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História Horizonte Desconhecido - Izanagi


Escrita por: KiiinN

Capítulo 2 - Izanagi


“Um sapo no poço não conhece o oceano.” – Provérbio Japonês.

 

Capítulo 1 – Izanagi

Era um dia como qualquer outro, mas ao mesmo tempo era diferente. Não apenas ele sabia como o mundo inteiro parecia se sentir um pouco moroso. Sasuke abriu os olhos vagarosamente, quase com medo, e viu que tinha dormido sobre a mesa do escritório particular de sua casa de novo. A luz do cômodo ainda estava acesa e as cortinas fechadas, mas pelos fios de claridade que passavam através da janela, ele podia dizer que já tinha amanhecido. Sakura reclamaria com o mesmo discurso de sempre: que ele se prejudicaria se continuasse daquela forma; mas o Uchiha não se importava e sua esposa de certa maneira o entendia. Ambos sabiam que ele tinha muito trabalho a fazer.

Abafando um bocejo, ele se ajeitou na cadeira e encarou com seriedade os papéis que estudava, antes de cair no sono. Eram relatórios das últimas missões ANBU a respeito do passado de Kaguya. Momoshiki e Kinshiki Ōtsutsuki podiam estar bem mortos, mas a história dessa mulher continuava voltando apesar dos tempos e, se existisse algo pelo qual pudesse prever, ele queria estar preparado. No entanto, as investigações estavam caminhando a passos de lesma e isso o irritava.

Sasuke apertou os lábios em contrariedade. Se lhe perguntassem, ele responderia sem hesitar que preferia fazer o trabalho por si mesmo, mas sabia que sua missão agora era outra, honrar a promessa que fizera silenciosamente a Naruto. Cuidaria do que o Uzumaki lutara por anos para conseguir: um mundo ninja diferente e ser reconhecido. Por mais que o mundo já venerasse o antigo Hokage como um deus, o Uchiha fazia questão de manter a memória do homem bem viva; ainda que houvesse um lembrete macabro em sua cabeça dizendo sempre que ele estava morto.

Uma batida na porta o arrancou de seus devaneios:

— Sasuke? – a voz de Sakura soou abafada, como um aviso, antes que ela abrisse a porta. – O café está pronto, precisamos comer antes de ir até o templo. – ela entrou cuidadosamente no cômodo, como se medisse os passos para não assustar algum animal acuado. – Você encontrou alguma coisa? – apontou para os relatórios sob os braços do marido na mesa.

Seus olhos verdes estavam macios. Talvez, ela não começaria o discurso de como dormir debruçado sobre a mesa prejudicaria a qualidade do seu sono e as costas. Que ele precisava parar de levar o trabalho para casa, porque ele estava parecendo Naruto ao querer carregar o peso do mundo sobre os ombros.

— Nada. – ele soltou um suspiro resignado. – Nenhum deles tem o poder de viajar no espaço-tempo e isso está dificultando as investigações. – esfregou os olhos com as pontas dos dedos para tirar qualquer vestígio de cansaço da vista. – A maior parte da história de Kaguya foi construída na dimensão de gelo e, qualquer coisa que nós encontramos aqui é mera suposição. – suspirou.

Sakura andou até ficar ao seu lado e se apoiou na mesa, antes de colocar uma mão reconfortante no ombro direito do marido.

— Você acha mesmo que essa história não acabou? Que ainda há algo de Kaguya que possa voltar? – indagou. – Você tem trabalhado nisso por anos, Sasuke.

O moreno a encarou como se a sugestão subentendida de parar o ofendesse.

— Quando a guerra começou, você imaginou que o motivo de tanto estrago era algo referente àquela mulher? Se não fosse pela minha teimosia em investigar sobre o passado de Kaguya, nós jamais teríamos entendido que havia descendentes atrás da Árvore Divina. – ele balançou a cabeça negativamente. – Quem me garante que não podem estar atrás dela de novo?

A mulher mordeu o lábio inferior com força, em sua expressão, o Uchiha podia ler compreensão, amargura e pesar. Depois da morte de Naruto Uzumaki, o universo inteiro parecia chorar sua perda. Sakura mudou, Sasuke mudou, Konoha mudou e o resto do mundo mudou também, como se a perda do Jinchuuriki destruísse um elo e reacendesse um sentimento adormecido de rancor e desejo de vingança. Tudo o que o Nanadaime lutou a vida inteira para destruir.

Estava tudo tão dolorosamente igual e diferente. Especialmente hoje.

— Você tem razão. – ela concordou com um suspiro. – Nós não sabemos. – o encarou com seriedade. – Eu só fico preocupada com você, trabalhando incansavelmente até tarde da noite. – confessou com um sorriso pequeno. – Vá tomar um banho pra tirar o cansaço do corpo e tome seu café da manhã, em breve temos que estar no templo para receber os outros Kages.

Ela se desencostou da mesa e caminhou até a janela grande para abri-la.

— Você sabe, eu ajudei a Hinata a arrumar tudo para a missa de hoje. Fico pensando no quanto é doloroso para ela reviver o luto novamente. – comentou casualmente. – Eu acredito que ela jamais vai superar o que aconteceu. – mordeu o lábio inferior e franziu a testa, como se pensasse profundamente em algo que ele desconhecia. – Convidei-a para passar o resto da tarde comigo, aqui em casa, depois do almoço no templo, tudo bem? – perguntou por perguntar, enquanto se afastava.

— Eu vou para a torre depois da missa. – lembrou-a. – As nações vão aproveitar a ocasião para planejar a nova direção para melhorar as investigações a respeito de Kaguya, Madara, Árvore Divina e Hagoromo... Poderes tão grandes incutem desejos e ambições em outras pessoas e é melhor estarmos atentos. Infelizmente, mesmo o poder de Naruto passa a ser um risco que precisamos cuidar, depois de sua morte.

Sakura abriu a boca para dizer alguma coisa, mas logo mudou de ideia. Ela franziu a testa, como se o pensamento de qualquer pessoa se aproveitar da morte de um dos seus melhores amigos por causa de poder fosse repugnante. Sasuke entendia o pensamento, se soubesse de alguém que chegou a pensar em algo parecido, ele não saberia o que fazer ao certo. “Matar, talvez?”, pensou com certo desgosto, sabendo que Naruto desaprovaria o pensamento.

— Eu gostaria que não existisse essa possibilidade. – ela desviou o olhar com certa raiva e tristeza. – Quando é que tudo isso vai acabar? – indagou com a voz trêmula. – Naruto lutou tanto para que o mundo fosse diferente e você abdicou anos da sua vida para apoiá-lo nessa causa também; eu concordei que meu marido não visse a própria filha crescer, porque entendi que há sacrifícios que vem para o bem, mas para quê? – respirou fundo para segurar o choro e para retomar a coerência. – Me desculpe, acho que o dia de hoje está me deixando um pouco sensível.

Sasuke encarou profundamente as costas da mulher apoiada no aparador ao lado da porta do seu escritório. Não era só a Hinata que não tinha superado a morte de Naruto; Sakura também não aceitara a perda. Ele se levantou para se aproximar da esposa, com uma delicadeza que não lhe caracterizava, e passou a ponta dos dedos pelos braços magros, mas fortes, até chegar aos ombros, apertando-os para lhe dar conforto.

— Mesmo sendo lideres, ninguém tem o controle completo das emoções e vontades de todas as pessoas que existem no mundo, Sakura. – explanou com uma voz grave, mesmo sabendo que ela já sabia de tudo aquilo e só estava se deixando levar pelos sentimentos conflitantes. – Nós só podemos evitar conflitos políticos, mantendo as cinco nações unidas a fim de evitar mais guerra e ódio; podemos manter a paz de nossas vilas e países, resolvendo outros problemas burocráticos... Mas, nem tudo está sob o nosso domínio. – murmurou, beijando a têmpora esquerda da esposa. – E é justamente nisso que temos de nos preocupar. Nós fizemos o que podíamos, mas sempre há muito para ser feito.

Sakura corou, não muito acostumada com as demonstrações de afeto do marido, e Sasuke tentou segurar um sorriso condescendente.

— Eu sei, eu só... – ela suspirou, inclinando-se de encontro ao corpo masculino. – Me desculpe. – ela tornou a pedir. – Os últimos meses desde que... – engoliu em seco. – Estávamos tão acostumados com aquele idiota levantar no último momento, com aquele sorriso bobo, autoconfiante e destemido, que, talvez, passei acreditar que ele nunca morreria; que nunca nos deixaria e sempre estaria aqui para salvar o dia, entende? – lambeu os lábios. – A memória do Time 7 nunca pareceu tão distante como agora, mesmo quando você foi para Orochimaru... – completou com o timbre embargado.

Mesmo o Uchiha sentiu um bolo desagradável preso na garganta. Ele entendia. E pensava nisso todos os dias e noites. Às vezes, ele ainda sonhava com a lembrança do corpo morto em seus braços, os gritos incansáveis do Boruto chamando pelo pai como se pudesse acordá-lo, e o vazio sufocante em seu peito, aquele algo que não podia mais encontrar, mas era de suma importância; era intangível, mas estava ali para confortá-lo, para lhe fazer companhia... E, de repente, não estava mais. Ele não conseguia se acostumar com aquela sensação oca, que não sumia.

Diziam que o tempo curava todas as feridas, no entanto, elas só pareciam consumi-lo, como um aviso constantes que tudo estava errado em sua vida.

Ele apertou o braço nos ombros delgados de sua esposa em uma resposta vaga à observação sobre o passado. Ela e Sarada eram as únicas coisas que davam força e significado para a sua existência, mesmo que a culpa o devorasse aos poucos.

— Eu vou terminar de me arrumar. – Sakura enunciou, apertando os dedos da mão que a seguravam, antes de se afastar silenciosamente.

 

(***)

 

Sasuke viu os kages saírem um por um da sua sala na Torre Hokage, exceto Gaara. O ruivo permaneceu sentado em uma cadeira, com o olhar contemplativo na janela às suas costas. Antes que a porta se fechasse completamente, ele conseguiu ter um vislumbre da equipe ANBU que os guardavam. Ambos os homens tinham motivos pessoais para continuar aquela reunião sem os outros líderes, afinal, eles eram os únicos realmente interessados em não deixar que a morte de Naruto fosse em vão.

Naquele dia, tinha acontecido a missa de um ano da morte do Uzumaki. Pessoas de todos os países vieram homenagear o herói que tinha salvado o mundo. Um ano... Sentia como se fossem dez. Depois da morte do seu melhor amigo e rival, os dias só pareciam se arrastar vagarosos e tristes. Ele não tinha mais uma ambição concreta, embora, só desejasse continuar os sonhos do antigo companheiro do Time Sete. É por isso que vivia no final das contas, pelo sonho de Naruto, que era o mesmo dos seus familiares, e por sua filha, que merecia viver nesse lugar melhor, sem ódio.

— Mesmo depois de sua morte, Naruto continua unindo milhares de pessoas. – a voz suave do Sabaku quebrou o silêncio distraído. – É impressionante como uma data com um significado tão triste pode trazer tantas pessoas para honrar o que Naruto representou na vida da nação shinobi e civil. – finalmente voltou seu olhar para o Uchiha sentado à sua frente.

O moreno bufou um riso que não chegou a alcançar os olhos.

— O que vamos fazer, Uchiha? – Gaara indagou, voltando a encarar a janela como se fosse a coisa mais interessante do mundo. – Você é o único que consegue passear entre uma dimensão e outra – ambos sabiam que ele estava usando termos leves para descrever o poder do moreno. – e, desde que você se tornou Hachidaime, as investigações sobre o clã Ōtsutsuki caminharam vagarosamente. As pessoas estão ficando impacientes e desinteressadas. Ninguém mais acredita que alguém teria a audácia de reviver o Gedou Mazou novamente, até porque você é o único usuário Rinnegan agora, e você e Sarada são os únicos descendentes dos Uchiha capazes de despertar esse Kekkei Genkai com a união do DNA dos Hashirama.

Sasuke franziu os lábios e a testa em pensamento profundo. Ele sabia disso. Sabia, mas não queria desistir. Naruto morreu, justamente porque alguém queria trazer de volta a Árvore Divina, poucos anos depois de vencer a Quarta Guerra Shinobi.

— Eu sei... – murmurou com a voz indiferente, embora ainda houvesse uma pequena nota de pesar. – Mas, não podemos esperar que algo aconteça para tomarmos uma atitude. Não é só a segurança do mundo que me interessa, mas se minha filha pode despertar algo que interessa algum inimigo em potencial, quero estar preparado. As pessoas podem escolher ignorar e seguir em frente, mas mesmo que todos os kages desistam, eu estarei recrutando ANBUs atrás de ANBUs para verificar cada canto desse mundo atrás de alguma evidência significativa, mesmo que não exista. – a força de suas palavras atraiu a atenção do ruivo, que o encarou profundamente para medir o que ele tinha dito junto ao seu olhar de ferro.

O Kazekage não era um homem facilmente intimidável, mas tinha certeza que se o Rinnegan não tivesse coberto pela franja comprida, o Uchiha pareceria assustador. Ele mantinha um olhar suave e impassível, mas às vezes seus olhos brilhavam com uma frieza que fazia o ninja mais insensível duvidar de si mesmo.

— Você já conversou com Kakashi sobre o assunto? – perguntou. – Já sabemos que ele não tem a mesma habilidade que a sua e que o Sharingan que herdou de Obito só o transporta para uma única dimensão, mas... Deve existir alguma outra foma.

Sasuke olhou para a foto de Naruto na parede lateral onde estava a foto de outros kages. Ele sentia falta do sorriso idiota, do olhar aquecido com determinação e da presença quente acariciando o seu interior toda vez que ele estava sozinho.

— Kakashi está ajudando no que pode. Ninguém sabe, mas ele tem saído em missões para averiguar por si mesmo algumas evidências descobertas pela ANBU. – contou simplesmente com um encolher de ombros. – Alguns podem achar que ele decidiu seguir os mesmos passos de Jiraiya, mas a verdade é que ele escolheu investigar as pistas e procurar por algo que nos ajude com relação à Árvore Divina e o Gedou Mazou. Nós nos comunicamos constantemente. Na última mensagem que enviou, ele escreveu que estava indo para o lugar onde o clã Uzumaki morava antes de ser exterminado.

Gaara pareceu incerto.

— Onde o clã Uzumaki morava...? – franziu a testa com incerteza.

— O clã Uzumaki foi um especialista em selos. Foi pelos pergaminhos secretos do clã que Namikaze-san aprendeu todos os selos pelos quais era tão conhecido. – disse, desviando o olhar centrado na fotografia de Naruto para encarar a outra imagem que parecia uma cópia do seu melhor amigo.

— Vocês acham que podem encontrar uma forma de selar definitivamente o Gedou Mazou? Mesmo Rikudou Sennin não foi capaz de exterminar o Dez Caudas. Madara provou que nenhuma força é grande demais para não ser questionada. – indagou com urgência. Era uma ideia rasa, mas era uma ideia.

Suspirou com pesar, o coração apertado com o que tinha pra dizer.

— Se não conseguirmos uma forma de trancar definitivamente o Gedou Mazou, nós teremos que selar o túmulo de cada Uzumaki, Uchiha, Senju e Hyuuga existente na Terra com algum outro selo que ainda não tenha sido descoberto e quebrado. – ele não precisava explicar detalhadamente, pois os dois sabiam que o Hachidaime se referia a Orochimaru e a forma como ele trouxe facilmente os quatro kages com o Edo Tensei do Shiki Fuujin. – Principalmente o corpo de Naruto, e o de Kakashi e o meu, quando morrermos. – murmurou e olhou profundamente nos olhos verdes do homem à frente. – Já sofremos com outro descendente do clã Ōtsutsuki vir atrás dos Hyuuga para ter o Tenseigan. – explicou com um suspiro. – Não sabemos ainda quantos deles ainda existem espalhados em outras dimensões.

Ambos sabiam que proteger os poderes oculares e os corpos já não era o bastante, era preciso proteger o espírito também. Gaara passou a ponta dos dedos na testa para amenizar o princípio de uma dor de cabeça e Sasuke se virou para encarar a janela, o som de conversas e risos dos habitantes da vila sendo o único consolo dos dois homens. Ele não queria mexer no corpo do seu melhor amigo em seu sono de paz eterna, mas sabia que se não o fizesse, outra pessoa o faria com intensões completamente contrárias ao que o Uzumaki fielmente defendeu durante a vida.

Na verdade, ele não queria mexer nos corpos de ninguém, porque ainda podia ver os corpos da sua família no Distrito Uchiha, os olhos do seu irmão antes dele cair morto aos seus pés e o sorriso ensanguentado de Naruto, antes que seus olhos se fechassem definitivamente. Ele ainda podia sentir o cheio de sangue em seu nariz e a estrutura quente do Uzumaki se tornar cada vez mais fria em seus braços. Ele não queria reviver esse passado novamente.

Infelizmente, parecia que o passado insistia em se tornar presente em sua vida.

 

(***)

 

Os barulhos suaves dos seus passos na grama e da cascata de água ao longe eram os únicos sons que ele se preocupou em focar, enquanto caminhava para a margem do que um dia foi o Vale do Fim com as estátuas de Hashirama e Madara. Depois de muitos anos, o fluxo do rio tinha sido normalizado e a correnteza corria livremente. Ele se aproximou e se sentou na terra batida próximo à beirada do flúmen, observando como o lugar parecia o mesmo e, ainda assim, diferente.

O sol estava se pondo e um vento gelado, que prenunciava a noite, estava batendo no cume das árvores e fazendo as folhas farfalharem. Era relaxante e, pela primeira vez em meses, se sentiu em paz. Sasuke fechou os olhos e se jogou no chão, como no final de sua última luta com Naruto. Exceto que, dessa vez, ele estava sozinho. Mesmo solitário, o moreno olhou para o lado, imaginando o rosto familiar, com os olhos azuis o encarando determinados e o mesmo sorriso arrogante de sempre.

Ele sorriu com a brisa quente que o acariciou. Era como sentir a presença cálida do seu melhor amigo de novo.

— Quem diria que você morreria antes, Usuratonkachi. – murmurou.

Naruto tinha seu próprio memorial em Konoha, assim como os outros kages, mas quando ele precisava conversar com o idiota ou se sentir próximo do seu antigo rival, ele se transportava para um ponto próximo ao Vale do Fim e caminhava todo o resto do caminho apreciando os sons da floresta densa e úmida. No final, era aqui que tudo tinha terminado e recomeçado, diversas e diversas vezes. Esse era o lugar deles, assim como um dia pertenceu a Hashirama e Madara.

Shikamaru percebeu que ele precisava de um tempo sozinho e disse que seguraria as pontas, enquanto ele saía para descansar. Ambos sabiam para onde Sasuke iria. Sempre no mesmo lugar, quando o tempo lhe permitisse. No único lugar onde ele se sentia em casa e seguro.

— Eu acho que seu braço direito está começando a me aceitar como Hokage. – disse para o vento, referindo-se ao Nara. Todos sabiam que o homem, mesmo indiferente e preguiçoso, nunca entendeu o favoritismo com relação a Sasuke. Ele era um dos poucos que admitia sem pesar que detestava o Uchiha, embora, depois da morte de Naruto, ele parecia ser o único a compreendê-lo.

Ele olhou para o céu colorido de laranja, rosa e amarelo. Se ele tivesse chegado um pouco mais cedo, veria as cores que tanto lhe faziam falta. Era estranho como estar sem o “usuratonkachi” o tinha afetado. Ele ainda continuava firme, mas, por vezes, sentia sua força de vontade vacilar. Era como se um pedaço tivesse sido arrancado dele e tudo parecesse sem sentido. Mas, mesmo depois de sua partida, o loiro ainda lhe dava um significado para viver. Na época em que ele estava sozinho, porque o clã Uchiha tinha sido massacrado e seu irmão não passava de uma mera vingança, o Uzumaki tinha se tornado seu amigo, alguém para olhar além de si mesmo. Com o fim da guerra, o mais novo se tornou seu parceiro, seu igual, a sua metade. E ainda hoje, ele era seu objetivo. Um mundo ninja mais justo tinha sido o sonho daqueles que mais lhe importavam e morreram, por eles, ele persistiria.

— Você sabe, Boruto está cada vez mais parecido com você à medida que o tempo passa. Não só na aparência, mas no jeito. – sorriu e olhou para o céu que escurecia. – Você costumava dizer que eu e ele éramos parecidos, mas no final das contas, ele é ainda mais idiota que você. – seus lábios crisparam com um sentimento pesado que tomou conta do seu peito recentemente. – Mas, acredito que já saiba disso, de onde quer que você esteja agora.

Suspirou e ficou um tempo em silêncio, só apreciando os sons suaves a sua volta.

— Eu não sei o que fazer, Naruto. – suspirou. – Eu estou sempre preocupado com o nosso futuro, com o futuro que demoramos tanto para construir em conjunto com tantas outras pessoas. – trouxe a mão direita diante de seu rosto e se concentrou nas linhas em sua palma. – Um mundo com poderes é muito perigoso e eu temo o tempo inteiro que alguém possa trazer uma quinta guerra, mesmo nessa época de paz... – franziu os lábios, ainda encarando o braço que lhe restara.

O vento bateu e uivou mais forte, como se preludiasse uma tempestade, embora, o tempo ainda estivesse limpo e fresco.

— Preciso da sua ajuda. Preciso de você aqui, para proteger a vila, enquanto procuro por pistas de algo que não sabemos ainda. Eu sou o único que pode viajar entre as dimensões e você é o único capaz de segurar Konoha. – apertou a mão em punho, resistindo à tentação de socar o solo abaixo do seu corpo.

Naruto vivia dizendo que ele era o vento que fortalecia o fogo, que ambas as forças se complementavam como se fossem uma. Agora, ele estava sozinho e se sentindo impotente; ansioso com a perspectiva de que algo pudesse acontecer, porque ele era incapaz de anteceder qualquer ataque sozinho. Os dois, ele e o Uzumaki, eram a retaguarda um do outro, e Sasuke se sentia perdido sem o seu melhor amigo e rival sempre presente nessa nova fase da vida.

Depois que Hagoromo tinha dividido os poderes e dito que eles compartilhavam a mesma essência, o moreno tinha se tornado mal-acostumado. Mesmo sozinho em suas investigações em outros mundos, ele ainda estava acompanhado.

— Eu faria de tudo para voltar no tempo e desfazer o que aconteceu. Hinata mudou desde que você se foi, seus filhos mudaram, minha família mudou, a vila mudou, o restante dos nossos amigos também... Tudo mundou, inclusive eu... – engoliu um caroço que se formava na garganta. – Se ao menos eu pudesse salvá-lo, se pudesse mudar o que aconteceu naquele fatídico dia... Talvez, tudo voltaria a ter sentido.

— Você lamenta tanto assim? – uma voz perguntou, interrompendo seu devaneio.

Sasuke levantou em um pulo. O Sharingan brilhando com intensão assassina. Ele olhou para a figura masculina em pé a alguns passos de distância. O cabelo negro caía como cascata pelas costas, pelos ombros e pelo peito desnudo pelo quimono semiaberto. Os olhos eram tão pretos quanto os dele e carregavam profundidade e mistério, como se o homem soubesse de todos os segredos escondidos do mundo. A palidez da pele era ainda mais evidente que a de Sai e, por mais que sua presença fosse silenciosa, só de olhá-lo, o Hokage sabia que aquele homem era poderoso.

— Quem é você? – o Uchiha indagou com o tom de voz firme.

— Você acredita mesmo que poderia fazer algo para salvá-lo? Que poderia mudar o destino e impedir que aquele homem morresse? – o desconhecido perguntou.

Sasuke franziu a testa diante das questões.

— Você se sente responsável pela morte do receptáculo da Kyuubi, não se sente? – o sorriso no rosto masculino irritou o Uchiha. – Acredita que se tivesse decifrado o pergaminho antes, poderia evitar que os descendentes do clã Ōtsutsuki levassem o Jinchuuriki e extraísse grande parte de sua força vital. – não era uma pergunta, mas uma afirmação.

A forma como o homem tratava Naruto apenas como um mero recipiente para um espírito lhe deixava cada vez mais nervoso. As veias que rodeavam o Sharingan e o Rinnegan pulsavam, enquanto tentava conter o temperamento e poder que parecia acumular automaticamente ao redor dos seus olhos. Seu melhor amigo não deveria ser reduzido a um objeto, depois de tudo o que tinha feito.

— Eu não vou perguntar novamente. – Sasuke rosnou a ameaça, fazendo o outro rir de maneira descontraída e leve. Os lábios do Uchiha se apertaram ainda mais com o bom humor inadequado.

— Não estou aqui para prejudicá-lo. – comentou casualmente, olhando para a Lua sem brilho no céu ainda meio claro. – Eu estou aqui para te dar um presente.

Se pudesse, a testa do Hachidaime teria se franzido ainda mais.

— Um presente?

— O clã Uchiha é abençoado pelos Deuses, mas amaldiçoado pelos sentimentos dos homens. – desviou o olhar do céu para encarar o único olho visível no rosto pálido. – Um dia, eu também quis mudar o meu destino, mas não consegui suportar os resultados das minhas escolhas. Pensei que tudo seria igual, mas tudo mudou. E eu não aceitei as mudanças. – pausa. – Acha que qualquer consequência seria mínima se isso significasse trazer aquele homem de volta?

Sasuke relaxou e piscou, em dúvida entre se sentir muito animado ou temeroso com o rumo daquela conversa. Que tipo de poder era aquele que estava sendo lhe oferecido? Que tipo de pessoa era aquela que tinha a habilidade de mudar o passado? Essa era a confirmação que o Hokage precisava para ter certeza que aquele ser era extremamente poderoso e perigoso. Pessoas da sua família perderam a visão para mudar um pequeno pedaço de sua história, mas aquele senhor aparentava não ser afetado pela capacidade de mudar o curso dos acontecimentos.

— Sim. – ele finalmente respondeu. – Acho que qualquer mudança seria irrelevante se ele estivesse por perto. – “Porque Naruto tem o poder de tornar tudo mais fácil”, completou em pensamento.

O estranho o encarou, como se pudesse medir a certeza por trás de sua afirmação. O vento mudou e Sasuke foi atraído pela energia repentina que circulou o local. Ele olhou em volta com os olhos estreitos, estudando a forma como o ambiente parecia diferente, mas ao mesmo tempo igual. Não era a mesma coisa que sentir um chakra, era mais leve e quase imperceptível, mas estava ali; viva.

Por um tempo, ele esperou para ver se Naruto surgiria em algum canto, o que nada aconteceu. O vento parou e a presença da força parecia ter sumido. Por segundos, ele achou que aquele sujeito estava de piada com sua cara. Na certa, ele não tinha poder de mudar o passado e só estava jogando verde para colher maduro.

— Não lamente o passado e os caminhos que decidiu tomar, Uchiha. Há muito para ser vivido e descoberto ainda. – ele sorriu. – A propósito, meu nome é Izanagi. – e sumiu assim como apareceu.

O moreno piscou. O que tinha sido aquilo?

 

(***)

 

Sasuke chegou em casa tarde da noite, cansado, frustrado e confuso. Depois que o homem sumiu diante dos seus olhos, ele passou parte do tempo procurando por algum vestígio que denunciasse a presença do desconhecido. Ele sobrevoou a área com Garuda inúmeras vezes para encontrar indícios de Izanagi e nada. Era como se ele tivesse evaporado da face da Terra. Amanhã, ele convocaria ninjas rastreadores para vasculhar a área, porque a suspeita estava o comendo vivo.

Ele deitou a cabeça no travesseiro depois de dias dormindo em mesas e suspirou. Devido à preocupação, o Uchiha demorou pra dormir, mas em algum momento, seu corpo cedeu ao cansaço e o sono chegou cheio de sonhos estranhos e, ao mesmo tempo, acalentadores.

 

(***)

 

Sasuke apertou os olhos e quis resmungar para a claridade que irrompeu através das pálpebras fechadas. Sakura nunca deixava as janelas abertas, pois sabia que o irritava acordar repentinamente com a luz da manhã. Ele enfiou mais o rosto nos travesseiros e aspirou um cheiro diferente e familiar nas fronhas. A cama também parecia mais quente e acolhedora, e ele pensou duas vezes, antes de levantar para fechar ao menos as cortinas.

Um braço forte apertou em sua cintura e um corpo muito mais firme e largo colou em suas costas. Ele abriu os olhos repentinamente, tentando entender se era só um delírio da sua mente sonolenta. Aquele definitivamente não era o físico delicado e miúdo da sua esposa. Seu abraço era apertado, mas aquele, com certeza, não era um braço feminino e fino, pelo contrário.

Com certo receio, ele abriu os olhos e viu que estava em um lugar diferente, o que explicava o cheiro também diferente que sentiu nas roupas de cama e ao seu redor. À sua frente, a janela de vidro ocupava quase toda a extensão da parede creme, a brisa suave e os raios de sol entravam livremente pelo quarto, e, apesar do vento frio, ele se sentia quente. O calor atrás dele o mantinha aquecido.

Sua mente começou a correr, quando o corpo se moveu para apertar ainda mais o abraço. Assim que o nariz afundou nos cabelos da sua nuca e aspirou ruidosamente e preguiçosamente, ele não conseguiu conter o impulso de se afastar. Antes que ele pudesse se virar para ver quem era aquela pessoa e, quem sabe, entender o que estava acontecendo, uma voz masculina, grave, rouca e assombrosamente familiar murmurou:

— Você finalmente chegou.

Sasuke pulou de susto, se embolou no edredom em sua pressa para sair da cama e caiu de cara no chão. Algo pulsou em seu interior como se tivesse vida, e apesar de senti-lo com certa nostalgia, ele não reconheceu a energia para se concentrar em seu entorno e no possível inimigo. Ignorando a dor, ele tentou se desembaralhar do tecido que restringia seus movimentos.

— Eita, você está ficando desastrado com a idade, teme? – perguntou com diversão.

O moreno arregalou os olhos. Aquele apelido. Aquele timbre. O som daquele riso. O cheiro e... Colocando a mão no peito, o Uchiha sentiu aquele carinho que não sentia há um ano. A ligação que compartilhavam por serem almas gêmeas. Com medo, ele desviou o olhar para encarar o outro homem no quarto, só para se deparar com os olhos azuis sonolentos e alegres.

Seu coração falhou e ele sentiu dificuldade para respirar.

— Sasuke, você está bem? – o homem vulgarmente parecido com Naruto indagou. As sobrancelhas loiras vincadas de preocupação e confusão.



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