a boca de seu estomago vibra. “É claro que não.” Mente, e sente seu coração partir-se pois não pode machucá-lo assim. Não pode assumir que colocou seus desejos acima deles.

Ele a olha em silêncio. Parece estar em conflito sobre acreditar ou não em suas palavras. E aparentemente, escolhe negar essas palavras à ela. Puxa a jaqueta da mesa de descanso, a veste e sai pela porta, acompanhado por um silêncio sepulcral.


***

 

Fazem algumas semanas que Itziar o tem evitado. Tratam-se cordialmente; se falam normalmente na frente de outros colegas, embora haja certo comentário no ar de que há algo estranho entre eles. Ninguém pergunta a ele diretamente sobre sua separação; ele percebe olhares furtivos ao local onde antes havia uma aliança, mas fogem dele ao serem descobertos. Isso não importa. Nada disso importa; somente ela.

Ele havia de fato escutado a Pedro.

Ela merecia ser deixada em paz. Não havia nada que ele pudesse fazer para melhorar as coisas. Toda a situação estava extremamente fodida. Ele a havia comprometido, e precisava lidar com isso.

“Olá, cariño.” Cumprimenta Úrsula, beijando-o na bochecha. Ela senta-se ao seu lado. Como sempre, está feliz. Sua energia se espalha pelo local, beneficiando a todos. Ela é uma pessoa incrível, muito além da atriz formidável. “Como está hoje?”

“Muito bem, Senhorita Tokyo. E você?”

“Estou bem, Professor.” Ela ajeita-se na cadeira, olha ao redor. O movimento é mais lento pela manhã. Poucos deles chegam com antecedência, o que torna o hall de entrada um verdadeiro tráfego nova-iorquino próximo a hora da leitura oficial.

Por algum tempo, eles permanecem ali, imersos no silêncio confortável da companhia alheia. E é com uma sinceridade quase tão brutal quanto a de sua personagem, que ela o pega desprevenido. A vida imita a arte, ao que parece.

“Quando vai comentar o fato de que você não usa mais uma aliança?”

Ele tosse, e ela sorri. “Não é possível que você achou que ninguém perceberia, Álvaro.”

Ele olha ao redor. Não há quase ninguém ali. Ajeita as costas na cadeira, alinha-se. E então olha para sua colega de trabalho. “Não há muito o que dizer.”

“Então é o que parece?”

“Sim e não.”

Ela cruza as pernas enquanto o encara com um sorriso enigmático. “Explane.”

“Separados, mas ainda não divorciados. Pelo menos não legalmente.”

Ela ainda está encarando-o.

“Isso quer dizer que é uma separação passional. O que você fez?”

“Por que supõe que eu que fiz alguma coisa?”

“Você fez?”

Ele respira fundo. “Eu posso ter cometido alguns vacilos.”

“Entendo.” Consola ela, tocando o braço dele de leve, um pequeno gesto de companheirismo. “Há uma terceira pessoa?”

Ele engole em seco. Talvez haja certas coisas que ele não deveria expor. Ele confia em Úrsula, ela é uma das melhores parceiras de trabalho que já teve. Mas aquilo colocaria outra colega em risco também. Está tão perdido em seu medo e paranoias que só volta a si quando a ouve rindo.

“Calma. Não vou perguntar quem é para não colocar você nessa situação. Mas é bastante óbvio. Você não deveria se importar tanto.”

“Como assim é óbvio?”

“Oras, Álvaro.” Ela sorri, enquanto seu olhar cruza com o dele. Alex acena para eles, e pede que se aproximem; o assunto entre eles acaba, mas segue em ebulição na mente dele.

 

***

 

Álvaro percebe alterações sutis no roteiro, e sente-se ligeiramente incomodado com as mudanças narrativas propostas conforme eles seguem a leitura. Mas não se dá ao trabalho de questionar. Fará aquilo que lhe for ofertado no roteiro, pois sabe que agora não são eles comandando. Estão apenas no mesmo barco.

Está cansado e mentalmente exausto. Não consegue deixar de pensar nas palavras de Úrsula e almeja tanto perguntar a ela o que quis dizer – mas teme que a resposta seja exatamente o que o mesmo imagina.

Suspira, passando os dedos lentamente pelo cabelo, jogando-os para trás. Jesus e Alex encerram a leitura, e todos batem palmas, felizes. Eles terão um dia de folga. É mais do que necessário; tem sido dias extensos de leitura e treinamento. Coloca os papeis na bolsa, e fecha a mesma. Levanta-se, e despede-se daqueles que tocam seus braços e costas amigavelmente; veste a jaqueta e olha ao redor. Metade da sala já saiu, felizes e ansiosos para irem para casa.

Ele pega o capacete na prateleira, e sai da sala.

“Álvaro.”

Ele paralisa ao ouvi-la. É uma surpresa que ela ainda esteja ao lado de fora, e é uma surpresa ainda maior que esteja esperando por ele. A voz dela dizendo seu nome soa como um cântico que ele há muito havia esquecido as notas.

“Itziar.” Responde ele, e sua voz sai estrangulada em um sussurro.

“Posso acompanhar você até a saída? Gostaria de conversar com você.”

“Sim, claro.”

Sua boca seca, assim como sua garganta. Ele sente as amígdalas raspando como se houvesse engolido areia. Ela caminha ao seu lado em silêncio, a saia cigana balança ao vento com uma graça diferente, os cabelos estão presos em uma trança embutida. Seu coração está disparado e ele torce para que não seja perceptível a olho nu.

Ao chegar à escada de acesso, ele vê que Pedro e Úrsula saem no mesmo carro, e que ambos notaram que eles estavam descendo juntos. Pedro sorri maliciosamente, como o grande otário que é.

“Está tudo bem?” Pergunta ela, a voz denota que ela não parece tão confortável, assim como ele. Não sabem como agir.

“Sim, tudo bem. E você?”

Ela dá de ombros, sem olhar para ele. “As coisas são como são.” Responde, sem na verdade responder nada.

O estacionamento se esvazia rapidamente. A noite não está fria, mas venta de maneira razoável. “Gostaria de lhe pedir desculpas por não ter vindo conversar com você antes.” Começa ela; finalmente se vira na direção dele, o que o faz para de andar, os dois frente a frente, cercados apenas por alguns carros, o silêncio, e a lua brilhante acima deles.

“Não precisa se desculpar por isso.”

“Eu preciso sim, Álvaro. Eu precisei lidar com tudo o que havia acontecido. Mas ao mesmo tempo, sei que a sua maneira de lidar com isso é através da conversa, e eu lhe neguei isso.” Ela o olha nos olhos, depois de todo aquele tempo. A sensação é algo que ele não é capaz de descrever – como se ela visse através dele. Como se o lesse com facilidade, e isso o assusta.

“Eu respeito o seu tempo.”

“O que houve?” Pergunta ela, e ele demora a entender o que ela quer dizer. É somente quando vê que ela ergue uma das mãos e com a outra aponta o dedo anelar, que ele entende que ela está fazendo a mesma pergunta que Úrsula fizera.

Ele sorri de uma maneira triste, mantém o olhar no dela.

“Por causa daquilo?”

Álvaro ergue os ombros. “Não importa, Itziar.”

“Importa sim, e você sabe.”

“Não é culpa sua.”

Ela fecha os olhos, mantendo o lábio inferior entre os dentes por alguns segundos. “Eu também sou responsável pelo que aconteceu.”

Ele não acredita nisso. Se recusa a permitir que ela se sinta culpada por sua bagunça. Ele a adora, e quer que ela seja feliz. Sem arrastá-la para o caos de sua atual vida pessoal. “Pare. Não quero ouvir isso.”

A frase a faz rir, e ele sente-se imediatamente mais leve. Sentira falta dela.

“Você tem certeza que está bem?”

“Sim.”

“Alvie...”

“Eu estava pior quando achava que nunca mais voltaríamos a nos falar. Agora está tudo bem.”

Ela suspira, sorrindo para ele. “Você acha que poderemos ser amigos, de alguma forma?”

“Meu maior medo foi este, cariño. Perder a sua amizade.”

“Álvaro, eu...”

Mas ele não quer correr esse risco outra vez. Por mais que ele esteja sedento para voltar a tocá-la. Para beijar aqueles lábios que incendiaram sua alma até que virasse cinzas. Ele a deseja, cobiça e adora. E é precisamente em nome da sua devoção incondicional que ele se recusa a coloca-la em risco.

“Não se preocupe, Itzi. Não voltará a acontecer. Seremos apenas amigos. Eu prometo.”

 

***
 

As palavras dele atravessam seu peito como os projeteis de um revólver. Não se preocupe, Itzi. Não voltará a acontecer. Seremos apenas amigos. Eu prometo. Não se preocupe, Itzi. Não voltará a acontecer. Seremos apenas amigos. Eu prometo. Não se preocupe, Itzi. Não voltará a acontecer. Seremos apenas...

Ela sorri, pois a única reação plausível para aquele instante é sustentar a mentira que ela cavou para si mesma. Sorrir enquanto seu coração se parte novamente, pois ela não o quer apenas como amigo; por mais que se sinta incapaz de assumir.

Sabe o quão egoísta é o desejar dessa forma, sem estar disposta a abandonar seu atual relacionamento. Sem querer sofrer nenhuma perda, ou dor, ou represália. É indecoroso da sua parte mantê-lo preso em sua teia de sedução enquanto a vida dele desmorona, em detrimento da sua que permanece intocável.

Ela não é esse tipo de pessoa.

“Amigos, então.” Decreta, as palavras saindo de seus lábios como quem profana uma maldição.

O sorriso sincero nos lábios dele lhe faz querer chorar. Porém, é a decisão certa a ser feita. Eles precisam trabalhar meses e meses juntos, e essa situação apenas tornaria tudo insuportável para eles. E ela precisa dele. E se for como amigo, que seja. É melhor do que sua ausência. Desaprendera a viver sem ele.



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